Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00031289 | ||
Relator: | AGOSTINHO FREITAS | ||
Descritores: | INSTRUÇÃO CRIMINAL REQUERIMENTO REJEIÇÃO IRREGULARIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200102070040929 | ||
Data do Acordão: | 02/07/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | 1 J CR VIANA CASTELO | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 192/99 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Área Temática: | DIR PROC PENAL. | ||
Legislação Nacional: | CPP98 ART123 N2 ART287 N2 N3. | ||
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Sumário: | A falta de delimitação do objecto no requerimento de instrução não pode enquadrar-se nas causas de rejeição do mesmo requerimento, (taxativamente enumeradas no n.3 do artigo 287 do Código de Processo Penal) designadamente na figura da "inadmissibilidade legal" pelo que não pode, por tal motivo, ser indeferido devendo antes aplicar-se o regime das irregularidades, dando-se a oportunidade ao requerente de suprir o vício detectado. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No processo de INQUÉRITO N.º ......, que correu termos nos SERVIÇOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal Judicial da Comarca de ............, para investigação dos factos com relevância criminal participados por AD.............. e D............, na qualidade de membros da assembleia de freguesia de F........... contra AR.............., presidente da junta de referida freguesia, todos devidamente identificado nos autos, o Digno magistrado do Ministério Público determinou o arquivamento do inquérito nos termos do artigo 277.º, n.º 2, do CPP . Notificados os participantes, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 277.º, n.º 3, e 68.º, n.º 1, al. e) do CPP, AD....................veio requerer a sua constituição como assistente e também a abertura de instrução, dando origem ao PROCESSO N.º ....... do ....º JUÍZO CRIMINAL da Comarca de .......... . O M.mo Juiz de Instrução Criminal deferiu o pedido de constituição como assistente mas rejeitou o requerimento para abertura de instrução, ao abrigo do artigo 287.º, n.º 3 e n.º 2, do CPP, por considerar que o requerimento do assistente não contém os requisitos de uma acusação, ou seja, a delimitação do campo factual e jurídico, sendo a instrução inexequível, por inexistir objecto instrutório. Inconformado com o despacho na parte em que rejeitou o requerimento para abertura de instrução, dele interpôs recurso o assistente AD.................... que, da respectiva motivação, extrai as seguintes conclusões: 1.ª O requerimento do assistente de abertura de instrução indica factos que possibilitam a realização da mesma. 2.ª O Ex.mo Juiz poderia incluir na pronúncia factos dos autos, desde que não houvesse alteração substancial. 3.ª Peculato, abuso de poder e favorecimento pessoal são tipos legais de crime, imputados ao arguido. 4.ª Se assim não se entender, a nulidade prevista no artigo 283.º do Código Processo Penal não é uma nulidade insanável. 5.ª Podendo sempre o Ex.mo Juiz notificar o assistente para completar o requerimento, sob pena de não se proceder a instrução. 6.ª Ao indeferir o requerimento de abertura de instrução, violou o despacho os artigos 286.º e 287.º do Código Processo Penal. Termina pedindo que, na procedência o recurso, se revogue o despacho recorrido e seja admitido o requerimento de abertura de instrução. Respondeu o recorrido AR.................... defendendo a manutenção do despacho recorrido por inexistência de objecto instrutório, falta de imputação de um qualquer crime ao arguido e inadmissibilidade legal da instrução por falta dos requisitos das als. b) e c) do n.º 3, do artigo 283.º do CPP, devendo ser negado provimento ao recurso. A Ex.ma magistrada do Ministério Público também contra-alegou, parecendo-lhe não existir a irregularidade, cominada de nulidade, apontada pelo M.mo Juiz de Instrução Criminal mas, a não se atender assim, não seria motivo para indeferir o requerimento face ao disposto no n.º 3 do artigo 287.º do CPP, não sendo de excluir um convite ao assistente no sentido de completar o seu requerimento de abertura de instrução. O M.mo Juiz sustentou o despacho recorrido, referindo-se à estrutura acusatória do processo penal, ao princípio da vinculação temática, voltando a afirmar, que para além da discordância e da indicação dos actos de prova, o assistente, no requerimento de abertura de instrução tem de descrever e delimitar os factos sobre os quais a instrução há-de versar, sob pena de a mesma ser inexequível, por carecer de objecto. Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto exarou douto parecer no sentido do não provimento do recurso, devendo manter-se e confirmar-se o douto despacho recorrido. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrido Ar.................. em relação ao douto parecer emitido pelo Ex.mo PGA veio manifestar apenas a sua discordância quanto à possibilidade de o recorrente poder formular novo requerimento ao abrigo do disposto no artigo 476.º do C. P. Civ., subsidiariamente aplicável por força do artigo 4.º do CPP . Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir . Vejamos, antes de mais, o teor do requerimento de abertura de instrução formulado pelo recorrente: «AD............................, (-....) vem nos termos do artigo 287.º do CPP requerer a abertura de instrução nos termos e fundamentos que se seguem: 1- O Senhor Procurador-Adjunto relativamente a factos pelo ora requerente denunciados e após inquérito determinou o arquivamento dos autos conforme consta do processo. 2 - O ora requerente discorda das razões de facto e de direito aí apresentadas e daí a abertura da presente instrução. 3- Desde logo, e uma vez que na fase de inquérito, bastam indícios da prática de crime, em relação aos pontos A, E, C, F e G, deveria ter sido Ar................. acusado. 4 - Como é de Lei, o ora requerente limitar-se-á a mencionar os pontos para os quais tem provas e novos elementos. Ponto A, do douto despacho: 5 - Decorre do depoimento de H......., do próprio Ar...................... e das testemunhas ai indicadas que o referido H....... prestou serviços para empresa Frei................ de distribuição de mercadorias e de canalizador, em dia úteis e enquanto era funcionário da Junta de Freguesia. 6- O arguido admitiu que a sua filha pudesse ter encarregue ao Sábado, o H........ de acabar um serviço. 7- Ora, tal nunca poderia ter acontecido porque o H........ não tem carta de condução e como tal só o poderia fazer acompanhado de um motorista e nos dias úteis. Ponto F do douto despacho: 8- Do depoimento de Maria Alice ........... decorre que a planta corresponde mais ou menos à realidade e não à realidade. 9- O objectivo da planta não era, desde logo, alterar a área do terreno da sobrinha Maria ..............., mas sim incluir a existência da confrontação a Norte com Caminho Público conforme consta da própria planta e do documento de fls. 22, possibilitando, assim, a continuação de um caminho que, esse sim, existia a nascente, mas que acabava junto a uma cancela. 10- Sendo que quem confronta a Norte é o terreno de André D............., com o artigo rústico n.° ......º, tendo inclusivamente o Ar................ aposto a sua assinatura, enquanto Presidente da Junta, quando do Norte e Poente deveria ter sido o referido André a assinar (cfr. planta junta aos autos). 11- Tal afigurava-se com interesse, porque pretendia o arguido valorizar os terrenos, para além do caminho público e que estavam à venda, garantindo-lhes um bom acesso. 12- Tendo, conforme referiu Ar................, sido um empreiteiro que até fez a planta. 13- E também, tomar partido sobre a contenda que opunha André G................. e o seu vizinho, sobre a existência ou não de um direito de passagem no fundo do terreno do primeiro. 14- Fazendo circular na freguesia como decorre do documento junto a fls 22, que existiam documentos que justificavam a existência do caminho e criando a confusão entre as partes envolvidas. 15- O referido André D.................. é o proprietário de um dos terrenos da planta e é um dos prejudicados com a situação. Ponto G do douto Despacho: 16- Desde logo, nunca foi omitido, no sentido de ocultar tal facto, o alargamento do caminho, pelo ora requerente. O que se contesta é o mesmo não ter sido comunicado à Assembleia de Freguesia, e autorizado, como é costume em todos os casos de alargamento. 17- Não se contesta que seja costume, tendo como pressuposto o dito no artigo anterior que quando se cede terreno, para o efeito, se reconstrói o muro com os materiais e o pessoal da Junta. 18- Quando se refere a não necessidade, não é de autorização da Assembleia de Freguesia porque essa é sempre necessária, mas sim que não havia necessidade de concretamente alargar aquele caminho, uma vez que, para além de, largo por natureza, havia sido alargado há pouco tempo. 19- E, é por causa disto que se estabelece a autorização da Assembleia de Freguesia, para evitar que alguém que tenha muros parcialmente destruídos, se ofereça para ceder um bocado de terreno e assim, reconstruir o muro a expensas da Junta. 20- Há seguramente em todo o ........................, pelo menos 50 pessoas que gostariam de poder ceder terreno em troca da reconstrução do muro. 21- No caso em concreto, o alargamento do caminho decorre de, objectivamente, o caminho ter ficado efectivamente mais largo. 22- Mas não do interesse público e utilidade em ter ficado mais largo. 23- Ou seja não há qualquer justificação para o alargamento do caminho público. 24- Resulta, assim, que Ar.................. praticou actos de abuso de poder, peculato e favorecimento pessoal. 25- Pelo que se impõe que o mesmo seja pronunciado. TERMOS EM QUE, Se requer a V. Exa. Seja proferido despacho de pronúncia de Ar................. . DOS ACTOS DE INSTRUÇÃO: Inquirição de testemunhas: Quanto ao ponto A: (para prova do alegado em 4.º, 5.º e 6.º ) 1- Má..........., divorciada, residente na Rua .................., - Vila ................, 2- Isa................, solteiro, maior, motorista, residente no Lugar ..................., da freguesia de ....................... . Quanto ao ponto F: (para prova do alegado em 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º 1- A.......... E........., casado, residente no Lugar da ....................., ..................., 2- A............. R............., casado, 3- D................., casado, 4- Er................, casado, 5- Maria da Conceição ........, viúva, todos residentes no Lugar ............., ...................., Quanto ao ponto G: (para prova do alegado em 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º e 20.º ) 1- Jorge ............, casado, residente no Lugar ................, 2- Marcelo ..........., casado, residente no Lugar .............., 3- Joaquim .............., casado, residente no Lugar ............., Todos da freguesia de ............................ . Junta 2 documentos, duplicado e cópia legal.» O que é referido como Pontos A, B, C, D, F, G, mais não é do que o seguinte: A. Há pessoas que viram ... que um trabalhador do quadro da Junta de Freguesia de ................... esteve ao serviço de uma empresa de distribuição de produtos alimentares, que pertencia na altura ao actual presidente da referida Junta de Freguesia, dentro do horário da mesma. B. Dá pareceres à Câmara Municipal de V................, acerca de pedido de licenciamento de obras, de acordo com as pessoas que os pedem, e não de acordo com as regras C. Passa atestados de pobreza a pessoas que se apresentam na freguesia com modos de vida acima da média e a determinadas pessoas que não passam desapercebidas na freguesia como pobres ... não lhes passa o dito atestado D. Admite pessoal para a Junta de Freguesia sem qualquer concurso público F. Há um documento assinado pelo presidente da Junta com pelo menos uma assinatura falsa para favorecimento de uma sua sobrinha. G. Presidente da Junta ... está a efectuar arranjos na sede da Junta, nomeadamente reconstrução do muro da sede para além do muro da Junta está a reconstruir o muro da sua propriedade que é o seguimento do da Junta, com os materiais e operários da mesma. A questão a resolver no âmbito deste recurso consiste em determinar se o requerimento de abertura de instrução acima transcrito, formulado pelo assistente na sequência do despacho de arquivamento do inquérito proferido pelo Ministério Público, contém, ou não, os requisitos legais a que alude o artigo 287.º do CPP e se, a não dever ser rejeitado, como foi, por falta de requisitos legais, não deveria o assistente ter sido convidado a completar ou aperfeiçoar tal requerimento, como se pretende. Alega o recorrente terem sido violadas as disposições dos artigo 286.º e 287.º do CPP . vejamos o conteúdo destas normas. O artigo 286.º, n.º 1, do CPP estatui que "a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento". Sobre o requerimento para a abertura de instrução, dispõe o n,º 2 do artigo 287.º do CPP que "o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c). Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas". Por sua vez, o n,º 3 do mesmo normativo dispõe que «o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução». O texto do artigo 287.º do CPP sofreu alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25/08, resultando expressamente do seu n.º 2 (por referência às alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do mesmo Código), que o assistente deverá indicar no requerimento de abertura de instrução, para além das razões, de facto e de direito, de discordância relativamente à não acusação do Ministério Público, «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar , o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada», bem como «a indicação das disposições legais aplicáveis», (sublinhado nosso) . Como está consagrado no n,º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, "O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios subordinados ao princípio do contraditório". Esta estrutura do processo penal significa que o seu objecto é fixado pela acusação que delimita a actividade cognitiva e decisória do tribunal, tendo em vista assegurar as garantias de defesa do arguido, protegendo-o contra a alteração ou alargamento do objecto do processo. Também a orientação da Comissão Europeia dos Direitos do Homem é no sentido de que o artigo 6.º, n.º 3, da Convenção impõe que o acusado seja informado de todos os elementos necessários para que possa preparar a sua defesa, isto é, não só os factos materiais que lhe são imputados ( causa da acusação ), mas também a sua qualificação jurídica (natureza da acusação ), o que implica que o acusado seja também informado de toda a alteração da qualificação jurídica ( cf. Germano Marques da Silva, CURSO DE PROCESSO PENAL, I, Editorial Verbo 2000,4.ª ed., nota de rodapé, pág. 367-368). O requerimento para a abertura da instrução, no caso de arquivamento do processo pelo Ministério Público - como é o caso dos autos - é que define e fixa o objecto do processo, estando a actividade do juiz de instrução estritamente limitada, como decorre do disposto nos artigos 303.º, n.º 1 e 309.º, n.º 1, do CPP. Ora, no caso em apreço, analisando o requerimento de abertura de instrução, verifica-se que o assistente (recorrente) discorda do despacho de arquivamento do Ministério Público, nomeadamente "por não ter acusado em relação aos pontos A, B, C, F e G" ( cf. n.º 3 do requerimento ). Poderia ter impugnado tal despacho pela via da reclamação hierárquica nos termos do artigo 278.º do CPP . Optou, porém, pela abertura de instrução, mas limita-se a mencionar "os pontos para os quais tem provas e novos elementos", e não formula uma acusação alternativa ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, pois não descreve os factos que podem preencher os elementos objectivos e subjectivos susceptíveis de fundamentar a aplicação de uma pena ao arguido nem a indicação das disposições legais incriminatórias. Inexiste acusação formal com o respectivo conteúdo fáctico e típico penal. A falta de tais elementos levou a que o M.mo Juiz "a quo", rejeitasse liminarmente o requerimento para a realização da instrução. Na verdade "não compete ao juiz perscrutar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da acção penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes" ( cf. Ac. R.C. de 24-11-93, Col. Jur. XVIIl-5.061). Como observa Maia Gonçalves, in Código Processo Penal Anotado, 1998, pág. 541, "o requerimento para a abertura de instrução, seja do arguido seja do assistente, não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter os elementos indicados, conforme se explicita no n.º 2 do artigo 287.º do CPP ." " A lei não estabelece, porém, qualquer sanção para a omissão destes elementos." "Na realidade, como pondera Souto de Moura, «Inquérito e Instrução», in Jornadas de Direito Processual Penal, 120-121, se o assistente requerer a abertura de instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será inexequível, fixando o juiz sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver provados, O mesmo se poderá dizer, mutatis rnutandis, no que concerne a instrução requerida pelo arguido." "Cremos que nestes casos o juiz deverá proceder do seguinte modo: Quanto ao assistente notificá-lo-á para que complete o requerimento com os elementos que omitiu e que não devia ter omitido (art. 287.º, n.º 3) [n.º 2, após a Lei n.º 59/98]. Se o assistente não completar o requerimento, o juiz não procederá à instrução. Quanto ao arguido, procederá do mesmo modo; no entanto o facto de o arguido não completar o requerimento pode não ser caso de o juiz não proceder à instrução, sempre que se deduza que o único intuito do arguido e requerente é contrariar os factos constantes da acusação e tiver indicado os actos de instrução que para o efeito deseja que sejam levados a cabo. Neste último caso o juiz dispõe, apesar de todas as deficiências do requerimento, de um campo delimitado de factos ( os da acusação), que o arguido se propõe contrariar na instrução." A falta de delimitação do objecto que torne exequível a instrução também não poderá enquadrar-se nas causas de rejeição do requerimento de instrução taxativamente enumeradas no n.º 3 do artigo 287.º do CPP, designadamente na figura da "inadmissibilidade legal". Maia Gonçalves, in Código Processo Penal Anotado, 1998, pág. 540, refere que a rejeição por inadmissibilidade legal de instrução inclui os casos em que aos factos não corresponde infracção criminal (falta de tipicidade), de haver obstáculo que impede o procedimento criminal e de haver obstáculo à abertura de instrução, v. g. ilegitimidade do requerente(caso do MP), ou inadmissibilidade legal de instrução (v. g., casos dos crimes particulares e de alguns processos especiais. O sentido da locução "inadmissibilidade legal", com se entendeu no Ac. da R.L. de 12-07-95, C.J. XX, 4.0,140, "só pode ser o da falta de condições de procedibilidade ou de perseguibilidade criminal, caso em que o processo não devia ter sido instaurado ou não podia prosseguir por carência de pressuposto processual. A insuficiência de factos, suas consequências e seus autores não integra o conceito de inadmissibilidade legal a que se refere o n.º 2 do artigo 287.º do CPP, e por isso a sua reapreciação está vedada ao juiz para justificar a recusa da instrução". Neste aresto também se decidiu que "não podendo o requerimento deficiente ser indeferido, por não se verificar qualquer das causas de rejeição elencadas no n.º 2 [n.º 3, após a Lei n.º 59/98, de 25/08] do artigo 287.º do Código de Processo Penal, deverá o mesmo ser objecto de um despacho de aperfeiçoamento. art. 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.» Parece-nos ser esta a jurisprudência mais seguida, como resulta dos seguintes Acórdãos: da RP de 5-5-93, in Col. Jur. XVIII, 3.º, p. 243; da RC de 17-11-93, in Col. Jur. XVIII, 5.º, p. 59; da RE de 16-12-97, in BMJ 472, p. 585, e da RL de 20-06-2000, in Col. Jur. XXV, 3.º, p. 153 (em sentido oposto, cf. Ac. da RL de 09-02-2000, in Col Jur. XXV, 1.º 154), sendo também essa a posição que seguiremos no caso em apreço. Perfilhamos, ainda, o entendimento de que uma interpretação do artigo 287.º, n.º 2 do CPP que fulmine com a imediata rejeição todo o requerimento de abertura de instrução, deduzido pelo assistente ou pelo arguido, por deficiente cumprimento dos ónus aí estabelecidos, sem que ao requerente seja facultada a oportunidade processual de suprir o vício detectado, não será conforme as normas do artigo 20.º e, antiteticamente, do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Saliente-se, por último, que a instrução, na definição legal prevista no n.º 1 do artigo 286.º do CPP, visa a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. A sua razão de ser é, fundamentalmente, obter o reconhecimento jurisdicional da legalidade ou ilegalidade processual da acusação ou da abstenção, neste caso, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não haja deduzido acusação. Assim, julgamos que por força do preceituado no artigo 287.º, n.º 3 do CPP, estava vedado ao M.mo Juiz rejeitar liminarmente o requerimento de abertura de instrução por a sua deficiência não se enquadrar em qualquer das hipóteses taxativas de rejeição aí previstas, nomeadamente, na figura da inadmissibilidade legal, devendo aplicar-se o regime das irregularidades previsto no artigo 123.º, n.º 2, do CPP, dando-se a oportunidade ao requerente de suprir o vício detectado. DECISÃO Pelo quanto exposto fica, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogando-se o despacho recorrido a fim de que o M.mo Juiz "a quo" o substitua por outro em que convide o recorrente/assistente a completar o seu requerimento de abertura de instrução. Sem tributação. Texto elaborado em computador pelo relator que rubrica as restantes folhas. PORTO, 2001-02-07 Agostinho Tavares de Freitas Maria da Conceição Simão Gomes José Inácio Manso Raínho |