Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00041621 | ||
Relator: | PAULA LEAL DE CARVALHO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO CONTRATO DE SEGURO TRABALHADOR INDEPENDENTE | ||
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Nº do Documento: | RP200809080843393 | ||
Data do Acordão: | 09/08/2008 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 53 - FLS 249. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | O contrato de seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes, ou seja, daqueles que exercem uma actividade por conta própria (sem estarem colocados numa posição de subordinação jurídica) também compreende os sinistros ocorridos no exercício da sua actividade profissional e pela qual o trabalhador estava seguro. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Procº nº 3393/08 -4ª Secção TT Barcelos (Proc. nº …/06.6) Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. 161) Adjuntos: Des. Machado da Silva (Reg. 1268) Des. M. Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B………., patrocinado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho contra “C………., S.A.”, alegando em síntese que, no dia 30/09/05, cerca das 14h, quando se encontrava a reparar o telhado da sua própria habitação, caiu. Como consequência de tal acidente, sofreu diversas lesões/sequelas e apresenta uma IPP de 4%. O autor trabalha na construção civil por conta própria. Conclui pedindo a condenação da ré no pagamento do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de 215,6€, com início a 19/02/06, bem como das quantias de 2.126€, 2.445,86€ e 15€, a título de indemnização por ITA, de despesas médicas e de despesas com deslocações obrigatórias, respectivamente. Pelo ISS/CDSS de Braga foi deduzido pedido de reembolso da quantia global de 462,84€, que pagou ao autor, a título de concessão provisória de subsídio de doença, respeitante ao período compreendido entre 08/11/05 e 02/02/06. A Ré contestou a acção, invocando que o autor celebrou um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho/trabalhador independente, encontrando-se transferida uma responsabilidade pela retribuição anual de 7.700€. Entende porém que, atendendo a que, aquando do acidente, o autor estava a reparar a própria casa, o mesmo não se enquadra no conceito de acidente de trabalho. Para a hipótese de assim se não entender, sempre tal acidente estaria descaracterizado pois o autor violou as mais elementares regras de segurança (encontrava-se a uma altura de 4 metros e não fazia uso de qualquer equipamento de protecção. Conclui pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido. Igual pedido formula com relação ao pedido de reembolso do ISS/CDSS de Braga. O autor respondeu, mantendo a versão da p.i. A fls. 122 e ss. foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória, o qual foi objecto de reclamação pela seguradora, reclamação essa deferida por despacho de fls. 139. Realizada a audiência de discussão e julgamento e respondida a base instrutória, sem reclamações, foi proferida sentença julgando a acção totalmente procedente, condenando-se a Ré a pagar ao autor: o capital de correspondente à remição da pensão anual e vitalícia de 215,6€, com início a 19/02/06 (dia seguinte ao da alta); a quantia de 2.126,06€ a título de indemnização pelo período de ITA sofrido pelo autor; a quantia global de 2.460,86€ a título de despesas pelo mesmo suportadas em consequência do acidente dos autos; juros de mora vencidos e vincendos sendo os referentes ao capital de remição contados desde 19/02/06 e os referentes à indemnização por IT´s contados nos termos previstos pelo n.º 3 do art. 51º DL n.º 143/99 e art. 17º n.º 4 da Lei n.º 100/97, até integral pagamento. Mais se decidiu condenar a Ré a pagar ao ”Instituto de Segurança Social, I.P./ Centro Distrital de Segurança Social de Braga” o montante global de 462,84€. Inconformada, veio a Ré apelar da referida sentença, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: «1ª O Autor é trabalhador por conta própria, na área da construção civil. 2ª No dia 30 de Setembro de 2005, cerca das 14h, no ………., ………., Barcelos, quando o Autor se encontrava a reparar o telhado da sua habitação, de um só piso, caiu ao chão (sublinhado nosso). 3ª. Por contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho/trabalhador independente, celebrado a 30.09.05 e titulado pela apólice 11/….., o autor transferiu para a ré seguradora a responsabilidade infortunística labora) de corrente de acidentes ocorridos no exercício da actividade da construção de edifícios, pela remuneração anual de 7.700€. 4.ª O trabalhador, aquando do sinistro, prestava serviço para si próprio 5.ª O Regulamento do seguro obrigatório de acidentes de trabalho para os trabalhadores independentes visa garantir a responsabilidade infortunística de prestar trabalho sem subordinação jurídica, 6.ª Mas o trabalho tem que ser prestado no interesse e por conta de terceiro. 7.ª Não se pode estender o contrato de seguro de Acidente de trabalho a situações em que o trabalhador e o beneficiário do trabalho sejam uma e a mesma pessoa. 8.ª A sentença recorrida violou, entre outros as artigos 3.°, 6.° e 8.° da Lei 100/97 de 13 de Setembro e os artigos 1.° e 6.° do DL 159/99 de 11 de Maio. Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso interposto pela R., revogando-se, em conformidade, a douta decisão recorrida, (…)» O A. contra-alegou no sentido do não provimento do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Matéria de facto provada na 1ª instância:1) O autor nasceu no dia 20 de Abril de 1960 – cfr. doc. de fls. 11 – alínea A) da factualidade assente. 2) O autor é trabalhador por conta própria, na área da construção civil – alínea B) da factualidade assente. 3) No dia 30 de Setembro de 2005, cerca das 14h, no ………., ………., Barcelos, quando o autor se encontrava a reparar o telhado da sua habitação, de um só piso, caiu ao chão – alínea C) da factualidade assente. 4) A queda do autor foi de uma altura de 4 metros – resposta ao facto 1º da BI. 5) O telhado que se encontrava a reparar era desprovido de guarda-corpos ou plataforma – resposta ao facto 2º da BI. 6) O autor não possuía, à data, cinto ou arnês de segurança – resposta ao facto 3º da BI. 7) Como consequência de tal queda, sofreu o autor fractura da clavícula direita, a que foi operado (osteossíntese placa e parafusos), o que lhe determinou 142 dias de incapacidade temporária absoluta para o trabalho contados desde 01/10/05 até 18/02/06, data na qual tal lesão se consolidou clinicamente – alínea D) da factualidade assente. 8) Da lesão referida na alínea anterior resultaram para o autor as seguintes sequelas: cicatriz pouco perceptível com 11 cm na região anterior e interior da clavícula; deformidade na região média diafisária da clavícula, resultante de fractura com consolidação viciosa; limitação na elevação e abdução do membro superior direito. Permite levar a mão à nuca, ao ombro oposto e à região lombar sem dificuldades; e Amiotrofia de 3 cm – alínea E) da factualidade assente. 9) O autor ficou ainda a padecer de uma IPP de 4% - alínea F) da factualidade assente. 10) Por contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho/trabalhador independente, celebrado a 30/09/05 e titulado pela apólice n.º 11/….., o autor transferiu para a ré seguradora a responsabilidade infortunística laboral decorrente de acidentes ocorridos no exercício da actividade de construção de edifícios, pela remuneração anual de 7.700€ - alínea G) da factualidade assente. 11) O ISS – Centro Distrital de Segurança Social de Braga, a título de concessão provisória de subsídio de doença respeitante ao período de ITA referido no ponto 7 desta factualidade, pagou ao autor a quantia de 462,84€ - alínea H) da factualidade assente. 12) O autor despendeu 2.445,86€ em tratamentos médicos, cirúrgicos e medicamentosos, bem como 15€ em transportes com deslocações a este tribunal e ao D.......... de Braga – resposta ao facto 4º da BI. * III. Do Direito:Como é sabido, nos termos do disposto nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC, aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º nº 2 al. a) e 87º do CPT, mas sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objecto do recurso. No caso, a única questão consiste em saber se o acidente de que o A. foi vítima poderá ser considerado como acidente de trabalho para efeito da sua cobertura pelo contrato de seguro de acidente de trabalho de trabalhador independente. E a questão que a Recorrente suscita decorre da circunstância de o A., aquando do sinistro, prestar trabalho para si próprio (quando o acidente ocorreu o A. reparava o telhado da sua própria habitação). O Acórdão da Relação de Coimbra de 10.02.2005, in www.dgsi.pt (processo nº 3764/04), pronunciou-se sobre questão idêntica, em termos que merecem a nossa concordância e que não se vê razão para dele nos afastarmos. E, daí que o passemos a reproduzir as doutas considerações nele tecidas: «Foi com a nova LAT (L. 100/97 de 13/9) que o legislador, segundo cremos pela primeira vez, contemplou a reparação infortunística (em termos idênticos aos dos trabalhadores por conta de outrem) dos “trabalhadores independentes”, ou seja daqueles que exercem uma actividade por conta própria, portanto sem estarem colocados numa posição de subordinação jurídica, elemento típico e definidor de um contrato laboral( cfr. artº 3º nº s 1 e 2 da aludida lei.). E fê-lo no sentido de que os ditos trabalhadores e /ou seus familiares em caso de acidente ocorrido no exercício da sua actividade profissional, tivessem direito às indemnizações e restantes prestações infortunísticas, em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem- cfr. preâmbulo do D.L. 159/99 de 11/5-. O legislador define “trabalhador independente” como sendo aquele que exerce uma actividade por conta própria (artº 3º nº 2 citado). E por força do D.L. 159/99 veio a operar uma distinção entre trabalhadores independentes cuja produção se destina exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo seu agregado familiar e os restantes- ou seja aqueles que por via de regra laboram para outrem, embora com ausência de subordinação jurídica, nomeadamente através de contratos de prestação de serviços (cfr. artº 1152º do CCv). Para estes últimos o seguro adquire as características de obrigatoriedade (artº 1º nº 1 do D.L. 159/99) enquanto que para os primeiros a celebração de tal convénio é meramente facultativa (nº 2 do citado artº 1º). A verdade porém é que, pelo diploma legal em causa, a possibilidade de existência do seguro por acidentes laborais sofridos por trabalhadores independentes, não exige nem que a actividade seja remunerada, nem que o trabalhador labore por conta de outrem. Resulta isto a nosso ver- e sempre com a ressalva do devido respeito por opinião diversa- do que estabelece o já referido nº 2 do artº 1º do D.L. 159/99. Na realidade ali se admite a possibilidade da existência do seguro, mesmo que o trabalhador labore para si mesmo, portanto sem contratar com quem quer que seja e sem ser remunerado pelo resultado da sua actividade. É certo que o preâmbulo do citado D.L. 155/99, menciona que “ através do seguro de acidentes de trabalho pretende-se garantir aos trabalhadores independentes e respectivos familiares, em caso de acidente de trabalho, indemnizações e prestações idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares”. Contudo e conjugando este princípio com o que se encontra plasmando no artº 3º nº1 da LAT (que refere que os trabalhadores independentes devem efectuar um seguro que garanta as prestações previstas na presente lei...), somos levados a crer - e usando os critérios interpretativos mencionados no artº 9º do CCivil - que a similitude entre o regime relativo aos trabalhadores por conta de outrem e os trabalhadores independentes, se refere no essencial à concessão do direito às indemnizações e prestações decorrentes de um acidente de trabalho. Não se exige, julgamos nós- evidentemente sem certezas dogmáticas- para que ao trabalhador independente se reconheça o mencionado direito, que este estivesse a exercer no momento do sinistro, uma actividade remunerada com base num contrato (em princípio de prestação de serviços), celebrado com outrem. Se fosse de outro modo nunca os tais trabalhadores independentes citados no nº 2 do artº 1º do D.L. 1555/99, poderiam ser abrangidos por este tipo de garantia. E todavia, ainda que facultativamente, são- no. E além do mais nem a lei exige que o trabalhador independente exerça actividade para fornecer um resultado a outrém (embora essa na prática seja a regra), bastando- se com o exercício de uma “ actividade por conta própria” nem mesmo nos trabalhadores juridicamente subordinados, a existência de uma contra prestação por trabalhos prestados é elemento essencial para a caracterização do sinistro, como se alcança do artº 6º nº 2 b) da LAT, que considera como acidente de trabalho o que ocorra na execução de serviços espontaneamente prestados de que possa resultar proveito económico para o empregador. Note-se aliás, que o trabalhador independente ao efectuar qualquer trabalho para si mesmo, se não está directamente a auferir um rendimento, não deixa de ter um ganho económico, consubstanciado numa despesa que deixa de fazer (o pagamento que teria que efectuar a quem para ela fizesse tal obra). Portanto em nosso modesto entender, o critério fundamental para aferir da abrangência do seguro infortunístico laboral, perante um sinistro que atinge um trabalhador independente, será dado pela actividade que ele no momento exercia. Se ela se integra no âmbito da sua profissionalidade e pela qual ele estava seguro, então independentemente de estar a laborar para si ou para outrem, com remuneração ou sem ele, o sinistro de que eventualmente venha ser vítima, estará a coberto do contrato de seguro que celebrou (salvo naturalmente as hipóteses de invalidade deste). Entendemos ser apenas de realçar que o art. 1º do DL 159/99 não impede ou proíbe a celebração de contrato de seguro do ramo de acidente de trabalho (de trabalhador independente) nas situações previstas no seu nº 2, antes a permitindo em termos facultativos – cfr. também Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico anotado, 2ª Edição, págs.29/30.. Ora, mal se compreenderia que assim fosse se se exigisse, como pretende a Recorrente, que o trabalho tivesse que ser prestado no interesse e por conta de terceiro. Se assim fosse, então nunca seria possível, nas situações contempladas nesse nº 2, a celebração do contrato de seguro a que se reporta o diploma legal. No caso, não se coloca qualquer dúvida acerca da existência e validade do contrato de seguro. Por outro lado, está também assente que o A. exerce a sua actividade profissional na área da construção civil. E foi ao exercer uma actividade dessa natureza, que sofreu o acidente em análise. Afigura-se-nos, assim, que tendo o A validamente transferido a respectiva responsabilidade infortunística para a Ré, é esta responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho de que ele foi vítima, ainda que, aquando do acidente, estivesse a trabalhar para si mesmo. Deste modo, improcedem as conclusões do recurso. * IV. DecisãoEm face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Porto, 08/09/08 Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho José Carlos Dinis Machado da Silva Maria Fernanda Pereira Soares (Vencida, por entender que o c. de seguro celebrado não abrange o caso em concreto). |