Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
337/10.0TTVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
DATA DA ALTA
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP20121119337/10.0TTVFR.P1
Data do Acordão: 11/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I- Numa situação de cura sem incapacidade pode requerer-se a revisão da incapacidade, nos prazos legais estabelecidos.
II - O que importa, para o efeito, é que tenha havido um acidente de trabalho e que este tenha dado origem a incapacidades mesmo que temporárias, com o recebimento das correspectivas indemnizações, para além do nexo causal entre o sinistro e as actuais lesões.
III - O conhecimento não formal do sinistrado da data da alta, não tem a virtude de fazer desencadear o início do prazo da caducidade a que alude o artigo 32º da LAT, o qual só ocorrerá na data em que é feita a entrega efectiva do boletim ao sinistrado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação: nº 337/10.0TTVFR.P1 Reg. Nº 238
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. João Diogo Rodrigues
Recorrente: Companhia de Seguros B…, S.A.
Recorrido: C…
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Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
1. C…, com o patrocínio do Ministério Público, veio requerer, em 28.04.2010, no Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, exame médico de revisão, alegando agravamento do seu estado de saúde em consequência de um acidente que sofreu em 23.12.2004, quando trabalhava para a sua entidade patronal, o D…, do qual resultou ter ficado curado sem incapacidade, a partir 04/05/2005.
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2. A COMPANHIA DE SEGUROS B…, S.A., veio invocar a caducidade do direito de acção à luz do artigo 32º, nº 1 da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro.
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3. Pelo Tribunal a quo, em 03/06/2011, foi proferida a seguinte decisão com a referência 801579:
«Este tribunal, não obstante ter solicitado por diversas notificações, quer junto da Seguradora quer junto de outras instituições, para apresentar nos autos Boletim de Alta Clínica do sinistrado, o certo é que tal elemento documental nunca foi carreado para os autos.
Assim, na esteira do contributo esclarecido do Acórdão da RP, processo 0612502, de 16/10/2006, consultado in www.dgsi.pt, entendemos que “I.O prazo de caducidade do direito de acção previsto na Base XXXVIII da lei 2127 ( e actual art. 32º, nº 1 da Lei 100/97), só começa a contar da data da entrega do boletim da alta ao sinistrado, terminado que esteja o seu tratamento, quer se encontre curado ou em condições de trabalhar. II Não tendo a entidade seguradora, apesar de notificada para o efeito, deito prova da entrega do boletim de alta ao sinistrado, não se verifica a caducidade do referido direito de acção.”
Termos em que se indefere o arquivamento dos autos requerido pela Seguradora.
Custas do incidente a que deu causa a cargo da seguradora.
Notifique.»
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4. Inconformada com esta decisão dela veio a COMPANHIA DE SEGUROS C…, S.A. recorrer pedindo a revogação da mesma, ordenando-se o arquivamento dos autos, concluindo do seguinte modo:
1ª) O artº 32º, nº 1 da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, estabelece que «o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta».
2ª) Por seu lado, o artº 32º, nº 2 do DL 143/99, de 30 de Abril, determina que «quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emitirá um boletim de alta, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau da incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões».
3ª) Os autos evidenciam que a recorrente, através do médico assistente por si designado, emitiu o boletim de alta, no qual fez constar a cessação do tratamento, a data da alta e a não atribuição de incapacidade.
4ª) Tal boletim foi emitido e entregue, em 03/05/2005, ao sinistrado, tendo o mesmo prosseguido a sua actividade profissional.
5ª) O artº 3º da Lei nº 8/2003 prevê, no seu artº 3º, a possibilidade de serem celebrados acordos e protocolos entre as empresas de seguros e as entidades empregadoras dos sinistrados, no sentido de serem estas a conduzir o processo clínico, terapêutico e medicamentoso de recuperação destes, através dos seus departamentos especializados.
6ª) Tal possibilidade decorre da especificidade das entidades empregadoras, que são Clubes de futebol profissional, que são dotadas de departamentos clínicos devidamente aptos a prestarem aos seus atletas profissionais toda a assistência clínica necessária à sua recuperação para a vida activa.
7ª) A actividade de jogador profissional de futebol pressupõe um, pelo menos, razoável estado de saúde e, sobremaneira, uma condição física isenta de lesões.
8ª) Tais aspectos de saúde e condição física não podem ser, nem são, descurados pelos profissionais, sob pena de poderem ser prejudicados na evolução da sua carreira, considerada de desgaste rápido.
9ª) Ora, o sinistrado recebeu a alta clínica em 04/05/2005, como declara, ficando devidamente ciente da decisão do médico assistente, desde logo, ao nível da inexistência de desvalorização.
10ª) Mostra-se, pois, caducado o direito de acção do sinistrado.
11ª) Decidindo como decidiu, o Mmo. Juiz a quo violou, entre outras, as normas dos artºs 32º da L 100/97, 32º do DL 143/99, e deixou de considerar o disposto no artº 3º da L 8/2003, conforme foi alegado.
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5. O Ministério Público, em patrocínio do sinistrado C…, respondeu, tendo alegado que, se lhe afigura «não assistir razão à recorrente; com efeito, foi aquela notificada para juntar aos autos o Boletim de Alta Clínica do sinistrado, não o tendo feito.
Ora, como doutamente decidiu esse Tribunal da Relação, em acórdão datado de 16/10/2006, cuja súmula se transcreve na decisão em crise, só com a prova da entrega do boletim de alta ao sinistrado se pode considerar assente a data a partir da qual começa a correr o prazo de caducidade do direito de acção daquele.
Assim, na ausência de tal prova, imperioso se torna concluir pela não verificação da caducidade do mencionado direito, como o fazem a doutrina e jurisprudência citadas no dito aresto.
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6. Realizado o exame médico de revisão e requerida após, pela Seguradora, a realização de exame por junta médica, a qual teve lugar, proferiu o Tribunal a quo decisão na qual se decidiu que o sinistrado não padece de qualquer incapacidade, pelo que julgou improcedente o incidente de revisão.
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7. A Companhia se Seguros veio alegar que mantinha interesse na apreciação do recurso que interpôs, pelo que requeria que os autos subissem a este Tribunal, o que foi concedido.
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8. Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2). Assim, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (artigo 660.º, n.º 2, do CPC), com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, este normativo, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, independentemente da sua respeitabilidade, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como resulta do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil[1].
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pela apelante, a questão a decidir é tão só apurar se caducou ou não o direito de acção do sinistrado.
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III – FUNDAMENTOS
1. Os factos relevantes são aqueles que resultam do relatório que antecede.
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2. DE DIREITO

2.1. CUMPRE AGORA APURAR SE O DIREITO DE ACÇÃO DO SINISTRADO CADUCOU, CONFORME É DEFENDIDO PELA RECORRENTE.

2.1.1. REGIME LEGAL APLICÁVEL.
Antes de mais, cumpre decidir qual o regime jurídico/legal aplicável ao caso em apreço.
O acidente dos autos ocorreu em 23 de Dezembro de 2004, por isso, no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro.
Note-se que, embora o acidente dos autos se tenha verificado após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, o que se verificou em 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003), não se aplica o correspondente regime jurídico, cuja aplicação carecia de regulamentação (artigos 3.º, n.º 2, e 21.º, n.º 2, ambos da Lei n.º 99/2003). O mesmo sucede com a Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro, cuja entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2010 e apenas se aplica aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor (artigos 187º, nº 1 e 188º).

2.1.2. Tendo em conta que o pedido de revisão deu entrada em 28.04.2010 ao caso é aplicável o Código do Processo de Trabalho (CPT) com as alterações introduzidas pelo DL nº 295/2009 de 13.10 (artigo 6º), concretamente o disposto nos artigos 145º a 147º.

Sob a epígrafe “Revisão da incapacidade em juízo” prescreve o artigo 145º do CPT, o seguinte:
“1. Quando for requerida a revisão da incapacidade, o juiz manda submeter o sinistrado a perícia médica.
2. O pedido de revisão é deduzido em simples requerimento e deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos.
(…)
7. O incidente corre no apenso previsto na alínea b) do artigo 118º, quando o houver.
8. O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, aos casos em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade”.

O caso dos autos é precisamente o referido no nº 8 do artigo 145º do CPT, já que o sinistro não foi participado pela Seguradora ao Tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem desvalorização.
Dispõe o artigo 25º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro[2] sob a epígrafe «Revisão das prestações», que:
“1 - Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2 - A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3 - Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.”

Por sua vez, o artigo 32º do mesmo diploma legal, determina no seu nº 1 que «[o] direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta».

Como não resultou do acidente incapacidade permanente para o sinistrado, a participação do sinistro, para a Seguradora não era obrigatória.
Se assim é, a regra estabelecida no artigo 32º, nº 1 da LAT que determina que «[o] direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta», não tem aqui aplicação
Como sabemos, na acção emergente de acidente de trabalho, a instância inicia-se com o recebimento da participação (artigo 26º, nº 4), sendo esta que que impede a caducidade, entendendo-se que tal prazo de caducidade não se inicia antes de ao sinistrado ter sido entregue o boletim de alta clínica, a que alude o nº 2 do artigo 32º do D.L. nº 143/99, de 30 de Abril[3], cabendo à seguradora o ónus de alegação e prova de tal facto.
No entanto, no caso em apreço não está em causa a participação do acidente (que não era obrigatória como dissemos), nem o acordo sobre a “ cura clínica”, que o sinistrado não pôs em causa, nem sequer a discussão sobre a verificação ou não de acidente.
Antes o sinistrado veio requerer a revisão da incapacidade por ter sofrido recidiva, ou, nas palavras do sinistrado «a situação de saúde agravou-se, com gonalgia persistente e sensação de instabilidade no joelho direito».
Não temos, pois, segundo o entendimento que perfilhamos, em lançar mão do nº 1 do artigo 32º da LAT.
Não tendo havido participação, não houve, como é óbvio, processo, pelo que o presente pedido de revisão, é considerado à luz do nº 8º do artigo 145º do Código de Processo Civil, como um pedido autónomo, pois não pode haver incidente de algo que não existe.
Se assim não considerássemos, levar-nos-ia a situações a que, nos casos em que não tivesse havido participação, por se ter considerado a inexistência de uma incapacidade permanente, o sinistrado estaria sempre impedido de vir requerer a revisão da incapacidade, configura-se ela um agravamento, uma recidiva, ou uma recaída, desde que tivesse decorrido mais de um ano sobre a data da cura clínica.
Dar cobertura a esta defesa provocaria situações de flagrante injustiça e de desigualdade injustificável relativamente àqueles sinistrados que ficaram desde logo portadores de uma incapacidade permanente, já que a estes seria concedido um prazo muito mais longo para que a sua alteração da capacidade de ganho fosse analisada. É que de acordo com o nº 2 do artigo 25º da LAT «a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos».
Assim sendo, o que há que apurar, já que não estamos perante um caso de caducidade previsto no artigo 32º da LAT, é se o pedido de revisão em apreço é ou não tempestivo.
Ora, como já deixamos escrito, de acordo com o nº 2 do artigo 35º da LAT a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre nos dois primeiros anos e uma vez por ano nos (8) anos imediatos.
Ao “ falar em pensão” poder-se-ia então concluir que não existindo esta, ou seja incapacidade permanente nunca o pedido de revisão seria possível. No entanto, este argumento não procede. É que o nº 1 do artigo 25º da LAT determina que «[q]uando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação (…) as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada».
De mãos dadas com o agravamento o legislador colocou a recidiva [reaparição da enfermidade, mais ou menos tempo depois de decorrido um período de saúde completa, ap6s ter sido debelada uma primeira vez[4]].
Por outro lado, o fundamento do nº 1 do artigo 25º da LAT é que as prestações correspondam ao real grau de incapacidade de ganho do trabalhador acidentado.
Razão pela qual, se essa incapacidade se alterar por força de acidente anterior, devem também, as prestações serem modificadas em conformidade. E, como não pode deixar de ser, um caso de cura sem incapacidade é tão susceptível de se modificar como numa situação em que o sinistrado tenha ficado com um grau de incapacidade.
O importante é que tenha havido, como houve, um acidente de trabalho e que este tenha dado origem a incapacidades mesmo que temporárias com o recebimento das correspectivas indemnizações (como sucedeu no caso em apreço, face aos elementos constantes nos autos), para além, como não podia deixar de ser do nexo causal entre o sinistro e as actuais lesões (o que não está aqui em causa).

Assim, numa situação de cura sem incapacidade, como foi o caso do aqui sinistrado, é sempre admissível (desde que, como é óbvio, respeitados os prazos legais), requerer-se a revisão da incapacidade[5].
Temos portanto que o pedido de revisão formulado pelo sinistrado é legalmente admissível e, como, foi requerido em 28 de Abril de 2010 e o acidente que lhe deu origem ocorreu em 23 de Dezembro de 2004, não decorreu, entre as duas datas, o prazo de 10 anos supra referido, sendo, assim, tempestivo.
Inexiste, assim, a invocada caducidade do direito de acção por parte do aqui sinistrado.

Mas mesmo que não perfilhássemos este entendimento, não poderíamos deixar de dar razão à decisão recorrida.

Vejamos, pois.
O nº 1 do artigo 32º da LAT, dispõe, como dissemos, que “o direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado (…)”.
Este preceito tem de ser conjugado com o n.º 2 do art.º 32º do RLAT, que determina o formalismo a levar a cabo quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, devendo, nestes casos, o médico assistente emitir um boletim de alta, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões. Um exemplar desse boletim será, no prazo de 30 dias após a realização dos actos, entregue ao sinistrado (nº 4 do mesmo artigo 32º). Só a partir da entrega do boletim ao sinistrado este pode exercer os direitos decorrentes do acidente, caso não tenha, entretanto sido feita a participação do acidente a tribunal (pois neste caso ter-se-á dado início à instância judicial para reconhecimento e efectivação dos eventuais direitos emergentes de acidente de trabalho).
A alta clinica foi fixada em 3 de Maio de 2005, mas, apesar de devidamente e insistentemente notificada, para o efeito, a Seguradora não logrou demonstrar, como lhe competia[6], que o sinistrado tenha tido conhecimento da alta através de comunicação formal adequada – entrega do aludido boletim de alta.
Assim sendo, o conhecimento não formal do sinistrado da data da alta, não tem a virtude de fazer desencadear o início do prazo da caducidade a que alude o artigo 32º da LAT, o qual só ocorrerá na data em que é feita a entrega efectiva do boletim ao sinistrado.
No caso dos autos, a Seguradora não conseguiu fazer a prova de ter entregue ao sinistrado o respectivo boletim de alta - e a ela competia esse encargo, nos termos do artigo 342, n. 1, do Código Civil, pelo que, não pode deixar de se concluir que o prazo de caducidade da acção nunca chegou a iniciar-se.
Por restas razões, também o presente recurso teria de improceder.
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3. As custas do recurso ficam a cargo da Recorrente (artigo 446º do CPC).
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IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em:
A) Julgarem improcedente o recurso e, embora por fundamentação diversa, manterem a decisão recorrida.
B) Condenarem a Recorrente no pagamento das custas do recurso (artigo 446º do Código de Processo Civil).
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 19 de Novembro de 2012
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
João Diogo de Frias Rodrigues
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[1] Cfr. VARELA, Antunes; BEZERRA, J. Miguel e NORA, Sampaio e. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2001 e 10/04/2008, respectivamente Processos n.º 01A2507 e 08B877, in www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2005, Processo n.º 0535648, in www.dgsi.pt.
[2] Doravante designada por LAT.
[3] Doravante designado apenas por RLAT.
[4] Cf. ALEGRE, Carlos, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Reimpressão, Almedina, 2001, p. 127.
[5] Neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 12/02/2009, Processo 602/04.6TTAVR.C1, www.dgsi.pt (que qui seguimos de perto), CARVALHO, Cruz, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, p. 99 e FERREIRA, Alberto Leite, Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª ed. p. 640.
[6] O ónus da prova que conduzisse à caducidade invocada, impunha-se à ré como facto extintivo do direito do autor/sinistrado (342º do Código Civil).
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 713º, nº 7 do CPC.
I- Numa situação de cura sem incapacidade é sempre admissível (desde que, como é óbvio, respeitados os prazos legais), requerer-se a revisão da incapacidade.
II - O que importa, para o efeito, é que tenha havido um acidente de trabalho e que este tenha dado origem a incapacidades mesmo que temporárias, com o recebimento das correspectivas indemnizações, para além do nexo causal entre o sinistro e as actuais lesões.
III - Sendo assim, não se verifica a caducidade do direito de acção num caso em que o sinistrado tenha sido vítima de um acidente de trabalho ocorrido em 23 de Dezembro de 2004, do qual resultou ter ficado curado sem incapacidade, e que tenha formulado o pedido de revisão em 28 de Abril de 2010.
IV - Por outro lado, o conhecimento não formal do sinistrado da data da alta, não tem a virtude de fazer desencadear o início do prazo da caducidade a que alude o artigo 32º da LAT, o qual só ocorrerá na data em que é feita a entrega efectiva do boletim ao sinistrado.
V - O ónus da prova conduzente à caducidade do direito de acção do sinistrado impunha-se à ré como facto extintivo do direito do autor/sinistrado (342º do Código Civil).

António José da Ascensão Ramos