Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00043159 | ||
| Relator: | FILIPE CAROÇO | ||
| Descritores: | CONTRATO MÚTUO BANCÁRIO HIPOTECA GARANTIA DE FIANÇA CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RP200911124925/07.4TBVFR-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | REVOGADA. | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO - LIVRO 817 - FLS 57. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – O contrato de mútuo bancário e hipoteca garantido por fiança firmada no âmbito dos mesmos documentos (no caso, escritura pública), contendo cláusulas contratuais gerais, está sujeito ao regime do DL nº 446/85, de 25.10 (com as alterações posteriores aplicáveis), designadamente dos respectivos arts. 5º, 6º e 8º, não apenas relativamente aos devedores, mas também ao fiador, parte acessória ou secundária daquele contrato plurilateral, mas igualmente aderente. II – Esta conclusão sai reforçada nas situações em que do contrato resulta que o fiador renunciou ao benefício da excussão do património dos devedores mutuários. III – Sendo daquele que se pretende prevalecer do regime das cláusulas contratuais gerais o ónus da prova da natureza dessas cláusulas e tendo sido essa matéria de facto objecto de impugnação por banda da parte contrária, não poderia conhecer-se logo do mérito da causa através de saneador-sentença. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 4925/07.4TBVFR-A.P1 – 3ª Secção (Apelação) Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Teixeira Ribeiro Adj. Desemb. Pinto de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B………., residente na ………., Lt. .., .., ..., ….-… São João de Ver, contribuinte fiscal n.º ………, executado no processo nº 4925/07.4TBVFR, veio, ao abrigo do disposto no art.º 813.° e seg.s do Código de Processo Civil deduzir oposição à execução em que é exequente C………., S.A. e são co-executados D………. e mulher, E………., alegando essencialmente que é fiador nos contratos de empréstimo dados à execução e, nessa qualidade, interveio apenas aquando da assinatura deles, tendo sido apenas informado da data, hora e local para tal efeito, presenciando então a leitura das cláusulas inseridas nos mesmos, sem qualquer outro tipo de explicações. Considerando aqueles contratos como “de adesão”, as cláusulas inseridas naqueles documentos como “fiador” e “renúncia do benefício de excussão prévia”, comportam um exigente conhecimento de conceitos técnico-jurídicos ou uma complexa teia de direitos e deveres recíprocos a demandar exigente esforço interpretativo, levando o executado a não saber exactamente qual o seu significado e as suas reais consequências. Não tendo a mutuante exequente explicado ao oponente o conteúdo daquelas cláusulas, o seu significado, violando o dever de comunicação e de informação que se impõe no âmbito dos contratos de adesão, nos termos do art.º 5º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro (adiante designado apenas por RJCCG[1]), devem as mesmas ter-se como excluídas dos contratos por força do art.º 8º do mesmo decreto-lei. Concluiu assim: «Nestes termos, e nos mais de Direito que V.a Excelência doutamente suprirá, deve a presente oposição à execução ser julgada procedente, declarando as cláusulas contratuais gerais identificadas como inexistentes e excluídas do contrato singular, por violação do dever de informação.» Notificada, a exequente contestou a oposição alegando que o conteúdo do contrato foi explicado e esclarecido a todos os intervenientes, incluindo ao oponente, devendo entender-se que o regime das cláusulas contratuais gerais não se aplica ao fiador, cuja obrigação é acessória perante o credor, por não ser considerado aderente para aquele efeito, acrescendo a circunstância de o contrato em causa ter sido celebrado por escritura pública, com força probatória e executiva e com tudo o que isso implica, dela constando nomeadamente, pelo Notário que “esta escritura foi lida aos outorgantes e aos mesmos explicado o seu conteúdo”. Termina defendendo a improcedência da oposição. * Dispensada que foi a audiência preliminar, a Ex.ma Juíza conheceu do mérito da causa no despacho saneador que tem, assim, valor de sentença nos termos do art.º 510º, nº 1, al. b) e nº 3, do Código de Processo Civil, julgando totalmente improcedente a oposição à execução deduzida pelo executado B………. e, determinando, em consequência, o prosseguimento da execução. Daquela decisão, recorreu o oponente, de apelação, cujos fundamentos resumiu e concluiu nos seguintes termos: ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………… * A recorrida ofereceu contra-alegações e, tendo-as resumido a final, transcrevem-se também as suas conclusões:………………………………………………… ………………………………………………… ………………………………………………… * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.II. O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 690º, do Código de Processo Civil, na redacção que precedeu a que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável). O Tribunal deve apreciar todas as questões decorrentes da lide, mas, embora o possa fazer, não tem que discutir todos os argumentos ou raciocínios das partes, ou seja, apenas deve considerar o que for necessário e suficiente para resolver cada questão (v.d. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 54, 103 e 113 e seg.s). Importa decidir se o regime da comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais previsto nos art.ºs 1º, 5º e 6º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com os efeitos referidos no respectivo art.º 8º (com as actualizações posteriores, dadas designadamente pelo Decreto-lei nº 220/95 de 31 da Janeiro e pelo Decreto-lei nº 249/99 de 7 de Julho) é de aplicar, no contrato de mútuo bancário, ainda que por interpretação extensiva o deva ser, ao fiador (e não apenas aos subscritores mutuários). III. São os seguintes os factos considerados provados pela 1ª instância: 1- O exequente apresentou, como títulos executivos na presente execução, as escrituras públicas de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, que se encontram juntas a fls. 14 a 47 dos autos principais de execução, nas quais figura como mutuante o Banco exequente; como compradores e mutuários os co-executados D………. e mulher E………., e como fiador o aqui opoente B………., e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 2- Em tais escrituras consta, para além do mais, que os aqui co-executados D………. e mulher E………., e aí mutuários declararam que "... os referidos empréstimo e hipoteca se regulam ainda pelos termos constantes do documento complementar elaborado nos termos do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que fica a fazer parte integrante desta escritura"; 3- Em tais escrituras públicas consta, para além do mais, que o aqui opoente B………. declarou que "... em seu nome pessoal constitui-se fiador e principal pagador por tudo quanto venha a ser devido ao Banco, em consequência do empréstimo que os mutuários contraíram junto do mesmo, e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo, bem como a mudança de Regime de Crédito que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e os devedores"; "A fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou de despesas, constituída por qualquer forma, imputável aos indicados devedores; 4- Mais consta em tais escrituras que "Esta escritura foi lida aos outorgantes e aos mesmos explicado o seu conteúdo"; 5- As referidas escrituras públicas e respectivos documentos complementares encontram-se rubricados e assinados pelo aqui opoente B………. . * IV.Os factos já considerados provados permitem-nos considerar a existência de um contrato de mútuo bancário, com hipoteca, em que intervieram dois dos executados na qualidade de mutuários, e um terceiro executado, ora oponente, na qualidade de fiador. Merece realce nesta sede o item 3º dos factos provados, citando uma passagem daqueles contratos levados a cabo por escritura pública onde o ora oponente declarou que, “em seu nome pessoal constitui-se fiador e principal pagador por tudo quanto venha a ser devido ao Banco, em consequência do empréstimo que os mutuários contraíram junto do mesmo, e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo, bem como a mudança de Regime de Crédito que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e os devedores”; “A fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, de juros ou de despesas, constituída por qualquer forma, imputável aos indicados devedores;”[2]. Nas suas alegações de recurso, a exequente não se opõe expressamente à qualificação do contrato como de adesão, ou como contendo relevantes cláusulas de adesão; contesta, sim, a invocada (pelo recorrente) possibilidade da aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais por extravasar o âmbito da sua relação (como mutuante) com os mutuários e ser aplicável ao fiador-oponente; ou seja o facto deste se poder prevalecer daquele regime instituído. Refere o preâmbulo do referido Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, que “o comércio jurídico massificou-se: continuamente, as pessoas celebram contratos não precedidos de qualquer fase negociatória. A. prática jurídico-económica racionalizou-se e especializou-se: as grandes empresas uniformizam os seus contratos, de modo a acelerar as operações necessárias à colocação dos produtos e a planificar, nos diferentes aspectos, as vantagens e as adstrições que lhes advêm do tráfico jurídico. O fenómeno das cláusulas contratuais gerais fez, em suma, a sua aparição, estendendo-se aos domínios mais diversos. São elaborados, com graus de minúcia variáveis, modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir, sem possibilidade de discussão ou de introdução de modificações. Daí que a liberdade contratual se cinja, de facto, ao dilema da aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos… A realidade pode, todavia, ser diversa. Motivos de celeridade e de precisão, a existência de monopólios, oligopólios e outras formas de concertação entre as empresas, aliados à mera impossibilidade, por parte dos destinatários, de um conhecimento rigoroso de todas as implicações dos textos a que adiram, ou as hipóteses alternativas que tal adesão comporte, tornam viáveis situações abusivas e inconvenientes”. E ficou ainda claro naquela anotação preambular que se encarou a “questão das cláusulas contratuais gerais com abertura. À jurisprudência e à dogmática jurídica pertence extrair todas as virtualidades dos dispositivos legais agora sancionados. Aquelas não ficam, de resto, como se impõe, encerradas num sistema rígido que tolha a consideração de novas situações e valorações de interesses, resultantes da natural evolução da vida”. O Decreto-lei nº 220/95, de 31 de Janeiro introduziu “ajustamentos ou explicitações” no referido regime normativo, e o Decreto-lei nº 249/99, de 7 de Julho, tornou explícito, no nº 2 do art.º 1º que a protecção conferida aos consumidores pela Directiva nº 93/13/CEE abrange quer os contratos que incorporam cláusulas contratuais gerais, quer os contratos dirigidos a pessoa ou consumidor determinado, mas em cujo conteúdo, previamente elaborado, aquele não pode influir. A questão é saber se a posição de garante do fiador é merecedora da protecção própria da que é dada ao consumidor, no caso concreto aos mutuários, enquanto parte mais fraca na relação contratual. A resposta passa pela própria natureza da fiança. A fiança é um contrato normalmente celebrado entre o fiador e o credor com ou sem o acordo do afiançado, embora, tradicionalmente, se tenha vindo a discutir se a fiança se constitui por contrato ou se também se pode estabelecer mediante negócio jurídico unilateral. O facto de a fiança poder ser constituída sem o consentimento do afiançado (artigo 628.°, n.º 2, do Código Civil) não lhe retira a sua natureza contratual, e o seu estabelecimento depende do encontro de vontades entre o fiador e o credor, podendo a declaração de vontade deste último ser tácita. Acresce que, quanto aos negócios unilaterais, por força do disposto no artigo 457.° do Código Civil, vigora um princípio de especialidade, que não confere valor às situações sem previsão legal (cf. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, in Garantias de Cumprimento, Almedina, 4ª edição, pág.s 86, 89 e 90, e, dos mesmos autores, no Estudo Teórico-prático do mesmo tema, Almedina, pág. 32, e ainda António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, edição da AAFDL, 1980, 2º Vol., pág.s 510 e 511). Temos assim que a fiança é o contrato pelo qual uma pessoa — o fiador — garante face a outra — o credor — a satisfação do seu direito de crédito sobre outra — o devedor principal — artigo 627º, n.º 1, do Código Civil. Apesar da lei não o referir expressamente, a fiança resulta sempre ou de um contrato entre o fiador e o credor, ou de um contrato entre o fiador e o devedor que, nesse caso, revestirá a natureza de um contrato a favor de terceiro”, ou até de “um contrato plurilateral entre estas três partes” (assim, Meneses Leitão, in “Garantias das Obrigações”, 2ª Ed., 2008, 107 e 108; no mesmo sentido, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª Ed. Reimpr., 2001, pgs. 486 e 498). Salvo o devido respeito por posição diversa, é esta a que nos parece ser a melhor doutrina. Refere o nº 2 do citado art.º 627º uma das principais características da fiança: a sua acessoriedade, assim se explicando, por exemplo, que: — A fiança não seja válida se o não for a obrigação principal – artigo 632.°, n.º 1; — A fiança deva seguir a forma da obrigação principal – artigo 628.°, n.º 1; — O âmbito da fiança seja limitado pelo âmbito da obrigação principal — artigo 631.º , n.º 1; — A natureza comercial ou civil da fiança dependa da natureza da obrigação principal; — O devedor não se libere pelo facto de alguém celebrar com o credor, contrato de fiança em relação ao seu débito; e — A fiança se extinga, com a extinção da obrigação principal — artigo 651.°. Precisa a lei que «a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor» (art.º 634.°). Daqui se conclui, portanto, que a responsabilidade do fiador, salvo convenção em contrário (art.º 631º, nº 1), se molda pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a ele está obrigado: não só a prestação devida mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo (art.º 798.°) ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido (art.º 810.°). Do contrato de fiança validamente celebrado resulta uma relação entre o fiador e o credor paralela à que decorre entre este e o devedor principal. Por via do referido contrato, o fiador fica vinculado a satisfazer o direito de crédito afiançado, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, nos termos convencionados. A obrigação do fiador derivada do contrato de fiança é de natureza pessoal ou fidejussória, no sentido de que consiste na assunção pessoal por um terceiro, com todo o seu património, a título subsidiário, da obrigação de satisfação do direito de crédito do credor (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.3.2009, in www.dgsi.pt). Trata-se, pois, de uma garantia pessoal de qualquer uma obrigação, por via da qual o fiador vincula todo o seu património à satisfação do direito do credor. No caso sub judice, a fiança foi prestada nos mesmos instrumentos pelos quais se constituiu o mútuo entre o exequente e os executados mutuários através da observância das cláusulas que integram as “condições gerais” e as “condições particulares” desse contrato. Por isso, podemos afirmar que a fiança surge no caso como um contrato plurilateral, envolvida no conjunto negocial. Muito embora o fiador seja parte acessória e não principal, ele é uma parte no contrato. O RJCCG não distingue entre “partes principais” e “partes acessórias” nos contratos ou entre “aderentes principais” e “aderentes acessórios ou secundários”, não se justificando uma interpretação restritiva sempre que dela possam resultar desvantagens para as partes mais fracas, em cujo interesse o regime jurídico em causa foi instituído (cf. art.ºs 1º, nº 3, 5º e 6º). A protecção legal deve estender-se a todos os aderentes, não podendo afirmar-se que o fiador não é um destinatário directo daquele corpo normativo. Na verdade, tendo subscrito os contratos, embora na qualidade de fiador, não vislumbramos razões para não considerarmos também o fiador uma parte aderente e, como tal merecedora da protecção do referido regime jurídico, designadamente quando no preâmbulo do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro --- como se referiu já --- se encarou a questão com abertura, concedendo-se à jurisprudência e à dogmática jurídica a extracção de todas as virtualidades dos dispositivos legais ali sancionados, referindo-se ali também, desta feita como característica do regime jurídico instituído, um “articulado desenvolto, inclusive, abrangendo situações que ultrapassam os meros consumidores ou utentes finais de bens e serviços”. Dando guarida a esta perspectiva e citando em sentido idêntico Januário Gomes, in Assunção Fidejussória de Dívida, pág. 103, escreveu-se nos acórdãos desta Relação de 9.11.2006 e de 14.6.2007, in www.dgsi.pt: “sendo o fiador um terceiro que garante o cumprimento da obrigação a cargo do contraente principal, impõe-se-lhe a extensão do ónus de comunicação e de informação que recai sobre o credor, já que as razões que estiveram na génese da constituição de um regime específico para os contratos de adesão são inteiramente transponíveis para a fiança acoplada a tais contratos”. A necessidade de controlo sobre os contratos de adesão que se faz sentir ao nível da tutela da vontade do mutuário, justifica-se também ao nível dos interesses do fiador, já que este é também colocado perante conteúdos que, enquanto leigo (como é normalmente em matéria jurídica), não conhece e muito menos domina, impondo-se aqui as razões de justiça comutativa. No caso em análise, por cláusula contratual, consta que o fiador renunciou ao benefício da excussão prévia, o que significa ter resultado afastada a regra da subsidiariedade da fiança enquanto característica facultativa do contrato, não estando excluída a possibilidade daquela cláusula integrar o número daquelas que, no contrato, lhe são impostas (não negociadas) pela credora-exequente. O fiador passou, assim, a apresentar-se, ao lado do devedor, como principal pagador; ou seja, o fiador e o devedor tornam-se responsáveis solidários pelo pagamento da dívida e o credor pode exigir a totalidade da dívida ao fiador ou ao devedor. O fiador deixa, nomeadamente, de poder recusar o cumprimento enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal e responde solidariamente com os devedores em caso de mora ou incumprimento contratual, como se pretende com a execução em curso (art.º 638º e 640º, al. a), do Código Civil), o que se traduz numa desvantagem apreciável e que pode não ter sido devidamente compreendida dado o pendor iminentemente técnico-jurídico daquelas expressões. Desvantagem que se revela até mais gravosa do que a posição dos devedores, pois que, ao contrário destes, não obteve qualquer benefício, designadamente pela utilização da quantia mutuada. Como refere o recorrente nas suas alegações (ponto 4º), a excluírem-se as intervenções contratuais acessórias, designadamente do fiador, da protecção dada aos aderentes no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais, poderão surgir “situações de verdadeiras injustiças, já que, por mera inércia ou desleixo dos intervenientes principais, o interveniente acessório, apesar de responder imediatamente pelo incumprimento, nada pode fazer e, para além disso, potencia a que as instituições financeiras deixem de se preocupar com obrigações legais, excepcionando-se uma situação que, aparentemente, pelo reforço actual ao seu combate e divulgação, parece escapar ao senso comum”. Conhecendo-se, embora, jurisprudência em sentido contrário, é nossa convicção ser esta a que melhor se coaduna com o pensamento legislativo que presidiu à criação do RJCCG e às Directivas Comunitárias que estão na sua origem e, bem assim, ao próprio texto legislativo numa interpretação declarativa e apoiada na mens legislatoris que se busca na respectiva introdução preambular. Neste sentido se tem pronunciado a Relação do Porto, acompanhando outra jurisprudência e doutrina citadas no recente acórdão desta mesma Relação de 19.5.2009, in www.dgsi.pt, além da que já se referiu atrás, acrescentando nós que esta posição é igualmente sufragada pelo Prof. Fernando Gravato de Morais, in “Contratos de Crédito ao Consumo”, Almedina 2007, pág.s 143 a 145, para o qual o dever de comunicação ao fiador não se pode extrair da mera assinatura aposta por este no contrato; a mera subscrição do negócio pouco ou nada reflecte quanto ao dever em causa. Se os factos provados em tribunal não permitirem saber se as cláusulas contratuais foram ou não comunicadas ao fiador, o art. 516.° Código de Processo Civil estabelece que a dúvida se resolve contra o proponente, aqui financiador. Neste enfiamento, a questão que constitui o thema decidenduum do recurso merece decisão favorável ao recorrente, com a procedência do recurso e a, consequente, revogação da sentença recorrida. Todavia, não é possível tomar desde já posição sobre o mérito da causa em sentido contrário ao decidido em 1ª instância. Previamente, deve recair prova sobre a matéria de facto da caracterização do contrato como sendo de adesão, alegada pelo oponente no requerimento inicial, nomeadamente sob os respectivos artigos 4º e 5º, e impugnada na resposta da exequente (cf., desde logo, o respectivo artigo 1º do articulado). Se é certo que o ónus da prova do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação consignados nos art.ºs 5º e 6º do RJCCG cabe ao contratante que submete a outrem cláusulas daquela natureza (cf. nº 3 do referido art.º 5º), prevenindo os efeitos do subsequente art.º 8º, nem por isso a parte que quer beneficiar da invalidade das cláusulas contratuais gerais está dispensada de demonstrar previamente, em cada caso, que estamos em terreno próprio destas (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.5.2007, in www.dgsi.pt). Para o efeito, o processo não pode deixar de prosseguir a sua tramitação normal, com elaboração de factos assentes e de base instrutória, nos termos dos art.ºs 511º e seg.s do Código de Processo Civil. Por conseguinte, somos de concluir que: - O contrato de mútuo bancário e hipoteca garantido por fiança firmada no âmbito dos mesmos documentos (no caso, escritura pública), contendo cláusulas contratuais gerais, está sujeito ao regime do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações posteriores aplicáveis), designadamente dos respectivos art.ºs 5º, 6º e 8º, não apenas relativamente aos devedores, mas também ao fiador, parte acessória ou secundária daquele contrato plurilateral, mas igualmente aderente; - Esta conclusão sai reforçada nas situações em que do contrato resulta que o fiador renunciou ao benefício da excussão do património dos devedores mutuários. - Sendo daquele que se quer prevalecer do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais o ónus da prova da natureza dessas cláusulas e tendo sido essa matéria de facto objecto de impugnação por banda da parte contrária, não poderia conhecer-se logo do mérito da causa através de saneador-sentença. * V.Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o saneador-sentença, ordenando-se que os autos prossigam a sua normal tramitação para julgamento, com elaboração de factos assentes e de base instrutória. Custas pela R. recorrida. * Porto, 12 de Novembro de 2009 Filipe Manuel Nunes Caroço Manuel de Sousa Teixeira Ribeiro Fernando Manuel Pinto de Almeida ____________________________ [1] Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais. [2] O sublinhado é nosso. [3] Aresto cuja importância poderá relevar também na oportuna apreciação da invocada (pela exequente) força probatória da escritura pública pela qual se celebraram os contratos e na qual o Notário terá feito constar: “Esta escritura foi lida aos outorgantes e aos mesmos explicado o seu conteúdo”. |