Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00029359 | ||
Relator: | FONSECA RAMOS | ||
Descritores: | CARTÃO DE CRÉDITO CONTRATO CONTRATO DE SEGURO CONTRATO DE ADESÃO INTERPRETAÇÃO SEGURO DE ACIDENTES PESSOAIS SEGURADORA SUB-ROGAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP200103190150178 | ||
Data do Acordão: | 03/19/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 2 J CIV GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 98/99 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR CONTRAT. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART236 ART238 N1. | ||
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Sumário: | I - Os contratos de emissão de cartão de crédito e o a ele ligado contrato de seguro, pelas suas características genéticas, têm de ser considerados contratos de adesão porque a qualquer pessoa que deles queira beneficiar apenas é dada a possibilidade de aceitar ou rejeitar em bloco, sem qualquer possibilidade de negociação, o conjunto das cláusulas que enformam os respectivos tipos contratuais. II - Na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, "a vontade real do declarante", sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. III - A expressão "quando deslocadas em viagem de férias ou negócios, além de 50 Km da sua residência, deve ser interpretada no sentido de que o que importa é a extensão da deslocação (mais de 50 Km) e não o local onde acontece o sinistro. IV - No seguro de acidente pessoais, em que as prestações estão convencionadas e a prestação da seguradora pré-determinada no contrato, não dependendo de danos em concreto apurados, não assiste à seguradora o direito sub-rogatório, ou direito de regresso sobre o responsável. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto - Elísio ....., por si e em representação do menor, Luís ....., e; - Andreia ..... . Em 29.9.1997, pelo Tribunal Judicial da Comarca de ..... – ... Juízo Cível - intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra: - Companhia de Seguros F, Pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 50.000.000$00, acrescida dos juros, à taxa legal, desde 26/7/95. Fundamentaram a sua pretensão no facto de, no dia 29 de Maio de 1995, ter falecido Maria da Conceição ....., casada com o autor Elísio ..... e mãe dos demais autores, em virtude de um acidente com a viatura automóvel da qual era condutora, ocorrido na rodovia de ....., ....., quando regressava de uma viagem de negócios a ....., recaindo a responsabilidade pela verificação de tal acidente sobre a condutora do outro veículo automóvel interveniente; - apesar de a falecida ser beneficiária de um seguro de acidentes pessoais/seguro de cartões de crédito, celebrado entre o Banco A e a ré, o qual garante às pessoas seguras a cobertura de determinados riscos quando deslocadas em viagens de férias ou negócios, além de 50 Kms da sua residência habitual; - a ré recusou o pagamento do valor seguro, alegando que o acidente está excluído das garantias da apólice, por ter ocorrido a 3 Kms da residência habitual; - quando é certo que a cidade de ..... dista mais de 50 Kms da residência habitual da falecida e que esta aderiu ao uso do cartão ..... Gold devido às vantagens e benefícios que proporcionava e, principalmente, por passar a beneficiar do Seguro de Acidentes Pessoais, sucedendo, ainda, que os empregados do Banco A, na divulgação que faziam do cartão ..... Gold, salientavam o valioso seguro de acidentes pessoais que beneficiava o titular do cartão, o cônjuge e os filhos a seu cargo com idade inferior a 24 anos; - esclarecendo que os mesmos beneficiavam desse seguro em todas as viagens que os levassem a distâncias superiores a 50 Kms, além da sua residência habitual. A ré contestou, impugnando parte da factualidade alegada pelos autores, e argumentando que a apólice não cobre as deslocações a menos de 50 Kms da residência da pessoa segura. Por fim, defendeu que, nos termos do art. 10° das Condições Gerais da apólice, a seguradora, com o pagamento da indemnização, substitui-se à pessoa segura em todos os direitos que eventualmente tenha contra terceiros, do que resulta, a seu ver, que a pessoa segura não pode acumular o capital seguro com a indemnização a que tiver direito contra terceiros por via do acidente, logo, a proceder a tese dos autores, ao capital seguro teria de ser abatida a quantia de 18.770.629$00 que aqueles receberam, ou irão receber, da O....., seguradora do responsável pelo acidente de que foi vitima a referida Maria da Conceição. Os autores responderam, afirmando que o direito de sub-rogação aludido no mencionado art. 10° das Condições Gerais da apólice, respeita apenas aos casos de responsabilidade civil, sendo certo que tal direito nunca abrangeria as quantias recebidas a título de danos não patrimoniais. Observado o legal formalismo, procedeu-se a julgamento, depois do que se respondeu à matéria de facto incluída na base instrutória, nos termos de fls. 148 a 149, tendo sido apresentada reclamação pelos autores quanto à fundamentação da resposta negativa ao número 2°, a qual foi objecto da decisão de fls. 151. A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar aos AA. a quantia de 50.000.000$00, acrescida de juros de mora desde 16.9.95, às sucessivas taxas legais (que a decisão explicita), até efectivo reembolso. Inconformada recorreu a Ré que, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª. O seguro em causa foi contratado entre duas entidades financeiramente poderosas, nos termos contratuais que tiveram por bem, em benefício de pessoas indeterminadas que viessem a ser portadoras do Cartão GOLD da contratante Banco A; 2ª. Os aderentes ao Cartão GDLD tornavam-se potenciais beneficiários do seguro contratado entre a ré/recorrente o Banco A, mas não se tornaram partes contratantes do mesmo seguro; 3ª. Não estamos, pois, perante um contrato de adesão, mas sim de um contrato celebrado entre duas partes a favor de terceiros (os portadores do Cartão Gold). De qualquer modo; 4ª. A questionada cláusula das Condições Gerais da apólice, especificada sob a alínea I), deve ser interpretada de acordo com o acima exposto, ou seja, que o portador do Cartão GOLD só beneficia do seguro assim contratado se, em viagem de férias ou negócios, se encontrar para além dos 50 kms da sua residência no momento do acidente. 5ª. Nessa conformidade, deve a acção ser julgada improcedente e a ré absolvida do pedido; 6ª. Assim não se entendendo, é de reconhecer à ré/recorrente o direito de sub-rogação sobre a quantia recebida pelos demandantes dos responsáveis pelo acidente, referida na alínea p) da especificação, descontando-se no valor a receber da ré/recorrente em virtude do seguro em causa (ut. cláusula 10ª das Condições Gerais da apólice); 7ª. Decidindo o contrário, a douta sentença recorrida violou as duas referidas cláusulas contratuais e o disposto nos arts. 443°, 445°, 236°, 237°e 405°do Código Civil. Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a douta sentença recorrida em conformidade com as conclusões que antecedem, como é de Justiça. Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela confirmação do julgado. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir tendo em conta que a matéria de facto, considerada provada na 1ª Instância, é a seguinte: a) Maria da Conceição ..... faleceu, no dia 29 de Maio de 1995, no estado de casada com Elísio ..... - (alínea a) dos factos assentes); b) Andreia ....., nascida a 04 de Agosto de 1979, é filha de Elísio ....... e de Maria da Conceição ..... - (alínea b) dos factos assentes); c) Luís ....., nascido 07 de Agosto de 1982, é filho de Elísio ..... e de Maria da Conceição ..... - (alínea c) dos factos assentes); d) No dia 29 de Maio de 1995, pelas 16h, na Rodovia de ....., ocorreu um embate em que foram intervenientes os veículos ...-...-..., pertencente à sociedade S....., L.da, e conduzido por Maria da Conceição ....., e o ...-...-..., pertencente a Manuel ..... e conduzido por Filipa ..... - (alínea d) dos factos assentes); e) O ... circulava na Rodovia de ......, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido .....--....., e ... circulava nessa Rodovia, no sentido .....- ...... - (alínea e) dos factos assentes); f) O ... invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, e foi embater com a esquina da sua frente, lado esquerdo, na parte de trás do painel esquerdo, junto à roda traseira do mesmo lado, do ... - (alínea i) dos factos assentes); g) Em consequência do embate referido na alínea f), a Maria da Conceição ..... sofreu ferimentos que determinaram a sua morte - (alínea g) dos factos assentes); h) Em 29/5/95, Maria da Conceição ..... era sócia e única gerente da sociedade S....., L.da -, com sede na rua ...... - (documento de fls. 85 a 89); i) Maria da Conceição ..... fazia frequentes deslocações em automóvel, em viagens de negócios ao Porto, a Aveiro, a Lisboa e ao Norte de Espanha - (resposta ao número 1) da base instrutória). j) Aquando do embate referido na alínea f), a Maria da Conceição ..... regressava de uma viagem de negócios que fizera, nesse mesmo dia, à cidade de Aveiro - (alínea h) dos factos assentes); l) O Banco A, por um lado, e a ré, por outro, declararam por escrito, através da apólice n° ....., a primeira segurar as pessoas residentes em Portugal, titulares dum Cartão "GOLD" do Banco A, bem como o cônjuge e filhos a cargo, de idade inferior a 24 anos, e a segunda garantir às pessoas seguras a cobertura dos riscos decorrentes, nomeadamente, de acidentes pessoais/viagens, até ao limite de 50.000.000$00, no caso de morte e invalidez permanente, quando deslocadas em viagem de férias ou negócios, além de 50 Km da sua residência, sempre que o tempo de permanência fora da mesma não exceda 60 dias por deslocação, independentemente, da utilização, ou não, do cartão de crédito no pagamento de títulos de viagem ou qualquer outro meio de transporte utilizado - (alínea I) dos factos assentes); m) Maria da Conceição ..... era titular do cartão "GOLD" n° ...../...../...../..... do Banco A - (alínea J) dos factos assentes); n) Na divulgação que faziam do cartão "..... Gold", os empregados do Banco A dela encarregados, informavam que o mesmo incluía um seguro de acidentes pessoais - (resposta ao número 3) da base instrutória); o) Os autores comunicaram à ré, por carta de 26 de Julho de 1995, o acidente e o óbito de Maria da Conceição ....., esclarecendo que, aquando do acidente, a mesma regressava duma viagem de negócios que, nesse dia, fizera à cidade de ....., e reclamaram o valor seguro - (alínea l) dos factos assentes); p) A ré comunicou aos autores, por carta de 26 de Outubro de 1995, que não assumia a responsabilidade no acidente, porquanto este havia ocorrido a cerca de três quilómetros da residência da sinistrada - (alínea m) dos factos assentes); q) Após insistência dos autores no sentido da ré ponderar a sua posição, esta comunicou àqueles, por carta de 18 de Dezembro de 1995, que resultava claramente das condições da apólice que as coberturas só funcionavam para além de um raio de 50 Kms da residência das pessoas seguras, independentemente de quantos Kms tivessem percorrido antes, a exemplo do que sucedia com a assistência em viagem - (alínea n) dos factos assentes); r) Por sentença proferida no processo comum singular que correu termos no ... Juízo Criminal, desta comarca, a demandada Companhia de Seguros O....., S.A, foi condenada a pagar aos demandantes Elísio ...., Andreia ..... e Luís ....., a quantia global de 17.071.697$00, repartida pela seguinte forma: a todos eles, a quantia de 4.020.629$00, acrescida de juros de mora; ao demandante Elísio ....., a quantia de 5.211.160$00, acrescida de juros de mora; à demandante Andreia ....., a quantia de 3.695.418$00, acrescida de juros de mora; ao demandantes Luís ....., a quantia de 4.144.490$00 - (alínea o) dos factos assentes); s) Na sequência do recurso interposto, pelos demandantes civis, da sentença referida na alínea r) foram alterados, por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02.07.97, os montantes arbitrados nessa sentença a título de lucros cessantes e, em consequência, a demandada foi condenada a pagar aos demandantes a quantia de 18.770.629$00: repartida entre eles, pela seguinte forma: 4.020.629$00, para os três demandantes globalmente considerados, 6.250.000$00, para o demandante Elísio ....., 4.000.000$00 para a demandante Andreia ....., e 4.500.000$00, para o demandante Luís ....., acrescendo a tais quantias juros de mora, à taxa legal, a partir de 08.01.96 - (alínea p) dos factos assentes); t) No artigo 10° das Condições Gerais da apólice identificada na alínea l) ficou clausulado que com o pagamento da indemnização a seguradora, ora ré, substitui-se à pessoa segura em todos os direitos que este eventualmente tenha contra terceiros, designadamente nos termos do art. 441° do Código Comercial Português - (alínea q) dos factos assentes). Fundamentação: As questões objecto do recurso, delimitadas pelo teor das conclusões da recorrente, que delimitam o respectivo âmbito – arts. 684º, nº3, e 690, nº1, do Código de Processo Civil - consistem, essencialmente em: - qualificar o negócio jurídico invocado como causa de pedir, na vertente em que o titular do "Cartão Gold", emitido pelo Banco A, passa a beneficiar de um seguro de acidentes pessoais, sendo a seguradora responsável pelo pagamento das indemnizações contratualmente previstas, a seguradora F.....; - qual a interpretação que deve ser dada à cláusula especificada em l); - se se reconhecer que os AA. têm direito à indemnização, saber se à apelante assiste o direito de sub-rogação, relativamente às quantias que, por causa do acidente, aqueles receberam de outra seguradora, abatendo-se ao montante a pagar - 50.000 contos - aqueloutra discriminada em p) dos factos provados. Vejamos. A qualificação do tipo negocial e a interpretação da cláusula: A falecida Maria da Conceição era titular do cartão Gold, emitido pelo Banco A e, por via disso, tornou-se beneficiária de um contrato, celebrado entre o Banco A e a ré F....., através do qual - "O Banco A, por um lado, e a ré, por outro, declararam por escrito, através da apólice n°....., a primeira segurar as pessoas residentes em Portugal, titulares dum Cartão "GOLD" do Banco A bem como o cônjuge e filhos a cargo, de idade inferior a 24 anos, e a segunda garantir às pessoas seguras a cobertura dos riscos decorrentes, nomeadamente, de acidentes pessoais/viagens, até ao limite de 50.000.000$00, no caso de morte e invalidez permanente, quando deslocadas em viagem de férias ou negócios, além de 50 Km da sua residência, sempre que o tempo de permanência fora da mesma não exceda 60 dias por deslocação, independentemente, da utilização, ou não, do cartão de crédito no pagamento de títulos de viagem ou qualquer outro meio de transporte utilizado" - (alínea i) dos factos assentes). Importa, então, reter que: - entre a falecida Maria da Conceição e a ré nada foi contratado; - a Maria da Conceição, pelo mero facto de ser titular de um cartão Gold, emitido pelo Banco A, beneficiava da cobertura dos riscos decorrentes de acidentes pessoais/viagens até ao limite de 50.000 contos, no caso de morte, "quando deslocada em viagens de férias ou negócios, além de 50 KM da sua residência, sempre que o tempo de permanência fora da mesma não excedesse 60 dias..."; - o contrato que permitia aos titulares do cartão Gold do Banco A beneficiar daquele tipo de seguro, foi celebrado entre o Banco A e a F....., sendo as suas cláusulas pré-determinadas pela F......, abrangendo todos os titulares daquele cartão (de crédito), que anuíssem. A sentença apelada qualificou tal contrato, como de adesão e fez a interpretação da cláusula em discussão à luz do critério normativo aplicável ao regime das cláusulas contratuais gerais - DL 446/85, de 25.10 - com as alterações emergentes dos DL. 220/95, de 31.8 e 249/99, de 7.7. Por sua vez, a apelante entende que se trata de um contrato de seguro de acidentes pessoais a favor de terceiros – art. 443º do Código Civil - não podendo ser-lhe aplicável o critério normativo de interpretação próprio dos contratos de adesão. Partindo da clássica definição de contrato como - "O negócio jurídico em que existe a manifestação de duas ou mais vontades distintas, prosseguindo interesses e fins diversos, que podem até ser opostos, mas que se ajustam reciprocamente em vista de um resultado unitário" – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª edição, 144 - logo veremos que o caso que motivou o recurso encerra mais complexos contornos, já que, por via do contrato celebrado entre a falecida e o Banco A, se tornou ela beneficiária de uma prestação devida - verificado o risco previsto - por entidade terceira, não contratante senão com o Banco A, sendo a cliente do Banco A e utente do cartão, beneficiária de um seguro do ramo de acidentes pessoais. Estamos no domínio dos contratos atípicos, podendo ser encarada a sua análise à luz da figura dos contratos mistos ou da união de contratos. Trata-se de contratos que não podem vigorar independentemente do outro; assim, se for rescindido ou findar o contrato de emissão do cartão de crédito pelo banco emitente, logo cessaria o contrato de seguro, por este pressupor a vigência daquele, mau grado a titular do contrato, na base do qual esteve a atribuição do cartão de crédito, nada ter contratado com a entidade seguradora, ora ré. Olhando o conjunto de direitos e deveres emergentes da celebração de tal contrato poderemos considerar a existência de contratos acoplados de efeito duplo, em que, segundo a caracterização de Almeida Costa, obra citada, 5ª edição, pág. 301, "à prestação única de cada uma das partes corresponde uma contraprestação característica de contrato de tipo diferente". Acolhendo a perspectiva de Pedro Pais de Vasconcelos, in "Contratos Atípicos", pág. 226, poderíamos considerá-los como contratos atípicos mistos, figura acerca do qual escreveu: "Os contratos atípicos, puros ou mistos, não encontram a sua disciplina directamente nos tipos. Naquilo em que as partes tiverem estipulado é essa a disciplina que vige. Em tudo o que as partes tenham deixado por estipular, é a interpretação comple-mentadora que irá fornecer o critério e a medida da decisão. (...) Os contratos atípicos mistos são construídos pelas partes a partir de tipos contratuais que são adaptados, modificados ou mis-turados de modo a satisfazerem o seu interesse contratual. As partes, em princípio, só celebram contratos atípicos quando os tipos contratuais disponíveis não satisfazem os seus interesses ou as suas necessidades. Numa perspectiva genética, pode distinguir-se dentro dos contratos atípicos mistos aqueles que são construídos a partir de um tipo, que é modificado, e aqueles que são construí-dos a partir da conjunção de mais de um tipo contratual (...)". Independentemente da qualificação do tipo negocial em questão, não deixa de ser curioso constatar que o contrato através do qual a falecida Maria da Conceição lhe viu ser atribuído, pelo Banco A, o cartão ..... Gold – um cartão de crédito – foi um contrato em relação ao qual não teve ela oportunidade de discutir e negociar com a entidade emitente o seu conteúdo, tal como aconteceu em relação ao conteúdo do contrato de seguro, em relação ao qual nem sequer interveio, por ser mera beneficiária (terceiro), pela via indirecta ou acoplada da celebração do contrato bancário. Mas será, como defende a apelante que, pelo facto de assim ter sucedido, e sendo o contrato de seguro, um contrato a favor de terceiro, não se pode, "in casu", considerar estarmos perante, também aqui, diante de um contrato de adesão? Vejamos com se define: Contrato de adesão – "Aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respec-tivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado" - A. Va-rela, "Das Obrigações em Geral", 7ª edição, 262). Contrato de adesão – "É aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, formula unilate-ralmente as cláusulas negociadas (no comum dos casos, fazendo-as constar de um impresso ou formulário) e a outra parte aceita essas condições, mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhes é apresentado, não sendo possível modi-ficar o ordenamento negocial apresen-tado"- Mota Pinto, Teoria. Geral de Direito Civil. 3ª edição. Tais contratos contêm por via de regra - "Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão" - Galvão Telles, "Direito das Obrigações"- 6ª edição, 75. Pelo que antes se disse, os contratos acoplados, quer o de emissão de cartão de crédito, quer o a ele ligado contrato de seguro, pelas suas características genéticas, têm de ser considerados contratos de adesão, porquanto à falecida Maria da Conceição, como a qualquer outra pessoa nas suas circunstâncias, apenas foi dada a possibilidade de aceitar ou rejeitar em bloco, sem qualquer discriminada possibilidade de negociação, o conjunto das cláusulas que enformavam os tipos contratuais. O facto de o contrato de seguro do ramo de acidentes pessoais de que se tornou beneficiária, por acordo havido entre o Banco A e a Ré, deve ser considerado um contrato a favor de terceiro – art. 443º do Código Civil – mas tal não altera o que dissemos quanto a dever ele, "in casu", ser considerado um contrato de adesão. Aliás, é neste ramo dos seguros, como no das operações bancárias, que as seguradoras e os bancos recorrem aos contratos de adesão, com cláusulas padronizadas face às necessidades de contratação em massa, que o mercado impõe. Como refere Almeida Costa, in Direito das Obrigações , 5ª edição, págs. 204/205: "Trata-se, pois, de negociações no âmbito dos fornecimentos massificados, ou em série, de bens ou serviços, que avultam em nossos dias. O traço comum consiste na referida superação do modelo contratual clássico. Os clientes subordinam-se a cláusulas, previamente fixadas, de modo geral e abstracto, para uma série indefinida de efectivos e concretos negócios (...). De qualquer maneira os sucessivos clientes apenas decidem contratar ou não, sem que nenhuma influência pratica exerçam na modelação do conteúdo do negócio". Assim, não é desajustado interpretar a polémica cláusula à luz do critério postulado pelo regime das cláusulas contratuais gerais, por estarmos diante de contratos de adesão. Amparando-nos na lição do Professor Almeida Costa , obra citada, pág. 216: "Quanto à interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais, verifica-se uma remis-são implícita para os critérios dos arts. 236.° e segs. do Código Civil , que levam a ter em consideração cada contrato singular (art. 10.°) [Normativo do DL 446/85, de 25.10, alterado pelo DL.220/95, de 31 de Agosto]. Às cláusulas ambíguas atribui-se o entendimento do aderente nor-mal (art.11º, nº1 ); porém, o risco de uma ambiguidade insanável corre contra a parte que as utiliza (art.11°, n.° 2)". Importa então, em primeiro lugar, definir o quadro legal interpretativo da declaração negocial, previsto no Código Civil, e depois atender às especificidades interpretativas próprias do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais. No que concerne à interpretação da declaração negocial rege o art. 236º do Código Civil que dispõe: 1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.. Deve rejeitar-se o entendimento que se apegue, somente, à estrita literalidade do texto - "quantum verba sonant" – menorizando a verdadeira intenção das partes e os fins económicos que o contrato visa. Todavia, porque a pesquisa do sentido verdadeiramente querido pelas partes nem sempre é fácil, importa que a ponderação e equilíbrio dos interesses em causa sejam sopesados. "Na interpretação dos contratos, prevalecerá, em regra, "a vontade real do declarante", sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante(...)". Ac. do STJ, de 14.1.1997, in CJSTJ, 1997, 1, 47. Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. I, pág. 233, em nota ao art. 236º do Código Civil, ensinam: " ....A regra estabelecida no nº l, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, media-namente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2). (...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectiva-mente atribuir. Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista. (...) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante". O declaratário normal deve ser uma pessoa com "razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo" - Paulo Mota Pinto, in "Declaração Tácita", 1995, 208. Está em causa, como vimos, a interpretação da cláusula especificada em i) nomeadamente, quanto ao sentido da expressão "quando deslocadas em viagem de férias ou negócios, além de 50 Km da sua residência". A cláusula foi inserta no contrato de fls. 39 a 53 ("Coberturas") que a ré, como proponente (sendo aderente a falecida Maria da Conceição), emitiu sob a apólice ..... apelidando-a de "Ramo de Acidentes Pessoais-Seguro de Cartões de Crédito", condições particulares. Enquanto a sentença apelada interpretou a citada expressão com o sentido de que a "cobertura se refere a pessoas deslocadas em viagens de férias ou negócios para lá de 50 kms da sua residência independentemente do local onde possa ocorrer o acidente" - cfr. fls. 161- a recorrente entende que se o acidente ocorrer a menos de 50 kms do local da residência, a cobertura não funciona, porque a pessoa não se encontra "deslocada", para lá da distância que constitui o limite do risco contratualmente previsto. Uma vez que o acidente ocorreu estando a sinistrada a cerca de 3 Km de casa, é indiferente, aduz, que estivesse de regresso de uma viagem que implicasse percorrer mais de 50 Km. Que dizer? Deve atender-se à totalidade da viagem – à sua quilometragem - quando o beneficiário do seguro enceta uma deslocação, ou, meramente, atender ao concreto ponto da viagem em que ocorreu o acidente, mesmo que ele envolva uma deslocação de centenas de quilómetros? A interpretação da declaração negocial não pode em negócios formais, legal ou voluntariamente assumidos, acolher um sentido que não tenha no texto um mínimo de correspondência – art. 238º, nº1, do Código Civil. Na questionada cláusula usa-se a expressão "quando deslocadas em viagens, de férias ou negócios, além de 50 Km da sua residência ..." O sentido da cláusula é garantir o risco de acidentes, tendo como limite uma deslocação que supere, exceda, a distância de 50 km do local da residência, daí o uso da expressão "além de", que tem o sentido de "para lá de", porquanto quanto maior é a deslocação mais está o deslocado sujeito a risco. Por isso, dissociar este aspecto, para abstraindo dele e do risco inerente, considerar que o que importa é a situação espacial em relação ao local da residência quanto acontece o acidente, poderia levar ao absurdo de se considerar que se o beneficiário fosse de sua casa em ..... a Lisboa e regressasse, por exemplo no mesmo dia, o seguro só o "protegia" se, depois de centenas de quilómetros percorridos, tivesse um acidente quando estivesse distante de casa mais de 50 Km. Se o acidente ocorresse em local, aquém de tal limite, o seguro não cobria o risco. Cremos que tal interpretação não seria a correcta. Consideramos, que a interpretação que mais se coaduna com a natureza do risco pretendido salvaguardar é a que, tomando como decisivo, não o local onde aconteceu o sinistro, mas a extensão da deslocação, é a que seria perfilhada por uma pessoa, medianamente sensata, prudente, se fosse destinatária da declaração negocial em apreço - o "declaratário normal". Nos termos da cláusula, a ré estaria isenta de responsabilidade se a viagem não excedesse 50 Km, mas, excedendo tal distância, é indiferente o local, a distância, onde ocorreu, como, "in casu", aconteceu, a cerca de 3 Km da casa da sinistrada, que estava de regresso de uma viagem a ....., tendo partido de sua casa em ....., notoriamente, distante mais de 50 km daquela cidade. Mas, mesmo que não fosse de interpretar a cláusula, de harmonia com as regras dos arts. 236º e segs do Código Civil, [Neste sentido Ac. do STJ, de 6.2.1997, in CJSTJ, 1997, I, 99-102] e os princípios da boa-fé plasmados nos arts. 227º, nº1, e 762º, nº2, do referido Código, sempre seria de lançar mão do critério previsto no art. 11º do diploma que rege acerca das Cláusulas Contratuais Gerais, quando, no nº2, estatui que - "Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente". Em comentário a este normativo, o Professor Menezes Cordeiro escreve no seu "Tratado de Direito Civil Português", Tomo I, 1999, págs. 374/375: "O art. 11º da LCCG precisa a temática das cláusulas ambíguas remetendo, sem limitação, para o entendimento do aderente normal. Esse preceito faz ainda correr, contra o utilizador, os riscos particulares e de uma ambiguidade insanável. Trata-se duma regra tradicional, expressa desde os romanos através de brocardos como ambiguitas contra stipulorum e que se veio a consolidar na jurisprudência dos diversos ordenamentos. As leis modernas sobre cláusulas contratuais gerais têm-se limitado a codificá-la". Da Sub-Rogação: Vejamos a última questão suscitada pela apelante, qual seja a de saber se lhe assiste direito de regresso contra os AA., pelo facto de terem sido indemnizados pelas consequências do acidente. Filia a recorrente tal pretensão na Cláusula 10ª das Condições Gerias da Apólice, onde ficou consignado que com o pagamento da indemnização, a seguradora, ora ré, substitui-se à pessoa segura em todos os direitos que este eventualmente tenha contra terceiros, designadamente nos termos do art. 441° do Código Comercial Português - (alínea q) dos factos assentes). O seguro em causa não é um seguro de danos, mas um seguro de pessoas - "Pois que é relativo a factos que afectam a vida, a integridade física ou a situação familiar das pessoas seguras" – "Contrato de Seguro" - José Vasques, pág. 37. A sub-rogação [Arts. 589º a 594º do Código Civil]visa evitar que o segurado, obtendo dupla indemnização, beneficie com o evento danoso, garantindo à seguradora o direito de ocupar o seu lugar e desencadear os mecanismos tendentes a ser reembolsada. Segundo José Vasques, obra citada, pág. 154/155: "O exercício da sub-rogação depende da verificação de determinadas condições, que passam a enunciar-se: - que ao segurado assista o direito de acção contra o lesante, isto é, que haja responsabilidade de terceiro; - que a seguradora haja indemnizado o seu segurado; - que não existam excepções à sub-rogação, designadamente inimputabilidade do lesante ou inaplicabilidade convencional, total ou parcial, da sub-rogação". No caso concreto, desde logo, a ré nenhuma indemnização pagou aos lesados. Só há lugar a sub-rogação, depois de a seguradora ter procedido ao pagamento a que se obrigara, por via do contrato de seguro ["A procedência da pretensão do segurador contra o terceiro causador do sinistro, nos termos do artigo 441º do Código Comercial, exige a prova do pagamento ao segurado da deterioração ou perda aludida no mesmo preceito"- Ac. do STJ, de 14.7.1987, in BMJ, 369-549]. Não ocorrem os requisitos da sub-rogação. Primeiro, porque a ré sempre recusou indemnizar os AA., como os autos espelham; depois, porque os AA. foram indemnizados por danos não cobertos pelo seguro da ré, não pode ela beneficiar dessa indemnização, ao abrigo do instituto sub-rogatório. A isto acresce que o princípio da sub-rogação só é aplicável aos seguros de danos e não a seguros pessoais. No seguro de acidentes pessoais, em que as prestações estão convencionadas e a prestação da seguradora está pré-determinada no contrato, não dependendo de danos em concreto apurados, não assiste à seguradora o direito sub-rogatório, ou direito de regresso sobre o responsável – cfr. José Vasques, obra citada, pág. 159. Na apólice em causa, estava pré-determinado que, em caso se morte da pessoa segura, a indemnização aos familiares indicados na apólice, era de 50.000 contos, estipulação pré-fixa, dependente apenas da verificação do risco. Mesmo que assim não fosse, o facto de num contrato de adesão, na modalidade de seguro pessoal, se estipular uma cláusula sub-rogatória irrestrita, como a que se aprecia, parece colidir com a regra do art. 21º, nº1, a) do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais que consigna serem absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que - "Limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante". A valer a cláusula sub-rogatória em causa, a ré que nada pagou aos AA., iria ser beneficiada pelo facto deles terem recebido de terceiros, por o acidente ter sido de viação, indemnização pelos danos sofridos, esquivando-se deste modo à responsabilidade do pagamento da quantia que contratualmente pré-determinou para a o risco verificado – 50.000.000$00 - o que seria inadmissível por violar, frontalmente, os princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual, conferindo à ré um direito leonino. "São nulas as cláusulas contratuais gerais insertas num contrato-tipo de adesão que violem normas imperativas de ordem pública, designadamente as que invertem ou alteram a distribuição do risco e as regras de distribuição do ónus de prova, ou que tenham como efeito a exclusão da responsabilidade de um dos contratantes se se verificarem determinados requisitos" – Ac. do STJ, de 23.11.1999, CJSTJ, III, 100 (sublinhámos). Ademais, a sub-rogação também não poderia filiar-se no art. 441º do Código Comercial, pelo facto deste normativo apenas ser aplicável aos seguros de risco ou de danos e não aos seguros pessoais, como é aquele de que a falecida era beneficiária. Decisão. Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se, integralmente, a meritória sentença recorrida. Custas pela apelante. Porto, 19 de Março de 2001 António José Pinto da Fonseca Ramos José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do Vale |