Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0553027
Nº Convencional: JTRP00038124
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
SUSPENSÃO
EXECUÇÃO
DECISÃO
Nº do Documento: RP200505300553027
Data do Acordão: 05/30/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: A suspensão da execução, em consequência do recebimento de embargos de terceiro, respeita aos bens a que os embargos se referem, suspensão que se mantém até à sua decisão definitiva, questão a que é de todo indiferente o regime fixado para o recurso interposto da decisão proferida nesse processo incidental.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I) Banco X.........., S.A. intentou em 3.10.2002, pelas Varas Cíveis da Comarca do Porto – .. Vara – Execução Ordinária Para Pagamento de Quantia Certa, contra os executados:

“C.........., Ldª”

D.......... e mulher E...........

Alegou, em resumo, ser portador de uma livrança-caução de 11.004.957$00, emitida em 12.4.2000, pela executada sociedade e avalizada pelos 2ºs executados;

- tal livrança não foi paga na data do vencimento – 9.9.2002 – nem posteriormente.

Concluiu pedindo a citação dos executados para, no prazo e sob a cominação legal, pagarem ao exequente a quantia de € 55.199,06, acrescida dos juros vincendos à taxa legal sobre € 54.892,50 (valor da livrança dada à execução), contados desde esta data, até ao dia do integral e efectivo pagamento, bem como do correspondente imposto de selo à taxa de 4%, ou nomearem à penhora bens suficientes e livres de encargos para esse pagamento e respectivas custas.

II) A requerimento do exequente foi penhorada, em 28.3.2003, uma fracção autónoma predial, como bem da executada sociedade – cfr. auto de penhora de fls. 100.

III) Em 8.5.2003, foi apensado à Execução, processo de Embargos de Terceiro, sendo embargante – “F.........., Ldª”.

IV) A penhora da referida fracção foi registada, provisoriamente por natureza – Ap. 09/......, por constar como titular inscrito “F.........., Ldª” – fls. 117 a 121.

V) Na certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de .........., junta a fls. 170 a 176, relativamente à fracção penhorada consta:

“An.01-...... o exequente em 16 de Janeiro de 2004 foi notificado, da declaração do titular inscrito, de que o prédio lhe pertence e do despacho de 06 de Fevereiro de 2004, a remeter os interessados para os meios processuais comuns (arts. 119º, nº4, do C.R.P.)”

VI) A fls. 177, em 29.11.2004, foi proferido despacho do seguinte teor:

“Tendo em conta o teor da decisão proferida no apenso de embargo de terceiros que julgou nulo por simulação o contrato de compra e venda registado sob a apresentação G-3 – Ap. 07/......, cumpra, agora o disposto no art. 864º do Código de Processo Civil.”

VII) Ao abrigo daquela inscrição a embargante registara, em 10.4.2001, a seu favor a aquisição da fracção penhorada.

VIII) A fls. 184 a 186, a embargante, além de afirmar que tal sentença não havia transitado em julgado, por dela ter sido interposto recurso, defendeu que a execução deveria ter sido suspensa, quanto á fracção penhorada, [face ao recebimento dos embargos de terceiro], único bem penhorado nos autos, sustentando que as citações previstas no art. 864º do Código de Processo Civil não deveriam ser realizadas, pelo que o despacho de fls. 177 “encerra uma nulidade”.
Requereu que fosse sanada.

IX) A fls. 195 e verso, em 7.1.2005, a Ex.ma Juíza indeferiu a arguida nulidade, afirmando que a instância executiva deixara de estar suspensa com a prolação da sentença que julgou os embargos de terceiro, pese embora não ter transitado em julgado, mas que o efeito atribuído ao recurso de tal sentença – efeito devolutivo – não suspendia a sua exequibilidade, pelo que tal sentença, [que decidiu que a penhora subsistia], poderia executar-se de imediato, nada obstando, assim, ao prosseguimento da execução e ao cumprimento do art. 864º do Código de Processo Civil.
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A embargante recorreu de tal despacho e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

a) A suspensão da acção executiva, no respeitante ao bem penhorado decorre do disposto no art. 356° do Código de Processo Civil e nada tem a ver com os efeitos do recurso interposto da Sentença proferida, no incidente de Embargos de Terceiro.

b) A sentença proferida no incidente de embargos de terceiros, uma vez que há recurso pendente (não interessando se o efeito é meramente devolutivo ou não) e logo não há trânsito em julgado, não deu origem à cessação da suspensão da execução quanto ao bem penhorado.

c) Prosseguindo a execução para o cumprimento do art. 864° do Código de Processo Civil e não estando decididos os embargos definitivamente, a suspensão determinada pelo art. 356° do Código de Processo Civil não é respeitada, pois nos termos do preceituado no art. 284°, n°1, al. d), a suspensão do caso da al. d) do art. 276°, n°1, al. d), só cessa quando findar o incidente ou cessar a circunstância a que a lei atribui o efeito suspensivo.

d) O incidente de embargos de terceiro não está findo, pois não há qualquer decisão com trânsito em julgado, o que não depende nem contende com os efeitos do recurso nem a exequibilidade da sentença dos embargos.

e) O defendido vem na esteira dos ensinamentos de Prof. A. dos Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, Coimbra 1946, págs. 314 e 315. — a suspensão legal cessa quando estiver definitivamente julgado o incidente, sendo que a suspensão da acção executiva quanto ao bem penhorado impede a prática de actos não urgentes, como sejam os trâmites do art. 864° do Código de Processo Civil, pois a não ser assim, o efeito útil e prático da suspensão legal da execução, por via do deduzido incidente de embargos de terceiro, ficará irremediavelmente perdido.

f) Pelo exposto, ao ordenar-se o prosseguimento da execução, sem acatar as consequências da suspensão, uma vez que nenhum acto urgente se tratar, está a ser cometido um acto nulo que afecta todos os subsequentes, cfr. o preceituado nos artigos 201° e segs. do Código de Processo Civil, cuja verificação se deduz por esta via de recurso.

g) Nestes termos se requer que, notando-se o cometimento de um acto nulo, seja revogado o despacho de fls. 195, sanando-se, deste modo, a nulidade cometida e decretando-se a suspensão da acção executiva até que haja decisão final com trânsito em julgado, no incidente de embargos de terceiro e que tenha por consequência a cessação da suspensão.

Assim, pelo provimento do presente recurso de agravo, será feita inteira Justiça.

Não houve contra-alegações.

A Ex.ma Juíza sustentou o seu despacho – fls.246.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que os factos relevantes são os que antes referimos no Relatório, sob os itens I) a IX) que aqui se dão por reproduzidos.
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Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso, à parte as questões de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se, tendo sido deduzidos embargos de terceiro à execução, relativamente a um imóvel penhorado, e existindo sentença que os julgou improcedentes – decisão não transitada em julgado – podem ser, na execução embargada, cumpridas as citações a que se refere o art. 864º do Código de Processo Civil.

A recorrente sustenta que o despacho recorrido cometeu uma nulidade, do ponto em que, não tendo transitado em julgado a sentença que julgou os embargos de terceiro improcedentes, a suspensão da execução perdura até que transite tal decisão.

A Ex.ma Juíza, reconhecendo que tal sentença, que julgou os embargos de terceiro improcedentes não transitou em julgado, argumenta que, por ao recurso dessa sentença ter sido fixado efeito devolutivo, a execução pode prosseguir e, logo, ser cumprido o disposto no art. 864º do Código de Processo Civil, não existindo qualquer nulidade processual.

Após a Reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, eliminadas as acções possessórias do conjunto dos processos especiais, foi ampliado o âmbito dos embargos de terceiro, desligados, agora, exclusivamente, da defesa da posse ameaçada ou ofendida por diligência processual ordenada judicialmente (excepto a apreensão em processo de falência) sendo-lhes conferido um âmbito mais lato [é até considerado um incidente de intervenção de terceiros [Cfr. “A Acção Executiva – Depois da Reforma”, pág. 294 – Lebre de Freitas]] tornando possível a sua aplicação para reagir a penhora, ou a quaisquer actos incompatíveis com a diligência ordenada judicialmente, que possam afectar direitos de quem não é parte no processo executivo – quem, em relação a tal processo, seja terceiro.

No fundo, e mais comummente, é usado como incidente para reagir a diligência de penhora considerada ilegal.

Como ensina Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 4ª edição, pág.233;

“Hoje, os embargos de terceiro não se apresentam, no sistema da lei processual, como um meio possessório, mas antes como um incidente da instância, como uma verdadeira subespécie da oposição espontânea, sob a denominação de oposição mediante embargos de terceiro (arts. 351.° e segs.).
E assim, como é do conceito de oposição (art. 342°, n°1), encontramo-nos perante um incidente que permite a um terceiro intervir numa causa para fazer valer, no confronto de ambas as partes, um direito próprio, total ou parcialmente incompatível com as pretensões por aquelas deduzidas”.

O art. 356º do Código de Processo Civil estatui:

“O despacho que receba os embargos determina a suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito, bem como a restituição provisória da posse, se o embargante a houver requerido, podendo, todavia, o juiz condicioná-la à prestação de caução pelo requerente”.

Os embargos de terceiro podem ter função preventiva ou repressiva.

Sendo repressivos, como no caso (foram deduzidos após a penhora), o seu recebimento implica a suspensão da execução, relativamente aos bens objecto do incidente.

Como apenas tinha sido penhorado o bem objecto dos embargos de terceiro, deveria ter sido suspensa a instância executiva até à decisão definitiva dos embargos.

É que, nos termos do art. 358º do Código de Processo Civil, a sentença que conheça do mérito dos embargos de terceiro “constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência da titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados”, nos termos do nº2, do art. 357º.

Este preceito, conjugado como o normativo do art. 356º, não consente dúvidas sobre as consequências do recebimento dos embargos de terceiro na acção executiva de que constituem incidente – a execução fica suspensa quanto aos “bens a que os embargos dizem respeito” [Para que o exequente não fique prejudicado com o efeito do recebimento dos embargos de terceiro e a paralisação da execução quanto aos bens objecto dos embargos o art. 836º, nº1, c) do Código de Processo Civil, na redacção anterior à do DL. 38/2003, de 8.3, admitia o exequente a nomear novos bens à penhora, normativo a que corresponde o art. 834º, nº3, d) na redacção introduzida por aquele diploma, que alude, expressamente, ao facto de a penhora poder ser “reforçada ou substituída” – “quando sejam recebidos embargos de terceiro contra a penhora, ou seja a execução sobre os bens suspensa por oposição a esta deduzida pelo executado”].

Essa suspensão da instância perdura até ao trânsito em julgado da decisão que aprecie o mérito dos embargos, pois se a execução prosseguisse e, eventualmente, culminasse com a venda executiva, tal poderia colidir com o caso julgado formado nos embargos de terceiro se, por exemplo, a sentença aí proferida viesse a reconhecer ao embargante o direito de propriedade que se arrogara nos embargos, direito ofendido pela penhora.

Tanto é, hoje em dia, importante a função dos embargos de terceiro, que o embargante pode, no caso de recebimento dos embargos pedir, desde logo, para ser restituído, provisoriamente, à posse do bem (o que não deixa de enfraquecer, até antes de qualquer julgamento do mérito, a posição do exequente tornando-a precária) muito embora essa restituição possa ser condicionada à prestação de caução pelo embargante.

“…O recebimento dos embargos repressivos tem como efeito a suspensão do processo quanto ao bem atingido pela execução, permitindo a lei que seja pedida pelo terceiro a restituição provisória da posse, podendo neste caso o juiz obrigar o requerente ao pagamento de uma caução (art. 356.°). – “Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro”, pág.130 – de Luís Miguel de Andrade Mesquita.
“Após o despacho de recebimento dos embargos, o processo de execução fica suspenso quanto aos bens a que os embargos digam respeito (…) e, se estes tiverem sido deduzidos antes da penhora, esta não chegará a realizar-se até decisão final, sem prejuízo da fixação de caução (art. 359-2)” – Lebre de Freitas, obra citada, pág. 296.

Como se alcança da sentença que decidiu os Embargos de Terceiro – fls. 199 a 204 – de 15.7.2004, a embargante alegara ser titular do direito de propriedade da fracção penhorada, por a ter comprado aos executados D.......... e mulher, em Março de 2001.

Na contestação, o Banco exequente/embargado alegou que tal negócio havia sido simulado, com o fito de defraudar os credores daqueles pretensos vendedores, tese que a sentença acolheu, declarando a nulidade do negócio de compra e venda, por absolutamente simulado.

Em consequência foi decidido que a execução prosseguia, subsistindo a penhora do imóvel em causa.

É, na sequência de tal decisão, e sem curar do seu trânsito em julgado, que o exequente vem impulsionar a execução (onde não se vê despacho expresso a declará-la suspensa após ao recebimento dos embargos, como nos parece, com o devido respeito, que deveria ter acontecido), requerendo o cumprimento do art. 864º do Código de Processo Civil.

A Ex.ma Juíza deferiu tal pretensão, indeferindo, após, a arguição de nulidade de tal despacho suscitada pela embargante, argumentando que ao recurso da sentença, interposto da decisão proferida nos embargos de terceiro tinha sido atribuído efeito devolutivo e, porque em tal sentença se declarara nulo o negócio, por simulado, e se afirmara a subsistência da penhora, sendo aquela decisão exequível (por via do efeito fixado ao recurso), a execução poderia prosseguir.

Salvo melhor opinião, tal entendimento não pode ser acolhido.

A suspensão da execução, em consequência do recebimento dos embargos de terceiro, determina a suspensão da execução, no que respeita aos bens a que os embargos se referem, suspensão que se mantém até à decisão definitiva dos embargos de terceiro, questão a que é de todo indiferente o regime fixado para o recurso interposto da decisão proferida nesse processo incidental.

O que a lei visa, até pela estatuição do art. 358º do Código de Processo Civil, é que nos embargos de terceiro seja definitivamente resolvida a questão em discussão – o direito que sobre o bem, é arrogado pelo embargante.

No caso em apreço, o que releva é que, não tendo transitado em julgado a decisão que apreciou o mérito dos embargos de terceiro, quanto à questão do direito de propriedade da fracção penhorada invocada pelo embargante, a execução, quanto a esse bem, se mantém suspensa, até ao trânsito em julgado da sentença, não podendo ser praticado qualquer acto que envolva o prosseguimento da execução, [no que concerne à fracção penhorada], pelo que o despacho recorrido não tem fundamento legal, sendo nulo, por exprimir desvio à tramitação processual adequada – art.201º, nº1, do Código de Processo Civil.

A instância executiva, suspensa nos termos conjugados dos arts. 356º e 276º, nº1, d) do Código de Processo Civil – suspensão nos casos em que a lei o determinar especialmente – só cessa quando estiver definitivamente julgada a causa prejudicial – art. 284º, nº1, c) do mesmo diploma, devendo entender-se que a causa prejudicial, no circunstancialismo do caso, é o processo incidental de embargos de terceiro.

Pelo quanto dissemos o despacho recorrido não pode manter-se, devendo ser substituído por outro que, na lógica da suspensão da instância executiva quanto à fracção penhorada, até ao trânsito em julgado da decisão proferida nos embargos de terceiro, não autorize a tramitação da execução, obviamente, sem prejuízo da eventual ocorrência de factos enquadráveis no regime excepcional contido no art. 283º, nº1, do Código de Processo Civil – “…enquanto durar a suspensão só podem praticar-se validamente os actos urgentes destinados a evitar dano irreparável…”.

Decisão:

Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que indefira o prosseguimento dos termos da execução, em relação à fracção penhorada, até ao trânsito em julgado da sentença proferida no processo incidental de Embargos de Terceiro.

Custas pelo embargado.

Porto, 30 de Maio de 2005
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale