Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
76/07.0TBSJP-A.P1
Nº Convencional: JTRP00043443
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: INVENTÁRIO
APROVAÇÃO DO PASSIVO
PAGAMENTO
DÍVIDA ACTIVA
HERANÇA
IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RP2010011276/07.0TBSJP-A.P1
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 345 - FLS 24.
Área Temática: .
Sumário: I - É, sem dúvidas, em sede de conferência de interessados que se deliberará sobre a aprovação do passivo e respectivo pagamento.
II - Apenas no caso de todos ou alguns interessados não aprovarem o dívidas activas da herança passivo relacionado o juiz é chamado a decidir sobre o mesmo, e nunca antes desse momento ou fora dessa circunstância.
III - Situação diversa verifica-se relativamente às denominadas «dívidas activas da herança”, já que verdadeiramente se trata de um pretenso direito de crédito da herança sobre um interessado, a sua impugnação feita pelo pretenso devedor, segue a tramitação do incidente de reclamação da relação de bens, cfr. art.° 1348.° “ex vi” do disposto no art.° 1351°, ambos do C.P.Civil.
IV - Ora, constata-se que o pretenso devedor não deduziu qualquer reclamação, logo também, neste caso, o Mm.° juiz “a quo” proferiu uma decisão que a lei lhe não permitia, decidindo sob reclamação de quem não tinha legitimidade, por não ser apontado como o devedor, para negar a existência de tal pretenso crédito da herança, ou dívida activa da mesma herança.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Agravo
Processo nº 76/07.0 TBSJP-A.P1
Tribunal Judicial de São João da Pesqueira – secção única
Recorrente – B……….
Recorridos – C………. e D……….
Relator – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Sílvia Pires
Desemb. Henrique Antunes


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – No processo especial de inventário instaurado por óbito de E………. e que corre termos pelo Tribunal Judicial de São João da Pesqueira, B………. desempenha as funções de cabeça de casal.
No desempenho de tais funções a cabeça de casal juntou aos autos a relação de bens que constitui fls. 46, 62 e 63 dos autos. Dessa relação, e no que releva para o presente recurso, consta no que respeita a dívidas:
“Relação de dívidas”
(…)
II - Activas da Cabeça de Casal
Deve o interessado F………. à Cabeça de Casal as seguintes quantias:
Verba 1
Seiscentos e cinquenta e oito euros e três cêntimos que a mesma teve de pagar ao Tribunal por dívidas da exclusiva responsabilidade do devedor, em liquidação de custas – doc. 3 -------------------658,03
Verba 2
Dez milhões quatrocentos e quarenta e oito mil setecentos e onze escudos, e a C. Casal teve de pagar para desonerar os prédios da herança das penhoras que sobre os mesmos recaíam, por dívidas da exclusiva responsabilidade do referido devedor, tituladas na certidão predial - doc. 2 equivalente a ------------52.117,95

III - Passivas da Cabeça de casal
Deve a Cabeça de casal à interessada G……….
Verba 1
(…)
Verba 2
A quantia de cinquenta a e dois mil oitocentos e setenta e cinco euros e o noventa e oito cêntimos, correspondente ao valor que mesma adiantou do seu bolso, para liquidar as importâncias com que o devedor F………. onerara os bens da herança em se proveito pessoal e que são as referidas nas verbas 1, 2, e 3 das dívidas activas ------- 52.875,98”.
*
Os interessados D………. e marido e C………. e mulher reclamaram de tal relação de bens e, designadamente, no que respeita às dívidas relacionadas, disseram que as não aceitavam.
*
A cabeça de casal respondeu.
*
Depois foi proferido despacho determinando a exclusão de tais verbas da relação de bens dos autos. Para tanto, escreveu-se:
“Fls. 107-109:
Vieram os interessados D………. e marido H………. e C………. e mulher I………. apresentar reclamação à relação de bens oferecida pela cabeça de casal.
A cabeça de casal respondeu nos termos constantes de fls. 115.
Cumpre apreciar.
A) Quanto às dívidas activas e passivas da cabeça de casal:
Nos presentes autos visa-se partilhar os bens deixados por E………. e, como tal, impõe-se considerar o activo e passivo do respectivo acervo hereditário.
Nessa medida, são irrelevantes os débitos e créditos titulados pela cabeça de casal sobre outros interessados, devendo a cabeça de casal demandar e ser demandada em sede própria - que não é a destes autos.
Assim, defere-se, nesta parte a reclamação apresentada e determina­sse a exclusão das verbas enunciadas sob os pontos II e III da relação de dívidas incluída na relação de bens de fls. 55-57, sob as epígrafes Activas da cabeça de casal e Passivas da cabeça de casal.
Rectifique a relação de bens em conformidade e notifique”.
*
Na sequência de tal decisão, e depois de afirmar que com ele, nessa parte, concorda, veio a cabeça de casal aos autos, requerer que o que havia sido relacionado sob as verbas n.ºs 1 e 2 das “Dívidas activas da cabeça de casal”, seja agora admitido como ”Dívidas Activas” e “Dívidas Passivas” da Herança, e isto porque, a herança, representada pela cabeça de casal, a fim de obstar que fossem vendidos em hasta pública processo bens pertencentes à herança e que indevidamente foram penhorados em de execução intentada por credores do interessado F………. contra este, decidiu pagar os valores em causa nessa execução. Para tanto, teve de pedir o dinheiro emprestado à sua filha, (a interessada G……….).
Termina a cabeça de casal requerendo que aquelas duas verbas fossem, de novo, relacionadas, mas desdobrando-as em duas epígrafes:
- como “dívida activa da herança”, porque foi a herança que a liquidou, para obstar à venda de bens que lhe pertenciam;
- como “dívida passiva da herança”, porque para pagar aquela quantia teve de contrair empréstimo perante terceira pessoa.
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Os interessados D………. e outros vieram responder ao requerimento da cabeça de casal pugnando pelo seu indeferimento.
Para tanto alegaram, em síntese, que o despacho de folhas 153 e seguintes dos autos transitou em julgado. O requerido pela cabeça de casal visa alterar tal despacho, quando o meio processual adequado para o efeito era o recurso.
*
De seguida foi proferido o seguinte despacho:
“Fls. 170:
Veio a cabeça de casal reformular a relação de bens, alterando os termos em que havia relacionado as dívidas e que foram, por despacho de fls. 153-155, excluídas, com os fundamentos que do mesmo despacho melhor constam e para o qual remetemos.
Os interessados D………. e outros pronunciaram-se nos termos constantes de fls. 180.
Cumpre apreciar.
Não podemos deixar de entender, tal como, em tom de "desabafo" o fazem os reclamantes, que a actuação da cabeça de casal não é admissível. Assim, se a dívida tivesse sido contraída pela herança podia e devia a cabeça de casal ter rectificado a relação de bens aquando da resposta que apresentou em 18/12/2008, o que não fez.
Não pode a cabeça de casal agora (e depois de ter tomado conhecimento da decisão do Tribunal e dos fundamentos da mesma) fazer entrar "pela janela" aquilo que não conseguiu fazer entrar "pela porta".
De qualquer modo, o que decorre da explicação oferecida pela cabeça de casal é que foi, de facto, a interessada G………. que terá procedido ao pagamento das ditas dívidas, devendo esta reclamar o respectivo pagamento do devedor em sede própria.
Pelo exposto, e sem acrescidas considerações que nunca poderiam deixar de ser no sentido de se ter como pouco curial a actuação da cabeça de casal, decide-se rejeitar a nova relação de dívidas da herança”.
*
Inconformada com tal decisão veio a cabeça de casal dela recorrer, de agravo, pedindo que ela seja revogada e substituída por outra que defira à relacionação das dívidas da herança pela forma que ali foi julgada inadmissível.
A agravante juntou aos autos as suas alegações onde formula as seguintes conclusões:
1. Porque o interessado F………. contraiu dívidas de natureza particular e os seus credores nomearam à penhora alguns dos melhores prédios que integram o acervo patrimonial da herança, a recorrente, no desempenho das suas funções de cabeça de casal, viu-se forçada a pagar essas dívidas e as custas judiciais.
2. No despacho recorrido, entendeu-se que o respectivo montante não podia ser levado à Relação de Bens, por o dever de o liquidar recair apenas sobre o devedor, a quem a cabeça de casal teria de o cobrar, querendo, através da competente acção, mas incorrendo na nulidade prevista no art. 668.° d) do CPC, com referência ao 137.º.
3. Na verdade, e sempre com o devido respeito opor opinião contrária, tal entendimento não pode manter-se, sob pena de se violar o princípio da celeridade e da economia processuais, porque iria, por um lado, permitir-se que os herdeiros recebessem eventualmente, por licitação, bens totalmente livres de ónus e encargos, e tivesse, depois, que ser a recorrente, por outro, ainda por cima, a ter de pagar do seu próprio bolso à credora e a ter de intentar, depois, uma acção declarativa contra o devedor.
4. Efectivamente, aquele montante terá de ser relacionado, primeiro, como "Dívida Activa" e, depois, como "Dívida Passiva" da herança, porque a herança é, concomitantemente, a real credora e a real devedora do montante em causa.
5. Real credora porque foi a herança que desembolsou a quantia necessária à desoneração dos bens que integram o seu acervo patrimonial - quantia essa apenas contraída pelo interessado F………. - única forma, ou pelo menos, uma das formas possíveis, de obstar à venda daqueles bens, sendo, pois, de relacionar como foi, ou seja, como dívida activa da herança sobre o referido devedor.
6. Real devedora, porque para poder liquidar aquela dívida, teve a cabeça de casal de pedir o dinheiro emprestado à credora G………., obrigando-se, nessa qualidade jurídica, a pagar-lho, pelo que a importância em causa terá de ser relacionada como foi, ou seja, como dívida passiva da herança, mas sendo apenas dela devedor o referido F……. .
7. Ao relacionar-se o montante pago pela cabeça de casal dessa forma, isto é, desdobrando-o em 2 verbas, em nada se prejudicou ou beneficiou a herança, pois não serão todos os herdeiros que terão de o pagar à credora, mas apenas o interessado F………., sendo certo que, uma vez pago - o que, aliás, sucederá por mera compensação automática no acto do cálculo das respectivas tornas, se devidas - também esse dinheiro não reverterá a favor dos herdeiros, mas apenas e só da cabeça de casal ou, directamente, à credora desse dinheiro, a interessada G………. .
8. Aliás, o próprio devedor F………. nem sequer reclamou da existência dessa dívida e do seu relacionamento nesses termos, sendo certo que só ele, in casu, teria até legitimidade para a impugnar, uma vez que só ele responderá por ela, pelo que, também por aí, incorreu a Mm.ª Juiz “a quo” em deficiente interpretação do disposto nos arts 1.351.º n.º 1, 1354.º e 668.º do CC.
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Os agravados juntaram aos autos as suas contra-alegações pedindo que seja negado provimento ao recurso.
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O Mm.º juiz “a quo” ordenou a subida dos autos a este tribunal, entendendo-se que, implicitamente, manteve a decisão recorrida.

II – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os factos relevantes para a decisão do presente agravo são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III - Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos (cfr. art.ºs 690.º n.º 1 e 684.º n.º 3, ambos do C.P.Civil), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (art.º n.º 2 “in fine” - do art.º 660.º do C.P.Civil), pelo que a questão a decidir nos autos consiste em:
- Saber se devem ser relacionadas nos autos, respectivamente como “dívida activa e dívida passiva da herança”, respectivamente, as duas verbas que haviam sido relacionadas nos autos como “II -Dívidas activas da cabeça de casal” e a verba 2 que havia sido relacionada como “III – Dívidas passivas da cabeça de casal”?
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No caso dos autos, a viúva do inventariado, exercendo as funções de cabeça-de-casal, da herança aberta por óbito daquele, pretende que sejam relacionadas como: - dívidas activas da herança sobre o interessado F………., duas verbas, uma no valor de €52 117,95, que diz ter a herança pago “para desonerar os prédios da herança das penhoras que sobre os mesmos recaíam, por dívidas da exclusiva responsabilidade” do referido interessado, e outra no valor de €658,00, que diz ter a herança suportado no pagamento de custas judiciais “por dívidas da exclusiva responsabilidade” daquele mesmo interessado.
Pretende ainda a cabeça de casal que seja relacionada como dívida passiva da herança à interessada G………., uma verba no valor de €52 875,98 (soma das alegadas dívidas activas), que diz corresponder “ao valor que a mesma adiantou do seu bolso, à herança, para liquidar as importâncias com que o devedor F………. onerara os bens da herança em seu proveito pessoal”.
A cabeça de casal, ora agravante, foi aos autos de inventário pedir que aí fosse admitida a relacionação de tais dívidas.
Segundo o que alega a cabeça de casal, o seu filho e interessado F………. contraiu diversas dívidas de natureza particular e os respectivos credores, presume-se em processo de execução que contra ele instauraram, nomearam à penhora alguns imóveis que integram o acervo patrimonial da herança que administra. Quando tomou conhecimento de tal situação, ela, como cabeça de casal, não viu outra solução senão pagar a quantia devida por aquele seu filho, assim como as custas judiciais, para que a execução se extinguisse. Mais diz a cabeça de casal que não dispunha das quantias necessárias a esses pagamentos, e por isso, teve de pedir essa importância à sua filha e também interessada G………. .
E termina a cabeça de casal afirmando que foi, efectivamente a herança, por si representada, na qualidade de cabeça de casal, quem pagou aquelas dívidas e que também foi a herança, que por intermédio da cabeça de casal, se empenhou pedindo o dinheiro emprestado à interessada G………., obrigando-se a pagá-lo.
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Depois da oposição dos interessados D………. e C………. ao relacionamento de tais verbas de passivo, o tribunal de 1.ª instância decidiu “rejeitar a (…) relação de dívidas da herança.
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Segundo João António Lopes Cardoso e Augusto Lopes Cardoso in “Partilhas Judiciais”, vol. I, (Edição revista, adaptada e actualizada), pág. 45, o inventário “…pode definir-se como sendo a relação e/ou descrição dos bens pertencentes a alguma pessoa, no sentido restrito, «inventário» é o processo que se destina à descrição e partilha dos bens da herança duma pessoa falecida…”.
Incumbe ao cabeça de casal relacionar os bens da herança a partilhar, devendo a relação de bens obedecer às regras previstas nos artigos 1345.º e 1346.º do C.P.Civil, especificando-se os bens que integram a herança por meios de verbas e as dívidas relacionadas em separado, sujeitas a numeração própria.
Apresentada a relação de bens, são os interessados dela notificados e no prazo de 10 dias, podem reclamar da mesma, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerendo a exclusão de bens indevidamente relacionados por não fazerem parte do acervo a dividir ou a arguir qualquer inexactidão na descrição dos bens que seja relevante para a partilha, cfr. art.º 1348.º do C.P.Civil.
Havendo reclamação, o cabeça de casal é notificado para relacionar os bens acusados em falta ou dizer o que se lhe oferecer sobre a matéria da reclamação, sendo o respectivo incidente tramitado, por força do disposto no art.º 1334.º do C.P.Civil, nos termos previstos nos art.ºs 302.º a 304.º do mesmo diploma legal. E de harmonia com o disposto nos art.ºs 1349.º n.º 3 e 1350.º n.º 1 e 2 do C.P.Civil, o juiz decidirá da existência de bens e a pertinência da sua relacionação ou, face à complexidade das questões suscitadas, abstêm-se de decidir (não sendo incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecendo relacionados aqueles cuja exclusão se requereu) e remeterá os interessados para os meios comuns.
Resultando assim óbvio que a lei não configura o incidente de reclamação da relação de bens como o meio processual próprio para se verificar da existência, ou não, das verbas relacionadas como passivo da herança (dívidas da herança), contrariamente ao que sucede com o activo da herança, (bens da herança) do qual fazem parte os direitos de crédito da herança sobre terceiros ou sobre os próprios interessados, ou como são designadas pelas partes e resulta do art.º 1351.º do C.P.Civil, as “dívidas activas da herança”, cfr. art.º 1345.º n.º 1 do C.P.Civil, relativamente aos quais, após o seu relacionamento nos autos, caso seja deduzida alguma reclamação, nos termos do art.º 1348.º do C.P.Civil, se segue a tramitação do incidente próprio até decisão sobre se deve manter-se ou ser relacionado certo direito de crédito da herança.
Contrariamente, é a conferência de interessados, como resulta do disposto n o art.º 1353.º n.º 3 do C.P.Civil, o lugar e momento próprios para se aprovar, ou não, o passivo (segundo a designação vertida nos autos pelas partes, as “dividas passivas da herança”) que haja sido relacionado pelo cabeça de casal, ou que tenha sido reclamado por um qualquer credor.
Dúvidas não restam que, no inventário, apenas são, em princípio, de relacionar a título de dívidas activas (créditos da herança) aquelas que estavam constituídas à data do óbito do inventariado e das quais ele era credor, sendo devedores terceiros ou os próprios herdeiros (cuja cobrança e quitação, até à partilha, é da competência do cabeça de casal). Por seu turno, deve o cabeça de casal relacionar, a título de dívidas passivas, (dívidas da herança) todas as que existiam ao tempo do falecimento do inventariado, das quais sejam credores terceiros ou os próprios herdeiros, vencidas ou não vencidas, tituladas ou não tituladas, etc. e da responsabilidade daquele, por cuja satisfação respondem colectivamente os bens da herança, cfr. art.º 2068.º e 2097.º do C.Civil.
Todavia é obrigação do cabeça de casal relacionar o passivo (dívidas da herança) que entender relacionável, sendo que esta relacionação, que é assim da sua responsabilidade, não vincula os demais interessados quanto à sua existência, reconhecimento e posterior pagamento.
Sendo a conferência de interessados, como se referiu, soberana para deliberar sobre a aprovação, ou não, do passivo relacionado e respectivo pagamento, no âmbito da mesma pode suceder que essas dívidas sejam aprovadas por todos os interessados, consequentemente consideram-se judicialmente reconhecidas, caso em que o juiz se limita a, à excepção da situação prevista no n.º 2 do art.º 1354.º do C.P.Civil, na sentença que julgue a partilha, condenar no respectivo pagamento. Mas também pode suceder que essas dívidas sejam rejeitadas/não aprovadas pelos todos ou por alguns dos interessados, caso em que o juiz é chamado a tomar posição sobre a existência dessas dívidas, nos termos preceituados nos art.ºs 1355.º, 1356.º, 1358.º e 1360.º, todos do C.P.Civil.
E assim, verificando-se que todos os interessados rejeitam/não aprovam a dívida relacionada, deverá o juiz, depois de examinados os documentos apresentados, julgar a mesma reconhecida ou não. No primeiro caso será a mesma levada em conta no inventário, e no segundo, não.
Se apenas alguns interessados aprovarem a dívida, o juiz, face aos documentos existentes nos autos, decidirá, relativamente aos interessados que a não aprovaram, da sua existência ou não, após o que o tribunal a julgará reconhecida ou não. No primeiro caso, pela mesma ficam responsabilizados todos os interessados, no segundo, essa dívida não vincula os interessados que a não aprovaram.
Finalmente, no caso todos ou alguns dos interessados não aprovarem o passivo relacionado e não exista nos autos, prova documental bastante, deve o juiz, remetê-los para os meios comuns.
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Depois destas breves considerações, e revertendo para o caso dos autos, dúvidas não nos restam de que, a tomada de posição assumida pelo Mm.º juiz “a quo” quanto ao passivo (“dividas passivas da herança”) que a cabeça de casal pretendia ver relacionado nos autos, ou seja, a pretensa dívida da herança, no montante de €52.875,98, à interessada G………., não lhe era permitida por lei. Pois como acima já se referiu, é obrigação da cabeça de casal relacionar no inventário o passivo (créditos e débitos da herança) que entender existir. Logo que se mostre relacionado o passivo, nada impede que os interessados venham aos autos tomar posição quanto ao mesmo, contudo, é apenas em sede de conferência que todos terão de tomar posição quanto à aprovação e respectivo pagamento, sendo que quer o seu relacionamento por parte da cabeça de casal, assim como a tomada de posição dos interessados antes da conferência de interessados não tem qualquer carácter vinculativo.
É, sem dúvidas, em sede de conferência de interessados que se deliberará sobre a aprovação do passivo e respectivo pagamento. E é apenas no caso de todos ou alguns interessados não aprovarem o passivo relacionado que o juiz é chamado a decidir sobre o mesmo, e nunca antes desse momento ou fora dessa circunstância.
Situação diversa verifica-se relativamente às denominadas “dívidas activas da herança”, ou seja, quanto às pertenças dívidas do interessado F………. à herança, já que verdadeiramente se trata de um pretenso direito de crédito da herança sobre aquele interessado, a sua impugnação feita pelo pretenso devedor, segue a tramitação do incidente de reclamação da relação de bens, cfr. art.º 1348.º “ex vi” do disposto no art.º 1351.º, ambos do C.P.Civil.
Ora, constata-se que o pretenso devedor – o interessado F………. – não deduziu qualquer reclamação, ou seja, não veio aos autos negar a existência de tal dívida, logo também, neste caso, o Mm.º juiz “a quo” proferiu uma decisão que a lei lhe não permitia, decidindo sob reclamação de quem não tinha legitimidade, por não ser apontado como o devedor, para negar a existência de tal pretenso crédito da herança, ou dívida activa da mesma herança.
Pelo que fica exposto, a decisão recorrida não se pode manter, sendo revogada, devendo ser admitida a junção aos autos da relação de bens a que a cabeça de casal alude no seu requerimento de fls. 170.

IV – Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em conceder provimento ao presente agravo, em revogar a decisão recorrida, devendo ser admitida a junção aos autos da relação de bens a que a cabeça de casal alude no seu requerimento de fls. 170.
Custas pelos agravados.

Porto, 2010.01.12
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires
Henrique Ataíde Rosa Antunes