Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0610455
Nº Convencional: JTRP00039058
Relator: GUERRA BANHA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RP200604050610455
Data do Acordão: 04/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 437 - FLS. 30
Área Temática: .
Sumário: E nula a sentença que, ao proceder ao exame crítico das provas, o faz de modo a não permitir que os sujeitos processuais fiquem a conhecer os motivos porque não considerou na sua decisão as escutas telefónicas transcritas nos autos, não permitindo desse modo ao tribunal de recurso a possibilidade de sindicar o seu juízo sobre esse meio de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I
1. Na ..ª Vara Criminal do Círculo Judicial do Porto foram julgados, por tribunal colectivo, nos autos de processo comum nº …/03.4JAPRT, os arguidos B….., C……, D….., E….., F……., G……, H….., I….., J….. e L……, sob a acusação de terem praticado os crimes seguintes:
o arguido F…….., um crime de tráfico de estupefacientes da previsão do art. 21º, nº 1, com a agravação do art. 24º, als. h) e j), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, e
os restantes arguidos, um crime de tráfico de estupefacientes, da previsão do art. 21º, nº 1, com a agravação do art. 24º, al. j), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, em concurso efectivo com um crime de associação criminosa, da previsão do art. 28º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Por acórdão de 8/11/2005, foi proferida a seguinte decisão:
condenou a arguida B……, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos de prisão;
condenou a arguida H….., pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
condenou o arguido I……, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 9 meses de prisão;
absolveu todos os demais arguidos dos crimes de que estavam acusados.
*
2. Desta decisão apresentaram recurso o MINISTÉRIO PÚBLICO e as arguidas H…… e B…….. .
O MINISTÉRIO PÚBLICO concluiu a motivação do seu recurso nos seguintes termos:
A acusação deduzida contra os arguidos, bem como a pronúncia, estavam alicerçadas nas escutas telefónicas de que foram alvo os arguidos;
O tribunal recorrido não atentou e muito menos valorou as escutas e somente se referiu a elas para dizer que "está pendente no Venerando Tribunal da Relação do Porto um recurso penal, invocando a nulidade das escutas telefónicas que envolvem vários arguidos deste processo";
Efectivamente, foi interposto recurso, ainda não decidido, pela arguida J….., do despacho da Sra. Juíza de Instrução Criminal que julgou válidas as escutas e, nesta fase, as escutas continuam válidas e nada impedia o tribunal recorrido de as valorar;
Os apensos I a IX contêm as transcrições de todas as conversações interceptadas e demonstram à evidência que todos os arguidos estavam envolvidos no tráfico de estupefacientes segundo a organização relatada na acusação e consequente pronúncia;
Todavia, do texto do acórdão recorrido resulta claramente que as escutas não foram tidas em conta na fixação da matéria de facto dada como provada, remetendo para os apensos das transcrições das escutas a matéria com relevância probatória;
As escutas telefónicas são um meio de prova admitido pelo ordenamento processual penal e, se tivessem sido atendidas e valoradas as que estão transcritas nos autos, toda a matéria de facto constante da acusação teria que ser considerada provada e todos os arguidos seriam condenados pelos crimes que lhes eram imputados;
Nos termos do nº 2 do art. 374º do Código de Processo Penal, o tribunal recorrido teria que analisar criticamente a relevância para a decisão das escutas telefónicas;
Omitindo essa análise, o acórdão recorrido violou aquela norma legal, que o fere de nulidade, nos termos do art. 379º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal.
Pretende, assim, que se declare nulo o acórdão recorrido para ser substituído por outro que atenda e valore as escutas realizadas.
A arguida H…… concluiu que as circunstâncias factuais e pessoais dadas como provadas e não provadas descritas no ponto I do recurso devem ser consideradas como tendo um relevo especial, impondo que se use a atenuação especial da pena e se puna a arguida com pena de 3 anos de prisão, e que se suspenda a execução desta pena, ainda que sujeita ao regime de prova.
A arguida B…… concluiu que a pena aplicada é manifestamente desproporcionada à culpa concreta da arguida, de tal modo que, sendo os factos provados quanto à recorrente pouco diferentes dos que foram provados quanto à arguida H….., a esta foi-lhe aplicada uma pena menor, de 4 anos e 6 meses de prisão, considerando ter sido violado o princípio do direito penal da igualdade de tratamento em idênticas circunstâncias.
*
3. Ao recurso do Ministério Público respondeu apenas a arguida J……, concluindo que a decisão absolutória não merece reparo e não violou os normativos apontados pelo Ministério Público.
Aos recursos das duas arguidas respondeu o MINISTÉRIO PÚBLICO, concluindo que se algum reparo se pode fazer às penas aplicadas às recorrentes não é certamente pelo seu excesso, mas pela sua benevolência.
*
4. Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer que consta a fls. 3051, em que se pronunciou pela procedência do recurso interposto pelo Ministério Público e que se declare a nulidade do acórdão recorrido, e pela evidente falta de razão que assiste a cada uma das arguidas recorrentes.
Este parecer foi notificado aos demais sujeitos processuais, nos termos do art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal, tendo respondido o arguido G……, para dizer que a decisão recorrida não merece censura, e J……, que reiterou o que aduzira na sua resposta ao recurso do Ministério Público.
Os autos foram a visto dos Ex.mos Juízes adjuntos e, após, realizou-se a audiência de julgamento.
*
II
5. No acórdão recorrido foram considerados provados os factos seguintes:
No dia 23 de Maio de 2003, os arguidos J...... e L…… deslocaram-se à localidade de Caminha, sendo que o L…… se fez transportar na viatura com a matrícula ..-..-NZ e a J...... na viatura com a matrícula ..-..-RA, e ali apanharam o "ferry-boat" e foram a Espanha.
No dia 12 de Janeiro de 2004, o arguido G…… dirigiu-se, ao volante do seu táxi com a matrícula ..-..-DQ, à Rua de …., no Porto, onde recolheu a arguida H….., seguindo depois para o Bairro do Cerco do Porto, onde recolheu a arguida B…… e, em seguida, seguiu pela A4 em direcção a Braga.
Aqui, dirigiram-se a um dos parques de estacionamento situado na zona da alfândega de Braga, no início da artéria que liga a N 14 com a alfândega de Braga, onde estacionaram o veículo, permanecendo no seu interior.
Cerca das 15,15 horas, chegou ao referido parque de estacionamento o arguido I……., conduzindo uma moto da marca "kawasaki", modelo KX 650, matrícula ..-..-CJ, que se aproximou da viatura onde seguiam os referidos arguidos, tendo entregue à B...... um saco contendo cerca de meio quilo de heroína.
Breves momentos depois, inspectores da PJ do Porto vieram a interceptar este táxi, no mesmo parque de estacionamento, vindo a apreender no seu interior um saco com heroína, com o peso líquido de 499,818 gramas e os documentos de fls. 73 e 274. A heroína referida havia sido entregue à arguida B...... pelo arguido I.......
No mesmo dia, hora e local, veio a ser encontrado na posse do arguido G…… um telemóvel "Nokia", modelo 3100, com cartão da rede Optimus, e os documentos e papeis juntos a fls. 279, 280, 281 e 282.
Também no mesmo dia, hora e local, veio a ser apreendido ao arguido I…..: a moto kawasaki matrícula ..-..-CJ; dois telemóveis "Nokia" com cartão TMN, um telemóvel Siemens, também com cartão TMN, a quantia de 500 euros em dinheiro do Banco Central Europeu e o papel junto a fls. 298.
À arguida B......, no mesmo dia, hora e local, veio a ser apreendido um telemóvel "Nokia", com um cartão da Vodafone, e outro da marca "Triun-Mitsubishi" com cartão TMN, e a quantia de 80 euros em dinheiro do Banco Central Europeu;
Na mesma ocasião foi apreendida à arguida H….. um telemóvel Nokia com cartão Vodafone e os cartões e documentos juntos a fls. 364.
No mesmo dia 12 de Janeiro de 2004, cerca das 17 horas, no decurso de uma busca domiciliária à residência da arguida B……, sita no Bairro do Cerco, no Porto, Bloco 1, entrada 180, casa 44, veio a ser ali encontrado e apreendido o seguinte: um saco com 5 embalagens de bicarbonato de sódio; três pedaços de cocaína com o peso líquido de 207,853 gramas; um saco com cocaína com o peso líquido de 1,584 gramas; um saco com cocaína com o peso líquido de 2,030 gramas; a quantia de 740 euros em dinheiro do Banco Central Europeu; os papeis juntos a fls. 307 a 349.
Ainda no mesmo dia 12 de Janeiro de 2004, cerca das 16 horas, no decurso de uma diligência de busca na residência da arguida H……, sita na Rua …., nº …, r/c, no Porto, veio a ser apreendido o seguinte: 7.526,30 euros em dinheiro do Banco Central Europeu; um saco com heroína com o peso líquido de 247,25 gramas; um saco com cocaína com o peso líquido de 199,502 gramas; uma balança digital contendo resíduos de heroína e cocaína; papeis e documentos de fls. 371 a 382 e uma embalagem de Vodofone.
No mesmo dia 12 de Janeiro de 2004, cerca das 19,20 horas, no decurso de uma busca domiciliária à residência do arguido C……., sita na Trav. …., …, ..º esq., Gondomar, veio a ser encontrado e apreendido o seguinte: a quantia de 1.605 euros em dinheiro do Banco Central Europeu; uma embalagem de cocaína com o peso líquido de 50,787 gramas; uma embalagem de canabis com o peso líquido de 5,247 gramas; uma prata contendo canabis com o peso líquido de 0,708 gramas; uma caixa contendo bicarbonato de sódio.
Foi ainda apreendido a este arguido, nesta mesma altura, o veículo com a matrícula ..-..-IS, da marca Hyundai.
Ainda no dia 12/01/2004, veio a ser apreendido na posse do arguido C……. um telemóvel Nokia com cartão da TMN e os papeis juntos a fls. 397-402.
No dia 13/01/2004, foi apreendido o veículo BMW modelo 320, matrícula PQ-..-.., pertença do arguido D….. e levada para reparação, em meados de Dezembro de 2003 pelo arguido pelo arguido C….. .
No dia 31/03/2004, numa busca domiciliária à residência do arguido L……., sita na Rua …., .., …., Vila do Conde, veio a ser ali encontrado um telemóvel Nokia com cartão da TMN, examinado a fls. 1729 e 1730.
No mesmo dia 31/03/2004, na Póvoa de Varzim, veio a ser encontrado e apreendido na posse da arguida J….. um telemóvel Samsung, com cartão TMN.
O arguido G……. encontra-se na situação de desempregado, pois viu-se privado da sua viatura de táxi, deixando de pagar a prestação do empréstimo da casa e do condomínio do prédio onde habita. É de modesta condição sócio-económica.
A arguida B…… possui a 4ª classe. À data dos factos, estava a residir com a mãe, que se encontrava doente e ainda porque o seu companheiro estava detido. Estava a ser apoiada pela Segurança Social através de um subsídio mensal de 200 euros, não dispondo de outra forma de subsistência. É delinquente primária. É de modesta condição sócio-económica.
A arguida H…… viveu no seio de uma família com frequentes episódios de violência física, com a mãe alcoólica e o pai a ser acompanhado pelo IRS, tendo ainda uma irmã com problemas do foro psíquico. Tem o 3º ano do ensino básico. Aos 17 anos ficou grávida e teve uma filha. À data dos factos, a arguida estava desempregada e recebendo maus tratos físicos por parte do seu marido. Há cerca de 1 ano atrás sofreu uma depressão que ainda não está curada, estando as duas filhas (7 e 12 anos) a cargo de sua mãe, uma vez que o marido trabalha no Algarve. É delinquente primária. É de humilde condição sócio-económica.
O arguido C……. possui o 5º ano de escolaridade. Aos 16 anos começou a consumir estupefacientes, nomeadamente haxixe e cocaína. Já esteve detido, estando, à data dos factos, em liberdade condicional, a viver com a companheira e a filha e sob o acompanhamento do IRS. Nesta altura trabalhava num restaurante/café pertencente a um seu familiar, como assador de frangos, que lhe exigia o desempenho de elevado número de horas. A sua companheira estava inactiva há cerca de um ano. O arguido tem correspondido de forma adequada às obrigações impostas pelo tribunal e IRS, colaborando com estes serviços. É bem aceite no meio social onde reside, alternando o seu quotidiano exclusivamente entre o respectivo local de trabalho e a residência. É de modesta condição sócio-económica.
O arguido I….. é delinquente primário, exerce a actividade de empregado de mesa e tem um filho menor. É de modesta condição sócio-económica.
Os arguidos B......, H...... e I….. conheciam as qualidades estupefacientes dos produtos que detinham e que tal conduta era proibida e punida por lei.
*
6. E foram considerados não provados os factos seguintes:
que os arguidos constituíssem um grupo de pessoas, chefiado pelo arguido E…….., com o objectivo de comercializar produtos estupefacientes;
que no dia 23/05/2003, os arguidos J...... e L…… se deslocassem a Caminha para adquirir estupefacientes;
que os arguidos C……., D……, E……, F…….., G……, J….. e L……. tivesse alguma ligação, directa ou indirecta, no tráfico de estupefacientes descrito na acusação, designadamente no desempenho das tarefas ou funções que aquela lhes atribui;
que os bens apreendidos ao arguido G...... estivessem relacionados com a actividade de tráfico de estupefacientes;
que os telemóveis e dinheiro apreendidos ao arguido I….. estivessem relacionados com a actividade de tráfico de estupefacientes;
que os telemóveis, dinheiro e outros papeis apreendidos à arguida B…… estivessem relacionados com a actividade de tráfico de estupefacientes;
que o dinheiro e produto estupefaciente apreendidos à arguida H…… lhe pertencessem;
que o produto estupefaciente encontrado na residência do arguido C…… lhe pertencesse ou que este tivesse conhecimento da sua existência;
que o dinheiro ali apreendido estivesse relacionado com alguma actividade ilícita, bem como o veículo de matrícula ..-..-IS, da marca Hyundai e o telemóvel Nokia que lhe foram apreendidos;
que o veículo automóvel matrícula PQ-..-.., marca BMW, modelo 320, tivesse sido adquirido pelo arguido D…… com os proventos da compra e venda de estupefacientes;
todos os demais factos constantes da acusação, com interesse directo para a decisão da causa, que estejam em oposição ou contradição com os já mencionados e dados como provados.
*
7. A decisão sobre a matéria de facto considerada provada e não provada foi motivada nos seguintes termos:
«Todos os arguidos presentes em julgamento não prestaram declarações, sendo certo que o arguido I….. não compareceu à audiência, muito embora estivesse devidamente notificado para tal.
Inspectora M…..: Era a titular do processo. Teve intervenção nas vigilâncias em Caminha e Espanha. Aqui, a arguida J...... fazia-se acompanhar pela sogra e pelo seu filho, porém não houve intervenção porque nada foi visto. Também participou numa vigilância junto ao Hospital de S. João, onde a J......, acompanhada pela sogra, se encontrou com a H......, mas nada de relevante foi detectado. Não teve outra intervenção, excepto numa busca à residência da arguida J......, onde nada foi encontrado de interesse para os autos. Alega que foram efectuadas várias escutas telefónicas a alguns arguidos que, apesar de vagas e abstractas, deixavam transparecer nas “entrelinhas” uma actividade de tráfico de estupefacientes.
Inspector N……: Não conhece nenhum dos arguidos. Participou neste processo por determinação superior, mas ao certo muito pouco sabia. Esteve na vigilância em Caminha e Espanha, mas nada viu ou pode esclarecer. Posteriormente, esteve em Braga, vindo a deter o motociclo onde seguia o arguido I......, mas não sabe se foi entregue alguma coisa à arguida B...... pelo arguido I......, porque não viu.
Inspector O……: Tal como a anterior testemunha, nada viu ou pode esclarecer do que se passou em Caminha, participando na captura do arguido I...... em Braga, mas nada viu entregar.
Inspector P……: Participou na vigilância em Braga, mas não viu nada de relevante. Teve ainda intervenção na busca à residência da arguida B......, onde foi encontrado produto estupefaciente, dinheiro e vários papeis.
Inspector Q……: Teve intervenção na vigilância em Braga, seguindo o táxi do arguido G......, onde seguiam as arguidas B...... e H....... Ignorava quem iria abordar as arguidas ou que tipo de veículo se aproximaria do táxi, se moto ou qualquer outro veículo automóvel. Apercebeu-se da chegada da moto por detrás do táxi, ao que pensa, para confirmar os ocupantes, e depois aproximou-se da janela da frente do táxi, lado do acompanhante, onde estava a arguida B....... Nada mais viu. Participou ainda na busca à residência da arguida H......, a qual entregou voluntariamente o produto estupefaciente e dinheiro, alegando que não eram seus, referindo que o produto estupefaciente pertence à sua tia, a arguida B.......
Inspectora R……: Refere que tinha ordens para seguir um táxi, embora não conhecesse o taxista, nem o que iria fazer, nem quem iria contactar os arguidos. Em Braga, viu uma moto aproximar-se do táxi e, do lado do pendura, abordar a arguida B......, mas não viu entregar nada entre ambos. Participou ainda numa diligência em Paços de Ferreira, para encontrar um telemóvel, mas tal foi infrutífera. Na busca à residência da arguida H......, esta entregou voluntariamente a droga, dizendo que pertencia à sua tia B.......
S……..: Reparou o BMW 320 referido nos autos, que a PJ levou, tendo sido a arguida B...... quem ali o levou para reparar, estando ainda em dívida a importância de 800 euros.
Inspector T……..: Em Braga vê uma moto aproximar-se pela retaguarda do táxi e depois para a porta do pendura, entregando algo, que não vê bem o que era. Participou na busca à residência da arguida B......, onde cumpriu o auto de busca, tendo sido encontrado dinheiro e estupefaciente.
Inspector U…….: participou na busca à residência da arguida H......, que colaborou com a polícia, entregando a droga e dinheiro, que referiu não serem seus, mas da sua tia B......, co-arguida nestes autos. Participou ainda numa busca à residência do arguido Sérgio. Esperaram que o arguido chegasse para lhes abrir a porta. A esposa, que o acompanhava, ficou para trás, noutro prédio. O arguido C…… disse que não havia droga em casa. Porém, veio a ser encontrado estupefaciente num móvel da cozinha, embrulhado num pano, e uns pequenos pedaços de haxixe na sala. Ignora quantas pessoas habitavam naquela casa. teve ainda intervenção numa vigilância junto ao Hospital de S. João, mas desconhece se foi entregue droga ou dinheiro entre as arguidas J...... e H.......
Inspector V…….: Estava a cerca de 20 metros do táxi e viu o indivíduo da moto (arguido I......) a passar para o interior do táxi, lado do pendura (arguida B......), um volume que depois se provou conter estupefaciente. O volume entregue e o encontrado depois era o mesmo, o qual continha o produto estupefaciente apreendido nos pés da arguida B....... Participou na vigilância em Caminha, mas nada foi visto.
Inspectora X……..: Só participou na vigilância em Caminha, mas nada foi detectado.
Inspector Y…….: Participou na detenção em Braga, mas do local onde estava não viu qualquer entrega entre o indivíduo da moto e a ocupante do táxi, pois cada grupo policial tinha uma colocação própria e uma tarefa específica, que, no seu caso, não era ver qualquer entrega. Teve também intervenção na busca à residência do arguido C….. . Sabe que foi o arguido que abriu a porta da residência, pois não estava em casa quando a PJ ali chegou. Não sabe quantas pessoas havia naquela residência. O arguido disse que não tinha qualquer droga e quando foi encontrada (cozinha e sala) ele reagiu mal e tentou agredir-se a ele próprio, dando cabeçadas na parede.
A testemunha de defesa Z…… referiu o bom comportamento das arguidas B...... e H......, reforçado, quanto à arguida H......, pela testemunha de defesa K…… .
Baseou-se ainda este tribunal colectivo na prova documental junta aos autos e examinada em audiência de julgamento, nomeadamente nas buscas e exames periciais, relatórios sociais e c.r.c. dos arguidos.
Concluindo:
Os factos dados como provados têm, no essencial, como base as buscas e apreensões levadas a cabo pela P. Judiciária. Efectivamente, as suspeitas policiais eram vagas, imprecisas e sem uma sequência lógica dos acontecimentos.
Assim, temos a ida a Caminha e Espanha da arguida J......, acompanhada pela sogra e filho, supostamente para ser reabastecida de estupefacientes. Apesar de ser sempre seguida pelos agentes policiais, a arguida J...... fez todo aquele percurso e nada de anormal é presenciado, não chegando, por isso, a haver intervenção policial.
O mesmo se passa com a vigilância no Hospital de S. João no Porto, em que a arguida J...... e a arguida H...... se encontraram, mas também não há qualquer intervenção policial, pois nada de suspeito é observado pelos agentes policiais.
Feita uma busca à residência da arguida J......, nada de relevante para os autos foi encontrado.
Mesmo na vigilância em Braga, os agentes policiais desconheciam quem ia contactar com os arguidos B......, H...... e G......, como se fazia transportar, que tipo e quantidade de estupefaciente ia ser entregue, etc., etc.
Também não foi vista uma única venda de estupefacientes por qualquer um dos arguidos. Não foi encontrado um único comprador de droga aos arguidos, isto é, que tenha adquirido estupefaciente a algum deles.
Igualmente, não há conhecimento de qualquer outra entrega de estupefaciente aos arguidos ou identificado qualquer fornecedor de droga.
Assim, repetimos, apenas nos podemos basear nas buscas e detenções acima descritas.
Temos o arguido I...... a entregar o embrulho com estupefaciente à arguida B......, tomando aqueles todos os devidos cuidados: aproximação inicial à traseira do táxi, aproximação da porta do pendura no táxi e posterior fuga.
Para além deste produto encontrado aos pés da arguida B......, esta tinha mais estupefaciente em casa, conforme auto de busca à residência que esta habitava com a sua mãe, que era pessoa doente.
Também a arguida H...... detinha estupefaciente em sua casa, que entregou voluntariamente à polícia, dizendo que pertencia à co-arguida B......, sua tia.
Já o estupefaciente encontrado na residência do arguido C…… lança sérias dúvidas quanto ao seu proprietário. Esteve arguido estava em liberdade condicional (havia saído há pouco tempo da prisão), era seguido pelos técnicos de Reinserção Social, estava a trabalhar num café/restaurante de familiares, que lhe ocupava várias horas de trabalho diário. O arguido C……, que abriu a porta aos agentes policiais, disse a estes que não tinha droga em casa. Porém, foi encontrado produto estupefaciente guardado na cozinha e na sala da sua residência, provocando no C…… uma grande indignação, chegando a bater com a cabeça nas paredes.
Ora, tendo em conta que o arguido não assumiu a detenção do produto estupefaciente, o local onde foi encontrado (cozinha e sala, não o quarto), o facto de não se saber ao certo quem habitava a dita casa (para além da esposa, que estava inactiva), o facto de o arguido estar a trabalhar todo o dia e ter boa informação da equipa técnica do IRS que acompanhava a sua liberdade condicional, leva-nos a ter muitas dúvidas para o apontar como detentor ou proprietário da droga aí apreendida.
Por sua vez, o arguido G...... não era conhecido ou referenciado pelos agentes policiais como pessoa ligada ao mundo da droga. O que temos nos autos é que ele transportou as arguidas B...... e H....... Mas poderemos dizer, só por isto, que ele conhecia e colaborava com as arguidas no tráfico de estupefacientes? Sem dúvida que não».
*
III
8. São três as questões suscitadas nas conclusões dos recursos:
O Ministério Público invoca a nulidade do acórdão recorrido resultante de omissão de pronúncia sobre as transcrições das conversações entre os arguidos interceptadas como prova válida dos factos que constavam da acusação, requerida pelo Ministério Público e constante dos autos.
A arguida H…… entende que deverá ser-lhe atenuada especialmente a pena e, desse modo, ser-lhe aplicada pena não superior a 3 anos de prisão, com suspensão da sua execução.
A arguida B……. diz que os factos provados revelam que a gravidade da conduta que lhe é imputada é idêntica à da arguida H...... e, em face do princípio penal da igualdade de tratamento, não pode ser-lhe aplicada pena superior à que foi aplicada a esta arguida.

9. Começando por apreciar a questão suscitada pelo recurso do Ministério Público, a qual, a proceder, prejudica o conhecimento do objecto dos dois restantes recursos interpostos pelas arguidas.
Está em causa apreciar se, na decisão recorrida, foram omitidas, sem motivação, as transcrições constantes dos autos das partes das escutas telefónicas feitas aos arguidos, como meio de prova válida, e se tal prova, a ser atendida e valorada, poderia conduzir a uma decisão diferente da tomada.
Que as escutas transcritas nos apensos aos presentes autos não foram consideradas na decisão, resulta do próprio texto do acórdão recorrido, onde, na motivação sobre a matéria de facto, foi escrito, expressamente, que "os factos dados como provados têm, no essencial, como base as buscas e apreensões levadas a cabo pela P. Judiciária". E foi, depois, repetido, em conclusão, que "assim, apenas nos podemos basear nas buscas e detenções acima descritas".
Para além dessa exclusão implícita, também se constata que nenhuma referência consta, na fundamentação da decisão, às escutas telefónicas. A única referência que lhes é feita consta do relatório do acórdão, onde se fez a menção de que estava pendente, neste tribunal da Relação, um recurso penal, em que era invocada a nulidade dessas escutas telefónicas. Porém, nenhuma conclusão foi extraída da pendência deste recurso, assim como nenhuma decisão consta que tenha sido tomada quanto à validade dessas escutas como meio de prova e quanto ao seu valor probatória.
Aliás, não está, sequer, equacionada neste recurso a questão da validade dessas escutas, para efeitos de poderem ser consideradas como meio de prova no âmbito deste processo. Nem tal questão é de pôr enquanto se mantiver o despacho do Sr. Juiz de Instrução Criminal que as declarou válidas, ou enquanto não forem declaradas inválidas por outro despacho judicial e por outro qualquer motivo.
Assim, o aspecto essencial da questão posta neste recurso consiste em apreciar se o tribunal recorrido estava, ou não, vinculado por lei a pronunciar-se no acórdão recorrido sobre os motivos porque não considerou na sua decisão, como meio de prova, as escutas transcritas nos autos.
A este propósito, acentua o recorrente que os factos imputados na acusação aos arguidos estavam alicerçados nas escutas telefónicas, que tinham sido declaradas válidas por despacho judicial. Daí a especial relevância que atribui a este meio de prova e à exigência de o tribunal do julgamento esclarecer, em sede de fundamentação, os motivos porque não atendeu nem valorou este meio de prova.
A resposta terá que encontrar-se na interpretação da norma do nº 2 do art. 374º do Código de Processo Penal.
Prescreve este preceito legal, acerca dos requisitos da sentença, que ao relatório segue-se a fundamentação, a qual deve conter, para além da enumeração dos factos provados e não provados, “uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
A letra da norma refere expressamente que o exame crítico a realizar incide sobre “as provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. E não sobre todas as provas produzidas em audiência. O que faz todo o sentido, porquanto só as provas que influenciaram a decisão interessa que sejam analisadas e explicadas quanto ao modo e à medida em que a influenciaram.
Se provas houver tidas como inócuas para o objecto da causa (tais como, testemunhas que apenas declaram que nada sabem, ou que relatam factos à margem ou desconexos do objecto do processo; ou documentos cujo teor nenhuma conexão relevante tem com o objecto da causa) nenhum exame crítico há que fazer dessas provas. Há que apenas mencionar que tais provas foram desconsideradas pela sua irrelevância e inutilidade. Nada mais se justificando acrescentar. Desde logo porque, em rigor, face ao princípio da necessidade/utilidade da prova previsto no nº 1 do art. 340º do Código de Processo Penal, tais provas nem deveriam ser admitidas. Para além de que em todos os actos do processo há que ter presente o princípio da "utilidade do acto", só devendo praticar-se os actos que tenham alguma utilidade para o processo, e evitando-se todos os que sejam inúteis (art. 137º do Código de Processo Civil).
É diferente a situação quando o tribunal, perante duas ou mais provas de conteúdo divergente ou contrário, opta por uma ou algumas em detrimento de outra ou outras. Nesta hipótese, o tribunal terá que esclarecer os motivos da sua opção, o que se inclui no âmbito do exame crítico das provas que a lei impõe que seja realizado.
Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/07/2005 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ com o nº 05P2315), "a sentença tem de esclarecer os elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova produzidos e examinados em audiência".
É o que deverá exigir-se relativamente às transcrições das intercepções das conversas telefónicas que constam dos apensos a estes autos. Ou o tribunal as reputava de conteúdo relevante e haveria de incluí-las na formação da sua convicção, valorando-as em conformidade com a sua relevância; ou considerava-as sem conteúdo útil e haveria de declarar, justificadamente, sua inutilidade probatória. Já que é no desenvolvimento desta actividade cognitiva, destinada a esclarecer os motivos da decisão, que se materializa o conceito de “exame crítico das provas”, a que alude o preceito legal citado.
Refere, a este propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/03/2005 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/, proc. nº 05P662):
“A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos para reapreciar uma decisão”.
Às partes interessa conhecer os motivos da decisão para poderem, em consciência, formular a decisão de a aceitar ou não e, não a aceitando, poderem contra-argumentar com os motivos da sua discordância.
Em caso de recurso, o tribunal superior tem de conhecer o modo como foi adquirido e se desenvolveu o processo de formulação do juízo lógico contido na decisão (os fundamentos), para, assim, poder formular o seu próprio juízo.
Ainda sobre o conceito de “exame crítico das provas”, o mesmo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça anteriormente citado define-o como constituindo “uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular fundamentação em matéria de facto, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência. (...) consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.[v. ainda os acórdãos do STJ de 12/05/2005, 29/06/2005 e 12/07/2005, todos em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ com os nºs 05P657, 05P2035 e 05P2315, respectivamente, e Prof. GERMANO MARQUES DA SILVA, em Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª edição, 2000, p. 293.]
Ora, foi esta actividade cognitiva que o tribunal recorrido omitiu na sua decisão. Não permitindo, com tal omissão, que os sujeitos processuais ficassem a conhecer os motivos porque não considerou na sua decisão as escutas telefónicas transcritas nos autos, nem permitindo que o tribunal de recurso possa sindicar o seu juízo sobre esse meio de prova.
Tal omissão viola o disposto no nº 2 do art. 374º do Código de Processo Penal e gera a nulidade do acórdão recorrido nos termos do disposto no art. 379º, nº 1, al. a), do mesmo código.
*
10. Não constitui justificação para esta omissão o facto de estar pendente recurso sobre a validade das escutas, desde logo porque o recurso em causa não tinha efeito suspensivo, mantendo-se, por isso, em vigor o despacho judicial que as havia declarado válidas.
Também não pode partir-se da premissa de que as escutas transcritas nos autos são inócuas e nada provam sobre os factos descritos na acusação, porque tal premissa já implica um juízo de valor sobre o seu conteúdo, que o tribunal do julgamento deveria ter feito e não fez.
Sempre se dirá, porém, que, em abstracto, a doutrina e a jurisprudência [Neste sentido, Prof. MANUEL DA COSTA ANDRADE, “Sobre o Regime Processual das Escutas Telefónicas”, em Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano I, Fasc. 3, p. 309; ac. do STJ de 29/11/98, BMJ 480/293; ac. da RE de 23/07/86, CJ/1986/IV/297; ac. da RG de 19/05/2003, CJ/2003/III/299; acs. da RP de 14/01/2004 e de 13/04/2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ com os nºs 0240911 e 0540750, respectivamente] vêm sufragando o entendimento de que as transcrições das escutas obtidas validamente, segundo os procedimentos prescritos nos arts. 187º e 188º do Código de Processo Penal, estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos prescritos no art. 127º do Código de Processo Penal, não carecendo de ser lidas em audiência para serem valoradas como tal e equiparando-as a prova documental.
O que não quer dizer, porém, que o seu conteúdo não deva ou não tenha que ser devidamente esclarecido em audiência, na presença dos arguidos e perante todos os sujeitos processuais, de modo a habilitar o tribunal a determinar o seu significado exacto e, em conjugação com as regras da experiência comum, a retirar daí o contributo que possam dar para a formação da sua convicção.
Esta actividade probatória visando o esclarecimento do conteúdo das transcrições das escutas mais se justifica quando, como é o caso destas, se apresentam em linguagem codificada, em que um conjunto de palavras e expressões são, manifestamente, usadas com um sentido diferente do seu significado comum, o que, aliás, sucede entre grupos que se dedicam a actividades ilícitas e, em concreto, à actividade ilícita de tráfico de estupefacientes.
De tal modo assim é que, em algumas partes das transcrições, foram intercaladas anotações, entre parêntesis, a seguir a algumas dessas palavras e expressões, traduzindo o seu significado em linguagem comum. Expressões como «CD» ou «CDs» (aps. I-A/66; II/77; III/24 e 80; V/4; VI/7 e 22; IX/39); «documentos» (aps. I/108, 109, 165-168; I-A/39; II/15, 16, 31, 33, 37, 43; III/5, 9, 15, 47; VI/7), «gaiola branca» (ap. I/47), «cães» (ap. I/98; II/70; III/15), «cadelinha» (ap. IV/33), “cestinho» (ap. IV/32), «CD direito» (ap. III/24), «da CASTANHA» (ap. I-A/86) ou «da CASTANHOLA» (ap. I-A/84), «da BRANCA» (ap. I/7; I-A/84), «da CLARA» (ap. VI/79), «da NOITE» (ap. I-A/70; VII/44; IX/30), «de DIA» (ap. VII/8) , «gatos» (ap. II/21), «a carta» (ap. II/33), «1 direito» (ap. I/148), «os papeis» (ap. I/186), «carros» (ap. III/56), entre outras, percebe-se que são usadas como códigos. Algumas dessas expressões são facilmente reconhecidas como ligadas a esse tipo de produtos, surgem em qualquer processo relativo a este tipo de crime, tais como «da BRANCA» ou «da CLARA» ou «de DIA» como significando cocaína, «da NOITE» ou «da CASTANHA» ou «da CASTANHOLA» como significando heroína. À palavra «documentos» é atribuído o significado de dinheiro ou dinheiro em nota (ap. II/37 e 43), sendo neste sentido bem expressivas as conversas transcritas a fls. 165-168 do ap. I, entre o C…… (C…….) e o L….. (L……), relativa a acerto de contas, e também a fls. 56 e 62-64 do ap. II, entre a arguida J...... e o seu marido aí identificado como BB…… (E…….). A expressão «1 direito» corresponderá a «um quilo» (ap. I/148).
Quer isto dizer que a maior ou menor relevância desta prova também depende muito da descodificação que for conseguida obter da linguagem das conversações interceptados entre os diversos arguidos que constam das respectivas transcrições. O que constitui tarefa a realizar em audiência de julgamento.
Assim, embora a nulidade praticada apenas afecte o acórdão recorrido, como acto a ter que ser repetido, não afectando directamente a audiência de julgamento propriamente dita (produção da prova e discussão da causa) [cfr. neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6/11/96 (CJ/STJ/1996/III/195) e de 14/01/99 (CJ/STJ/1999/I/187) e da Relação de Guimarães de 25/10/2004, em www.dgsi.pt/jtrg.nsf/ proc. nº 1423/04-1], sempre ficará em aberto a possibilidade de o tribunal colectivo considerar necessário repetir alguns meios de prova (art. 371º nº 1 do Código de Processo Penal), com vista ao esclarecimento de eventuais dúvidas de interpretação suscitadas pelo conteúdo das escutas telefónicas, entre outras que lhes possam surgir.
*
11. Com a decisão de anulação do acórdão recorrido, fica prejudicado o conhecimento dos recursos interpostos pelas arguidas H…… e B….. .
*
IV
Por tudo o exposto:
a) Concede-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, declara-se nulo o acórdão recorrido, o qual deverá ser reformulado de modo a pronunciar-se, em sede de exame crítico da prova, sobre a relevância probatória para a decisão das transcrições das conversações telefónicas interceptadas aos arguidos, constantes dos apensos aos presentes autos.
b) Declara-se prejudicado o conhecimento dos recursos interpostos pelas arguidas H….. e B….. .
c) Sem custas.
*
Porto, 05de Abril de 2006
António Guerra Banha
Jaime Paulo Tavares Valério
Joaquim Arménio Correia Gomes
José Manuel Baião Papão