Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
488/2002.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MACHADO DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
SEGURADORA
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RP20110606488/2002.P1
Data do Acordão: 06/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos dos arts. 37°, n° 2, da Lei n° 100/97, de 13.09, verificando-se alguma das situações referidas no art. 18°, n° 1, podem surgir obrigações, de diferente conteúdo e com fontes diferentes: a da empregadora/tomadora do seguro, responsabilidade extracontratual, nos termos do art. 483° do CC; e a da seguradora, com base no contrato de seguro, e apenas depois de ter satisfeito as prestações normais legalmente devidas ao lesado/sinistrado, subsidiariamente, ou seja, depois de executados os bens do tomador de seguro.
II - A seguradora é, assim, garante de parte da obrigação devida pelo responsável /tomador de seguro e que não a cumpriu.
III- Mas, paga essa indemnização, a prevista no contrato de seguro, a seguradora fica com o direito de regresso contra o tomador de seguro na parte por si satisfeita, direito de regresso esse que é um elemento típico das obrigações solidárias, nas relações internas, entre os devedores.
IV- Existe, assim, entre estas obrigações um regime de imperfeita solidariedade ou solidariedade aparente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Reg. nº 1544.
Proc. nº 488/2002.P1.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

1. B…, C… e D… intentaram a presente acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra E…, Companhia de Seguros, S.A., e F…, S.A., pedindo o pagamento pelas RR., nas medidas das suas responsabilidades, das quantias peticionadas, num total de € 9.579,24.
Para tanto, e em síntese, alegaram os AA. que, em 07/06/2002, num armazém sito em Vila Nova de Gaia, quando prestava trabalho por conta da aqui 2ª R. e estava a auxiliar um seu colega na aplicação de solda numa caixa metálica, ocorreu uma explosão que veio a vitimar José Luís Costa Moreira, cônjuge da 1ª A. e pai dos restantes AA.
Esta explosão causou lesões no sinistrado que lhe determinaram a sua morte imediata, tendo as demandadas declinado a sua responsabilidade no pagamento dos valores indemnizatórios aos aqui AA., alegando a 1ª R. que a operação que o sinistrado executava não se encontrava abrangida pelo contrato de seguro celebrado com a 2ª R. e que o acidente se ficou a dever a negligência grosseira do próprio sinistrado e a falta de condições de segurança, enquanto que a aqui 2ª R. invocou que havia transferido a sua responsabilidade infortunística para a 1ª demandada, através de contrato de seguro, válido e eficaz à data do sinistro, pelo que considera que a aquela seguradora que devera responder pelos danos do mesmo resultantes.
Alegaram ainda os AA. que despenderam € 40 com deslocações a este Tribunal e que suportou os custos inerentes ao funeral do sinistrado com trasladação para …, tendo despendido a quantia de € 1.521,86.
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Contestaram as RR., alegando em síntese:
- a R. seguradora:
Confirmando que aceita que o sinistro dos autos ocorreu no local e no tempo de trabalho do sinistrado, bem como o valor da sua retribuição anual, de € 11.453,98 tal como indicado pela A.
Alega, no entanto, que o sinistrado tinha a categoria profissional de condutor-manobrador e que foi com base na mesma que foi celebrado o contrato de seguro em apreço. Mais alegou que a R. entidade patronal dispõe de uma secção de serralharia, com banca de soldadura e que, por isso, a operação que deu origem a explosão não foi desempenhada de forma adequada, desempenhando o sinistrado tarefa para a qual não estava habilitado e que não lhe incumbia. Mais, o trabalhador não se assegurou do conteúdo do bidão onde foi efectuado o serviço de soldadura, o qual continha resíduos de materiais altamente inflamáveis.
Conclui, assim, a seguradora demandada que o acidente se ficou a dever a uma atitude temerária do sinistrado e a falha nas regras de segurança da sua entidade patronal, pelo que repudia qualquer responsabilidade no pagamento de valores indemnizatórios.
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- a R. entidade patronal:
O sinistrado desempenhava, como os demais funcionários as tarefas necessárias à manutenção dos equipamentos que utilizavam, tendo o sinistro ocorrido quando soldavam uma caixa metálica pertencente a uma central de injecção, estando o sinistrado a auxiliar um colega na realização dessa tarefa.
Admite que terá ocorrido a prática duma infracção, pela qual foi autuada pela actual ACT, tendo pago a respectiva coima pela inexistência de planificação da prevenção de riscos profissionais, mas tal infracção não determinou a verificação do sinistro.
Conclui, considerando que, tendo celebrado contrato de seguro com a 1ª demandada, transferiu a sua responsabilidade pela verificação de acidentes de trabalho para aquela, pelo que deverá ser esta entidade condenada no pagamento das quantias que se fixarem a título de indemnização aos AA., absolvendo-se a R. entidade patronal do pedido.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, condenando-se a 2ª R. no pagamento de pensão anual e vitalícia à 1ª A., B…, no montante de € 11.453,98, acrescida da quantia de € 4.176, a título de subsídio por morte e da quantia de € 2.784, a titulo de indemnização pelas despesas com o funeral.
Mais se condenou a mesma demandada a pagar aos filhos da 1ª A. e do sinistrado, a pensão, anual e temporária, de € 11.453,98, até que os mesmos perfaçam os 18 anos de idade, ou os 22 ou os 25 anos, caso frequentem curso de formação equiparado ao ensino secundário ou superior, respectivamente, com aproveitamento.
Condenou-se ainda a R. seguradora, subsidiariamente no pagamento das quantias acima fixadas – cf. artigos 18º e 37º, nº 2, ambos, da LAT.
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A fls. 852, a demandada, companhia seguradora, deduziu pedido de esclarecimento da sentença proferida no âmbito dos presentes autos, invocando para tanto que na referida decisão não se indica expressamente se o valor da pensão anual fixada para os filhos do sinistrado é para cada um deles ou para ambos em conjunto e se ao condenar a aqui demandada e requerente por via subsidiária se fixou os mesmos montantes ali estabelecidos para a R. entidade patronal.
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Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho:
«Em primeiro lugar quanto ao valor fixado a título de pensão anual para os filhos do sinistrado, decorre do preceituado no art. 20° n° 1 al. c) da LAT qual o valor respeitante a cada um dos filhos, mal se compreendendo como se justificaria que tais quantias fossem a repartir por ambos os filhos, uma vez que implicaria uma directa violação da indicada norma legal, pelo que se esclarece, categoricamente, que o valor fixado a titulo de pensão anual – € 11.453,98 – se destina a cada um dos filhos do aqui malogrado sinistrado.
Quanto à responsabilidade solidária da aqui demandada, a mesma decorre expressamente quer do texto da decisão final em apreço, quer do disposto no 37° n° 2 da LAT, logo o eventual pagamento por parte da aqui demandada seguradora apenas será exigível esgotado que esteja o pagamento voluntário e/ou coercivo por parte da entidade patronal e tal como decorre expressamente do indicado preceito legal, os valores pelos quais a entidade seguradora responde solidariamente, apenas são os do regime geral, sem o agravamento decorrente do art. 18° do mesmo diploma legal, já que estes se destinam a punir, com o acréscimo dos valores indemnizatórios, o incumprimento de regras de segurança ou outras que tenham determinado a ocorrência do sinistro.
Assim, esclarece-se também, para que não restem quaisquer dúvidas, de que a responsabilidade solidária da aqui seguradora, de acordo com o estatuído no art. 37° da LAT abrange apenas os valores indemnizatórios decorrentes da aplicação do art. 20° da mesma lei, ou seja, para o conjugue sobrevivo – 30% da retribuição do sinistrado (€ 11.453,98) até à idade da reforma por velhice e 40% após essa idade e para cada um dos seus filhos – 40% sobre o mesmo valor (€ 11.453,98), por serem dois, até aos 18 anos ou até às restantes idades ali referenciadas se mantiverem a sua formação académica e de acordo com o grau de formação ali estabelecido».
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Notificada desta decisão, a Companhia de Seguros pediu a rectificação da sentença, o que foi indeferido.
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Inconformada com esta decisão, dela recorreu a R. Seguradora, formulando as seguintes conclusões:
1. A Recorrente entende que o Tribunal a quo fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos em discussão nos presentes autos relativamente à questão supra enunciada: a da qualificação jurídica da responsabilidade da Recorrente.
2. Com efeito, o Tribunal a quo refere expressamente na fundamentação da sentença que "Uma vez que o sinistro dos autos resultou da violação das regras de segurança, que recaíam sobre a R. entidade patronal, a aqui demandada seguradora, responde apenas a titulo subsidiário nos termos do preceituado no art. 37º, n° 2 da LAT." E, na parte decisória, condena a ora Recorrente, (...) subsidiariamente no pagamento das quantias acima fixadas – cf. artigos 18° e 37°, nº 2, ambos da LAT".
3. A ora Recorrente requereu o esclarecimento da sentença proferida, ao abrigo do disposto no art. 669º do CPC, por entender que lhe era inaplicável a previsão do art. 18°, nº 1 da LAT (disposição legal expressamente invocada na decisão condenatória).
4. Por Despacho proferido em 05.07.2010 (refª electrónica 380111), o Tribunal a quo resolve e decide uma das questões suscitadas – a do quantum da pensão, mas altera a decisão no que respeita à qualificação jurídica da responsabilidade da ora Recorrente, a qual deixa de ser subsidiária – como expressamente configurada na sentença proferida – e passa a solidária!
5. Ora, com todo o respeito, a lei – mais concretamente o nº 2 do citado art. 37º –, é muito clara e qualifica de forma expressa a responsabilidade da seguradora: "2 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei."
6. Logo, contrariamente ao referido no Despacho de 05.07.2010, a responsabilidade "solidária" da ora Recorrente não decorre expressamente do disposto no art. 37º, nº 2 da LAT, nem estava expressa no texto da decisão final em apreço.
7. Sendo certo que, a própria fundamentação do Despacho supra citado define a subsidiariedade, apesar de a denominar de "responsabilidade solidária".
8. Razão pela qual, a ora Recorrente ter entendido que os vocábulos "solidário" e "solidariedade" referidos naquele Despacho se deviam a manifesto lapso de escrita e requereu, em 08.07.2010, a sua rectificação, a qual foi indeferida por o Tribunal a quo entender que não se vislumbrava "(...) qualquer obscuridade, lapso ou omissão que se pudesse ainda reparar".
9. Ora, a solidariedade e a subsidiariedade das obrigações tem consequências próprias e bem distintas entre si.
10. No caso sub judice, a fonte da obrigação em discussão nos autos e da responsabilidade da ora Recorrente, é a lei expressa – o art. 37º, nº 2 da LAT.
11. Sobre os pressupostos da solidariedade, remete-se, por razões de economia processual e para evitar repetições desnecessárias, para o ensinamento do Prof. Antunes Varela citado no corpo da presente alegação, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido (in "Das Obrigações em Geral", Vol. I, 8ª edição, Almedina, pags. 776 a 779).
12. Razão pela qual, só um manifesto equívoco justifica pois o presente recurso, pela singela razão de que:
13. A lei é expressa quanto à subsidiariedade da responsabilidade da Seguradora face à entidade empregadora;
14. As decisões sub judice desenvolvem raciocínios que assentam neste mesmo entendimento, mas contêm expressões – "solidária" em vez de "subsidiária" – repetidas por diferentes vezes que conduzem a um objectivo, quiçá decisão final, justamente oposto.
15. Atenta a clareza do ensinamento supra citado, aliado à previsão do n° 2 do art. 37º da LAT, fonte da responsabilidade de pagamento da ora Recorrente, é seu entendimento que o Tribunal a quo fez incorrecta interpretação e aplicação do direito no que respeita à qualificação jurídica da responsabilidade da Recorrente, violando, assim, aquela referida disposição legal.
16. As decisões sub censura, não só infringem directamente a lei – art. 37º, nº 2 da LAT – e cometem erro de julgamento, como padecem de nulidade, nos termos do art. 668°, n° 1, al. c) do CPC, atenta a manifesta contradição entre os seus fundamentos com a decisão final, o que, para os efeitos legais, se invoca.
17. Face ao acima exposto, as decisões sub judice devem, assim, ser revogadas.
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Não houve contra-alegações.
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Nesta Relação, o Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual respondeu a recorrente.
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Cumpre decidir.
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2. Factos provados:
Os interessantes à decisão do recurso mostram-se supra referidos.
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3. Do mérito.
A recorrente suscitou as seguintes questões:
- nulidade da sentença;
- natureza da obrigação da recorrente.
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3.1. Nulidade da decisão.
Sustenta a recorrente que as decisões sub censura padecem de nulidade, nos termos do art. 668°, n° 1, al. c) do CPC, atenta a manifesta contradição entre os seus fundamentos com a decisão final.

No entanto, e como resulta expressamente do seu requerimento de interposição do recurso, neste, a recorrente limitou-se a interpor recurso.
Ou seja: tal arguição apenas foi feita nas alegações de recurso e não no requerimento da sua interposição, como impõe o art. 77º, nº 1, do CPT: "a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso".
Como tem sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a razão de ser desta norma radica no "princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade" – cf., entre outros, Ac. STJ, de 23.04.1998, BMJ, 476/297 e Ac. STJ, de 03.12.2003, no site dos acórdãos do STJ.
E se a arguição da nulidade da sentença/despacho – cf. art. 666º, nº 3, do CPC – se verificar apenas nas alegações de recurso, ela é extemporânea, acarretando o seu não conhecimento.
Esta doutrina tem sido sufragada pelo Tribunal Constitucional [cf. acórdãos nºs 403/2000 (DR, II Série, de 13.12.2000) e 439/2003 (www.tribunalconstitucional.pt)], incluindo no acórdão nº 304/2005, DR, II Série, de 05.08.2005, tirado sobre esta matéria.
Este último acórdão do Tribunal Constitucional reafirma a doutrina dos anteriores e do STJ, neste concreto ponto: no direito processual laboral – arts. 77º, nº 1 e 81º, nº 1 do CPT – o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, apesar de constituírem uma peça processual única, deve ela ser composta por duas partes, a primeira dirigida ao juiz do processo (o requerimento de interposição propriamente dito); a segunda, a alegação/motivação do recurso, dirigida aos juízes do tribunal superior para o qual se recorre.
E o fundamento do recurso, leia-se, nulidade da decisão recorrida, deve ser invocado na 1ª parte do requerimento, e não na parte da alegação/motivação, por razões de maior celeridade e economia processual, já que o juiz do processo pode conhecer dessa nulidade.
A novidade do acórdão nº 304/2005 do TC, em relação aos anteriores, reside na declaração de inconstitucionalidade do art. 77º, nº 1, do CPT, apenas quando interpretado no sentido de que o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior – sublinhado nosso.
Assim, subscrevendo-se esta fundamentação por manter inteira validade, é necessário que, no requerimento de interposição de recurso, se invoquem as nulidades de forma clara, explícita e concreta, fundamentando-as, para possibilitar ao juiz recorrido a sua apreciação, suprindo-a, caso assim o entenda, antes da subida do recurso.
No caso concreto, como se disse, o procedimento utilizado pela recorrente, para a arguição da citada nulidade, não está de acordo com o legalmente exigido, em processo de trabalho, excluindo do requerimento de interposição do recurso qualquer referência à alegada nulidade da decisão.
Não deve pois conhecer-se da mencionada nulidade, uma vez que, não tendo sido dado cumprimento ao estabelecido no art. 77º, nº 1, do CPT, a sua arguição é extemporânea.
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3.2. Natureza da obrigação da recorrente.
Como decorre do art. 37º, nº 1, da Lei nº 100/97, de 13.09 (aplicável ao acidente em apreço) as entidades empregadoras são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.
No desenvolvimento dessa LAT foi publicada a Norma nº 12/99-R, de 30.11, aprovando as condições gerais e especiais uniformes do seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem.
Desta apólice uniforme destacamos o art. 2º, nº 1, que estabelece:
“A seguradora, de acordo com a legislação aplicável e nos termos desta apólice, garante a responsabilidade do tomador de seguro pelos encargos obrigatórios provenientes de acidentes de trabalho em relação às pessoas seguras identificadas na apólice, ao serviço da unidade produtiva também identificada nas condições particulares…”.
Ainda do art. 21º (intitulado direito de regresso):
“1. Após a ocorrência de um acidente de trabalho, a seguradora apensa tem direito de regresso contra o tomador de seguro:
[…]
b) Pelo valor das indemnizações ou pensões legais e dos demais encargos, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observância das regras sobre higiene, segurança e saúde nos locais de trabalho;
[…]
2. Nos casos previstos na alínea b) do número anterior, a seguradora responde subsidiariamente, depois de executados os bens do tomador de seguro, apenas pelas prestações a que haveria lugar sem os agravamentos legalmente estipulados para essas situações, e sempre tomando por base a retribuição declarada”.
Prescreve o art. 18º da LAT, sob a epígrafe ”casos especiais de reparação”:
“1. Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante ou resultar da falta de observação das regras sobre segurança higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
(...)”.
Essas regras elegem critérios, nelas descritos, que beneficiam o sinistrado e agravando a responsabilidade da entidade que responde pela reparação, identificada, no citado art. 37º, nº 2.
Temos, assim, obrigações, de diferente conteúdo, que nascem em momentos distintos, sucessivos, e com fontes diferentes: a da empregadora/tomadora do seguro, responsabilidade extracontratual, nos termos do art. 483º do CC; a da seguradora, com base no contrato de seguro, e apenas depois de ter satisfeito as prestações normais legalmente devidas ao lesado/sinistrado, subsidiariamente, ou seja, depois de executados os bens do tomador de seguro.
A ligar estas obrigações, assim o entendemos, com todo o respeito por diverso entendimento, existe uma comunhão de fim imposta pela lei infortunística laboral, ou seja, colaboração de devedores ao serviço do mesmo interesse do credor lesado com o acidente de trabalho.
A seguradora é garante de parte da obrigação devida pelo responsável /tomador de seguro e que não a cumpriu.
O legislador estabeleceu assim a “protecção social do sinistrado/lesado”, terceiro em favor de quem se instituiu o seguro obrigatório.
Mas, paga essa indemnização, a prevista no contrato de seguro, a seguradora fica com o direito de regresso contra o tomador de seguro na parte por si satisfeita, direito de regresso esse que é um elemento típico das obrigações solidárias, nas relações internas, entre os devedores.
Se destas normas não se pode falar de um regime de perfeita ou completa solidariedade, entendemos que o caso em apreço integra um regime de imperfeita ou de solidariedade aparente – cf. arts. 512º, nº 2, 513º e 524º do CC e Prof. Antunes Varela (in "Das Obrigações em Geral", Vol. I, 10ª edição, Almedina, pags. 756 a 790).
Por isso, sem prejuízo de se reconhecer que a decisão recorrida pode ter sufragado este entendimento, certo é que, por forma a eliminar quaisquer dúvidas, importa definir que, nos termos das normas citadas, a responsabilidade da recorrente é subsidiária.
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4. Atento o exposto, e decidindo:
Acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, e substituindo-se a mesma, define-se que a responsabilidade da recorrente é subsidiária.
Sem custas.

Porto, 06.06.11
José Carlos Dinis Machado da Silva
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
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Sumário elaborado pelo relator:
I - Nos termos dos arts. 37°, n° 2, da Lei n° 100/97, de 13.09, verificando-se alguma das situações referidas no art. 18°, n° 1, podem surgir obrigações, de diferente conteúdo e com fontes diferentes: a da empregadora/tomadora do seguro, responsabilidade extracontratual, nos termos do art. 483° do CC; e a da seguradora, com base no contrato de seguro, e apenas depois de ter satisfeito as prestações normais legalmente devidas ao lesado/sinistrado, subsidiariamente, ou seja, depois de executados os bens do tomador de seguro.
II - A seguradora é, assim, garante de parte da obrigação devida pelo responsável /tomador de seguro e que não a cumpriu.
III- Mas, paga essa indemnização, a prevista no contrato de seguro, a seguradora fica com o direito de regresso contra o tomador de seguro na parte por si satisfeita, direito de regresso esse que é um elemento típico das obrigações solidárias, nas relações internas, entre os devedores.
IV- Existe, assim, entre estas obrigações um regime de imperfeita ou solidariedade aparente.

José Carlos Dinis Machado da Silva