Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042398 | ||
Relator: | CARLOS PORTELA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO LICENÇA DE UTILIZAÇÃO VALIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP200902190836712 | ||
Data do Acordão: | 02/19/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 787 - FLS. 131. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Na vigência do RAU, a existência e validade de um contrato de arrendamento celebrado sob a forma escrita, mesmo sem menção da licença de utilização, satisfaz os motivos determinantes da forma. II – A ausência da referida menção – a não ser que a falta seja imputável ao senhorio e o arrendatário (e apenas este) queira, por esse motivo, resolver o contrato – tem uma natureza acessória e poderá apenas levar a que o senhorio e o inquilino só discutam a extensão do objecto do arrendamento e de algumas obrigações, sem porem, no entanto, em causa a sua validade. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº6712/08-3 Tribunal Recorrido: 4º Juízo Cível do Porto Relator: Carlos Portela (127) Adjuntos: Des. Joana Salinas Des. Maria Catarina Gonçalves Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto I-Relatório: B……………., residente na Rua …………, freguesia de ……….., concelho de Penafiel, intentou contra C……………, residente na Rua …………, nº……., ….º, Porto, D………….., residente na Rua ……….., nº……., …../Dtº, Rio Tinto e E……………, residente na Rua …………., entrada ….., casa …., Porto e no Tribunal Judicial de Penafiel, acção com processo comum na forma sumária, alegando em síntese o seguinte: É dono e legítimo possuidor de uma habitação tipo 1, sita na Rua ………, nº…., 2º Esquerdo, ….., Porto. Por contrato celebrado em 4.05.2001 arrendou aos 1º e 2º Réus a dita habitação, por um período de 12 meses, renovável por iguais e sucessivos períodos, caso assim fosse pretendido pelas partes. A renda anual fixada foi de 3.890,64 €, a pagar em duodécimos mensais de 324,22 €, até ao dia 8 do mês anterior àquele a que disser respeito, através de depósito numa conta do Autor. Os Réus têm feito utilização do prédio arrendado, não pagando no entanto a respectiva renda, estando em dívida a quantia total de 8.182,56 €, quantia essa que o Autor não logrou ainda receber, não obstante ter solicitado o pagamento aos Réus, através de carta registada com aviso de recepção. A falta de pagamento de rendas no tempo e lugar próprios, é fundamento de despejo, nos termos do disposto nos artigos 1083º, nº3 e 1084º, nº1 do Código Civil. Nestes termos pede que a acção seja julgada procedente por provada e em consequência, decretada a resolução do contrato de arrendamento em causa por falta de pagamento de rendas e a Ré condenada a despejar o locado e ainda a pagar-lhe as rendas vencidas no montante de 8.182,56 €. Os Réus foram devidamente citados, apenas a Ré D…………… contestou, alegando em suma o seguinte: O Autor não é proprietário em exclusivo do imóvel dado de arrendamento aos Réus. Sendo casado no regime de comunhão de adquiridos, outorgou sozinho o contrato de arrendamento de um imóvel pertença do casal, daí a sua ilegitimidade que deve dar lugar à consequente absolvição da instância dos Réus. O arrendado situa-se na cidade do Porto, sendo esta a comarca territorialmente competente para tramitar esta acção. Defendeu-se por impugnação, alegando que o Autor nunca lhe entregou a chave de acesso ao locado e por isso a contestante nunca nele habitou. Foi sempre o co-réu C…………. quem ali viveu até final do mês de Janeiro de 2007, data em que por acordo com o Autor, lhe entregou as chaves de acesso ao imóvel e ambos revogaram nessa data, o contrato de arrendamento. O Autor litiga assim com manifesta má fé que o Tribunal não pode deixar de sancionar. O co-réu C………….. apagou ao Autor para além da quantia indicada na petição inicial, o montante de 750 €. A Ré ora contestante apenas em Março de 2007, teve conhecimento da pretensão do Autor, através de uma notificação judicial avulsa e nunca por qualquer outra forma. O documento junto aos autos é nulo porque nele não consta nem a menção ao artigo matricial do locado nem a existência ou não da licença de utilização. Conclui assim, pedindo que as excepções deduzidas sejam julgadas procedentes por provadas e improcedente o pedido formulado na petição inicial, condenando-se ainda o autor como litigante de má fé no pagamento de uma quantia não inferior a 1.500 €. Notificado da contestação veio o Autor responder, requerendo que a sua mulher seja notificada para litigar ao seu lado nos autos, através do mecanismo da intervenção principal provocada. Concorda com a Ré no que concerne à invocada excepção da incompetência territorial do Tribunal Judicial de Penafiel para julgar a acção. Defende a validade do contrato celebrado, alegando que o mesmo foi elaborado numa agência imobiliária, tendo no acto da sua assinatura sido exibida a respectiva licença de habitabilidade. Por despacho proferido a fls.87 foi decidido no sentido da incompetência do Tribunal Judicial de Penafiel para tramitar e julgar esta acção e julgada procedente por provada a respectiva excepção, ordenada a remessa dos autos aos Juízos Cíveis do Porto. Tal despacho transitou em julgado sem ter sido questionado pelas partes. Por despacho de fls.98 foi entre o mais, decidido pela inadmissibilidade do incidente de intervenção provocada do cônjuge do Autor, não tendo sido tal decisão, objecto de qualquer reparo quer do Autor quer dos Réus. Foi lavrado despacho saneador no qual se julgou o tribunal competente, o processo isento de nulidades e as partes dotadas de capacidade e personalidade judiciárias. Quanto á legitimidade foi então considerado que o Autor é parte legitima, ainda que litigando sozinho nos autos, pelo que foi julgada improcedente por não provada a excepção deduzida pela Ré que contestou. Mais se dispensou a elaboração de base instrutória. Tal despacho transitou igualmente em julgado. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância de todas as legais formalidades. Na mesma foi deferida pelo Tribunal a pretensão do Autor de ver reduzido o pedido para a quantia de 6.885,68 €, julgando-se ainda extintos os restantes pedidos formulados pelo mesmo, nomeadamente, o do pagamento das rendas vincendas até efectiva entrega do locado. Mais se julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao segmento do pedido respeitante à resolução do contrato de arrendamento, já que as partes acordaram em que, pelo menos em Fevereiro de 2007, a chave do locado foi entregue e aceite pelo autor, o que configura a revogação por acordo do mesmo. Tal decisão não foi posta em causa pelas partes. O Tribunal respondeu à matéria de facto controvertida e proferiu sentença relativamente ao objecto deste litígio. A decisão emitida julgou a acção procedente por provada e por via disso, condenou os Réus a pagarem ao Autor a quantia de 6.885,68 €. De tal decisão recorreu a Ré, D………………. Tal recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo. A Apelante apresentou alegações de recurso, mas o Autor não contra alegou. Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho, que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais e nada impedindo o conhecimento de mérito, cumpre proferir decisão. * II-Enquadramento de facto e de direito:Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 684º, nº3 e 690º, nº1 do Código de Processo Civil e sem prejuízo das questões que forem de conhecimento oficioso obrigatório, o objecto deste recurso está balizado pelas conclusões vertidas pela Apelante nas suas alegações de recurso. E estas são do seguinte teor: 1º) Porque a apelante alegou, em sede própria e tempestivamente, uma excepção peremptória -o pagamento de 750 € - que constitui um facto modificativo do efeito jurídico pretendido pelo Recorrido; 2º) Porque o Recorrido apresentou articulado de resposta nos autos sem responder à excepção tendo-se de ter a mesma por não impugnada, logo confessada; 3º) Porque o Tribunal a quo, em sede de sentença final, não conheceu nem deixou de conhecer sobre esta excepção, fazendo tábua rasa da mesma, não se pronunciando assim, sobre matéria que não podia deixar de conhecer, como deixou; 4º) Porque tal omissão faz inquinar a sentença de nulidade, nos termos da lei processual; 5º) Porque ainda que assim se não entenda, ter-se-á sempre de alterar a matéria tida como provada de forma a ter-se como provado que a quantia em que a apelante foi condenada a pagar deverá ser reduzida em 750 €, sem prejuízo do alegado em sede de recurso quanto à inexigibilidade do pagamento das rendas, pela recorrente, após Maio de 2002; 6º) Porque não resulta dos autos que tivesse existido qualquer acordo entre Apelante e Apelado no sentido de se considerar ter sido aquela e o co-réu, C……………, que efectuaram o pagamento, entre os anos de 2000 e 2006, de qualquer quantitativo, mas tão somente este último; 7º) Porque tal conclusão resulta de uma errada (aliás inexistente), análise dos meios probatórios dos autos, originando que seja alterada a factualidade provada, constante do ponto 5º da sentença, de forma a que dela passe a constar que apenas o requerido e co-réu, C…………, efectuou tais pagamentos, impondo-se assim, uma decisão diversa daquela que foi proferida em manifesta violação do disposto nos artigos 653º, nº2, 690-A, nº1, a) e b) do CPC; 8º) Porque o contrato de arrendamento era de duração limitada, tendo sido fixado o termo de 1 ano, sem renovação automática; 9º) Porque da factualidade dada como provada nada consta (nem foi alegado), quanto á vontade e interesse das partes em terem querido renovar o contrato no sue termo, tendo-se o mesmo, forçosamente, como caducado em 2.05.-2002; 10º) Porque a causa de pedir alegada assenta apenas no clausulado contrato e a Recorrente foi demandada na qualidade de arrendatária; 11º) Porque o contrato de arrendamento é nulo não se podendo ignorar esse vício, atribuindo-se deveres à aqui Recorrente como se o mesmo não sofresse de qualquer invalidade; 12º) Porque não foram exigidos pagamentos, a título de rendas, por parte do Recorrido, anteriores a 2.05.2002, deve a douta sentença ser julgada nula e revogada, absolvendo-se a Recorrente do pedido formulado pelo Recorrido, ou se assim não se entender, condenar-se a Recorrente apenas no pagamento da quantia de 6.135,68 €. * O Tribunal Recorrido deu como provados os seguintes factos:1- O Autor é dono e legítimo possuidor de uma habitação do tipo "T1", fracção autónoma designada pela letra "E", sita na Rua ……….., nº …. - …º Esq., ….., Porto, inscrito na matriz sob o artº10619, descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o nº 3254/20050721 - Bonfim, conforme documento de fls. 10 a 15, cujo restante teor se dá por reproduzido. 2- O Autor por contrato celebrado a 04 de Maio de 2001, junto a fls. 7 a 9, cujo restante teor se dá por reproduzido integralmente para os devidos e legais efeitos, arrendou ao 1º e 2º Réus a habitação melhor identificada em 1. 3- O arrendamento foi efectuado para um período de 12 meses, renovável por iguais e sucessivos períodos, caso ambas as partes o pretendessem. 4- Os Requeridos comprometeram-se a pagar ao Requerente a renda anual actual atento o curso legal da moeda de € 3.890,64 (três mil, oitocentos e noventa euros e sessenta e quatro cêntimos), em duodécimos mensais de 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos), até ao dia 08 do mês anterior àquele a que se disser respeito, através de depósito na conta do aqui requerente. 5- Os Requeridos têm feito utilização do prédio arrendado, não pagando a respectiva renda no valor e prazo estabelecido, estando por isso em dívida a renda dos meses e anos, conforme melhor se passa a descrever: A) No ano de 2002, os requeridos pagaram em: - 11 de Fevereiro a quantia de € 300,00 (trezentos euros); - 18 de Fevereiro a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros); - 19 de Março a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 03 de Maio a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 11 de Junho a quantia de € 300,00 (trezentos euros); - 27 de Junho a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 31 de Julho a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 28 de Agosto a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 23 de Setembro a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 08 de Novembro a quantia de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros); - 10 de Dezembro a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); Estando pois em dívida nesta ano de 2002 a quantia de € 21,10 (vinte e um euros e dez cêntimos). B) No ano de 2003, os requeridos pagaram em: - 11 de Fevereiro a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 23 de Junho a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 28 de Julho a quantia de € 300,00 (trezentos euros); - 26 de Agosto a quantia de € 628,44 (seiscentos e vinte e oito euros e quarenta e quatro cêntimos); - 23 de Outubro a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 03 de Dezembro a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); Estando pois em dívida no ano de 2003 a quantia de € 1.665,32 (mil, seiscentos e sessenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos). C) No ano de 2004, os requeridos pagaram em: - 28 de Janeiro a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 04 de Março a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 10 de Maio a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 30 de Junho a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 06 de Agosto a quantia de € 300,00 (trezentos euros); - 31 de Agosto a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); - 29 de Setembro a quantia de € 324,22 (trezentos e vinte e quatro euros e vinte e dois cêntimos); - 30 de Dezembro a quantia de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros); Estando pois em dívida no ano de 2004 a quantia de € 994,54 (novecentos e noventa e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos). D) No ano de 2005, os requeridos pagaram em: - 14 de Fevereiro a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); - 19 de Abril a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); - 02 de Junho a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); - 30 de Junho a quantia de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros); - 02 de Agosto a quantia de € 650,00 (seiscento e cinquenta euros); - 14 de Outubro a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); - 26 de Dezembro a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); Estando pois em dívida no ano de 2005 a quantia de € 965,64 (novecentos e sessenta e cinco euros e sessenta e quatro cêntimos). E) No ano de 2006, os requeridos pagaram em: - 17 de Março a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); - 02 de Maio a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); - 28 de Julho a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); - 22 de Agosto a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros); Estando pois em dívida no ano de 2006 a quantia de € 2.590,64 (dois mil quinhentos e noventa euros e sessenta e quatro cêntimos). F) No ano de 2007, os requeridos não efectuaram o pagamento das rendas vencidas nos meses de Janeiro e Fevereiro, estando pois, em dívida a quantia de € 648,44 (seiscentos e quarenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos). 6- Reconhece a aqui contestante a autoria da sua letra e assinatura aposta no documento junto aos autos a fls. 7 a 9, cujo restante teor se dá por reproduzido. 7- O Autor entregou uma chave do locado ao Réu C………….. 8- No contrato de arrendamento não consta a menção ao artigo matricial e a existência de licença de utilização. * A primeira questão suscitada pela Ré/Apelante no seu recurso tem a ver com a factualidade por si alegada no artigo 21º da contestação.Assim, a mesma começa por considerar que a sentença é nula porque não se pronunciou sobre tal matéria de facto, que constituindo um facto modificativo do efeito jurídico pretendido pelo Autor e ora Apelado e não tendo sido objecto de impugnação por este na resposta que apresentou, se deve por isso ter como confessada. Ora como claramente decorre dos autos, a Ré D…………. veio na sua contestação de fls.35 e seguintes e designadamente no artigo 21º da mesma, alegar que o co-réu C…………., pagou ainda ao Autor e para além da quantia indicada na petição inicial, o montante de 750 €. Por seu turno o Autor na sua resposta de fls.76 e seguintes, não impugnou expressamente e como lhe competia, tal matéria de facto invocada pela aludida Ré. A pretensão do Autor assentava entre o mais, na falta de pagamento por parte dos Réus de parte das rendas devidas por força do contrato de arrendamento, que referiu ter celebrado com os dois primeiros Réus. O alegado pagamento ainda que parcial, das rendas devidas, consubstancia verdadeira defesa por excepção, que a proceder, dá lugar à absolvição do pedido formulado, pelo menos na parte referente ao aludido montante (cf. artigos 493º, nº1 e 3 do CPC). Mesmo não estando nós perante uma excepção peremptória que devesse ser conhecida oficiosamente nos termos do artigo 496º do CPC, a verdade é que tal conhecimento se impunha ao Tribunal a quo, pela circunstância dos factos integradores da mesma, terem sido, como já vimos, objecto da defesa invocada pela Ré e agora Apelada. Deste modo e não constando da decisão proferida qualquer referência tal facto, evidente se mostra que tal omissão se traduz em verdadeira nulidade da mesma sentença (cf. artigos 660º, nº2 e 668º, nº1, alínea d) do CPC). Ora configurando esta, verdadeira e própria nulidade da sentença, pode a mesma como aliás ocorreu nos autos, ser arguida em sede de interposição de recurso nos termos do preceituado no nº3 do já citado artigo 668º, não tendo como efeito invariável a remessa imediata do processo para o Tribunal a quo, a fim de aí prosseguir. Pelo contrário e por via do disposto no artigo 715º do CPC, mesmo declarando nula a sentença proferida na 1ª instância, a Relação não deixará de conhecer do objecto da apelação, se para o efeito, dispuser dos elementos necessários. Na situação em apreço nada obsta a que assim aconteça, já que tendo tido o Autor/Apelado, conhecimento de todo o teor das alegações da Ré/Apelante e ainda que quanto a elas, se não tenha pronunciado em articulado próprio, nunca a decisão a proferir, constituirá para si uma decisão surpresa, cuja prolação nestes casos se pretende sempre evitar. E a análise da apelação passa necessariamente e em primeiro lugar pela pretensão da Ré de ver alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto. Ora num primeiro ponto, pretende a mesma que seja tida por assente a matéria de facto por si alegada no artigo 21º da contestação. E desde já se pode dizer, que tem razão nos seus argumentos. Na verdade e como já sabemos, o Autor ao responder a tal matéria, que constitui verdadeira defesa por excepção, não deduziu quanto a esta, qualquer tipo de oposição, como aliás lhe era permitido e de acordo com o disposto no artigo 785º do CPC. A ser assim tal falta de resposta implica a admissão por acordo dos factos articulados, nos termos dos artigos 484º e 490º, aplicáveis por força do disposto no artigo 463º, nº1 do mesmo código. Deste modo e nos termos do preceituado na 1ª parte da alínea a) do nº 1 do artigo 712º do CPC, deve ser atendida a pretensão da Apelante e, em conformidade aditada à matéria de facto provada no número 5, uma nova alínea com o seguinte teor: G) O co-réu C…………, pagou, ainda ao Autor, para além das quantias referidas nas alíneas A), B), C), D) e E), o valor 750 €. A Ré/Apelante insurge-se também no seu recurso quanto ao facto de ter ficado consignado nas alíneas A) a F) que foram os requeridos quem pagou as quantias aí melhor descritas. Isto porque na sua tese e não obstante tal versão ter sido alegada pelo Autor na petição inicial, da prova produzida nos autos resultou assente aquilo que ela própria tinha alegado no artigo 20º da contestação ou seja, que os aludidos pagamentos foram antes, efectuados pelo co-réu C………….. Ora na fundamentação de tal decisão de facto, o Tribunal a quo fez constar que “os factos nºs 1 a 5 resultaram provados por acordo das partes”. Antes de mais, não podemos deixar de fazer notar que existe um lapso de escrita no requerimento inicial, já que na mesma repete duas vezes o artigo 5º. Tal lapso levou a que na decisão de facto agora posta em causa, o Tribunal a quo tivesse feito constar os factos nºs 1 a 5 quando muito naturalmente queria dizer os factos nºs 1 a 6 da mesma petição. E é exactamente a factualidade vertida no artigo 6º da petição que aqui importa apreciar. Assim, é verdade, que a Ré no artigo 20º da sua contestação, ainda que aceitando a confissão no que toca ao recebimento das quantias ali indicadas, se opôs ao alegado pelo Autor no artigo 6º da petição inicial, alegando que tais pagamentos foram efectuados pelo co-réu C…………. e simultaneamente negando que ela própria tenha feito qualquer destes pagamentos. É certo como agora defende a Apelante, que em nenhum ponto do processo as partes transigiram quanto a este concreto ponto da matéria de facto, sendo igualmente certo que não foi através da prova testemunhal produzida, que qualquer das partes logrou provar a sua versão dos factos. Assim sendo, não deixa no entanto de ser verdade, que tendo em conta o atrás exposto, a forma como a 1ª instancia respondeu a tal matéria de facto, não foi de todo a mais correcta. De todo o modo dizer genericamente que os requeridos pagaram nos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006 as aludidas quantias, acaba por não por em causa a versão defendida pela Ré/Apelante. Por outro lado e como mais adiante veremos, a eventual procedência neste aspecto da pretensão da mesma Ré/Apelante, não levaria de todo a uma decisão de teor diverso daquele que foi encontrado na sentença recorrida. Em face do conjunto de razões expostas entendemos que neste concreto aspecto não merece ser provido o recurso interposto, pelo que se mantém o que antes foi decidido pelo Tribunal “a quo”. Decidida que está a parte do recurso que punha em causa a decisão sobre a matéria de facto, cabe agora analisar o que foi decidido no que diz respeito ao enquadramento jurídico da mesma matéria. E esta, mesmo com as alterações atrás operadas, não merece globalmente censura. Senão vejamos: Ao contrário do que se defende, o contrato em apreço não é nulo por falta da respectiva licença de utilização do locado. Na esteira da posição defendida na sentença recorrida e para além do citado acórdão de 1.07.2004, chamamos aqui à colação outros como os desta mesma Relação datados de 15.10.2001, no processo nº0151091 e o de 7.04.2008, no processo 0850725, todos publicados em www.dgsi.pt/jtrp. Segundo estas duas decisões, a falta de menção no contrato de arrendamento da licença de utilização ou de documento comprovativo da requisição da mesma, não produz só por si a invalidade ou ineficácia do mesmo, já que tal vicio pode vir a ser suprido posteriormente à sua celebração. Como bem se refere na sentença recorrida, no seguimento da opinião do supra aludido acórdão de 1.07.2004, a exigência legal de submeter os contratos à forma escrita destina-se a precaver os declarantes contra a sua precipitação, a dar maior segurança às conclusões do negócio e ao conteúdo negocial, a facilitar o seu controlo no interesse geral, a assegurar o seu reconhecimento relativamente a terceiros. Ora sendo assim, entendemos que a existência e validade de um contrato de arrendamento celebrado sob a forma escrita mesmo sem menção da licença de utilização, satisfaz os motivos determinantes da forma. A ausência da referida menção tem uma natureza acessória e poderá apenas levar a que o senhorio e o inquilino só discutam e extensão do objecto do arrendamento e de algumas obrigações, sem porem, no entanto, em causa a sua validade. Isto a não ser que, no caso da falta ser imputável ao senhorio e o arrendatário e apenas este, queira resolver o contrato por esse motivo. Não é claramente a hipótese dos autos, na qual e como se provou, o locado chegou a ser habitado durante quatro anos. A arguição desta questão após tão considerável período temporal, poderá até e como avisadamente afirma a 1º instância, configurar verdadeiro abuso de direito. Em conclusão, não será pois com base neste argumento que o Autor se verá impedido de vir a juízo, pedir a condenação dos Réus no pagamento das rendas vencidas e não pagas desde a data da celebração do contrato de arrendamento. E carece igualmente de fundamento a tese de que por prever a sua renovação automática e fixado que foi o prazo de um ano para a sua vigência, se deve ter o contrato como caducado em 2.05.2002, já que ficou por provar matéria que pudesse consubstanciar a vontade e o interesse das partes de o renovarem. Como ficou provado nos autos, as partes celebraram o presente contrato segundo o regime de renda livre e na modalidade de duração limitada prevista nos artigos 98º e seguintes do D.L. nº321-B/90 de 15 de Outubro. Não foi aqui posta em causa a validade do contrato no que concerne ao seu conteúdo, nomeadamente quanto à assinatura das partes contraentes. Assim sendo e nos termos dos artigos 374º nº 1 e 376º nºs 1 e 2 do Código Civil, fazem prova plena das declarações neles contidas e dos factos compreendidos na declaração na medida em que foram contrários do declarante. Para decisão desta questão é relevante a análise do teor do clausulado em 4º e 5 do mesmo contrato. Na primeira delas (a 4ª) consta expressamente que as partes acordaram em celebrar um contrato de arrendamento para habitação, de duração limitada e no regime de renda livre, ao abrigo e nos termos do artigo 98º do R.A.U., aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90 de 15 de Outubro. Da segunda (a 5º) consta que o prazo de arrendamento estabelecido é de 12 meses, renovável por iguais e sucessivos períodos, caso os outorgantes estejam de acordo. Acresce dizer que não foram alegadas, nem se vê que existam, circunstâncias que imponham ao tribunal a conclusão de que foi outra a vontade das partes senão a de celebrar um contrato de arrendamento sujeito ao regime jurídico especial que, de forma expressa, tiveram por aplicável. Assim, o teor de tal cláusula, que contém a vontade expressa das partes, vai contra a disposição legal imperativa do artigo 98º nº 2 do RAU, que impõem a duração mínima de cinco anos, pelo que tal cláusula é nula (cf. artigo 294º do Código Civil). De todo o modo, deve entender-se que a nulidade de tal cláusula não determina a invalidade de todo o negócio celebrado, sendo certo que nada indicia, nem a recorrente o alega, que o contrato de arrendamento para habitação não teria sido celebrado sem a cláusula em questão (cf. artigo 292º do Código Civil). Impõem-se por isso proceder à redução do contrato celebrado, considerando-o válido quanto a todos os seus elementos com excepção da aludida cláusula, que fixou o prazo inicial de duração do contrato. Ora de acordo com a vontade expressa pelas partes, estamos pois na presença de um contrato de arrendamento para habitação com estipulação de um prazo efectivo de duração, contrato esse sujeito, no que refere à sua renovação automática, denúncia e revogação, ao regime específico do artigo 100º da RAU. Não ficou aqui provado que nomeadamente a Ré enquanto arrendatária, tenha manifestado junto do Autor, a sua vontade de denunciar ou revogar o contrato, mediante a comunicação escrita a que alude o nº3 do citado artigo. A ser assim e por força do que decorre do disposto no nº1 do mesmo artigo, não pode proceder a vontade da Apelante de ver caducado o contrato em apreço passado decorrido que foi, um ano após a sua celebração. Por dia disto, o contrato só pode ter-se por revogado em Fevereiro de 2007, data na qual a chave do locado foi entregue e aceite pelo Autor (cf. teor da transacção celebrada nos autos e constante da acta de julgamento a fls.159). * III-Decisão:Nestes termos, com os fundamentos expostos e suprida que está a nulidade que se considerou existir, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e em conformidade em alterar a decisão recorrida, cujo teor passará a ser o seguinte: Julga-se a acção parcialmente procedente por provada e por via disso condenam-se os Réus a pagarem ao Autor a quantia de 6.135,68 € (seis mil, cento e trinta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos). * Custas a cargo da Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que usufrui. * Notifique.Porto, 19 de Fevereiro de 2009 Carlos Jorge Ferreira Portela Joana Salinas Calado do Carmo Vaz Maria Catarina Ramalho Gonçalves |