Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERREIRA DA COSTA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO RETRIBUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP201209241654/10.5TTPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/24/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O conceito de retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, abarca todas as atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, com caráter de regularidade e desde que não se destinem a cobrir custos aleatórios, sendo mais lato que o estabelecido no Código do Trabalho. II – Assim pagando o empregador ao trabalhador uma quantia que denominou de “prémio de gratificação de balanço”, em 8 ou em 12 meses, durante cada ano, tal atribuição integra a retribuição para efeitos de acidente de trabalho, dada a regularidade do seu pagamento e a falta de prova de que tais quantias se destinavam a satisfazer custos aleatórios, independentemente da alegação de que se trataria de distribuição de dividendos, do seu caráter de liberalidade ou outro. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Reg. N.º 923 Proc. N.º 1654/10.5TTPRT.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, patrocinado pelo Ministério Público, deduziu[1] contra Companhia de Seguros C…, S.A. e D…, Ld.ª ação declarativa, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, pedindo que se condene as RR. a pagar ao A: a) A pensão anual e vitalícia de € 7.884,82, a partir de 2010-10-05; b) A quantia de € 2.543,70 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; c) A quantia de € 27,00 gasta em transportes e d) Juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento. Mais requereu que lhe fosse fixada uma pensão provisória com base nos factos sobre os quais houve acordo na tentativa de conciliação e no disposto no Art.º 121.º do Cód. Proc. do Trabalho. Alegou o A. que no dia 2009-12-29 quando trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da R. empregadora, com a categoria de trolha de 1.ª, sofreu um acidente que consistiu em ter caído de um escadote, que se abriu, quando pretendia tapar uns furos no teto com silicone branco, tendo sofrido fratura do cotovelo direito, do que lhe resultou incapacidade temporária e permanente. Mais alegou que, na data do acidente, auferia a retribuição mensal de € 539,50, acrescida de iguais quantias a título de subsídio de férias e de Natal, a quantia de € 111,76 por 11 meses a título de subsídio de alimentação, a quantia de € 54,15 em 12 meses, a título de prémio de assiduidade, a quantia de € 216,67, em 12 meses, a título de prémio de gratificação de balanço e a quantia de €121,34, em 12 meses, a título de trabalho suplementar, estando a responsabilidade da R. empregadora transferida para a R. seguradora. Alegou ainda o A. que recebeu da R. seguradora indemnização por incapacidade temporária e a quantia de € 27,00, despendida em transportes, que a tentativa de conciliação se frustrou porque a R. seguradora discordou do grau de incapacidade atribuído no exame médico singular e a R. empregadora não aceitou que as quantias auferidas pelo A. a título de prémio de assiduidade, gratificação de balanço e trabalho suplementar sejam consideradas para efeito de cálculo da indemnização por incapacidade temporária e da pensão. Contestou a R. empregadora, alegando factos para suportarem a posição por si assumida na tentativa de conciliação e, de qualquer modo, entende que se deve considerar transferida para a R. seguradora a responsabilidade correspondente à retribuição auferida a título de trabalho suplementar e de prémio de assiduidade. Contestou a R. seguradora, por impugnação, alegando que não se encontrava para si transferida a responsabilidade pela retribuição de € 216,67 por 12 meses, auferida a título de prémio de gratificação de balanço, tendo requerido a final a realização de exame por junta médica, para o que apresentou os respetivos quesitos. Foi proferido despacho saneador, assentes os factos considerados provados, elaborada a base instrutória, ordenada a abertura do apenso para fixação da incapacidade e fixada uma pensão provisória ao A., no montante anual de € 3.222,86, desde 2010-10-05. A fls. 24 e 25 do apenso foi decidido que o A. se encontra afetado duma incapacidade permanente para o seu trabalho habitual. Realizado o julgamento com gravação da prova pessoal, respondeu-se à base instrutória pela forma constante do despacho de fls. 147 e 148, sem reclamações. Proferida sentença, o Tribunal a quo condenou: I - A R. seguradora a pagar ao A.: a) A pensão anual e vitalícia de € 3.565, 64, deduzida da quantia de € 3.222,86, paga pela seguradora a título de pensão provisória; b) A quantia de € 82,17, a título de diferença de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; c) Subsídio por situações de elevada incapacidade no valor de € 1.849,43. II – A R. empregadora a pagar ao A.: a) A pensão anual e vitalícia de € 840,25; b) A quantia de € 1.207,00, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária absoluta e a quantia de € 36,35, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária parcial; c) Subsídio por situações de elevada incapacidade no valor de € 433,96. Inconformado com o assim decidido, veio o A. interpôr recurso de apelação, invocando no respetivo requerimento a nulidade da sentença e pedindo a revogação desta, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1-Deve ser alterada a matéria de facto dada como provada de acordo com o depoimento das testemunhas ouvidas e os documentos juntos, nos termos do art.º 690.º-A do C. Proc. Civil. 2-O M.º Juiz deu a seguinte resposta ao quesito 1.º "Provado, apenas, que o denominado prémio de gratificação de balanço foi pago pela co-ré entidade empregadora ao sinistrado em média oito meses por ano, a partir do ano de 2007". 3-De acordo com o depoimento das testemunhas ouvidas em julgamento o prémio de gratificação de balanço até 2007 era pago e não constava do recibo de vencimento apenas a partir de 2007 ou 2008 é que passou a constar do recibo de vencimento. 4-De acordo com os doc apresentados pelo autor com a PI no ano anterior ao acidente o prémio de gratificação de balanço foi pago nos 12 meses e uma média mensal de € 216,67 5-A resposta ao quesito 1.º deverá ter a seguinte resposta "provado que o denominado prémio de gratificação de balanço era pago pela entidade empregadora ao autor e a partir do ano de 2007 foi integrado no recibo de vencimento sendo pago em média oito meses em cada ano, nos anos de 2007 e 2008 e no ano anterior ao acidente foi pago doze meses e uma média mensal de € 216,67." 6-Atenta a regularidade do pagamento desta prestação deve a mesma ser considerada como retribuição para efeito da reparação pelo acidente de trabalho sofrido pelo autor art.º 26.° da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro. 7-A douta sentença ora recorrida ao não atender à quantia mensal de € 216,67 paga a titulo de prémio gratificação de balanço violou o disposto no art.º 26.º n.º 3.º e 4.º da Lei n.º 100/97 de 13 de setembro. 8-Deve a douta sentença ser revogada quanto a este facto e em seu lugar lavrada decisão que considere a quantia mensal de € 216,67 como retribuição para efeito de cálculo da reparação pelo acidente de trabalho sofrido pelo autor, procedendo-se à retificação das quantias pagas pela co-ré patronal a titulo de indemnizações por incapacidade temporária e pensão. 9-Em consequência do acidente o autor ficou afetado para o trabalho habitual com uma IPP restante de 42,285% tendo-lhe sido atribuído o subsídio de elevada incapacidade de € 2.699,68 10-De acordo com o art.° 23.° da Lei n.º 100/97 de 13 de setembro o subsídio de elevada incapacidade, uma vez que o autor ficou incapaz para a sua profissão habitual de trolha dever fixado em 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida à data do acidente, ou seja, € 450,00 x 12 = €5.400,00. 11-Devern as rés ser condenadas no pagamento de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento, na parte em que se encontram em mora, a ré companhia de seguros vem pagando pensão provisória, tal como foi pedido e uma vez que a ação teve provimento. Inconformada a R. empregadora com o assim decidido, veio interpôr recurso de apelação e pedindo a revogação desta, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1.º Conclusão A recorrente com o devido respeito não se conforma com a decisão do Meritíssimo Juiz "a quo" no que concerne em considerar as gratificações de balanço como montante a considerar como parte integrante da retribuição base do autor, 2.º Conclusão A recorrente não se conforma, igualmente, que responsabilidade pelas horas extras e prémio de assiduidade não seja atribuída à co-ré Companhia de Seguros C…, S.A. e responsabilidade pelas horas extras e prémio de assiduidade não atribuída à co-ré Companhia de Seguros C…, S.A. 3.° Conclusão Entende a recorrente que ficou provado em audiência de julgamento que só em determinadas condições e em função dos resultados (lucros) obtidos pela recorrente é que era paga a gratificação de balanço ao trabalhador. 4.° Conclusão O depoimento da testemunha da co-ré E… e esclarecedora quanto a liberalidade atribuída - não direitos negociados ou adquiridos. 5.° Conclusão Para a recorrente estamos perante uma repartição de dividendos assente num espírito de liberalidade. 6.° Conclusão A recorrente no âmbito do contrato de seguro celebrado e expresso na apólice n.º ../…… com a Companhia de Seguros C…, SA transferiu para esta a sua responsabilidade. 7.° Conclusão A recorrente remeteu mensalmente entre os meses de duração do contrato de seguro (abril de 2009 a dezembro de 2009) para a co-ré Companhia de Seguros C…, SA as verbas referentes às horas extras e prémio de assiduidade, constantes do recibo de vencimento do autor como se pode constatar nos documentos 22 a 30 juntos da contestação da recorrente. 8.° Conclusão A co-ré Companhia de Seguros C…, S.A deve ser desresponsabilizada pelos valores referentes às horas extras e prémios de assiduidade pois, tinha informação dos mesmos em face do mapa que lhe era remetido mensalmente pela recorrente. 9.° Conclusão Deve a sentença ser revogada, e em consequência a recorrida absolvida nos termos peticionados a sua petição inicial 10.º Conclusão Atentos os factos e o direito, entende a recorrente que não resta qualquer dúvida que a decisão proferida na sentença deve ser totalmente revogada na parte da condenação da co-ré entidade empregadora e substituída pelo douto Acórdão proferido por Vossas Excelências em que a recorrente seja absolvida do pagamento dos valores constantes da sentença e a co-ré Companhia de Seguros C…, S.A. condenada a assumir o pagamento dos valores referentes às horas extra e prémio de assiduidade.A co-R. empregadora apresentou a sua contra-alegação ao recurso interposto pelo A., concluindo pela confirmação da sentença, na parte por este impugnada. O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, teve vista nos autos. Recebido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e entregues as respetivas cópias aos Exm.ºs Juízes Desembargadores Adjuntos[2], foram colhidos os vistos legais. Cumpre decidir. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo: 1. O autor (A., de ora em diante) B… presta trabalho ao serviço da sua entidade empregadora D…, L.da, fazendo-o sob as ordens, direção e fiscalização desta. 2. Ao serviço da referida co-ré entidade empregadora, o A. auferia a remuneração mensal de €539,50 x 14 meses, acrescida de € 111,76 x 11 meses de subsídio de alimentação, de € 54,15 x 12 meses de prémio de assiduidade e de € 121,34 x 12 meses a título de pagamento de trabalho suplementar. 3. A co-ré entidade empregadora pagava ainda ao sinistrado um denominado prémio de gratificação de balanço, o qual foi pago pela co-ré entidade empregadora ao sinistrado em média oito meses por ano, a partir do ano de 2007. 4. No dia 29.DEZ.09, cerca das 19h.30m., o A., no desempenho da sua atividade profissional de trolha ao serviço da co-ré entidade empregadora, subiu a um escadote, tendo caído no chão quando o dito escadote se abriu. 5. Em consequência da referida queda, o A. sofreu fratura do cotovelo direito, pelo que esteve totalmente incapacitado para o trabalho entre a data do acidente e 25.SET.10, bem como com incapacidade temporária parcial de 90% entre 25.SET.10 e 04.0UT.10, data até à qual esteve em tratamento pela co-ré seguradora, que lhe deu alta nessa data. 6. Por força do referido acidente, o A. padece de incapacidade permanente e parcial de 42,285%, que o impede de exercer a sua atividade profissional habitual de trolha. 7. A responsabilidade pela reparação de danos decorrentes de acidentes de trabalho com trabalhadores ao seu serviço havia sido transferida pela co-R. entidade empregadora para a co-R. seguradora mediante seguros de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º 10/308897. 8. O referido contrato de seguro de acidentes de trabalho foi celebrado na modalidade de prémio variável, por folhas de férias remetidas pela co-ré entidade empregadora, das quais não constava a quantia mensal de € 216,67 a título de prémio de gratificação balanço. 9. O A. gastou a quantia de € 27,00 com transportes a tribunal. 10. A co-ré seguradora pagou ao A. as indemnizações pelos períodos de incapacidades temporárias com base na remuneração mensal de € 539,50 x 14 meses e de € 111,76 de subsídio de alimentação. 11. Em 22.MAR.11 teve lugar a tentativa de conciliação no âmbito destes autos de ac. de trabalho, em que estiveram presentes o A., a co-ré seguradora e a co-ré entidade empregadora, no decurso da qual: - a ré seguradora declarou aceitar a existência de um acidente de trabalho que vitimou o A., o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões que o mesmo padece, e padecer o A. da incapacidade permanente e parcial de 42,285%; - declarou ainda a co-ré seguradora aceitar ter sido para si transferida pela co-R. entidade empregadora a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho ao serviço desta, através de contrato de seguro por acidentes de trabalho; - a co-ré seguradora declarou ainda aceitar que o A. auferia, à data do sinistro, a remuneração mensal de € 539,50 x 14 meses, acrescida de € 111,76 de subsídio de alimentação e aceitar ter o A. gasto € 27,00 em transportes. Fundamentação. Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto[3], como decorre do disposto nos Art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil, na redacção que lhe foi dada pelo diploma referido na nota (2), ex vi do disposto no Art.º 87.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho[4], salvo tratando-se de matérias de conhecimento oficioso de que o Tribunal ad quem pode conhecer por sua iniciativa, são oito as questões a decidir nesta apelação, a saber: I – Nulidade da sentença II – Alteração da matéria de facto III – SSEIP IV – Juros V – Alteração da matéria de facto VI – Gratificação de balanço e VII – Transferência do trabalho suplementar e do prémio de assiduidade. VIII – Determinação das prestações e repartição da responsabilidade. Na apreciação e decisão das questões suscitadas nos recursos não respeitaremos a ordem da sua apresentação, antes o faremos de acordo com a precedência lógica entre elas, tendo em vista a solução de mérito. Assim, será a seguinte a ordem do seu conhecimento e decisão: I – Nulidade da sentença IV – Juros II e V – Alteração da matéria de facto VI – Gratificação de balanço VII – Transferência do trabalho suplementar e do prémio de assiduidade. III – SSEIP. VIII – Determinação das prestações e repartição da responsabilidade. Nulidade da sentença 1.ª questão. Trata-se de saber se a sentença é nula, como refere o A. no requerimento de interposição do recurso, com fundamento em que, apesar de pedidos na petição inicial, o Tribunal a quo não condenou em juros. Vajamos. Compulsados os autos verificamos que efetivamente a sentença não emitiu pronúncia quanto ao pedido de juros de mora; no entanto, tendo a questão sido suscitada no requerimento de interposição do recurso, o Tribunal a quo supriu a nulidade, condenando as RR. em juros conforme o pedido, como consta do despacho de fls. 197, sem oposição de qualquer das partes. Assim, estando a nulidade suprida, de nenhum vício invocado padece atualmente a sentença, pelo que nada há adrede a decidir. A 4.ª questão. Trata-se de saber se as RR. devem ser condenadas em juros de mora, como o A. refere na conclusão 11 da sua apelação. Vejamos. Esta questão foi suscitada com vista a solucionar em sede de recurso, propriamente dito, a omissão de pronúncia acerca da condenação em juros de mora, na sentença. No entanto, tendo a nulidade sido suprida pelo despacho de fls. 197, sem oposição de qualquer das partes, como se referiu na questão anterior, e integrando-se tal despacho na sentença, deixou de existir a presente questão, pelo que nada há a decidir sobre esta mátéria. Destarte, não se toma conhecimento da questão suscitada na conclusão 11 da apelação do A. Matéria de facto A 2.ª e a 5.ª questões. Trata-se de saber: a) No recurso do A. se deve ser alterada a resposta dada ao quesito 1.º e b) No recurso da R. empregadora: 1) - Se não deve ser considerada retribuição o que era pago ao A. a título de de gratificação de balanço, de trabalho suplementar e de prémio de assiduidade e 2) - Se a retribuição auferida pelo A. a título de trabalho suplementar e de prémio de assiduidade estava transferida para a R. seguradora. Vejamos. Dispõe adrede o Art.º 685.º-B[5], n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, o seguinte: 1 — Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.[6] Por sua vez, estabelece o n.º 2 do Art.º 522.º-C do mesmo diploma, o seguinte: Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na ata o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.[7] In casu, o A. apelante pretende que se dê a seguinte resposta ao quesito 1.º da BI: "provado que o denominado prémio de gratificação de balanço era pago pela entidade empregadora ao autor e a partir do ano de 2007 foi integrado no recibo de vencimento sendo pago em média oito meses em cada ano, nos anos de 2007 e 2008 e no ano anterior ao acidente foi pago doze meses e uma média mensal de € 216,67." Funda tal pretensão na prova testemunhal e documental. Quanto àquela, indica os passos da gravação dos depoimentos em que se fundam para obter a pretendida alteração, transcrevendo-os parcialmente na alegação do recurso. Por outro lado, reportam-se a diversos documentos, que indicam, os quais se mostram juntos aos autos, nomeadamente, a fls. 38 a 51. O acabado de expor significa que, estando reunidos os respetivos pressupostos formais, deveremos conhecer o recurso do A. acerca da decisão proferida sobre a matéria de facto. No recurso da R. empregadora, trata-se de saber: 1) - Se não deve ser considerada retribuição o que era pago ao A. a título de de gratificação de balanço, de trabalho suplementar e de prémio de assiduidade e 2) - Se a retribuição auferida pelo A. a título de trabalho suplementar e de prémio de assiduidade estava transferida para a R. seguradora. Ora, quanto à matéria referida em 1, é patente que se trata de matéria de direito, pelo que dela não se tomará conhecimento, nesta sede, que é de impugnação da matéria de facto. Quanto à matéria referida em 2, a apelante, R. empregadora, indicou como meios de prova os documentos que juntou com a contestação, sob os n.ºs 22 a 30, constantes de fls. 101 a 114 dos autos. E, embora não tenha indicado os concretos pontos de facto de que discorda, a verdade é que olhando a lista dos factos provados, logo se verifica que confrontando a retribuição auferida pelo A., a que não foi transferida para a R. seguradora, logo se conclui a que foi transferida, apesar do que a R. seguradora declarou na tentativa de conciliação, isto é, toda a responsabilidade estava transferida, exceção feita à quantia mensal de € 216,67, paga a título de prémio gratificação balanço – cfr. factos assentes na sentença sob os n.ºs 7 e 8 , bem como 2, 3 e 11. Portanto, consideramos também cumprido o ónus de indicar os concretos pontos de facto de que discorda. Daí que, quanto á matéria do ponto 2, se deva tomar conhecimento do recurso da R. empregadora. Ora, a Relação pode alterar a matéria de facto nos termos do disposto no Art.º 712.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. Importa, no entanto, que o faça com a parcimónia devida. Na verdade, o contacto directo com os depoentes em audiência permite colher impressões do comportamento de cada um deles que habilitam o Juiz a concluir pela veracidade ou não dos respectivos depoimentos, o que é impossível de transmitir através da reprodução dos registos sonoros. E, mesmo relativamente ao registo vídeo, a sua reprodução não possibilita a interacção da pergunta-resposta, típica do diálogo da audiência, ficando os Juízes numa posição passiva ou estática, tendo de se conformar com o material que lhes é dado, pois não podem pedir esclarecimentos, por exemplo. É por isso que se tem entendido que o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao principío da oralidade, da prova livre e da imediação[8]. Assim e quanto ao recurso do A. está em causa o quesito 1.º, que tem a seguinte redação: Desde que foi admitido ao serviço da co-ré entidade empregadora o A. sempre auferiu – além do vencimento base e do subsídio de alimentação – o montante de € 267,67 x 12 meses, a título de um denominado prémio de gratificação de balanço? Tal quesito recebeu a seguinte resposta: "Provado, apenas, que o denominado prémio de gratificação de balanço foi pago pela co-ré entidade empregadora ao sinistrado em média oito meses por ano, a partir do ano de 2007". No entender do A. apelante a resposta ao quesito 1.º deverá ser a seguinte: "provado que o denominado prémio de gratificação de balanço era pago pela entidade empregadora ao autor e a partir do ano de 2007 foi integrado no recibo de vencimento sendo pago em média oito meses em cada ano, nos anos de 2007 e 2008 e no ano anterior ao acidente foi pago doze meses e uma média mensal de € 216,67." Procedemos à audição atenta dos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, constante de CDR, F..., esposa do A. e E1..., contabilista da R. empregadora. Analisados tais depoimentos, verificamos que a testemunha F... afirmou que as quantias que o marido recebia da R. empregadora eram depositadas na conta bancária, que ele sempre recebeu prémio de assiduidade e “horas extra”, mas pouco mais referiu, sendo certo que o seu depoimento durou apenas cerca de 4 minutos. Quanto à testemunha E1..., o interrogatório incidiu sobretudo acerca do prémio de gratificação de balanço, pago ao A. em função da respetiva produtividade e dos lucros da empresa empregadora, mas sem especificar quais os concretos critérios para determinar as quantias que eram pagas, mais tendo afirmado que analisou os documentos desde 2003, que em 2007 e 2008 tal prémio foi pago em 8 meses e em 2009 foi pago em 12 meses, mas sempre dizendo que se tratava de distribuição de dividendos e que não constituíam direitos adquiridos. Referiu ainda que tais quantias só passaram a constar dos recibos de vencimento desde o ano de 2007, declaração que a testemunha F... corroborou quanto ao prémio de assiduidade e “horas extra”. Analisados os documentos juntos aos autos com a petição inicial, nomeadamente a fls. 38 a 51, que não foram impugnados, verificamos que de janeiro a novembro de 2009 e em dezembro de 2008, foi paga ao A. quantia a título de prémio de gratificação de balanço, dando a média mensal de €216,67 e assim discriminada: € 100 + €100 + € 250 + € 200 + € 200 + € 175 + € 500 + € 200 + € 200 + € 150 + € 250 + € 275, respetivamente. Ora, sendo estes os elmenentos de prova a atender, cremos que a resposta ao quesito 1.º deve ser alterada, no sentido proposto pelo A., por corresponder integralmente ao depoimento da testemunha E1... e aos mencionados documentos, ficando por isso com a seguinte redação: "Provado que o denominado prémio de gratificação de balanço era pago pela entidade empregadora ao autor e a partir do ano de 2007 foi integrado no recibo de vencimento sendo pago em média oito meses em cada ano, nos anos de 2007 e 2008 e no ano anterior ao acidente foi pago doze meses e uma média mensal de € 216,67." Quanto ao recurso da R. empregadora, excluída a primeira parte, como se referiu supra, “1) - Se não deve ser considerada retribuição o que era pago ao A. a título de de gratificação de balanço, de trabalho suplementar e de prémio de assiduidade”, trata-se de saber: 2) - Se a retribuição auferida pelo A. a título de trabalho suplementar e de prémio de assiduidade estava transferida para a R. seguradora. Quanto a esta matéria, referida em 2, a ora apelante, R. empregadora, indicou como meios de prova os documentos que juntou com a contestação, sob os n.ºs 22 a 30, constantes de fls. 101 a 114 dos autos. Tais documentos são as folhas de retribuições remetidas pela R. empregadora à R. seguradora, que não foram impugnadas e donde constam a retribuição base auferida pelo A., subsídio de alimentação e uma rubrica relativa à retribuição auferida e respeitante ao trabalho suplementar e ao prémio de assiduidade – “Outras Rem.” Pretende a R. empregadora que estas últimas atribuições patrimoniais estão abrangidas pelo contrato de seguro e, portanto, a sua responsabilidade estará transferida para a seguradora, também pelas quantias respetivas. Tal preocupação da R. empregadora derivará certamente da circunstância de o Tribunal a quo ter considerado o contrário na sentença, tendo-a condenado na medida da responsabilidade correspondente ao subsídio de assiduidade e ao trabalho suplementar. Porém e repetindo-nos, olhando a lista dos factos provados, logo se verifica que confrontando a retribuição auferida pelo A. e a que não foi transferida para a R. seguradora, logo se conclui a que foi transferida, apesar do que a R. seguradora declarou na tentativa de conciliação, isto é, toda a responsabilidade estava transferida para esta, exceção feita à quantia mensal de € 216,67, paga a título de prémio gratificação balanço – cfr. factos assentes na sentença sob os n.ºs 7 e 8 , bem como 2, 3 e 11. Assim, nenhuma alteração é necessário fazer, em sede de matéria de facto, pois os factos dados como provados na sentença correspondem à pretensão da R. empregadora, pelo que ela não tem interesse em agir em sede recursiva de facto. Em síntese, não se toma conhecimento de parte do recurso da R. empregadora e não tem ela interesse em agir, na restante parte e declara-se procedente o recurso do A., ficando a resposta ao quesito 1.º com a seguinte redação, assim se alterando o ponto 3 da lista dos factos dados como provados, constantes da sentença: "Provado que o denominado prémio de gratificação de balanço era pago pela entidade empregadora ao autor e a partir do ano de 2007 foi integrado no recibo de vencimento sendo pago em média oito meses em cada ano, nos anos de 2007 e 2008 e no ano anterior ao acidente foi pago doze meses e uma média mensal de € 216,67." Nestes termos, procedem as conclusões 1 a 8 do recurso do A. A 6.ª questão. Trata-se de saber se o prémio de gratificação de balanço não integra o conceito de retribuição, como a R. empregadora pretende na conclusão 3 da sua apelação. Vejamos. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam caráter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios – assim dispõe o Art.º 26.º, n.º 3 da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro. O número seguinte – 4 – do mesmo artigo refere, nomeadamente, o seguinte: “...outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com caráter de regularidade”. Por sua vez, estabelece o CT2003: Artigo 249º 1 — Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.Princípios gerais 2 — Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3 — Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 4 — A qualificação de certa prestação como retribuição, nos termos dos nºs 1 e 2, determina a aplicação dos regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos previstos neste Código. Já o CT2009 dispõe: Artigo 258.º 1 — Considera -se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.Princípios gerais sobre a retribuição 2 — A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3 — Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 4 — À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código. Da conjugação das normas transcritas resulta que, para efeito de acidente de trabalho, o conceito de retribuição recebe o definido nos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, sucessores da LCT[9], acrescenta-lhe todas as prestações que estejam para além dela, desde que revistam caráter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios. Ora, no conceito da lei cabe a remuneração de base e as outras atribuições que sejam contrapartida do trabalho ou da disponibilidade do trabalhador, desde que revistam caráter de regularidade e de periodicidade. Este requisito da regularidade também está presente na lei de acidentes de trabalho. No entanto, parece que o conceito de retribuição no acidente de trabalho é mais amplo, abarcando atribuições patrimoniais que não são contrapartida do trabalho ou da disponibilidade do trababalhador, impondo-se apenas que tais quantias não se destinem a cobrir custos aleatórios. Assim, por exemplo, as gratificações previstas no Art.º 261.º do CT2003 e as atribuições patrimoniais previstas no Art.º 260.º do CT2009, tendo caráter de regularidade, não integram o conceito de retribuição no âmbito do contrato de trabalho, mas já o integrarão no âmbito do acidente de trabalho, uma vez que não se destinam a compensar o sinistrado por custos aleatórios; ponto é que sejam pagas com caráter de regularidade. Daí que a gratificação de balanço, objeto desta apelação, possa integrar o conceito de retribuição, nomeadamente, para efeitos de acidente de trabalho, desde que preencha o requisito da regularidade e não se destine a compensar o sinistrado por custos aleatórios. Tal pressuposto tem a ver com a ideia de permanência, frequência, habitualidade, ou outra de semelhante significado, em termos tais que o trabalhador fica a contar que, quando receber a retribuição de base, também receberá as outras atribuições patrimoniais, todas integrando o seu orçamento. Assim, se o salário for pago à quinzena ou ao mês, ele esperará receber as restantes atribuições patrimoniais com essa mesma frequência. Porém, importa entender o requisito cum grano salis. Na verdade, tal não significa que, em cada quinzena ou em cada mês, tenha de receber sempre suplementos, em termos de que se faltar um ou dois num ano, por exemplo, deixa de se verificar o requisito da regularidade; nem tem de receber, por cada pagamento, sempre o mesmo montante, sob pena de havendo variação, já não se verificar o requisito da regularidade. Vejamos o que se passava com a retribuição do trabalho extraordinário, regulada no Art.º 88.º da LCT, por exemplo, a qual não integrava o conceito de retribuição. Porém, se ele fosse prestado com caráter de regularidade, entendia-se que integrava a retribuição, como hoje acontece face ao disposto no Art.º 249.º do CT2003 e 258.º do CT2009. No entanto, nenhum trabalhador podia prestar mais de 200 horas de trabalho suplementar por ano ou mais de 2 horas por dia[10], o que significava que, mesmo a prestar só uma hora diária, não era possível fazê-lo em mais de 200 dias quando o ano tem 365/6 dias e mais de 200 dias úteis, sendo certo que o trabalho suplementar também pode ser prestado em dias de descanso ou feriados. Daí que o conceito de regularidade tem de ser entendido com alguma elasticidade pelo que, não sendo absoluto, terá mais o sentido da predominância ou da prevalência: o pagamento de tais suplementos retributivos deve ocorrer mais vezes do que aquelas em que ele não se verifica, podendo os quantitativos de cada pagamento apresentar alguma variação[11]. In casu, mostrando-se provado, conforme se decidiu na questão anterior, "… que o denominado prémio de gratificação de balanço era pago pela entidade empregadora ao autor e a partir do ano de 2007 foi integrado no recibo de vencimento sendo pago em média oito meses em cada ano, nos anos de 2007 e 2008 e no ano anterior ao acidente foi pago doze meses e uma média mensal de € 216,67.", que a gratificação de balanço foi paga em 8 meses em cada um dos anos de 2007 e de 2008 e em 12 meses no ano de 2009, temos de concluir que tal atribuição patrimonial tem caráter de regularidade, dado o número de vezes que foi paga em cada ano. Por outro lado, a R. empregadora não provou que o pagamento de tal quantia foi feito para cobrir custos aleatórios, transportes ou outros, sendo certo que o respetivo ónus lhe cabia, atento o disposto no Art.º 342.º, n.º 2 do Cód. Civil. Por isso, a alegação recursiva da ora apelante, R. empregadora, no sentido de que esta atribuição patrimonial não integrava o conceito de retribuição, pois era paga em função da rentabilidade do trabalho do A. e dos dos lucros da empresa, sendo atribuída por esta por mera liberalidade e quando o entendia fazer, não pode proceder, uma vez que está demonstrada a regularidade da sua atribuição e indemonstrado que o seu pagamento visasse cobrir custos aleatórios. Por último, como de janeiro a novembro de 2009 e em dezembro de 2008, foi paga ao A. quantia variável, a título de prémio de gratificação de balanço, nos montantes de, respetivamente, €100, €100, € 250, € 200, € 200, € 175, € 500, € 200, € 200, € 150, € 250 e € 275, dando a média mensal de € 216,67, como vem provado e se decidiu anteriormente, é de atender a esta última quantia para calcular as prestações derivadas do acidente dos autos, atento o disposto nos Art.ºs 252.º, n.º 2 do CT2003 e 261.º, n.º 3 do CT2009. Improcede, destarte, a conclusão 3 do recurso da R. empregadora. A 7.ª questão. Reporta-se ela à tansferência para a R. seguradora da retribuição auferida pelo A. a título de trabalho suplementar e de prémio de assiduidade. Vejamos. Como se referiu nas questões 2.ª e 5.ª e repetindo-nos de novo, olhando a lista dos factos provados, logo se verifica que confrontando a retribuição auferida pelo A. e a que não foi transferida para a R. seguradora, logo se conclui a que foi transferida, apesar do que a R. seguradora declarou na tentativa de conciliação, isto é, toda a responsabilidade infortunística da R. empregadora estava transferida para aquela, exceção feita à quantia mensal de € 216,67, paga a título de prémio de gratificação balanço – cfr. factos assentes na sentença sob os n.ºs 7 e 8 , bem como 2, 3 e 11. De resto, como se referiu também anteriormente, das folhas de retribuições, enviadas pela empregadora à seguradora, constavam todas as quantias que aquela pagava ao A. com exceção da gratificação de balanço, pelo que sendo o objeto do contrato de seguro atualizado mensalmente em função das refefridas folhas de retribuições, somos forçados a concluir que a responsabilidade da empregadora estava transferida para a seguradora - também - pelos montantes pagos ao A., a título de trabalho suplementar e de prémio de assiduidade. Procedem, assim, as pertinentes conclusões da apelação da R. empregadora. A 7.ª questão. Reporta-se ela ao SSEIP [subsídio por situações de elevada incapacidade permanente], pretendendo o A., nas conclusões 9 e 10 da sua apelação, que ele deve ser fixado na quantia de €5.400,00, quando na sentença se estabeleceu o montante de € 2.699,68. Vejamos. O acidente ocorreu em 2009 e foi fixada ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 42,285%, considerada permanente e absoluta para o exercício da profissão habitual. O sinistrado tem direito, no caso de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, a subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, conforme dispõe o Art.º 17.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro. Do mesmo diploma, o Art.º 23.º estipula: A incapacidade permanente absoluta ou a incapacidade permanente parcial igual ou superior a 70% confere direito a um subsídio igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida à data do acidente, ponderado pelo grau de incapacidade fixado, sendo pago de uma só vez aos sinistrados nessas situações. Do cotejo de ambas as normas resulta que o sinistrado, nos casos de fixação de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, tem direito ao subsídio por situações de elevada incapacidade permanente. Pois, se dúvidas se poderiam suscitar face a uma interpretação literal desta última norma, elas ficam removidas inequivocamente face ao teor da primeira, onde ele se encontra expressamente previsto. Ora, tem-se entendido que se deve ponderar o grau de incapacidade, que esta deve ser tomada na sua dimensão e significado, no confronto quer com uma incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho, quer no confronto com uma incapacidade permanente parcial, igual ou superior a 70%. Assim, à incapacidade para todo e qualquer trabalho corresponde um subsídio igual ao SMN [salário mínimo nacional] x 12 meses x 100%; a uma incapacidade permanente parcial de 70% corresponde um subsídio igual ao SMN x 12 meses x 70%; e a uma incapacidade permanente parcial de 42,285%, considerada permanente e absoluta para o exercício da profissão habitual, como é a hipótese dos autos, corresponde: (SMN x 12 meses X 70%) + {[(SMN x 12 meses) – (SMN x 12 meses X 70%)] x 42,285%} = (€ 450,00[12] x 12 X 70%) + {[(€ 450,00 x 12) – (€ 450,00 x 12 x 70%)] x 42,285%} = € 4.465,02. Isto é, trata-se a incapacidade permanente para o trabalho habitual com a diferença que a separa da incapacidade para todo e qualquer trabalho: naquela fica sempre uma capacidade funcional residual para o exercício de profissões compatíveis com as lesões, que poderá permitir ao sinistrado a sua qualificação para o exercício de outra atividade profissional, fazendo formação para o efeito, por exemplo. Na incapacidade permanente para todo e qualquer trabalho e por definição, não há reabilitação possível. Daí que, em obediência ao princípio da igualdade, ínsito no Art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, se deva tratar de diferente forma o que é desigual. Já relativamente à incapacidade permanente parcial, a determinação do subsídio obtém-se pela multiplicação do respetivo grau, sem mais, pelo salário mínimo nacional anual. Por outro lado, sendo o direito ao subsídio atribuído apenas a partir de incapacidades iguais a 70%, serve o quantitativo correspondente como o mínimo a atribuir nos casos de incapacidade para o trabalho habitual, multiplicando-se depois o grau de incapacidade parcial[13] pela diferença entre os 70% e os 100% do salário mínimo nacional anual, somando-se de seguida o produto com aquele mínimo. Trata-se da única forma de determinar o montante do subsídio ponderado pelo grau de incapacidade fixado, como refere o mencionado Art.º 23.º, partindo da realidade que é a incapacidade permanente para o trabalho habitual: - uma incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual e - uma incapacidade permanente parcial para todo e qualquer trabalho, rectius, para o exercício de profissões compatíveis com as lesões. Esta orientação, seguida em variados casos por esta Relação do Porto, parece a mais equilibrada, pois atende à ponderação legal, como estabelece o referido Art.º 23.° da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, numa incapacidade de natureza mista: absoluta para uns efeitos - profissão habitual - e relativa para outros - profissões compatíveis com as lesões.[14] Em síntese, tem o sinistrado direito a um SSEIP, que se fixa no montante de € 4.465,02, pelo que tendo a sentença fixado o montante de € 2.283,39 [€ 1.849,43 pela seguradora e € 433,96 pela empregadora], deve ser revogada nesta parte, assim procedendo parcialmente as conclusões 9 e 10 do recurso do A. A 8.ª questão. Importa agora determinar as prestações decorrentes do acidente dos autos e a repartição da responsabilidade por cada uma das RR. Como vem provado, ao serviço da R. empregadora, o A. auferia a retribuição mensal de €539,50 x 14 meses, acrescida de € 111,76 x 11 meses de subsídio de alimentação, de € 54,15 x 12 meses de prémio de assiduidade e de € 121,34 x 12 meses a título de pagamento de trabalho suplementar, transferida para a seguradora, bem como a quantia mensal de € 216,67 a título de prémio de gratificação de balanço. Assim, considerando o disposto no Art.º 37.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, a R. seguradora é responsável pela reparação do acidente na medida da remuneração mensal de €539,50 x 14 meses, acrescida de € 111,76 x 11 meses de subsídio de alimentação, de € 54,15 x 12 meses de prémio de assiduidade e de € 121,34 x 12 meses a título de pagamento de trabalho suplementar, sendo a R. empregadora responsável pela retribuição não transferida, ou seja, a quantia de € 216,67 x 12 meses, a título de prémio de gratificação de balanço. Atentos os factos provados e o consignado no Art.º 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, o A. tem direito: a) À pensão anual e vitalícia de € 7.884,85, com início no dia 5 de outubro de 2010, sendo €6.364,94 da responsabilidade da R. seguradora, a que deve ser deduzida a quantia de € 3.222,86, paga ao A. a título de pensão provisória e € 1.519,91 da responsabilidade da R. patronal; b) A indemnização por incapacidade temporária, absoluta e relativa, no montante de €4.263,72, sendo € 3.441,84 da responsabilidade da R. seguradora, a que deve ser deduzida a quantia já paga a tal título e € 821,88 da responsabilidade da R. empregadora; c) Ao SSEIP, no montante de € 4.465,02, sendo € 3.604,16 da responsabilidade da R. seguradora e € 860,86 da responsabilidade da R. empregadora [a responsabilidade é de 80,72% da R. seguradora e 19,28% da R. empregadora, a mesma da retribuição transferida e não transferida, para a seguradora]; d) À quantia de € 27,00, relativa a despesas com transportes, sendo € 21,79 da responsabilidade da R. seguradora e € 5,21 da responsabilidade da R. empregadora [a responsabilidade é de 80,72% e 19,28%, respetivamente, como na alínea anterior] e e) Juros de mora, sobre as quantias em dívida, nos termos do Art.º 135.º, in fine, do Cód. Proc. do Trabalho. Decisão. Termos em que se acorda em conceder parcial provimento a ambas as apelações, assim revogando a sentença recorrida, que se substitui pelo presente acórdão em que se condena as RR. a pagar ao A.: I – A R. seguradora: a) A pensão anual e vitalícia de € 6.364,94, com início no dia 5 de outubro de 2010, a que deve ser deduzida a quantia de € 3.222,86, paga ao A. a título de pensão provisória; b) A indemnização por incapacidade temporária, absoluta e relativa, no montante de €3.441,84, a que deve ser deduzida a quantia já paga a tal título; c) O SSEIP, no montante de € 3.604,16; d) A quantia de € 21,79, relativa a despesas com transportes e e) Juros de mora, sobre as quantias em dívida, nos termos do Art.º 135.º, in fine, do Cód. Proc. do Trabalho. II – A R. empregadora: a) A pensão anual e vitalícia de € 1.519,91, com início no dia 5 de outubro de 2010; b) A indemnização por incapacidade temporária, absoluta e relativa, no montante de € 821,88; c) O SSEIP, no montante de € 860,86; d) A quantia de € 5,21, relativa a despesas com transportes e e) Juros de mora, sobre as quantias em dívida, nos termos do Art.º 135.º, in fine, do Cód. Proc. do Trabalho. Custas pelas RR., seguradora e empregadora, na respetiva proporção, tanto na Relação como na 1.ª instância. Fixa-se à ação o valor de € 93.478,45, atento o disposto no Art.º 120.º do Cód. Proc. do Trabalho e na Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro e respetivo anexo. Porto, 2012-09-24 Manuel Joaquim Ferreira da Costa Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho António José da Ascensão Ramos _______________ [1] A participação do acidente deu entrada no Tribunal do Trabalho em 2010-10-12, como se vê de fls. 2. [2] Atento o disposto no Art.º 707.º, n.º 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, ex vi do disposto nos Art.ºs 11.º, n.º 1 – a contrario sensu – e 12.º, n.º 1, ambos deste diploma. [3] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume V, reimpressão, 1981, págs. 308 a 310 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25 e de 1986-10-14, in Boletim do Ministério da Justiça, respectivamente, n.º 359, págs. 522 a 531 e n.º 360, págs. 526 a 532. [4] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro. [5] Nova numeração do artigo – anterior 690.º-A – introduzida pelo diploma referido na nota (1) e aplicável in casu. [6] Era a seguinte a anterior redação: 1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C. [7] Era a seguinte a anterior redação: 2 - Quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na ata o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento. [8] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in TEMAS DA REFORMA DO PROCESSO CIVIL, II VOLUME, 4.ª EDIÇÃO, 2004, págs. 266 e 267 e o Acórdão da Relação do Porto, de 2003-01-09, na Internet, in www.dgsi.pt, JTRP00035485 e o Acórdão da Relação de Lisboa, de 2001-03-27, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88. [9] Dispunha o Art.º 82.º do regime jurídico do contrato individual do trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 1969-11-24 (LCT), o seguinte: 1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. [10] Atento o disposto no Art.º 5.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de dezembro. Tais normas foram sucedidas no CT2003 pelo Art.º 200.º e no CT2009 pelo Art.º 228.º, onde se mostra definida disciplina semelhante. [11] Cfr., na doutrina, José Augusto Cruz de Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 1980, págs. 102 e ss., Feliciano Tomás de Resende, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2.ª edição, págs. 49 e ss. Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Almedina, 2.ª edição, págs. 133 e ss., Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Introdução ao estudo da retribuição no direito do trabalho português, REVISTA DE DIREITO E DE ESTUDOS SOCIAIS, Janeiro-Março-1986, Ano I (2.ª Série) – N.º 1, págs. 65 e ss., António Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1991, págs. 726 e 727 e Abílio Neto, in Contrato de Trabalho, Notas Práticas, Petrony, 1990, 10.ª edição, págs. 186 e ss. Cfr., na jurisprudência, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1983-11-18, 1996-05-08 e 1999-02-03, in, respectivamente, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 331, págs. 411 a 414, Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV-1996, Tomo II, págs. 251 a 253 e Ano VII-1999, Tomo I, págs. 271 a 274 e os Acórdãos da Relação do Porto de 1992-07-13 e de 1998-11-23, in Coletânea de Jurisprudência, respetivamente, Ano XVII-1992, Tomo IV, págs. 283 a 285 e Ano XXIII-1998, Tomo V, págs. 244 e 245. [12] Cfr. o Decreto-Lei n.º 246/2008, de 18 de dezembro. [13] E não o grau de capacidade funcional residual para o exercício de profissões compatíveis com as lesões. Na verdade, o subsídio é fixado, como refere o Art.º 23.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, ponderado pelo grau de incapacidade fixado e não pelo grau de capacidade restante. [14] Cfr. os Acórdãos da Relação do Porto de 2003-03-24 e de 2004-06-07, in Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVIII-2003, Tomo II, págs. 222 e 223 e in www.dgsi.pt, respetivamente. ________________ S U M Á R I O I – O conceito de retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, abarca todas as atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, com caráter de regularidade e desde que não se destinem a cobrir custos aleatórios, sendo mais lato que o estabelecido no Código do Trabalho. II – Assim pagando o empregador ao trabalhador uma quantia que denominou de “prémio de gratificação de balanço”, em 8 ou em 12 meses, durante cada ano, tal atribuição integra a retribuição para efeitos de acidente de trabalho, dada a regularidade do seu pagamento e a falta de prova de que tais quantias se destinavam a satisfazer custos aleatórios, independentemente da alegação de que se trataria de distribuição de dividendos, do seu caráter de liberalidade ou outro. Manuel Joaquim Ferreira da Costa |