Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
235/08.8TTBGC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERREIRA DA COSTA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRABALHADOR INDEPENDENTE
Nº do Documento: RP20110613235/08.8TTBGC.P1
Data do Acordão: 06/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Sendo a vítima de um acidente de trabalho um trabalhador independente, ou por conta própria, ele reune em si a dupla qualidade de empregador e de trabalhador, mormente no que às regras de segurança no trabalho concerne.
II – Daí que lhe sejam aplicáveis as regras de segurança no trabalho, quer as respeitantes aos trabalhadores por conta de outrem, quer as respeitantes às entidades empregadoras, previstas nos Art.ºs 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 18.º, n.º 1, ambos da LAT, pelo que a sua inobservância pode conduzir à não reparação das consequências danosas do acidente de trabalho, atento o disposto em tais normas e ainda no Art.º 4.º, n.º 1, alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. N.º 768
Proc. N.º 235/08.8TTBGC.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

B… deduziu[1], com o patrocínio da Senhora Procuradora da República, contra C… – Companhia de Seguros, S.A. acção declarativa, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, pedindo que se condene a R. a pagar ao A.:
• € 2.086,59 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;
• O capital de remição da pensão de € 514,80, com início em 2008-04-08;
• € 80,06 para reembolso das despesas de taxas moderadoras/internamentos, medicamentos e material de ortopedia;
• € 61,70 para reembolso das despesas de transporte e alojamento; e
• juros de mora à taxa legal.
Alega o A., para tanto e em síntese, que no dia 8 de Outubro de 2007 quando, exercendo a profissão de trolha na construção civil, como trabalhador independente e auferindo a retribuição anual de € 604,50 por 14 meses, sofreu um acidente que consistiu na queda de uma altura de 4 metros quando estava a colocar réguas numa porta que dava acesso para uma varanda duma casa em construção, do que lhe resultou lesões que lhe determinaram incapacidade temporária e permanente para o trabalho, que a R. imputa a negligência grosseira e exclusiva do sinistrado e a inobservância das regras de segurança, também por parte dele.
Contestou a R., impugnando parcialmente os factos alegados pelo A. e, por excepção, alegou não aceitar a existência e caracterização do evento como acidente de trabalho, por entender que o mesmo ocorreu por negligência grosseira do sinistrado e por violação de normas de segurança, pelo que está excluída a sua reparação e requerendo a final a realização de exame por junta médica para fixação da incapacidade do A.
Foi proferido despacho saneador, assentes os factos considerados provados e elaborada a base instrutória, sem reclamações.
Determinou-se o desdobramento do processo para fixação da incapacidade do A. e, autuado por apenso o respectivo incidente e realizada a junta médica, foi proferida decisão, pela qual foi fixada ao sinistrado uma IPP de 4,93%.
Realizado o julgamento com gravação da prova pessoal, respondeu-se à base instrutória, sem reclamações – cfr. fls. 164 a 167.
Proferida sentença, o Tribunal a quo condenou a R.:
a) a pagar ao A. B…:
- o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 292,06 (duzentos e noventa e dois euros e seis cêntimos), com efeitos a partir de 08/04/2008, a calcular oportunamente de acordo com as regras fixadas na Portaria 11/2000 de 13/01;
- a quantia de € 1.708,17 (mil setecentos e oito euros e dezassete cêntimos) relativa a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho;
- o montante global de € 78,81 (setenta e oito euros e oitenta e um cêntimos) relativo a despesas com assistência médica e tratamentos;
- o montante global de € 61,70 (sessenta e um euros e setenta cêntimos) relativo a despesas de deslocação;
- juros de mora sobre todas as prestações em dívida, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento quanto à pensão e à indemnização pela incapacidade temporária e desde a citação quanto às demais prestações, até integral pagamento;
b) a providenciar ao A. a assistência médico-cirúrgica de que este careça, ainda, designadamente para retirada do material de osteossíntese.
Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpôr recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões:

1. Entende a Apelante que o Tribunal não apreciou a questão da exclusão da situação em apreço das garantias do contrato de seguro, questão essencial para a resolução deste litígio e alegada pela ora Apelante em sede de contestação (cfr. arts. 40.º e 41.º), sendo, por isso, a sentença nula, nos termos do art. 668.º, n.º 1, d), do C.P.C..
2. A R. invocou esta exclusão, alegando que o Autor não observou as regras estabelecidas para garantir as condições mínimas de segurança, não estando, por isso, este acidente garantido pela apólice em causa, mas o Tribunal não a apreciou.
3. Nestes termos, caso o Tribunal de 1.ª Instância não o tenha feito, deve o Tribunal a quem pronunciar-se sobre a questão da exclusão do contrato de seguro por violação das regras de segurança por parte do A., estabelecida na alínea g) do n.º 1 do art. 4.º da Apólice Uniforme.
4. E considerando a matéria dada como provada, designadamente nos pontos 8, 9, 17 a 20, que a Ré se abstém de transcrever, deve o Tribunal a quo considerar que o acidente proveio de acto e/ou omissão que importou a violação das regras de segurança previstas na lei.
5. Provado que o A. caiu da varanda onde se encontrava e que a existência de guarda corpos ou cinto de segurança eram medidas adequadas a prevenir o risco de queda em altura, devia ter o Tribunal a quo concluído, nem que fosse por presunção judicial (cfr. art. 349.º do Código Civil) que a existência daqueles meios de protecção impediria o Autor de cair, ou dito de outro modo, senão fosse a inexistência daqueles meios de protecção o A. não cairia.
6. Razão pela qual deve o Tribunal julgar procedente o alegado pela R., considerando que o acidente ora em causa está excluído do contrato de seguro, nos termos do disposto no art. 4.º, n.º 1, g) da Apólice Uniforme, absolvendo a R. dos pedidos contra si deduzidos.
7. Atentos os factos dados como provados, resulta evidente que as circunstâncias em que o Autor trabalhava implicavam um risco efectivo de queda, pelo que era imposto por lei que aquele adoptasse as medidas especiais de protecção para evitar as quedas em altura.
8. Se a utilização de guarda-corpos e/ou de cinto de segurança era o meio eficaz para prevenir o risco de queda em altura, impedindo uma eventual queda, então, era legalmente imposto ao Recorrido que, naquelas concretas circunstâncias, o utilizasse.
9. Do cotejo dos preceitos legais supra invocados, resulta que o Autor tinha obrigação de tomar todas as precauções necessárias a garantir a sua segurança, verificando, antes de executar qualquer tarefa, os riscos que tal acarretava, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelos acidentes que em virtude do seu não uso, ocorram.
10. É do conhecimento comum, a especial perigosidade e o especial risco de queda e de sofrer lesões inerente aos trabalhos exercidos a mais de 4 metros do chão.
11. Note-se que o murete existente na bordadura da varanda com apenas 66 cm de altura não era manifestamente dispositivo de segurança adequado ou eficaz - por isso, aliás, é que a Lei estabelece 1 metro como altura mínima para guarda corpos.
12. Da mesma forma, não pode ser considerado dispositivo de segurança adequado ou eficaz, o andaime montado a cerca de dois palmos de distância da varanda, que, aliás, possibilitou a queda do Autor.
13. Por outro lado, o tipo de tarefa exercida, numa varanda em construção, que implicava que o Autor exercesse força, puxando pelos grampos, susceptíveis de se soltar, e, consequentemente, de provocar o desequilíbrio do Autor, implicava, como é evidente meios de protecção colectiva e/ou individual adequados.
14. Atenta a sua profissão, não podia o Autor ignorar as normas legais supra referidas que, aliás, traduzem regras de elementar cuidado, sendo certo que, mesmo que as ignorasse, ignorantia legis non excusat.
15. Provada a violação das regras de segurança por parte do Autor e demonstrado que a utilização de guarda corpos e cinto de segurança seria uma medida adequada a prevenir e diminuir o risco de queda em altura, devia o Tribunal a quo concluir que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança por parte do Autor, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 7.º, alínea a) da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
16. Aliás, a prova que o Autor quando caiu exercia as suas tarefas a cerca de 4 metros de altura, sem guarda corpos, sem cinto de segurança ou qualquer meio de protecção que evitasse a queda, não só permitia mas impunha que o Tribunal concluísse que o seu comportamento era temerário em alto e relevante grau.
17. Ficou, pois, mais do que demonstrado que o Autor violou as mais elementares regras de segurança e que agiu com negligência grosseira, e que foi a sua conduta a única causa do acidente dos autos, pelo que não podia deixar de estar, nos termos do disposto no art. 7.º da LAT, excluído o direito à reparação.
18. Deve, pois, julgar-se procedente o recurso interposto pela Recorrente, absolvendo-se a R. dos pedidos contra si deduzidos.

O A. apresentou a sua contra-alegação de resposta à apelação, concluindo pelo não provimento do recurso.
Recebido o recurso, elaborado o projecto de acórdão e entregues as respectivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[2], foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:

1- A R. dedica-se à actividade seguradora (alínea A).
2- No âmbito desta sua actividade a R. contratou com o sinistrado, trabalhador independente, a transferência da responsabilidade infortunística deste, resultante de acidentes de trabalho ocorridos consigo próprio na actividade respectiva (alínea B).
3-Mediante contrato de seguro do ramo "acidentes de trabalho por conta própria", titulado pela apólice com o n.º 1 1.00026783 (alínea C).
4- Auferia o A. a retribuição de € 604,50 x 14 meses/ano, perfazendo a retribuição anual de €8.463,00, retribuição esta abrangida pela apólice referida (alínea D).
5- Cerca das 11 horas, do dia 8 de Outubro de 2007, em Miranda do Douro, no exercício da actividade de trolha da construção civil, o A. sofreu um acidente que consistiu em ter caído de uma varanda, de uma altura de cerca de quatro metros (alínea E).
6- Em consequência da queda o A. sofreu fractura da extremidade distal do rádio esquerdo (alínea F).
7- A R. não prestou ao A. qualquer assistência médica nem hospitalar (alínea G).
Das respostas à Base instrutória
8- A queda referida na al. E da matéria de facto assente ocorreu quando o A. colocava réguas numa porta, com acesso a uma varanda duma casa em construção (resposta ao quesito 1º).
9- Ao puxar pelos grampos, um deles soltou-se, o que, por causa da força que o sinistrado exercia nesse momento, fez com que este se desequilibrasse, impelindo-o para trás, acabando por cair da varanda (resposta ao quesito 2º).
10- Das lesões descritas na alínea F da matéria de facto assente resultaram, directa e necessariamente, para o A. ITA desde 9/10/2007 a 6/01/2008 e ITP de 15% desde 7/01/2008 a 7/04/2008 (resposta ao quesito 3º).
11- Como sequela permanente irreversível de tais lesões apresenta o A. rigidez do punho esquerdo (resposta ao quesito 4º).
12- Apresentando ainda o material de osteossíntese (resposta ao quesito 5º).
13- Tais sequelas comprometem a sua actividade profissional, apresentando dificuldade em realizar alguns trabalhos (resposta ao quesito 6º).
14- Por causa de tais sequelas encontra-se o A. afectado de incapacidade permanente para o trabalho desde 7 de Abril de 2008 (resposta ao quesito 7º).
15- O A. em taxas moderadoras despendeu a quantia de € 16,25, em internamento € 15,00, em medicamentos e material ortopédico receitados pelo médico do Hospital, respectivamente € 33,27 e € 14,29 (resposta ao quesito 8º).
16- Despendeu o A. com os transportes entre a sua residência e a cidade do Porto para comparecer às convocações dos serviços médicos da R. e em despesas de alimentação/hospedagem, o total de € 61,70 (resposta ao quesito 9º).
17- O trabalho exercido pelo Autor implicava o risco de queda em altura (resposta ao quesito 10º).
18- A utilização de guarda corpos seria uma medida adequada a prevenir e diminuir o risco de queda em altura (resposta aos quesitos 11º e 12º).
19- A varanda onde o A. se encontrava a trabalhar não estava protegida com qualquer equipamento de protecção colectiva, designadamente com guarda corpos, mas apresentava na sua bordadura um murete de cerca de 66 cm de altura e, a cerca de um a dois palmos de distância da varanda encontrava-se montado um andaime cujas pranchadas metálicas do piso estavam situadas a cerca de um palmo acima do referido murete (resposta ao quesito 13º).
20- O Autor não utilizava qualquer equipamento individual de protecção, designadamente, cinto de segurança que evitasse o risco de queda (resposta ao quesito 14º).
Está também provado o seguinte facto:
21- É de 4,93% a IPP referida em 14 – cfr. decisão de fls. 24 e 25 do apenso.

O Direito.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[3], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota(2), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho[4], salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são duas as questões a decidir nesta apelação, a saber:
I – Nulidade da sentença e
II – Exclusão da reparação das consequências do acidente.
Nulidade
A 1.ª questão.
Trata-se de saber se a sentença é nula.
Na verdade, segundo alega a R., ora apelante, a sentença é nula porque não conheceu a questão da exclusão do seguro por violação das condições de segurança, prevista no Art.º 4.º, n.º 1 alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes, o que integra a nulidade prevista na aI. d) do n.º 1 do Art.º 668.º do Cód. Proc. Civil.
Vejamos.
As nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo Juiz na sentença.
Aquelas, constituindo anomalia do processado, devem ser conhecidas no Tribunal onde ocorreram e, discordando-se do despacho que as conhecer, pode este ser impugnado através de recurso de agravo. Porém, as nulidades da sentença, tendo sido praticadas pelo Juiz, podem ser invocadas no requerimento de interposição do recurso [dirigido ao Juiz do Tribunal a quo, para que este tenha a possibilidade de sobre elas se pronunciar, indeferindo-as ou suprindo-as] e não na alegação [dirigida aos Juízes do Tribunal ad quem], como dispõe o Art.º 77.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho, sob pena de delas não se poder conhecer, por extemporaneidade[5].
No entanto, recentemente, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão n.º 304/2005, de 2005-06-08, proferido no Proc. n.º 413/04 decidiu, nomeadamente, o seguinte:
Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro [que corresponde, com alterações, ao Art.º 72.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 1981], na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior[6].
In casu, a R., ora apelante, invocou a nulidade da sentença no requerimento de interposição de recurso, pelo que dela devemos tomar conhecimento, por tempestivamente deduzida, atenta a referida doutrina do Tribunal Constitucional.
E, entrando no conhecimento do mérito da nulidade invocada, verificamos que o Art.º 668.º do Cód. Proc. Civil dispõe no seu n.º 1, adrede, o seguinte:
É nula a sentença quando:
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar...
Ora, considerando os fundamentos invocados pela apelante, pretende ela que a sentença é nula porque não apreciou nem decidiu a questão da exclusão do seguro, por violação das condições de segurança, prevista no Art.º 4.º, n.º 1 alínea g) da Apólice Uniforme o que, a seu ver, integra a nulidade prevista na aI. d) do n.º 1 do Art.º 668.º do Cód. Proc. Civil.
Analisada a sentença, verificamos que ela se debruçou em pormenor sobre as condições de trabalho do A., nomeadamente, das condições de segurança do local de trabalho, o que fez na perpectiva do disposto nas normas constantes do Art.º 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, tendo concluído que, apesar das violações praticadas, elas não eram de molde a afastar a reparação do acidente.
É certo que a sentença não invocou o disposto no Art.º 4.º, n.º 1 alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes, como a apelante o fez nos artigos 40.º e 41.º da contestação. Trata-se, porém, de uma regra de direito, que respeita à fundamentação da decisão, mas que não constitui uma questão a decidir. Tanto assim é que, independentemente das normas convocadas e dos fundamentos expendidos, a única questão que o Tribunal a quo tinha para resolver era a de saber se o acidente dos autos era reparável. Porém, como vimos, tal questão foi decidida, no sentido afirmativo.
Ora, assim sendo, não foi praticada na sentença a nulidade invocada pela apelante.
Termos em que e sem necessidade de outras considerações, se indefere a invocada nulidade da sentença.

A 2.ª questão.
Trata-se de saber se o acidente não é indemnizável, por ter havido negligência grosseira e exclusiva ou violação das regras de segurança, ambas por parte do sinistrado, trabalhador por conta própria, conducentes à exclusão do seguro, atento o disposto nos Art.ºs, respectivamente, 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e Art.º 4.º, n.º 1 alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes.
Vejamos.[7]
O sinistrado, ora A. e apelado, é trabalhador por conta própria.
Reclamou a reparação correspondente à prevista na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro[8] e demais legislação aplicável, porque efectuou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a R., seguradora, ora apelante, atento o disposto no Art.º 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio, o qual é obrigatório.
Tal contrato de seguro rege-se pela referida LAT e diplomas complementares, com as devidas adaptações, como dispõe o Art.º 2.º do mencionado Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio.
A necessidade de um regime jurídico devidamente adaptado resulta da circunstância de o trabalhador por conta própria reunir em si a dupla qualidade de empregador e trabalhador, criando dificuldades as situações em que o acidente ocorre por culpa da entidade empregadora[9]. Na verdade, estabelecendo a LAT, no seu Art.º 18.º, n.º 1 que quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão…, estabelecendo a seguir o nível da agravação nos casos de incapacidade temporária e de incapacidade permanente, importa determinar qual é o regime, devidamente adaptado, a aplicar no caso de o acidente ter tido por vítima um trabalhador por conta própria. Em realidade, a primeira dificuldade a enfrentar consiste em saber se nestes casos tem aplicação a norma constante do Art.º 37.º, n.º 2 da LAT:
Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei.
E a questão tem pertinência porque, estabelecendo o Art.º 273.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho de 2003[10], que
O empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, estatui o Art.º 212.º do respectivo Regulamento[11] que o disposto em tal artigo é aplicável, com as devidas adaptações, ao trabalhador por conta própria.
Por outro lado, estabelece o Art.º 4.º, n.º 1, alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes[12] que
Além dos acidentes excluídos pela legislação aplicável, não ficam, em caso algum, abrangidos pelo presente contrato os acidentes que sejam consequência de falta de observância das disposições legais sobre segurança, higiene e saúde no local de trabalho.
Daqui decorre que, em caso de culpa na produção do acidente por banda do trabalhador por conta própria, em lugar de responder a entidade empregadora em primeira linha e a seguradora subsidiariamente, como sucede no regime da LAT, nestas hipóteses de acidentes em que sejam vítimas trabalhadores por conta própria, não há direito a reparação do sinistro.
Tal significa que o regime devidamente adaptado, aplicável ao caso dos trabalhadores por conta própria ou independentes, não integra a norma constante do Art.º 37.º, n.º 2 da LAT, mas já inclui a hipótese[13] da norma constante do n.º 1 do Art.º 18.º da mesma LAT, a norma constante do Art.º 273.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho de 2003, bem como a norma constante do Art.º 4.º, n.º 1, alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes; isto é, se houver culpa ou inobservância das regras de segurança por parte do trabalhador por conta própria, não há reparação do sinistro e, se tal não se verificar, há reparação por parte da seguradora, que responde em via principal e na medida da responsabilidade transferida, isto é, na medida da retribuição declarada para efeitos de prémio de seguro[14].
Trata-se de regime jurídico coerente porque, por um lado, não há entidade empregadora para suportar a responsabilidade em primeira linha e mesmo que se considerasse o trabalhador por conta própria como o seu próprio empregador, o direito e a obrigação extinguir-se-iam reciprocamente por via da confusão[15] na mesma pessoa – singular – e, por outro, não faria sentido colocar a seguradora a responder subsidiariamente quando não existe obrigação principal.
In casu, pretendeu-se que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança por banda do sinistrado, trabalhador por conta própria.
Cremos, no entanto, que tal como sucede no domínio da LAT, para os trabalhadores por conta de outrem, também aqui é necessário demonstrar que existiu nexo causal entre a violação das regras de segurança e a produção do acidente, sendo certo que ele não se presume.
Na verdade, no domínio da aplicação do regime infortunístico anterior, a violação das regras de segurança fazia presumir – presunção juris tantum – a culpa da entidade empregadora, atento o disposto no n.º 2 da Base XVII da Lei n.º 2127, de 1965-08-03 e no Art.º 54.º do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto[16], sendo ainda necessário provar [directamente] o referido nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a produção do acidente.
No regime vigente, o Art.º 18.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, não remete para qualquer norma do seu regulamento – Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril – como sucedia anteriormente. Tal significa que hoje, mesmo no caso de violação das regras de segurança, impõe-se demonstrar a culpa da entidade empregadora – imputar-lhe a inobservância das regras de segurança, a título de culpa [dolo ou negligência] – e ainda fazer a prova do nexo de causalidade, como no regime anterior[17].
Este entendimento da doutrina e da jurisprudência para os casos de acidentes de trabalho de que tenham sido vítimas trabalhadores por conta de outrem, é – a nosso ver – igualmente válido para as hipóteses de acidentes em que estejam envolvidos trabalhadores por conta própria.
Na verdade e como se referiu acima, é a própria lei que equipara o trabalhador independente ao empregador – cfr. o citado Art.º 212.º do Regulamento do Cód. do Trabalho de 2003.
A sentença impugnada, no entanto, analisou o caso dos autos pela perspectiva do sinistrado, trabalhador por conta própria, como trabalhador e não como empregador, procurando verificar se ocorreu descaracterização do acidente, resultante exclusivamente de negligência grosseira dele.
Ora, nesta perspectiva e face à norma constante da Base VI, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 2.127, de 1965-08-03, entendia-se então que não havia reparação do acidente se cumulativamente se verificassem 3 requisitos, a saber:
- Falta grave do sinistrado na produção do acidente;
- Que essa falta fosse indesculpável e
- Que não houvesse concorrência de culpas – requisito da exclusividade.
Por último, entendia-se também que o ónus da prova dos correspondentes factos, porque impeditivos do direito do impetrante, cabia à entidade responsável pela reparação do acidente, atento o disposto no Art.º 342.º, n.º 2 do Cód. Civil[18].
Ora, sendo assim, o comportamento da vítima do acidente tinha de ser grave, temerário, indesculpável e não haver contribuição de terceiro para a produção do resultado, cabendo o ónus da prova ao responsável pela reparação das consequências do acidente.
Acontece, porém, que o acidente dos autos, tendo ocorrido em 2007-10-08, é regulado pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, em cujo Art.º 7.º, n.º 1, alínea b) se estatui:
Não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
Crê-se, no entanto, que a disciplina é a mesma que a constante do lugar paralelo da Lei n.º 2.127, de 1965-08-03, salvas as diferenças terminológicas. Pois falta grave e indesculpável tem um sentido equivalente a negligência grosseira, na medida em que esta é uma omissão do dever objectivo de cuidado, mas lata ou grave, confinando com o dolo[19].
A sentença impugnada também analisou o caso dos autos pela perspectiva da norma contida na alínea a) do n.º 1 do Art.º 7.º da LAT.
É o seguinte o seu teor:
Não dá direito a reparação o acidente que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei[20].
Desta norma resulta que um acidente de trabalho em que a vítima preencha os respectivos pressupostos não se transmuda em “acidente não de trabalho”, como enganosamente sugere a epígrafe do artigo – descaracterização do acidente. Ao contrário, a natureza do sinistro mantém-se, como de trabalho, só que não há direito a reparação das suas consequências danosas, em consequência de ele ser imputável ao próprio sinistrado, a título de culpa, nas modalidades juridicamente relevantes.
Por outro lado, tem-se entendido que não há direito a reparação do acidente em que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos, atento o disposto na referida norma constante da alínea a) do n.º 1 do Art.º 7.º da LAT:
1.º) – Que o acidente resulte de uma conduta dolosa do sinistrado que, consistindo na violação de regras de segurança, conduza, por exemplo, ao suicídio ou à auto-mutilação;
2.º) – Violação das regras de segurança, por acção ou omissão, sem causa justificativa;
3.º) – Que as condições de segurança tenham sido impostas pelo empregador ou derivem da lei e
4.º) – Que exista nexo de causalidade entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente.
Claro que, como nas anteriores situações, o ónus da prova cabe à entidade responsável, atento o disposto no Art.º 342.º, n.º 2 do Cód. Civil[21].
In casu, estão provados os seguintes factos:
5- Cerca das 11 horas, do dia 8 de Outubro de 2007, em Miranda do Douro, no exercício da actividade de trolha da construção civil, o A. sofreu um acidente que consistiu em ter caído de uma varanda, de uma altura de cerca de quatro metros (alínea E).
6- Em consequência da queda o A. sofreu fractura da extremidade distal do rádio esquerdo (alínea F).
8- A queda referida na al. E da matéria de facto assente ocorreu quando o A. colocava réguas numa porta, com acesso a uma varanda duma casa em construção (resposta ao quesito 1º).
9- Ao puxar pelos grampos, um deles soltou-se, o que, por causa da força que o sinistrado exercia nesse momento, fez com que este se desequilibrasse, impelindo-o para trás, acabando por cair da varanda (resposta ao quesito 2º).
17- O trabalho exercido pelo Autor implicava o risco de queda em altura (resposta ao quesito 10º).
18- A utilização de guarda corpos seria uma medida adequada a prevenir e diminuir o risco de queda em altura (resposta aos quesitos 11º e 12º).
19- A varanda onde o A. se encontrava a trabalhar não estava protegida com qualquer equipamento de protecção colectiva, designadamente com guarda corpos, mas apresentava na sua bordadura um murete de cerca de 66 cm de altura e, a cerca de um a dois palmos de distância da varanda encontrava-se montado um andaime cujas pranchadas metálicas do piso estavam situadas a cerca de um palmo acima do referido murete (resposta ao quesito 13º).
20- O Autor não utilizava qualquer equipamento individual de protecção, designadamente, cinto de segurança que evitasse o risco de queda (resposta ao quesito 14º).
Pretendendo subsumir o comportamento do sinistrado a qualquer das apontadas normas, seja do Art.º 18.º, n.º 1 ou do Art.º 7.º, n.º 1, alínea a), ambas da LAT, vendo-o como resultante da violação das regras de segurança ou do Art.º 7.º, n.º 1, alínea b) da mesma Lei, vendo-o como resultante de negligência grosseira e exclusiva do sinistrado, independentemente da violação das regras de segurança, importa verificar quais eram as normas de segurança que deveriam ser cumpridas, pois o sinistrado encontrava-se a trabalhar numa obra em construção, junto de uma porta que dava acesso a uma varanda, para depois se poder verificar se houve inadimplemento das mesmas, ou não.
A apelante indicou, como violadas, as seguintes normas:
- Art.º 8.º, n.ºs 2 al. a) e 3 do D.L. 441/91, correspondentes às normas constantes dos Art.ºs º 273.º, n.º 1 do Cód. do Trabalho de 2003 e 212.º do respectivo Regulamento, acima transcritas;
- Art.º 37.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25/02, do seguinte teor:
1 - As medidas de protecção colectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.
2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura.
- Art.º 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3/04, com o seguinte teor:
1. Sempre que haja risco de quedas em altura devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
2. Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável e
- Art.ºs 40º e 42º do Decreto n.º 41 821, de 1958-08-11 (Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil), que dispõem, na parte que ora interessa considerar:
Qualquer abertura feita numa parede, estando situada a menos de 1 m acima do soalho ou da plataforma, será protegida por um ou mais guarda-corpos, que, de acordo com o parágrafo único do Art.º 40.º, serão postos à altura mínima de 1 m acima do pavimento.
Refere adrede a sentença:
“Ora, como resulta da matéria de facto apurada, o A. enquanto trabalhador independente, não implementou qualquer medida de segurança, colectiva ou individual, das propostas na legislação citada, designadamente guarda-corpos ou cinto de segurança, as quais seriam adequadas a prevenir e diminuir o risco de queda em altura que se verificava na situação em concreto. Contudo, tal não basta, por si só, para se concluir pela descaracterização do acidente em apreço como acidente de trabalho.
Perspectivando o descrito acervo factual sob a mira da violação de regras de segurança pelo sinistrado sem causa justificativa, verifica-se que não se provou, desde logo, que o A. tivesse incumprido conscientemente, sem causa justificativa, as regras de segurança previstas na lei e que as não ignorasse. Com efeito, provou-se que a varanda na qual o A. se encontrava a trabalhar, embora não estivesse dotada de guarda-corpos, tinha um murete de cerca de 66 cm de altura e, a cerca de um a dois palmos de distância da mesma, encontrava-se montado um andaime cujas pranchadas metálicas do piso estavam situadas a cerca de um palmo acima do referido murete. Tal circunstancialismo, revelador de que, apesar do risco de queda em altura existente, a varanda não estava totalmente desprotegida, aliado ao facto da tarefa concreta a executar dever ser efectuada junto à porta de acesso à varanda, logo, afastada da bordadura da mesma, justifica um possível erro de avaliação das medidas de protecção exigíveis, o que permite afastar a consciência da violação das regras de segurança legalmente exigidas.
Também não se provou que a existência de guarda-corpos ou a utilização de cinto de segurança teriam impedido a queda do A, sendo certo que esta ficou a dever-se ao facto do A. se ter desequilibrado e ter sido impelido pela força que empregou ao puxar um grampo, fazendo com que se soltasse. Ou seja: não se demonstrou que a violação das regras de segurança foi consciente e sem causa justificativa, nem o nexo de causalidade entre essa violação e a queda do sinistrado.
Daí que fique afastada a hipótese prevenida na al. a) do art. 7º da LAT enquanto causa de descaracterização do acidente.
Importa, agora, analisar os factos à luz da outra causa de descaracterização invocada pela R. seguradora, ou seja, a alínea b) do art. 7º da LAT, referente à negligência grosseira do sinistrado. É forçoso concluir que o sinistrado foi imprudente ao efectuar uma operação de colocação de réguas na porta de uma varanda desprovida de protecção eficaz contra quedas em altura. Contudo, não assume tal comportamento o grau de temeridade e indesculpabilidade exigido pela lei para que se possa rotular de grosseiramente negligente. A tal obsta o circunstancialismo apurado e já descrito quanto às características da varanda, à existência de um andaime próximo que poderia funcionar como barreira e à localização do trabalho a efectuar (junto à porta de acesso à varanda), circunstancialismo que explicaria um excesso de confiança do sinistrado e a sua imprevidência ao negligenciar o perigo na execução da tarefa concreta.
Está, pois, afastada a negligência grosseira do sinistrado como causa de descaracterização do acidente.
Claudica, assim, a invocada descaracterização do acidente em apreço como de trabalho.”.
Concordando com esta fundamentação, por fazer uma correcta aplicação do direito aos factos provados, importa acrescentar o seguinte.
A abertura existente na parede, correspondente à porta onde o apelado estava a trabalhar, tinha uma varanda à sua frente, estando esta protegida com um murete de 66 cm de altura e o guarda corpos existente perto dele tinha protecção que superava o murete numa altura de cerca de um palmo, isto é, deveria rondar uma altura de cerca de, pouco menos, um metro, relativamente ao piso da referida varanda. Daí que a falta de medidas de protecção colectiva ou individual não precisavam, em termos de adequação, de ser adoptadas como se não existisse varanda, murete ou guarda corpos.
Por outro lado, o trabalho desenvolvia-se junto da porta que dá acesso á varanda, a qual apresentava o murete com as característica definidas, pelo que não existia um risco de queda, como se o trabalhador estivesse a rebocar a parede exterior do edifício, por exemplo.
Daqui resulta que a omissão do A. se encontre de algum modo desculpabilizada, quer pelas características do local, quer pelas circunstâncias do trabalho em execução, só tendo ocorrido o acidente porque o sinistrado se desequilibrou, para além de não se encontrar demonstrado o nexo de causalidade entre a inobservância das condições de segurança e o evento, como acima se referiu.
Tal significa que não se demonstrou que o acidente se ficou a dever a violação das regras de segurança no trabalho, bem como a negligência grosseira e exclusiva, ambas imputáveis ao sinistrado, de sorte que não se mostram preenchidas as hipóteses das normas constantes dos Art.ºs 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 18.º, n.º 1, ambos da LAT e Art.º 4.º, n.º 1, alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes.
Daqui decorre que o acidente dos autos é mais um acidente de trabalho que ocorreu por meras razões objectivas, sendo indemnizável e cabendo a obrigação correspondente à entidade responsável, a ora apelante.
Assim tendo decidido, bem andou o Tribunal a quo, pelo que improcedem todas as restantes conclusões da apelação, devendo a sentença ser mantida.

Decisão.
Termos em que se acorda em negar provimento à apelação, assim confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pela R.

Porto, 2011-06-13
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
António José Fernandes Isidoro
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
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[1] A participação do acidente de trabalho deu entrada no Tribunal do Trabalho em 2008-07-25, conforme resulta de fls. 2.
[2] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma.
[3] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532.
[4] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro.
[5] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 175 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-12-13, 1991-01-31, 1991-04-09, 1994-03-09 e 1995-05-30, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 402, págs. 518-522, n.º 403, págs. 382-392, n.º 416, págs. 558-565, n.º 435, págs. 697-709 e n.º 447, págs. 324-329.
[6] In www.tribunalconstitucional.pt
[7] Nesta parte, seguiu-se de perto o Acórdão desta Relação de 2008-06-02, inédito ao que se supõe
[8] De ora em diante designada apenas por LAT.
[9] Claro está que, sendo o sinistrado trabalhador por conta própria ou trabalhador independente, se numa certa vertente pode ser visto como entidade empregadora, como se analisa em texto, também pode ser visto como mero trabalhador. Na verdade, se naquela vertente contrata, organiza e planifica a obra, nesta executa o trabalho correspondente. Daí que admitamos que pode não haver lugar a reparação do acidente se, apesar de reunidas no local de trabalho todas as condições de segurança, higiene e saúde, o sinistrado adoptar na execução do trabalho condutas enquadráveis em qualquer das alíneas a) a c) do n.º 1 do Art.º 7.º da LAT.
[10] Que foi antecedido pelo Art.º 8.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro.
[11] Aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.
[12] Aprovada pela Norma n.º 14/99-R, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000-R, de 13 de Novembro, 16/2000-R, de 21 de Dezembro e 13/2005-R, de 18 de Novembro, in Regulamento nº 1/2000, Diário da República nº 5, II Série, de 07 de Janeiro de 2000, também disponível em www.isp.pt.
[13] Mas não a estatuição.
[14] Ao contrário do que sucede nos casos normais regulados na LAT, no caso de acidentes que tenham vitimado trabalhadores independentes não há lugar a responsabilidade subsidiária, pois a seguradora só responde em via principal, nem há lugar a pensões e indemnizações agravadas, pois não há entidade empregadora para responder por elas, nem há lugar a prestações correspondentes à totalidade da retribuição auferida pelo trabalhador, se ela não tiver sido declarada à seguradora, pois apenas esta tem a obrigação de reparar, estando reunidos os demais pressupostos.
[15] Cfr. o disposto no Art.º 868.º do Cód. Civil.
[16] Que dispõe:
Para efeito do disposto no n.º 2 da base XVII, considera-se ter resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante o acidente devido á inobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes, que se refiram á higiene e segurança no trabalho.
[17] Cfr. A. Veiga Rodrigues, in Acidentes de Trabalho, Anotações à Lei n.º 1:942, pág. 125, José Augusto Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 1980, pág. 213, Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, págs. 102 a 105, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1996-07-10, de 1999-09-29 e de 2004-07-06, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente, Ano IV-1996, Tomo II, págs. 288 a 290, Ano VII-1999, Tomo III, págs. 252 a 255 e Ano XII-2004, Tomo II, págs. 289 a 292 e o Acórdão da Relação do Porto de 2005-05-16, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXX-2005, Tomo III, págs. 225 a 228.
[18] Cfr., a mero título de exemplo, Feliciano Tomás de Resende, in ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS, 2.ª edição, págs. 22 e segs. e José Augusto Cruz de Carvalho, in ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS, 1980, págs. 38 e segs. e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 1998-10-07, de 1989-05-12 e de 1999-05-05, in, respectivamente, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VI-1998, Tomo III, págs. 255-258 e Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 387, págs. 400-407 e n.º 487, págs. 272-276.
[19] Cfr. Carlos Alegre, in ACIDENTES DE TRABALHO E DOENÇAS PROFISSIONAIS, 2.ª edição, págs. 61 a 63.
[20] Tal norma foi antecedida pela contida na Base VI, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 2127, de 1965-08-03, que dispõe:
Não dá direito a reparação o acidente que for dolosamente provocado pela vítima ou provier de seu acto ou omissão, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal.
Esta norma, por seu turno, foi precedida pela constante nos n.ºs 1.º e 2.º do Art.º 2.º da Lei n.º 1:942, de 1936-07-27, do seguinte teor:
Não é acidente de trabalho…:
1.º O que for intencionalmente provocado pelo sinistrado;
2.º O que provier de acto ou omissão da vítima contra ordens expressas, e logo propositadamente infringidas, das pessoas a quem estiver profissionalmente subordinada, ou de acto seu sem que se diminuam as condições de segurança do trabalho estabelecido pela entidade patronal ou exigidas pela natureza particular do trabalho.
[21] Cfr. A. Veiga Rodrigues, in Acidentes de Trabalho, Anotações à Lei n.º 1:942, pág. 28 e segs., José Augusto Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 1980, pág. 38 e segs., Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª edição, págs. 60 e 61, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2004-06-23 e de 2007-06-06, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente, Ano XII-2004, Tomo II, págs. 285 e 286 e Ano XV-2007, Tomo II, págs. 288 a 290.
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S U M Á R I O
I – Sendo a vítima de um acidente de trabalho um trabalhador independente, ou por conta própria, ele reune em si a dupla qualidade de empregador e de trabalhador, mormente no que às regras de segurança no trabalho concerne.
II – Daí que lhe sejam aplicáveis as regras de segurança no trabalho, quer as respeitantes aos trabalhadores por conta de outrem, quer as respeitantes às entidades empregadoras, previstas nos Art.ºs 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 18.º, n.º 1, ambos da LAT, pelo que a sua inobservância pode conduzir à não reparação das consequências danosas do acidente de trabalho, atento o disposto em tais normas e ainda no Art.º 4.º, n.º 1, alínea g) da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes.

Manuel Joaquim Ferreira da Costa