Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043702 | ||
Relator: | TELES DE MENEZES | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA NATUREZA SUBSIDIÁRIA DA OBRIGAÇÃO CASO JULGADO MATERIAL | ||
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Nº do Documento: | RP201003111983/08.8TBVFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/11/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO - LIVRO 831 - FLS 197. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A A. não pode lançar mão da acção de enriquecimento quando a lei lhe faculta que peça a eliminação dos defeitos da empreitada e, cumulativamente, indemnização como, aliás, fez. II – Tendo deixado transitar a sentença proferida em oposição à execução, na qual se decidiu que a obrigação de eliminação dos defeitos da empreitada era inexigível por a A. a ela se ter oposto, não pode esta, em nova acção, pedir indemnização por não terem sido realizadas as obras pelo R. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ● Apelação n.º 1983/08.8TBVFR.P1 (27.01.2010) – 3.ª Teles de Menezes e Melo – n.º 1133 Des. Mário Fernandes Des. Leonel Serôdio Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B………. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra C………., pedindo a condenação do R. a: a) restituir-lhe o montante de € 13.966,34, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento; b) pagar-lhe, pela deterioração culposa do prédio da A., indemnização nunca inferior a € 25.000,00. Alegou ser proprietária de uma moradia e ter solicitado ao R., em 1998, a realização de diversos trabalhos na mesma, nomeadamente pintura e passeios, tendo pago € 13.966,34. Apresentando a obra defeitos, a A. instou com o R. para que os eliminasse e acabasse a obra contratada e propôs uma acção de condenação do mesmo para proceder a essa eliminação e acabamento. Esta acção acabou por transacção, na qual a A. se comprometeu, no prazo máximo de um mês, a entregar ao seu mandatário um orçamento para reparação dos vícios, tomando em linha de conta o orçamento junto aos autos a fls. 22. O R. não aprovou o dito orçamento nem outros, pelo que ficou obrigado a reparar a obra, nos termos da transacção. Todavia, por ter interpretado mal a transacção, a A. não permitiu que ele o fizesse e acabou por dar à execução a sentença homologatória da referida transacção, à qual o R. deduziu oposição que foi julgada procedente, com base na recusa da A. em permitir a reparação. O R. é responsável pelo estado de conservação da casa da A., por falta de reparação, sendo que, após lhe ter sido comunicado o erro de interpretação da transacção, recusou eliminar os defeitos existentes. A casa tem-se deteriorado continuamente, chove na cozinha e nos quartos, havendo manchas de humidade nos armários destes. O R. recebeu o preço das obras contratadas, mas não as executou conforme acordado, pelo que a A. está empobrecida em € 13.966,34, e o R. enriquecido no mesmo montante, pelo que deve restituir essa quantia à A. Por efeito da não reparação do prédio por recusa do R., o seu estado de conservação agravou-se, sendo ele por isso responsável pelo valor dos danos actuais, que ascendem a € 25.000,00. O R. contestou, invocando a excepção do caso julgado, por a A. ter intentado já contra ele uma acção de condenação que correu termos sob o n.º …/02; e impugnou a matéria da p.i., dizendo que o enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, sendo que a A. usou de todos os meios legais para se ver ressarcida dos seus prejuízos, invocando os defeitos da obra, tendo sido celebrada uma transacção naquela acção, tendo o R. agido em conformidade. Nessa linha, não aceitou os orçamentos apresentados pela A., porque não respeitavam o valor constante da transacção, mas prestou-se a fazer ele a reparação dos vícios do prédio, avisando a A. que começaria as obras no dia 01.05.04. Visto que esse dia era sábado, apresentou-se na casa da A. na 2.ª f.ª, dia 03.05.04, pelas 8:30 h, mas esta impediu-o de as executar, violando a transacção homologada por sentença transitada. Mesmo assim, o R. propôs-se dar-lhe € 6.250,00, mas ela não respondeu. A A. instaurou contra ele execução, sendo a sentença homologatória da transacção o título executivo, tendo-se o R. oposto nos termos sobreditos, o que lhe valeu que a oposição fosse julgada procedente e viesse a ser julgada extinta a instância executiva. A A. replicou, pronunciando-se pela inexistência da excepção de caso julgado. A fls. 112-113 foi junta certidão da transacção realizada na Acção Ordinária 334/02 e a sentença que a homologou. De fls. 115 a 121 consta certidão da sentença proferida na oposição à execução movida pela A. ao R. De fls. 140 a 148 consta a certidão da p. i. da acção 334/02. A excepção de caso julgado foi julgada improcedente (fls. 156-157). O Sr. Juiz julgou-se habilitado a conhecer de mérito logo no saneador, tendo proferido sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido. II. Recorreu a A., concluindo: ………………………………………………… ………………………………………………… ………………………………………………… O R. não respondeu. III. Questões colocadas no recurso: - a recusa da A. em o R. fazer as obras não equivale a incumprimento definitivo, mas a simples mora; - tal recusa deveu-se a um erro de interpretação da transacção; - necessidade de fixação pelo R. de um prazo para a A. permitir as obras, sob pena de as não realizar; - prosseguimento da acção, com quesitação dos factos pertinentes. IV. Factos considerados assentes na sentença, com base nos documentos e nas posições das partes: A) O R., comerciante em nome individual que se dedica a realizar trabalhos na área da construção civil, a solicitação da A., no decurso do ano de 1998, procedeu à pintura e ao arranjo dos passeios na moradia da A., sita na Rua ………., …, ………., ………., Santa Maria da Feira, pelo preço de € 13.966,34. B) Em 01 de Março de 2002, a A. instaurou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra o R., peticionou a sua condenação: a) a reparar os defeitos referidos nos art.ºs 4.º a 6.º, 19.º e 20.º, de acordo com o art.º 25.º, da p.i., tudo a expensas suas e no prazo máximo de trinta dias; b) a fixação de uma sanção pecuniária compulsória de € 25,00/dia pela falta de reparação no prazo referido em A) ou no que venha a ser fixado na sentença; c) a condenação do R. no pagamento da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais elencados nos art.ºs 21.º a 23.º da p.i., acrescida de juros calculados com base na taxa legal de 12% ao ano a contar da citação. C) Nessa acção, que correu termos sob o n.º …/02, no ..º Juízo Cível deste Tribunal, a A. alegava que os trabalhos efectuados pelo R. na sua habitação, sita na Rua ………., nº …, ………., ………., apresentavam as seguintes irregularidades: - as paredes exteriores sem isolamento, uma vez que a pintura efectuada denuncia manchas (são visíveis desenhos que foram efectuados ao limparem a parede); - no exterior a tinta está a lascar, apresentando diversas fendas; - alteração da cor das paredes exteriores, não se verificando uniformidade de coloração, nuns pontos apresenta cor branca, noutros cor de rosa; - humidade constante na parede sul, não se tendo verificado isolamento nas janelas; - os passeios estão irregulares, verificando-se acumulação de águas pluviais; - o telhado está inacabado, existindo, em consequência, infiltração de águas pluviais em vários compartimentos da casa; - existem infiltrações de águas pluviais através das janelas e das paredes exteriores. D) Tal acção veio a culminar com transacção entre as partes, celebrada em 05/11/2003, homologada, nessa data, por sentença transitada em julgado, com os seguintes termos: “1.ª A A., no prazo máximo de 1 mês, compromete-se a entregar ao seu mandatário orçamento para a reparação dos vícios denunciados na presente acção, tomando em linha de conta o orçamento já junto aos autos a fls. 73, o qual será entregue ao mandatário do R. para apreciação no prazo de 15 dias; 2.ª Aprovado o orçamento, no prazo máximo de seis meses, as obras de reparação terão de estar concluídas, sendo que o pagamento das mesmas ficarão a cargo do R., que procederá ao seu pagamento no prazo de 30 dias; 3.ª A A. compromete-se a entregar ao R. os andaimes que permanecem na moradia da mesma no dia 7 de Novembro de 2003, às 14:00 horas, na presença dos respectivos mandatários; 4.ª Não havendo acordo quanto ao orçamento referido em 1.ª o R. compromete-se a reparar os defeitos denunciados, por si ou terceiro, de cuja identidade dará conhecimento à A. através dos mandatários, no prazo máximo de 7 meses, ou seja, até 30 de Junho de 2004; 5.ª Em caso de força maior, as partes acordam em prorrogar o prazo referido em 4.ª por mais 10 dias; 6.ª Quanto ao mais peticionado na acção e reconvenção ambas as partes desistem dos pedidos; 7.ª As custas em dívida (…)”. E) A A., tendo como título executivo a aludia sentença homologatória da transacção, instaurou execução, que correu termos sob o n.º …-A/2002 no ..º Juízo, por apenso à referida acção declarativa, onde alegou que entregou ao executado 5 orçamentos para análise, os quais não foram aceites pelo mesmo devido ao seu valor elevado e alegou ainda que “atendendo ao lapso de tempo que decorreu entre a suspensão das obras e o acordo homologado por sentença vários anos decorreram, sendo certo que, com a força da natureza a casa foi-se deteriorando e as obras, ainda que atendendo ao orçamento de fls. 73, necessárias são maiores e mais dispendiosas que o orçamento inicial”, “pelo que, para além de não haver acordo quanto ao valor do orçamento, ainda que tal situação fosse obviada pela realização das obras por parte do executado, o que está em causa é a não existência de acordo quanto às aludidas obras”, requerendo “seja o executado condenado a realizar a prestação ou a ver a prestação em que foi condenado realizada por terceiro a suas expensas, previamente se nomeando perito para avaliar o custo da mesma e a extensão das obras a realizar”. F) O R. comunicou à A. que não aceitava os orçamentos referidos, uma vez que o valor dos mesmos ultrapassava o valor do orçamento junto a fls. 73, da acção declarativa, comunicando-lhe que iria proceder à reparação das situações descritas na al. B), avisando-a de que tais obras teriam início a 1 de Maio de 2004. G) O R., no dia 3 de Maio de 2004 (uma vez que o dia 1 de Maio correspondeu a um Sábado), deslocou-se à residência da A. para executar os trabalhos em causa, tendo a A. recusado a sua presença, impedindo-o de os iniciar. H) O R. ainda propôs entregar à A. a quantia de € 6.250,00, a qual não mereceu resposta da A.. I) Tendo o executado deduzido oposição à execução aludida em D), tomando em consideração o mencionado em F) e G), por mora do credor e inexigibilidade da obrigação, em 12 de Outubro de 2005, foi proferida sentença a julgar procedente tal oposição e, em consequência, foi julgada extinta a execução. V. A posição assumida na sentença é no sentido de que existiu mora da A./credora e que a mesma foi tão definitiva e inequívoca que dispensou o R. de proceder à fixação de um prazo razoável para que ela aceitasse a prestação. Contra este entendimento se insurge a apelante, dizendo que a recusa da A. em o R. fazer as obras não equivale a incumprimento definitivo, mas a simples mora; que tal recusa se deveu a um erro de interpretação da transacção; o que impunha a necessidade de fixação pelo R. de um prazo para a A. permitir as obras, sob pena de as não realizar. Atento o disposto no art. 813.º do CC, a A., ao recusar a prestação do R., omitiu a cooperação necessária para que este, como devedor, efectuasse a prestação a que estava obrigado. Com efeito, face àquela norma, a mora creditoris baseia-se na ausência de motivo justificado, ou seja, de fundamento legítima para o credor não permitir a realização da prestação devida pelo devedor (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, página 1007, e Fernando Augusto Cunha de Sá, Direito ao Cumprimento e Direito a Cumprir, página 80, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição, páginas 86 e seguintes)[1]. A A. afirmou que tal recusa da prestação do R. se deveu a erro de interpretação da transacção, mas a verdade é que o credor não pode desculpar-se com factos que digam respeito à sua pessoa, factos esses que “não podem trazer consequências danosas ao devedor”, já que “o motivo justificado que o credor pode invocar para não incorrer em mora tem de ser um motivo que encontre a sua justificação na lei, ou seja, um motivo legítimo…”. In casu, nenhum motivo legalmente justificativo permite explicar o tal erro de interpretação, tanto mais que para efeitos de imputação da situação de mora ao credor a lei se desliga do conceito de culpa, privilegiando a análise objectiva das circunstâncias[2]. Preenchidos estão, pois, os pressupostos da mora do credor: a) Recusa ou não realização pelo credor da colaboração necessária para o cumprimento; b) Ausência de motivo justificado para essa recusa ou omissão[3]. Foquemo-nos, agora, na questão suscitada, consistente em saber se o facto provado G) é bastante para extinguir a obrigação de prestar do R. Está provado nesse facto o seguinte: O R., no dia 3 de Maio de 2004 (uma vez que o dia 1 de Maio correspondeu a um Sábado), deslocou-se à residência da A. para executar os trabalhos em causa, tendo a A. recusado a sua presença, impedindo-o de os iniciar. Em princípio, a mora creditoris tem os seguintes efeitos: a) Obrigação de indemnização por parte do credor; b) Atenuação da responsabilidade do devedor; c) Inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa. Assim, o primeiro efeito obriga o credor a indemnizar o devedor das maiores despesas que ele seja obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda do respectivo objecto (art. 816.º), estando em causa uma responsabilidade por acto lícito ou pelo sacrifício de interesses do devedor, sujeitando-o a maiores despesas do que aquelas que se vinculou a suportar ao assumir a obrigação. O segundo efeito, consiste em, a partir do momento em que o credor entra em mora, a responsabilidade do devedor se atenuar, dispondo a lei que ele passa, em relação ao objecto da prestação, a responder apenas pelo seu dolo e, em relação aos proventos da coisa, apenas responde pelos que efectivamente tenha percebido (art. 814.º/1). Ainda, durante a mora do credor a dívida deixa de vencer juros (art. 814.º/2). O terceiro efeito é a inversão do risco pela impossibilidade superveniente da prestação, quando esse risco resulte de facto não imputável a dolo do devedor (art. 815.º)[4]. No entanto, o credor pode extinguir a mora, ainda que tardiamente, mediante a prestação da colaboração necessária para o cumprimento. Se assim fizer, o devedor deve realizar imediatamente a prestação, para que se não verifique uma inversão da mora, que deixará ex nunc de ser mora do credor para passar a mora do devedor[5]. Todavia, mesmo que não possa proceder à consignação em depósito, nomeadamente porque se trata de uma prestação de facto, e continuando o credor a persistir na não colaboração necessária ao cumprimento, o devedor, para não ficar eternamente vinculado à prestação, pode requerer ao tribunal que fixe um prazo para o credor colaborar no cumprimento, sob pena de a obrigação se considerar extinta[6]. Na sentença entendeu-se nestes termos: Mas, a jurisprudência tem vindo a entender que a declaração inequívoca de um dos contraentes em não cumprir o contrato configura um incumprimento definitivo, mesmo sem a verificação dos pressupostos do art.º 808.º do Cód. Civil (cfr., neste sentido, Ac. STJ, CJ/STJ, 1999, I, p. 61; Ac. STJ de 29/06/2006, proc.º 06B1991, Ac. Rel. Lisboa de 20 de Abril de 2006, proc.º 2478/2006-6, publicados in www.dgsi.pt). Também, no mesmo sentido, vai a doutrina, quando refere a equiparação ou equivalência da declaração antecipada de não cumprir a incumprimento (CALVÃO DA SILVA, Sinal e Contrato-Promessa, 1988, pág. 91 e seguintes). “Na verdade, exprimindo o comportamento de um contraente uma vontade categórica e definitiva de não cumprir o contrato, seria de todo injustificável obrigar o outro contraente a manter-se vinculado, sem poder, desde logo, responsabilizar a contra-parte, quando a confiança e a legítima expectativa no pontual cumprimento desapareceram por completo” (cfr., ac. Rel. Porto de 17/12/2008, publicado in www.dgsi.pt, n.º convencional JTRP00041954). Ora, aplicando essa doutrina à recusa do credor na satisfação do dever de colaboração, sempre por analogia, temos que se essa recusa emanar de uma vontade certa, segura, inequívoca, definitiva ou categórica de não colaborar na prestação do devedor, verifica-se uma equivalência ao decurso do prazo previsto no n.º 1 do art.º 808.º do Cód. Civil, a dispensar a fixação deste, extinguindo-se, por consequência, a sua obrigação (neste sentido, Ac. STJ de 27/05/2008, publicado in www.dgsi.pt, proc.º 08A1461). Na situação em análise, a A., ao recusar a presença do R., impedindo-o de iniciar os trabalhos, não tendo sequer respondido à proposta deste consistente em lhe entregar € 6.250,00, categórica e inequivocamente não quis a prestação que lhe foi oferecida pelo R.. Assim sendo, face a esse comportamento certo, seguro, inequívoco e categórico da A. em não aceitar a reparação das deficiências existentes na obra, ficou extinta a obrigação deste. No entanto, o que sabemos é que tendo o R. ido com pessoal seu à casa da A. para iniciar os trabalhos, esta recusou a sua presença, impedindo-o de os iniciar. Será que esta atitude integra o tal comportamento certo, seguro, inequívoco e categórico por parte da A., manifestador da vontade final de não permitir ao R. a reparação dos defeitos da obra? O incumprimento definitivo para este efeito, quer se trate de atitude exigível ao devedor quer ao credor, terá de consistir numa declaração expressa em não querer cumprir ou numa conduta que evidencia esse comportamento. Só em caso de uma tal declaração expressa ou conduta inequívoca de recusa em colaborar é que se torna desnecessário estabelecer um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo[7]. O facto provado não nos diz porque razão a A. recusou a prestação do R., mas ela alegou que foi por erro de interpretação da transacção celebrada na Acção …/02. Já vimos que as causas pessoais referentes ao credor são irrelevantes em termos de o desculpar do não oferecimento da sua colaboração na realização da prestação, mas que a A. não quis dispensar o R. da prestação (ao menos por outrem) parece inequívoco, porquanto até instaurou contra ele execução com vista ao cumprimento da transacção homologada por sentença. E ainda alega que fez saber ao R. que a sua recusa se deveu a errada interpretação da transacção. Cremos, assim, que a recusa da A. em permitir ao R. que fizesse os trabalhos não deve ter-se como definitiva. Por isso, para salvaguardar a sua posição, o R. devia ter-lhe fixado um prazo admonitório para cumprir, sob cominação da extinção da obrigação. Não o tendo feito, a obrigação não devia ter-se por extinta. Acontece que o R. enquanto executado, deduziu oposição à execução que lhe foi movida pela A. para cumprimento da prestação de facto resultante da transacção homologada por sentença na Acção …/02. E nessa oposição foi proferida a sentença certificada de fls. 115 a 121, que julgou a oposição procedente com fundamento em excesso de execução, por o pretendido pela exequente não caber inteiramente no título executivo, e por inexigibilidade da obrigação por a exequente ter impedido o cumprimento pelo executado. Que consequências extrair desta decisão transitada em julgado, que levou à extinção da execução? Quando o executado deduz oposição de mérito à acção executiva, o pedido formulado, tal qual acontece na acção de simples apreciação negativa, é de verificação da inexistência, total ou parcial, do direito exequendo, e quando se trata de uma oposição processual à acção executiva, o pedido nela deduzido é o de verificação da falta de algum pressuposto geral ou específico da acção executiva; e a sentença proferida é sempre uma sentença de mera apreciação, por ela se acertando, sendo a acção procedente, a inexistência da obrigação exequenda, em sentido contrário ao do acertamento consubstanciado no título executivo, cuja eficácia é eliminada, ou a falta de um pressuposto processual, sem o qual a acção executiva não é admissível[8]. Tal como em qualquer acção declarativa, a identificação da causa de pedir ganha especial relevância em caso de improcedência do pedido: enquanto em caso de procedência se constitui o caso julgado absoluto, ficando definitivamente assente, perante o réu, o direito invocado pelo autor; quando a acção improcede forma-se o caso julgado relativo, ficando definitivamente assente que o direito não existe com o fundamento invocado pelo autor como causa de pedir. De modo que, apesar de a sentença de mérito proferida nos embargos de executado (leia-se oposição à execução) forme caso julgado material, que impede a propositura de nova acção (acção de repetição do indevido incluída) fundada em idêntica causa de pedir, esse fundamento não se mantém se for proposta acção de apreciação e condenação baseada noutra causa de pedir[9]. No caso em análise, a oposição procedeu e, no entanto, a A. lançou mão desta nova acção, invocando o enriquecimento sem causa do R. relativamente ao valor por si pago pela empreitada acordada, pedindo a restituição dessa quantia e, ainda, uma indemnização decorrente de maiores danos no prédio provocados pela não reparação do R. Como a causa de pedir é diversa, bem como o pedido, apesar de a sentença na oposição formar caso julgado material, tratando-se, neste caso de acção de apreciação e condenação baseada noutra causa de pedir, é a mesma possível. No entanto, não pode reapreciar-se a questão da extinção da obrigação do R., tema que já foi decidido na oposição à execução movida pela A. ao R., sem que aquela se tenha insurgido contra essa decisão, uma vez que dela não interpôs recurso, pelo que transitou em julgado. Acontecendo que a A. intentou acção declarativa para eliminação dos defeitos da obra e fez a transacção mencionada, que foi homologada por sentença e dada à execução, o facto de se ter entendido na oposição a esta execução que a obrigação do R. não era exigível constitui uma excepção de direito material que deve ser alegada e provada por quem a invoca, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 342.º do CC, e, tendo-o sido, obsta à procedência do pedido. Não faria sentido que se pudessem extrair consequências relativamente a um pedido de indemnização baseado na não realização das obras de eliminação dos defeitos da empreitada, quando já se decidiu que essas obras não foram feitas por a A. as ter impedido, consagrando-se a inexigibilidade da pretensão da mesma. Assim, também este pedido não pode proceder. Resta abordar a questão do enriquecimento sem causa do R. e do consequente empobrecimento da A. Este pedido tem como causa directa a execução imperfeita do contrato de empreitada. Com efeito, a A. afirma na p.i. que o R. recebeu o preço das obras contratadas, mas não as executou conforme acordado entre as partes, pelo que está empobrecida em € 13.966,34, e o R. enriquecido no mesmo montante, devendo restituir essa quantia à A. O princípio que proíbe o enriquecimento injustificado consta do art. 473.º/1 do CC, permitindo o exercício da acção de enriquecimento sempre que alguém obtenha um enriquecimento à custa de outrem sem causa justificativa. Estes pressupostos, no entanto, são tão amplos que seria possível a sua aplicação indiscriminada, pelo que o legislador consagrou a subsidiariedade do instituto, dispondo que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento” (art. 474.º). Destarte, a acção de enriquecimento é o último recurso a utilizar pelo empobrecido, estando-lhe vedada a sua utilização no caso de possuir outro fundamento para uma acção de restituição, no caso de a lei pretender que a aquisição à custa de outrem seja definitiva ou quando a lei atribui outros efeitos ao enriquecimento sem causa[10]. Este autor, todavia, pretende que o regime do enriquecimento sem causa permite concluir que a regra da subsidiariedade não tem alcance absoluto. Assim, a acção de enriquecimento não pressupõe que o empobrecido tenha perdido a propriedade sobre as coisas obtidas pelo empobrecido, pelo que pode concorrer com a reivindicação; pode, ainda, concorrer com a responsabilidade civil, sempre que esta não atribua uma protecção idêntica à da acção de enriquecimento; finalmente, o art. 472.º admite uma opção do empobrecido entre a aplicação do regime da gestão de negócios e o do enriquecimento sem causa. Tratar-se-á, então, não de uma subsidiariedade geral (art. 474.º), mas de uma incompatibilidade de pressupostos entre as situações referidas e a acção de enriquecimento[11]. No caso vertente, a A. podia socorrer-se do disposto no art. 1221.º/1, como fez mediante a propositura contra o R. da acção …/2002, nela cumulando o pedido de eliminação dos defeitos com um pedido de indemnização, nos termos do art. 1223.º. Por isso, a acção de enriquecimento assume, nitidamente, um carácter subsidiário. E não é pelo facto de a A. ter impedido a realização das obras pelo R. que reaparece a possibilidade de lançar mão deste meio. Embora se admita que as obras tenham sido manifestamente deficientes, quer pelo que resulta dos autos, quer pelo facto de na transacção feita na acção referida se ter estabelecido, parece, como limite ao orçamento a entregar pela A. ao R., para efeitos de reparação dos defeitos por outrem, o valor mencionado no orçamento de fls. 73 desses autos, que se mostra reproduzido várias vezes neste processo, nomeadamente a fls. 22, no montante de Esc. 2.500.000$00, o qual quase atinge o que foi pago pela A. pela empreitada (cfr. art. 5.º da contestação), o certo é que a acção não pode proceder. Pelo que não tem sentido o prosseguimento da acção com quesitação de factos alegados pela A. Sumário: - A A. não pode lançar mão da acção de enriquecimento quando a lei lhe facultava que pedisse a eliminação dos defeitos da empreitada e, cumulativamente, indemnização como, aliás, fez. - Tendo deixado transitar a sentença proferida em oposição à execução, na qual se decidiu que a obrigação de eliminação dos defeitos da empreitada era inexigível por a A. a ela se ter oposto, não pode esta, em nova acção, pedir indemnização por não terem sido realizadas as obras pelo R. Face ao exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se o saneador-sentença. Custas pela apelante. Porto, 11 de Março de 2010 Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes Leonel Gentil Marado Serôdio _________________________ [1] Ac. do STJ de 09.06.2009, Proc. 1984/06.OTVLSB.S1, www.dgsi.pt [2] Ac. RL de 10.11.2009. Proc. 83/2002.L1-7 [3] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 2.ª ed., p. 232 [4] Ibid. p. 234 a 237 [5] Ibid., p. 237 [6] Ibid., p. 238 [7] Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2.ª ed., p. 141-142 [8] Lebre de Freitas, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, p. 454 a 457 [9] Ibid., p. 459 [10] Menezes Leitão, o. c., I, 7.ª ed., p. 409-410 [11] Ibid., p. 411 |