Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
209/07.6TBVCD.P1
Nº Convencional: JTRP00043757
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO PRÓPRIO
DANO DA MORTE DA VÍTIMA
Nº do Documento: RP20100325209/07.6TBVCD.P1
Data do Acordão: 03/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 362 - FLS. 197.
Área Temática: .
Sumário: I- Se um dos veículos colidentes efectuou uma imprudente manobra de mudança de direcção, com total alheamento da diversa sinalização que ao respectivo condutor se impunha, desde o sinal horizontal de Stop, a sinalização luminosa amarela intermitente, o facto do veículo que consigo colidiu se lhe apresentar pela direita e a abordagem imprudente ou desatenta à manobra de mudança de direcção, releva também o facto de o outro veículo colidente seguir a uma velocidade manifestamente excessiva, expressa sobretudo nos grosseiros indícios do embate, na distância de travagem, na distância a que o veículo se situou, face ao local do embate, e nos resultados gravosos que do embate resultaram; por isso, justifica-se urna divisão de culpas entre 70% para o primeiro veículo e 30% para o segundo, critério igualmente seguido em 1a instância.
II- Em matéria de danos patrimoniais das pessoas que mostram direito a fazer valer um dano próprio, no caso do dano morte e nos termos do art° 496° nº2 C.Civ., vistos os critérios quantitativos habitualmente usados nesta Relação, o facto de as Autoras votarem dedicação e carinho a sua falecida mãe, afigura-se-nos completamente adequado a ressarcir o citado dano existencial e psíquico das citadas AA. filhas, as quantias atribuídas em 1ª instância de € 17.500, para cada uma dessas duas filhas.
III- Quanto ao dano da morte da vítima, de 53 anos de idade, saudável e trabalhadora, nos termos do art° 496° n°3 C.Civ., vistos os critérios habitualmente usados por esta Relação, levando em conta a gravidade do ilícito mostra-se a quantia de 50 000,00€.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. – 209-07.6TBVCD.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª Instância de 19/12/08.
Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. Proença Costa.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº209/07.6TBVCD, do 3º Juízo Cível da comarca de Vila do Conde.
Autoras – B……….. e C………...
Ré – D…………, S.A.
Interveniente Principal (pelo lado passivo) – E…………, S.A.

Pedido
Que a Ré seja condenada a pagar à Autora B………..a quantia de € 63 996 e à Autora C……….. a quantia de € 63 496, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação, até efectivo pagamento.
Tese das Autoras
No dia 1/4/06, cerca das 22H. e 40m., verificou-se um acidente de viação, no qual interveio o veículo ligeiro de matrícula XL-..-.., conduzido por F…………., no qual a mãe das Autoras era transportada como passageira, cujo proprietário se encontrava segurado na Ré, bem como o veículo ligeiro ..-..-HU.
Os veículos circulavam na E.N. nº 13, em sentidos opostos, o XL no sentido Vila do Conde – Porto; o acidente ocorreu quando o citado veículo pretendia efectuar uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, para entrar na Rua da Igreja, na localidade de Modivas. Tal mudança de direcção, em local regulado por sinalização semaforizada, foi efectuada por forma irregular e inadvertida, barrando a faixa de rodagem do HU e tornando inevitável o embate entre os veículos.
As Autoras peticionam a quantia em causa na acção, por via dos danos patrimoniais e não patrimoniais que invocam, em face do resultado do falecimento de sua mãe transportada no XL.
Tese da Ré
Impugna motivadamente a tese das Autoras, para além do mais atribuindo ao condutor do HU a responsabilidade pela eclosão dos danos sofridos, por via de uma circulação em velocidade excessiva.
Tese da Interveniente
Basicamente, adere à tese explanada pelas Autoras na Petição Inicial.
O Instituto de Segurança Social, IP, através do Centro Nacional de Pensões, efectuou pedido de reembolso de quantias pagas ao Autor, a título de subsídio de funeral, no montante de € 1 491, quantia essa acrescida de juros de mora a contar da notificação do pedido.
Este pedido foi impugnado pela Ré Real.

Sentença
Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, condenadas, solidariamente, a ré D……….., SA, e a interveniente E…………, SA, a pagar (no pressuposto da responsabilidade de 70% para o condutor do XL e 30% para o condutor do HU):
- às autoras B……… e C……….. a quantia de € 50.000 para compensação pela lesão do direito à vida da G………., acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento;
- à autora B……….. a quantia de € 17.500 para compensação dos danos morais por ela sofridos com a morte da G………., acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento;
- à autora C………. a quantia de € 17.500 para compensação dos danos morais por ela sofridos com a morte da G………, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até integral pagamento;
- à autora B…………. a quantia de € 700, a título de indemnização por danos patrimoniais (despesas com viagens e estadia), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da citação até integral pagamento;
- à autora C…………. a quantia de € 200, a título de indemnização por danos patrimoniais (despesas com viagens e estadia), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da citação até integral pagamento;
- ao ISS/CNP a quantia de € 1.491,00, a título de reembolso das despesas de funeral pagas às autoras, acrescida dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido de reembolso até integral pagamento.
Foram absolvidas a ré e a interveniente do demais peticionado pelas autoras.

Conclusões do Recurso de Apelação da Ré Real (resenha)
1ª – Uma vez que o condutor do XL efectuou uma manobra de mudança de direcção para a esquerda, sem parar no sinal de Stop pintado no pavimento, quando o veículo HU se encontrava a cerca de 50 metros de si, forçoso é concluir que aquele condutor violou as obrigações impostas pelo sinal de Stop.
2ª – No momento do embate e no sentido Porto – Vila do Conde, ou seja, no sentido de marcha do HU, o sinal de semáforo encontrava-se verde, ao passo que para os condutores que , seguindo no sentido Vila do Conde – Porto, pretendessem virar à esquerda, como era o caso do XL, esse semáforo apresentava-se amarelo intermitente.
3ª – Ora, de acordo com o artº 7º C.Est. existe uma hierarquia entre as prescrições de trânsito, ou seja, há determinados sinais que prevalecem sobre outros.
4ª – O condutor do XL estava obrigado a uma especial prudência na execução da manobra e só poderia entrar na faixa de rodagem esquerda da E.N. nº13, atento o seu sentido de marcha, quando tivesse a certeza que poderia efectuar aquela manobra com segurança.
5ª – O condutor do XL não tinha que parar em obediência ao sinal de Stop, mas tinha que tomar precauções relativas à manobra que pretendia efectuar.
6ª – Encontrando-se o veículo HU a mais de 50 metros do entroncamento, o condutor do XL teria de ter previsto que o HU circulava a cerca de 120 km/hora, o que não lhe era exigível – foi tal velocidade a causal do acidente, tanto mais que o condutor do HU deveria seguir à velocidade permitida de 50 km/hora, ou menor, atentas as circunstâncias do local onde o evento ocorreu.
7ª – O rasto de travagem do HU até ao embate tem a extensão de 22,7 metros e, daí, o HU ainda percorreu a distância de 6 metros, sem esquecer a violência do embate.
8ª – O que há que concluir é que se o HU circulasse à velocidade máxima permitida para o local, de 50 km/hora, teria podido evitar o embate ou diminuído a gravidade das consequências deste.
9ª – Sem conceder, mesmo para o caso de repartição de culpas, elas não poderiam exceder 80% para o condutor do HU e 20% para o condutor do XL.
10ª – Ao decidir como o fez, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 7º, 24º nº1, 25º nº1 al.c) e 27º nº1 C.Est.
11ª – O valor do bem jurídico vida deveria ter sido situado em € 40.000, por mais equilibrado e equitativo.
12ª – Mais equilibrado, atentas as circunstâncias do caso, será também fixar o dano próprio de cada uma das Autoras em € 15 000.
13ª – Ao efectuar subsunção diversa, o tribunal “a quo” violou o disposto nos artºs 496º, 562º e 570º C.Civ.

Conclusões do Recurso de Apelação das Autoras:
1ª – O valor atribuído em sede de danos não patrimoniais às Recorrentes é reduzido, devendo fixar-se em € 30 000, por cada uma.
2ª – A sentença recorrida violou assim o disposto nos artºs 295º, 497º e 562º a 566º C.Civ.

Conclusões do Recurso de Apelação da Interveniente Tranquilidade (resenha):
1ª – O acidente deu-se por culpa exclusiva do condutor do XL, atendendo às respostas aos factos assentes sob as letras J), L), M), N), O), R), S), T), U), V) e x) – não só o condutor do XL não cedeu passagem ao HU, conforme a sinalética no local impunha, quer a sinalização de Stop, quer o semáforo de amarelo intermitente, como lhe cortou a linha de trânsito e o fez quando este se encontrava a cerca de 50 metros.
2ª – O acidente ocorreria de qualquer maneira, mesmo que o HU seguisse à velocidade de 50 km/hora.
3ª – Atendendo principalmente à idade da sinistrada, infelizmente falecida, bem como à ausência de qualquer circunstancialismo especial que justificasse a aplicação de critério diverso, considera-se que € 40 000 é um valor perfeitamente adequado ao dano vida e que € 15 000 para cada uma das herdeiras é um valor justo e equitativo, face à factualidade dada como provada.
4ª – A douta sentença em recurso violou, entre outros, os artºs 483º e 562ºss. C.Civ.

As Apeladas Autoras, nos recursos das Ré e Interveniente, produziram as respectivas contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida, na parte em que as Autoras o não impugnam, e, no mais, pugnando pela tese que sustentam em recurso.

Factos Apurados em 1ª Instância
a) Do assento de óbito nº 663, anotado no Diário sob o nº 3588, maço 3, fls. 663, da Conservatória do Registo Civil do Porto, consta que o registo e assento de nascimento de G……….., ocorreu em 1952, junto da Conservatória do Registo Civil da Póvoa de Varzim, e que aquela faleceu a 01 de Abril de 2006, em hora e lugar ignorados, com 53 anos, no estado de divorciada (alínea T) dos factos assentes e documento de fls. 30);
b) Dos assentos de nascimento nºs 251 e 252 do respectivo Diário, junto da Conservatória do Registo Civil da Póvoa de Varzim, consta que as autoras B……….. e C………….., respectivamente, nasceram a 27.01.77 e são filhas de H………… e de G…………. (alínea A) dos factos assentes);
c) Por escritura pública de “habilitação”, outorgada a 02.05.2006, constante de fls. 69 do Livro de Notas para Escrituras Diversas, número 9-A, do Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, sito na Rua ……, nº ….., I……….., J…………. e G……….., todas na qualidade de outorgantes, declararam que “no dia 01.04.2006 (…) faleceu no estado de divorciada (…) G………… (…). A falecida não deixou testamento nem qualquer disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como herdeiros duas filhas. 1. C…………, solteira, maior, natural desta cidade da Póvoa de Varzim; e 2. B……….., casada com H……….., sob o regime de comunhão geral, natural desta cidade da Póvoa de Varzim. (…) Que não há outras pessoas que, segundo a lei, prefiram aos indicados herdeiros ou com eles possam concorrer na sucessão à herança da mencionada G………… (alínea B) dos factos assentes);
d) No dia 01 de Abril de 2006, pelas 22h40m, na localidade de Modivas, ao km 14.925, Vila do Conde, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo de matrícula XL-..-.., conduzido por F………….. e propriedade de J…………., e o veículo automóvel ligeiro de matrícula ..-..-HU, conduzido por K………… (alínea F) dos factos assentes);
e) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em d), a mãe das autoras circulava na qualidade de passageira sentada no banco à direita do condutor do veículo XL (alínea G) dos factos assentes);
f) O veículo XL circulava pela Estrada Nacional, nº 13, no sentido Vila do Conde – Porto (alínea H) dos factos assentes);
g) No sentido oposto, Porto – Vila do Conde, circulava o condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-HU (alínea I) dos factos assentes);
h) O HU circulava no sentido Porto – Vila do Conde a uma velocidade não concretamente apurada mas não inferior a 80 km/hora (resposta ao número 18 da base instrutória);
i) Ao km 14,925 a faixa de rodagem por onde circulava o XL subdividia-se em duas, separadas por linha contínua: uma para quem seguisse em frente e outra para quem pretendesse circular para a esquerda, tendo no solo pintado, para além da respectiva seta, o sinal de stop (alínea J) dos factos assentes);
j) Ao km 14,925 da EN 13, o condutor do XL, F………, pretendeu manobrar o seu veículo para a sua esquerda e dar entrada na Rua da Igreja que era parte integrante de um cruzamento naquela via (alínea P) dos factos assentes);
l) Esse cruzamento é semaforizado (alínea O) dos factos assentes);
m) O condutor do veículo HU pretendia seguir em frente, atento o seu sentido de marcha (alínea Q) dos factos assentes);
n) O sinal de semáforo apresentava-se verde para o condutor do veículo HU (alínea R) dos factos assentes);
o) No momento do embate e no sentido Vila do Conde – Porto, o semáforo apresentava-se verde para quem quisesse seguir em frente e amarelo intermitente para quem quisesse virar à esquerda (resposta ao número 1 da base instrutória);
p) No local referido em d), o condutor do XL avistou o veículo HU a uma distância não concretamente apurada mas não inferior a 200 metros (resposta ao número 2 da base instrutória);
q) O condutor do XL accionou o sinal luminoso, vulgo “pisca-pisca” (resposta ao número 14 da base instrutória);
r) O condutor do XL efectuou a manobra de mudança de direcção para a esquerda quando o veículo HU se encontrava a cerca de 50 metros de si (resposta ao número 3 da base instrutória);
s) E não parou no sinal de Stop marcado transversalmente no pavimento (resposta ao número 4 da base instrutória);
t) Em consequência do referido em r) e s), o condutor do XL invadiu, com o referido XL, a faixa de rodagem esquerda (resposta ao número 5 da base instrutória);
u) O condutor do HU travou (resposta ao número 7 da base instrutória);
v) E foi embater com a frente do veículo na parte lateral direita do veículo XL (resposta ao número 8 da base instrutória);
x) O embate deu-se na hemi-faixa esquerda atento o sentido de marcha Vila do Conde – Porto (alínea S) dos factos assentes);
z) Em virtude do referido em v), o XL rodopiou e ficou atravessado na faixa esquerda de rodagem, considerando o sentido Vila do Conde/Porto, com a frente virada para a mão de onde provinha, com a traseira a 2,8 m da linha da berma esquerda, atento o referido sentido (resposta ao número 9 da base instrutória);
aa) O HU ficou na faixa de rodagem esquerda de rodagem, considerando o sentido Porto/Vila do Conde, virado para a mão de trânsito de onde igualmente provinha, a 1,2 m da berma (resposta ao número 10 da base instrutória);
bb) No local referido em d) e em ambos os sentidos de trânsito estavam apostos sinais de proibição de circulação a velocidade superior a 50 km/h (alínea N) dos factos assentes);
cc) O local referido em d) configura uma recta de 01 km de extensão, com piso em asfalto, regular e seco e com inclinação descendente, atento o sentido de marcha do XL (alínea L) dos factos assentes);
dd) O local referido em d) era bem iluminado em todo o trajecto por luz pública, sendo que os candeeiros estavam distanciados 30 metros uns dos outros e estavam ligados (alínea M) dos factos assentes);
ee) Em consequência do referido em d) a mãe das autoras faleceu (resposta ao número 22 da base instrutória);
ff) A mãe das autoras era saudável, trabalhadora e pessoa considerada no meio social onde vivia (resposta aos números 28 e 29 da base instrutória);
gg) As autoras e a sua mãe eram pessoas amigas e próximas (resposta ao número 25 da base instrutória);
hh) As autoras sofreram dor profunda com o desaparecimento físico da sua mãe (resposta ao número 26 da base instrutória);
ii) As autoras despenderam a quantia de € 1.491,00 a título de despesas de funeral (resposta ao número 22 da base instrutória);
jj) A autora B……….. reside em França e despendeu quantia não concretamente apurada com viagens e estadia em virtude do funeral da mãe (resposta ao número 23 da base instrutória);
ll) A autora C……….. reside em Lisboa e despendeu quantia não concretamente apurada com viagens e estadia em virtude do funeral da mãe (resposta ao número 24 da base instrutória);
mm) A G………… é beneficiária da Segurança Social com o nº 018405835/50 (alínea U) dos factos assentes);
nn) O Centro Nacional de Pensões do Instituto de Segurança Social, IP, é uma pessoa colectiva com sede no Campo Grande, nº 6, Lisboa (alínea E) dos factos assentes);
oo) O Instituto da Segurança Social, IP – Centro Nacional de Pensões – pagou às autoras a quantia de € 1.491,00, a título de reembolso pelas despesas suportadas com o funeral de G………… (resposta ao número 30 da base instrutória);
pp) A ré D…………, SA, é uma sociedade comercial, com sede na ……….., nº …., …….., Porto, que, no exercício da sua actividade e mediante escrito consubstanciado na apólice nº 90/315, a ré assumiu a responsabilidade emergente da circulação do veículo marca Peugeot e com o número de matrícula XL-..-.., mediante o pagamento de um prémio a efectuar pelo subscritor do seguro, J………. (alínea C) dos factos assentes);
qq) A chamada Companhia de E……….., SA, é uma sociedade comercial, com sede na ….., nº …., Lisboa, que, no exercício da sua actividade e mediante escrito consubstanciado na apólice nº 0900043417, a chamada assumiu a responsabilidade emergente da circulação do veículo marca Fiat Punto e com o número de matrícula ..-..-HU, mediante o pagamento de um prémio a efectuar pelo subscritor do seguro, L……….. (alínea D) dos factos assentes).

Fundamentos
Os recursos das Apelantes Autoras, Interveniente e Ré comportam a apreciação das seguintes questões:
1ª – Conhecer, face à matéria de facto provada, do grau de responsabilidade dos veículos colidentes na eclosão do acidente e respectivos danos.
2ª - Saber se a decisão é menos bem fundamentada quanto aos montantes indemnizatórios atribuídos, seja por via de dano morte, seja por via de dano próprio das Autoras, nos termos em que a fixação desses montantes vem impugnada por cada um dos Recorrentes.
Passaremos a apreciar tais questões.
I
Os normativos invocados, como vigentes à data da ocorrência infortunística tratada nos presentes autos, são, quanto ao comportamento do condutor do veículo XL, a infracção a sinalização horizontal existente na via, para quem desejasse efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda, qual fosse a sinalização horizontal de “Stop” – está consagrada no artº 61º do Dec. Regulamentar nº 22-A/98 de 1 de Outubro (marca transversal M8 e M8A), impondo o local que antecede a sinalização como de paragem obrigatória, em contraordenação considerada como “leve”.
Cumulativamente com tal sinalização, deparava-se ao condutor do XL a “luz amarela intermitente” prevista no artº 71º do Dec. Regulamentar, e que autoriza os condutores a passar (no caso, para efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda) – tal luz amarela autoriza os condutores a passar, desde que o façam com especial prudência, em contraordenação classificada como “leve”.
De resto, impunha-se ao condutor do XL, por força do disposto no artº 35º nº1 C.Est. (sob a epígrafe “disposição comum”, para manobras em especial), que, da dita manobra, não resultasse perigo ou embaraço para o restante trânsito – isto o assinalou já devidamente a sentença recorrida.
Por outro lado, e quanto ao condutor do HU, pode questionar-se a infracção ao disposto no artº 28º nº1 C.Est., ou seja, ao especial limite de velocidade de 50 km/hora estabelecido para o local, conforme referenciado na al. N) dos Factos Assentes.
Ora, desde logo o que importa afirmar é que o juízo de culpa formulado na sentença recorrida não tem por base qualquer presunção legal de culpa, designadamente a prevista no artº 503º nº3 C.Civ.
Existe uma análise escrupulosa da responsabilidade do condutor do veículo em circulação, que conclui pela respectiva culpa exclusiva, rematando: “A dinâmica do acidente, em termos lógicos e cronologicamente inteligíveis, de que a matéria de facto dá notícia, mostra que os dois veículos se encontravam à distância de 50 metros um do outro quando o XL efectuou a manobra de mudança de direcção à esquerda.”
“Além disso, as condições da via (recta com 01 km de extensão, com inclinação descendente, atento o sentido de marcha do XL; bem iluminada em todo o trajecto por luz pública, sendo que os candeeiros estavam distanciados 30 metros uns dos outros e estavam ligados; o condutor do XL avistou o veículo HU a uma distância não concretamente apurada mas não inferior a 200 metros) apontam no sentido de que dois veículos tinham em relação um ao outro o mesmo grau visibilidade - a visibilidade que o XL tinha relativamente ao HU era a mesma que este último tinha em relação ao primeiro.”
“Logo, quando, encontrando-se o HU a cerca de 50 metros de distância, o condutor do XL encetou a manobra de mudança de direcção à esquerda os dois veículos – o XL e o HU – avistavam-se um ao outro.”
“Isso mesmo, diga-se, se infere do rastro de travagem deixado pelo HU e que, medido desde o momento em que iniciou a travagem até ao local onde foi embater no XL, tem a extensão de 22,7 metros, sendo que, depois desse embate, o HU ainda percorreu uma distância de cerca de 6 metros até se imobilizar – cfr. o esboço constante do auto de participação junto a fls. 15 a 17 -, certo que, como é sabido, a essa distância de travagem sempre haverá que acrescentar a distância percorrida durante o tempo médio de reacção - o tempo que medeia entre o momento da percepção do perigo e o começo do acto tendente a evitá-lo – e que, para uma velocidade de 80 km/hora, é de 16,66 m, o que tudo perfaz uma distância próxima dos 40 metros.”
E, no que toca a repartição de culpas, escreve-se:
“Ponderando que foi o condutor do XL quem desencadeou o processo do sinistro, cortando a linha de marcha do HU quando este se encontrava a cerca de 50 metros, desrespeitando, para além das obrigações impostas pelo sinal de Stop e pela luz amarela intermitente, o especial dever de cuidado que a lei impõe na execução das manobras de mudança de direcção, considera-se com um carácter marcadamente mais ilícito a sua actuação e, em consequência, fixa-se em 70% a sua responsabilidade para a produção do acidente e em 30% a responsabilidade do condutor do HU.”
II
A sentença recorrida é bem explícita quanto a um juízo de culpa.
É claro que existiu anteriormente um juízo de ilicitude que imputou um comportamento ilícito ao Autor.
Mas a boa doutrina manda que se avalie a culpa ou o âmbito de protecção das normas que caracterizam a responsabilidade civil – ut artºs 483º nº1, 487º nºs 1 e 2 e 566º C.Civ. – não como um mero acervo ou constatação de contravenções praticadas pelos intervenientes aquando da ocorrência dos acidentes ou eventos lesivos, pois que mais do que a violação formal de regras, deve procurar conhecer-se o processo dinâmico ou causal do acidente para, em conformidade, saber se essa violação formal da regra pode ou não considerar-se na origem do evento infortunístico – neste sentido, v.g. Ac.R.P. 20/11/90 Bol. 401/634 ou Ac.R.P. 8/1/91 Bol.403/477.
Ora, como há muito tempo vem salientando Meneses Cordeiro (em toda a sua obra, e pelo menos desde o Direito das Obrigações, Lisboa, 1980, II/§ 327) há na tradição analítica germânica, de Jhering e dos princípios do século XX (recebida em Portugal, através de diversos autores italianos, sobretudo pelo Prof. Guilherme Moreira) uma contraposição culpa/ilicitude que resulta, se não inútil, no mínimo algo artificial.
Na verdade, o que está em causa é a responsabilidade e a reprovação pelo direito de uma conduta, que o direito francês bem classificou, ao longo dos tempos (desde o Code Napoléon em vigor), sinteticamente, como “faute” – o que se encontra em causa é saber se existiu a violação de um dever que se dirige à vontade, ao querer virtuoso (ou próprio do “bom pai de família”).
Mais recentemente, escreveu muito adequadamente aquele Autor:
“A recepção do modelo da responsabilidade civil baseado na contraposição entre culpa e ilicitude foi, antes do mais, uma recepção linguística; na verdade, não havia quaisquer problemas, no plano da aplicação, que obrigassem ao abandono da antiga culpa-“faute”; por certo que a superioridade técnica dos sistemas analíticos jogou um papel decisivo (…); de facto, seja qual for a orientação prosseguida quanto à noção de culpa, a sua contraposição perante a ilicitude só sobrevive se ela traduzir algo de substancialmente diverso.”
Conclui, da análise das decisões do Supremo Tribunal de Justiça português que “quando se contempla a materialidade das decisões, salta à vista a tendência para a indiferenciação dos pressupostos, os quais tendem a concentrar-se na culpa” – “o juízo de imputação baseado no universo, de resto ontologicamente incindível, dos factos e das normas aplicáveis é intrinsecamente unitário; não há duas instâncias de controlo do ordenamento sobre a imputação: apenas surge uma, que se exprime como “culpa”; na realidade, é a “faute” ou, se se preferir, a culpa bem nacional anterior a Guilherme Moreira” (ut Eficácia Externa dos Créditos e Abuso de Direito, O Direito, 2009/I/pgs. 61 e 62).
Penitenciamo-nos pelos extensos considerandos supra, por entendermos realçar que esta concepção dos pressupostos da responsabilidade civil há muito deveria ter merecido a atenção da doutrina em geral ou da jurisprudência.
Ora, o que é que releva na economia da decisão em crise, e qual é a argumentação decisiva a que aderimos sem reserva?
Independentemente de se classificar a manobra do XL como uma imprudente manobra de mudança de direcção, efectuada com total alheamento da diversa sinalização que ao respectivo condutor se impunha, releva também o facto de o condutor do HU seguir a uma velocidade manifestamente excessiva, expressa não apenas na velocidade provada, mas sobretudo nos grosseiros indícios do embate, manifestados na distância de travagem, na distância a que o veículo HU se situou, face ao local do embate, e nos resultados gravosos que do embate resultaram, tudo indiciando uma condução agressiva e violadora dos direitos dos restantes utentes da estrada pelo menos tanto quanto a condução imprudente ou desatenta, mais própria da conduta do tripulante do XL.
Todavia, acompanhamos a sentença recorrida, pensando, por aplicação de um critério meramente prático e que tem menos a ver com o comportamento contraordenacional, e mais com os resultados que são expectáveis de dois comportamentos, em face das realidades práticas da vida, que a culpa na eclosão do acidente e respectivos danos se deve dividir na percentagem encontrada em 1ª instância, entre os condutores dos veículos XL e HU (cujos proprietários se encontravam segurados, respectivamente, o XL na Ré Real e, o HU na Interveniente Tranquilidade), ou seja, 70% de responsabilidade para o XL e 30% de responsabilidade para o HU.
III
Olhando agora à demais apelação de Autoras e Rés.
Para a Ré Real, o dano próprio não patrimonial de cada uma das Autoras deveria melhor ser fixado em € 15 000, e não em € 17 500, como o fez a sentença recorrida.
A Interveniente Tranquilidade pugna também pela fixação do “quantum” do dano correspondente à perda da vida em € 40 000 (e não em € 50.000, como decidido em 1ª instância).
Finalmente, as Autoras entendem que este último dano melhor seria fixado em € 30 000, por cada uma.
Em matéria de danos patrimoniais das pessoas que mostram direito a fazer valer um dano próprio, no caso do dano morte e nos termos do artº 496º nº2 C.Civ., esta Relação fixou-os já em € 20 000 para cada um dos pais, no caso do decesso de um jovem de 22 anos (Ac.R.P. 2/12/08 in www.dgsi.pt, nº pº 0823969, relator: Mª da Graça Mira), em € 30 000, por cada um dos pais, no caso do decesso de uma criança de 9 anos (Ac.R.P. 6/12/06 in www.dgsi.pt, nº pº 0416668, relator: Luís Teixeira), em € 15 000, para a viúva, no caso do decesso de um sexagenário (Ac.R.P. 8/11/06 in www.dgsi.pt, nº pº 0614922, relator: Borges Martins).
A resposta encontra-se, naturalmente, no juízo equitativo do julgador – a dor pela perda de um filho varia na relação com a idade do decesso, como na relação de dependência que se tivesse do mesmo filho, se existissem irmãos (facto sobre o qual os autos são omissos); por outro lado, um evento súbito, inesperado e violento, como o caso dos autos, é mais doloroso e emocionante que um evento para o qual existe preparação e é esperado – a título meramente exemplificativo, veja-se o discorrer de L. Molinari, Manuale per il Rissarcimento del Danno, 2003, pg. 425.
Os factos revelam que as AA. tinham com sua mãe uma relação harmoniosa e feliz e, naturalmente, pelo id quod plerumque accidit, o luto revelou-se por certo doloroso, já que a morte não resultou de uma causa natural.
Poder-se-ia, de resto, concluir sem margem para dúvidas, do teor dos factos provados e como presunção resultante das regras de experiência (o id quod plerumque aciddit) que, em família harmoniosa e feliz, a morte súbita, por evento não previsto ou não esperado, resulta para os membros sobreviventes em dano existencial e psíquico - dificuldade em lidar com um concreto problema fortemente “stressante” que se lhes deparou e que não se lhes desvanecerá da memória, apenas o tempo contribuindo para o atenuar (dificuldade de “coping”).
Como assim, e vistos os valores supra aludidos praticados nesta Relação, afigura-se-nos completamente adequado a ressarcir o citado dano existencial e psíquico das AA. filhas, as citadas quantias atribuídas em 1ª instância de € 17 500, para cada uma dessas duas filhas.
IV
O artº 496º nº3 C.Civ. manda fixar o montante da respectiva indemnização equitativamente, tendo em conta as circunstâncias referidas no artº 494º CCiv., ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, mais levando em conta, em todo o caso, quer os padrões geralmente adoptados na jurisprudência, quer as flutuações do valor da moeda (por todos, S.T.J. 25/3/04 Col.I/140 e S.T.J. 25/6/02 Col.II/128).
Poderemos dizer de outro modo que, ao liquidar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do “fattispecie” concreto, de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer mero simulacro de ressarcimento (L. Molinari, Manuale per il Rissarcimento del Dano, 2003, pg. 426).
Consoante Dario M. Almeida, Manual, 2ª ed., pg. 187, a lesão do direito à vida só pode ser encarada sob estes pontos de vista: a) enquanto vida que se perde, na função normal que desempenha na família e na sociedade em geral; b) enquanto vida que se perde no papel excepcional que desempenha na sociedade (um cientista, um escritor, um artista); c) enquanto vida que se perde, sem qualquer função específica na sociedade (uma criança, um doente ou um inválido), mas assinalada por um valor de afeição mais ou menos forte.
Recentes decisões jurisprudenciais fixaram o dano morte, relativamente a vidas ainda relativamente jovens (24 e 32 anos) em Esc. 10.000.000$00 (respectivamente, Ac.R.P. 15/5/02 Col.III/187 e S.T.J. 25/1/02 Col.I/61).
Mais recentemente ainda, o dano da perda da vida foi fixado nesta Relação em
No processo, optou-se por fixar a perda do direito à vida em € 70.000, para o caso de uma jovem de 20 anos (Ac.R.P. 3/2/10, in www.dgsi.pt, pº nº 562/08.4GBMTS.P1, relator: Artur Vargues; idêntico valor para uma vítima de 13 anos de idade – Ac.R.P. 16/12/09, in www.dgsi.pt, pº nº 476/07.5TBVLC.P1, relatora: Sílvia Pires); também, para um indivíduo do sexo masculino, casado, activo, com família a cargo, de 30 anos de idade, foi encontrada nesta mesma Secção o valor de € 60 000 (Ac.R.P. 16/12/09, in www.dgsi.pt, pº nº 2102/06.0TBAMT.P1, relator: João Proença Costa, aqui adjunto).
Vistos os citados critérios doutrinais e jurisprudenciais, considerando que a vítima gozava de saúde e possuía ainda expectativa de vida, aos 53 anos de idade, entende-se perfeitamente adequada a ressarcir o dano a quantia atribuída de € 50 000.
Em suma, nada existe que alterar na sentença recorrida.

A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – Se um dos veículos colidentes efectuou uma imprudente manobra de mudança de direcção, com total alheamento da diversa sinalização que ao respectivo condutor se impunha, desde o sinal horizontal de Stop, a sinalização luminosa amarela intermitente, o facto do veículo que consigo colidiu se lhe apresentar pela direita e a abordagem imprudente ou desatenta à manobra de mudança de direcção, releva também o facto de o outro veículo colidente seguir a uma velocidade manifestamente excessiva, expressa sobretudo nos grosseiros indícios do embate, na distância de travagem, na distância a que o veículo se situou, face ao local do embate, e nos resultados gravosos que do embate resultaram; por isso, justifica-se uma divisão de culpas entre 70% para o primeiro veículo e 30% para o segundo, critério igualmente seguido em 1ª instância.
II – Em matéria de danos patrimoniais das pessoas que mostram direito a fazer valer um dano próprio, no caso do dano morte e nos termos do artº 496º nº2 C.Civ., vistos os critérios quantitativos habitualmente usados nesta Relação, o facto de as Autoras votarem dedicação e carinho a sua falecida mãe, embora com ela já não conviventes, e visto o concreto problema fortemente “stressante” que se lhes deparou e que não se lhes desvanecerá da memória, afigura-se-nos completamente adequado a ressarcir o citado dano existencial e psíquico das citadas AA. filhas, as quantias atribuídas em 1ª instância de € 17.500, para cada uma dessas duas filhas.
III – Quanto ao dano da morte da vítima, de 53 anos de idade, saudável e trabalhadora, nos termos do artº 496º nº3 C.Civ., vistos os critérios habitualmente usados por esta Relação, levando em conta a gravidade do ilícito de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer mero simulacro de ressarcimento, mostra-se adequada a quantia de € 50 000.

Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedentes, por não provados, os recursos de apelação interpostos pela Autora, pela Ré e pela Interveniente Principal, e, em consequência, confirmar na íntegra a sentença recorrida.
Custas por Autoras, Ré e Interveniente, na proporção de vencido.

Porto, 25/III/10
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa