Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0421824
Nº Convencional: JTRP00035961
Relator: DURVAL MORAIS
Descritores: CITAÇÃO
FALTA
NULIDADE
Nº do Documento: RP200405110421824
Data do Acordão: 05/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I - Não existe nulidade (falta) de citação se para citar marido e mulher, com a mesma residência, são enviadas duas cartas registadas, acabando os registos por ser ambos assinados pelo marido e de seguida é enviada nova carta à mulher com a advertência legal em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa.
II - Compete à reclamante elidir a presunção legal de que não tem conhecimento do acto, por circunstâncias alheias à sua vontade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I – B..... e mulher C....., residentes na Rua......, freguesia de....., concelho de....., intentaram, em 13/6/2001, acção de condenação com processo sumário contra D..... e mulher E....., residentes na Rua....., freguesia de....., ....., pedindo a condenação dos RR. a:
a) Proceder ao pagamento da quantia de Esc. 1.021.400$00, de danos patrimoniais, acrescida de juros legais até integral pagamento;
b) Proceder ao pagamento da quantia de Esc. 500.000$00, a título de danos morais;
c) Absterem-se de encaminhar todas as suas águas para o prédio dos AA.;
d) Procederam à reparação do seu próprio muro;
e) Procederam ao arranque das figueiras que plantaram junto do muro dos AA..

Foi expedida carta registada com aviso de recepção para citação dos RR., tendo a citação sido efectuada, de facto, na pessoa do referido D....., que assinou os dois avisos juntos a fls. 37 e 38 (Doc.s fls. 35, 36, 37 e 38).

Em seguida foi remetida à E..... “Advertência em virtude da citação não ter sido feita na própria pessoa”, dando-lhe conhecimento “de que se considera citado na pessoa e na data da assinatura do aviso de Recepção de que se junta cópia, conforme recebeu a citação e duplicados legais. Prazo para contestar é de 30 dias. Àquele prazo acresce uma dilação de 5 dias por a citação ter não sido efectuada na pessoa de V.Exª. A falta de contestação importa a confissão dos factos articulados pelos Autores” (doc. fls. 39)

Em 10/1/2002, foi proferida sentença a condenar os RR. no pedido.

Em 24/1/2004, veio F..... reclamar da nulidade da sentença, com fundamento na falta de citação na pessoa da reclamante e ilegitimidade de E......

Notificados os AA., pugnam pela improcedência da reclamação.

Por despacho de 27/6/2003, foi indeferida a requerida nulidade da citação da Ré mulher.

Inconformada a Ré agravou, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões:
1ª - A acção intentada contra D..... e E..... (cfr- p.i.), sendo que a recorrente é F....., pessoa diferente da tal E....., designação que nunca adoptou, nem condiz com a sua efectiva identificação (cfr. RI.).
2ª - De qualquer das formas, a recorrente não foi citada daquela petição inicial, nem lhe foi entregue, por quem quer que fosse, nem de quaisquer outros documentos que a acompanhasse.
3ª - Existe, por conseguinte, erro na identidade do citado, quanto à recorrente/agravante, pois o acto foi completamente omitido, nunca lhe tendo sido dado sequer e por qualquer meio, conhecimento da petição inicial dos Autores, o que integra a previsão do artº 195°, alínea a), b) e e) do C.P.C. .
4ª - Assim sendo, verifica-se, "in casu", a falta de citação, o que é dizer nulidade de citação, arrastando consigo a nulidade de todo o processado, incluindo, como é óbvio, a nulidade da sentença, como preceituam as disposições conjugadas dos art.s 194°, alínea a) e 198°, n.s 1 e 4, do C.P. C. .
5ª - Aquelas nulidades podem ser arguidas em qualquer estado do processo (cfr. art.º 204°, n.º 2, ex vi do artº 194°) e invocada pelo interessado (art.º 203°, nº l).
6ª - A presente acção teria que ser posta contra ambos os cônjuges, uma vez que o bem é do casal, tendo a recorrente que ser expressamente citada para a presente acção e não o tendo sido, existe, destarte falta absoluta de citação.
7ª - Violou, pois, o douto despacho recorrido, e bem assim a douta sentença, o disposto nos artigos 195°, al.s a), b) e e), 194°, alínea a), 197°, alínea a), 198°, n.s 1 e 4, todos do C.P.C. e bem ainda o artº 784°, do C.C..
8ª - Dir-se-á, por último, que a E....., tal como é indicada na p-i. não é parte legítima na presente acção, sendo que nada tem a ver com os autos, nem é ela, mulher do R D....., mas sim a recorrente, que nos termos constantes do processo, é, igualmente, parte ilegítima, o que se argui.
Termina, pedindo se declare nulo e de nenhum efeito, tudo quanto se processou nos presentes autos, incluindo a douta sentença, por Nulidade de Citação, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 195°, alíneas a), b) e e), 194°, alínea a), 197°, alínea a), 198°, n.s 1 e 4 do C.P.C., absolvendo os RR da instância, tudo com as demais consequências legais ou, caso assim se entenda que os autos deverão prosseguir, Requer a reclamante, que seja citada da petição inicial afim de se poder defender.

Contra-alegando, os AA. pugnam pela manutenção da decisão.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II – Para resolução do presente agravo, consideramos provados, para além dos factos referidos em I) , ainda que:
1- A Ré, que é mulher do R. marido, tem, de facto, o nome de F....., residindo ambos na Rua....., freguesia de....., .....

III - O DIREITO.
O objecto do recurso confina-se à questão de falta de citação da Ré, entendendo esta que foi violado o disposto no artº 195º do Cód.Proc.Civil (de que serão todos os que vierem a ser nomeados sem indicação de origem).
Os RR. foram considerados revéis, porque, segundo a sentença, tinham sido citados regularmente.
Há, portanto, que decidir se a Ré foi ou não citada.
O artº 195º citado enumera os casos de falta de citação.
Deste normativo, interessa realçar a sua alª. e) que estabelece haver falta de citação “quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável”.
De acordo com o art 198, nº 1, sem prejuízo do artº 95º, “é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei”, acrescentando o artº 241º:
“Sempre que a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando, em consequência do preceituado nos artºs 236º, nº 2 e 240º, nº 2, ou haja consistido na afixação da nota de citação, nos termos do artº 240, nº 3, será ainda enviada carta registada ao citado…”.
Que dizer?

Aplicando estes normativos ao caso dos autos, parece-nos ser de concluir que não há qualquer falta de citação, porque a recorrente e o seu cônjuge, casados entre si, vivendo na mesma casa (ao que se presume, pois o contrário não foi referido nos autos) e em economia comum, foram citados para os termos da presente acção, por serem interessados directos, já que a casa em que vivem é do casal (cfr. fls 52).
Tal citação foi feita por via postal, mediante cartas registadas com avisos de recepção, dirigida a ambos, sendo aquele aviso assinado apenas pelo falecido marido.
Na verdade, tendo sido estabelecido, como regra, na actual reforma do processo civil, que a citação pessoal é feita pela via postal, por meio de carta registada com aviso de recepção (artºs 233º, nº 2 a), 236 e 238), as causa de falta de citação foram reconduzidas, na prática, a um único fundamento:
- haverá falta de citação sempre que o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que lhe não seja imputável (artº 195º, al. e)).
Ora, não se tendo provado que o marido nunca a tivesse informado da pendência da presente acção, tal citação tem de considerar-se regularmente feita.
Tem sido este o entendimento seguido pela jurisprudência.
Assim, decidiu-se no Ac. Rel. Coimbra de 28/04/93, in Col. Jur., Ano XVIII, Tomo II, pág. 54, que a «lei não obriga ao envio de duas cartas registadas para citação de marido e mulher com domicílio comum”.
Igual entendimento foi seguido no Ac. da Rel. do Porto de 26/10/1960 (Jur. Rel., ano 6º, pág. 867) e de 23/10/90, in Col. Jur., Ano 1990, Tomo IV, pág. 236 e é igualmente defendido por Rodrigues Bastos, in Nota ao C.P.C,, 2ª ed., págs. 462 e 463).
Importa sublinhar, também, o significado do recente Ac. da Rel. do Porto de 19/04/99, (in BMJ 486°-365), que decidiu:
«Não há irregularidade na citação de réus casados que vivem em economia comum, se foi expedida carta registada a ambos os cônjuges e o respectivo aviso de recepção apenas foi assinado por um deles, a menos que o outro demonstre que, por circunstância a si não imputada, não tomou conhecimento do acto de que era destinatário».
Finalmente, não poderemos aqui olvidar a mui recente decisão singular da Rel. de Lisboa de 10/7/2000 (in Col.Jur. 2000, IV, pág. 91), onde, nomeadamente, se escreveu:
“Resulta do disposto no art. 235º do CPC que, havendo que citar marido e mulher, deve ser enviada uma carta de citação para cada um deles.
Quando a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando deve a secção de processos enviar ao citado carta registada e comunicar-lhe a data e o modo porque o acto de citação se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa, a cominação derivada da sua omissão, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em que a citação foi realizada - art. 241º”.

Diga-se, finalmente, que a recorrente não logrou elidir a presunção legal estabelecida no art. 238° do Cód. Proc. Civil, que prescrevia, na redacção em vigor à data da efectivação da citação, que «a citação por via postal considera-se feita no dia em que se mostrar assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário».
Caberia à recorrente provar que não teve conhecimento do acto, o que não conseguiu, pelo que não se verifica a alegada falta de citação.
Não assiste, nesta parte, a razão à agravante.

Refere a agravante que a acção foi intentada contra E....., sendo que a recorrente se chama F....., pelo que existe erro na identidade do citado, o que redundaria em nulidade da citação.
Também aqui, e salvo o devido respeito, não cabe a razão à recorrente,
Escreveu, aliás, com muito acerto, o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código do Processo Civil, vol. 2º, pág. 416 ss) que, para habilitar os tribunais a resolverem as dificuldades ligadas à citação e “assegurar, portanto, jurisprudência uniforme, é que o artigo 195.° menciona os casos em que deve ter-se como verificada a falta de citação.
O 1.° não carece de explicação.
O 2.° consiste em ter havido erro de identidade do citado.
O que quer isto dizer?
O erro de identidade dá-se quando, em vez de se citar o próprio réu, se cita pessoa diferente. O oficial de ,justiça procurou o réu para o citar; mas, por erro, em vez de citar a pessoa identificada na petição como réu, citou outra pessoa diferente.”
E, mais à frente:
“Não obstante estas precauções da lei, pode dar-se o erro previsto no n.º 2.°
Imagine-se que numa povoação há duas pessoas com o mesmo nome e apelidos idênticos; não se trata de mera fantasia, trata-se de realidade bastante frequente. Pode suceder que se cite uma quando devia citar-se a outra; sem que tenha, havido má fé. e nem sequer inadvertência ou descuido por parte do oficial ou das testemunhas.
Pode, em segundo lugar, o erro ser devido a precipitação, negligência ou falta de cuidado da parte do oficial ou das testemunhas. Pode finalmente figurar-se a hipótese de má fé ou malícia.
Como quer que seja, desde que se chamou a juízo, não a pessoa contra quem a acção foi realmente proposta, pessoa diferente, estamos em face da falta de citação do réu. Houve uma citação; simplesmente não foi o réu que citado, foi outrem, em vez dele.
Poderia dizer-se que o erro em questão se traduz na falta de citação, mas na ilegitimidade do réu. Se a pessoa chamada a juízo não é aquela contra quem a acção se propôs, o facto real é este: está em juízo quem não tem interesse em contradizer, quem é parte ilegítima para a causa.
Efectivamente o erro de identidade do citado pode conduzir à ilegitimidade do réu, ou antes, pode criar uma situação que revista o aspecto de ilegitimidade.”
Também, a este respeito, escreveram A. Varela e outros:
“Há falta de citação, segundo o critério rigoroso da lei, não só quando não exista qualquer aparência de citação (por omissão completa do acto) ou o acto se tenha realizado em pessoa diferente do réu (erro de identidade do citado)”.
Ora, não se prova que a pessoa de E..... seja pessoa diferente de F......
Improcedem as respectivas conclusões.
*****

IV – Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 11 de Maio de 2004
Durval dos Anjos Morais
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho