Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0850160
Nº Convencional: JTRP00041185
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
LIQUIDAÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RP200803310850160
Data do Acordão: 03/31/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 333 - FLS 217.
Área Temática: .
Sumário: A legislação actual só permite a liquidação judicial da sociedade nos seguintes casos:
- Quando o contrato da sociedade assim o determinar;
- Quando a sociedade assim o delibere por maioria qualificada, exigida para a dissolução do contrato;
- Por falta de encerramento da liquidação extrajudicial dentro do prazo legal ou da respectiva prorrogação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1- RELATÓRIO

B………., por dependência da acção principal de dissolução de sociedade, veio, nos termos do disposto no artº 1122º do CPC, intentar a presente acção de liquidação judicial da sociedade C………., S.A., com sede no Porto.
Alegou, em síntese, que foi decretada judicialmente a dissolução da sociedade C………., S.A., já transitada em julgado; é accionista da sociedade e o pacto social não prescreve a forma de liquidação e não está de acordo em que se proceda a partilha extrajudicial e o pacto social refere que os liquidatários são nomeados em assembleia geral, mas não indica a maioria necessária e não concorda com a indicação do liquidatário pela assembleia. Conclui pedindo a liquidação judicial da sociedade e a nomeação de um liquidatário, que indica.
Ouvida a sociedade, veio esta opor-se à liquidação judicial, defendendo que não se verificam os pressupostos para que se possa recorrer à liquidação pela via judicial, concluindo pela improcedência da acção, devendo proceder-se à liquidação por via extra-judicial.
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Considerando que a alegação do requerente é “insuficiente para permitir o pedido formulado, posto que não se verificam os factos necessários para que se possa recorrer a este tipo de processo -liquidação pela via judicial”, foi decidido julgar improcedente o pedido formulado pelo requerente, dele absolvendo a requerida.

Inconformado, o requerente apelou da sentença, tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:
1. O Recorrente por acção que correu na .ª Vara Cível do Porto, .ª Secção, proc. ../981, impugnou a deliberação social de transformação da recorrida em sociedade anónima.
2. Com fundamento na referida anulação o recorrente exerceu o seu direito a exoneração nos termos do artº 137º do Código das Sociedades Comerciais, o qual lhe foi recusado pela recorrida pelo que foi dissolvida.
3. O registo comercial em vigor da recorrida tem por suporte a escritura de transformação, lavrada nos termos do artº 135º do Código das Sociedades Comerciais (hoje revogado).
4. Da referida escritura consta obrigatoriamente quais os sócios que se exoneram, o montante da liquidação das respectivas partes sociais ou quotas dos sócios que se mantêm na sociedade e demais menções constantes do aludido preceito legal.
5. A anulação da deliberação de transformação provocou o reconhecimento ao Recorrente do direito a exoneração, alterando a realidade documentada pela escritura de transformação e o registo com base nela efectuado.
6. Tal registo da sociedade transformada, nos termos do artº 22º n° 1 alínea c), tornou-se nulo pois a realidade documentada não corresponde à verdade resultante das decisões judiciais nem quanto aos sujeitos nem quanto ao objecto da relação jurídica, por omissão na elaboração de nova escritura de transformação conforme à deliberação social que resultou do proc. ../98 da .ª. Vara Civil do Porto, .ª Secção.
7. O art.º 135º foi revogado, mas nos termos do art.º 140º-A tais factos continuam sujeitos a registo, o qual não foi efectuado nem tomada a respectiva deliberação social.
8. A sociedade recorrida não tem registo por nulidade do anteriormente celebrado pelo que a liquidação exige assentimento de todos os sócios, o que não se consegue (art.º 37º n° 2 do Cod. Soc. Com.).
9. Porque não se consegue a liquidação extrajudicial, a ordenada dissolução tem que correr por via judicial, nos termos do art.º 1011º n° 1 do Código Civil "ex vi" art.º 2 do Código das Sociedades Comerciais.

Na resposta às alegações a apelada defende o decidido.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

2.1- OS FACTOS E O DIREITO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, do C.P.Civil.
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Em termos de matéria de facto importa, além do mais, considerar o seguinte:
- Em 09.04.2003, o ora requerente instaurou acção com processo ordinário, ao qual estes autos estão apensos, pedindo fosse decretada a dissolução judicial da sociedade, ora requerida;
- Em 13.01.2005, foi proferida decisão nos autos principais a julgar improcedente a acção e absolver a R. sociedade do pedido, a qual foi objecto de recurso, quer para o Tribunal da Relação do Porto, quer para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tendo a sentença recorrida sido revogada e decretada a dissolução da sociedade (confirmada pelo STJ) - Acórdãos de 26.09.2005 e 28.01.2006, respectivamente, e arguida a nulidade deste último acórdão, foi a mesma indeferida, pelo que, o referido acórdão, transitou em julgado;
- O requerente é accionista da sociedade onde possui o valor de € 37.409,90;
- O pacto social não prescreve a forma de liquidação, devendo a assembleia geral nomear os respectivos liquidatários, cfr. artº 28° do pacto social, junto a fls. 26 e ss. dos autos principais e 106-112, destes autos (ver certidão pedida à 1ª instância, ora junta);
- No âmbito da acção intentada pelo ora autor (proc. nº ../98, da .ª Vara Cível do Porto), pedindo a declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia da ré, de 26/06/1998, julgada improcedente na 1ª e 2ª instâncias, após recurso do autor, foi proferido acórdão no STJ, em 21/03/2003, a dar parcial provimento à revista, decidindo-se (dispositivo):
“1º) Declarar nula, por força da alínea d) do nº 1 do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais, a cláusula 10ª que se prende com a distribuição de lucros.
2º) Confirmar, no mais, o decidido no acórdão recorrido”.
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Desde logo, importa ter presente que no referido acórdão do STJ, de 21/03/2003, não foi decidido anular a deliberação social de 26/06/1998, no tocante à transformação da ré em sociedade anónima, mas apenas se declarou a invalidade (nulidade) do deliberado no referente à cláusula 10ª do contrato social, que se prende com a distribuição de lucros. Ficou, assim, a prevalecer a disposição supletiva do artº 294º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), até nova e regular deliberação social (ver citado acórdão do STJ).
O que foi, posteriormente, decretado pelo Tribunal da Relação do Porto, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdãos de 26.09.2005 e 28.01.2006), foi a dissolução da sociedade anónima ré.
Deste modo, ao contrário do concluído pelo apelante, o registo da transformação da sociedade ré, com base na escritura de 10/07/1998, não é nulo, pois que se respeitou o estatuído no artº 135º, do CSC, então em vigor.
Em 2003, o autor veio exercer não só o direito de exoneração (arts. 137º e 240º, do CSC) como o de requerer a dissolução da sociedade ré, que foi decretada, como vimos.
A admitir-se, o que não se concede, que o pedido de exoneração implicaria a necessidade de nova escritura de transformação da sociedade, pensamos que o pedido de dissolução da sociedade sempre tornaria desnecessário efectuar outra escritura de transformação da sociedade, com a consequente alteração do registo.
A sociedade dissolvida entra imediatamente me liquidação artº 146°, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
Porém, a liquidação da sociedade comercial não tem necessariamente de ser judicial, mesmo que a dissolução tenha sido decretada por sentença.
Dispõe o artº 146°, n.º 4, do CSC, que o contrato de sociedade pode estipular que a liquidação seja feita judicialmente, o mesmo podendo deliberar os sócios com a maioria que for exigida para a alteração do contrato.
A liquidação e partilha são um procedimento extrajudicial, que constitui a regra e a prática mais corrente (RAÚL VENTURA (Dissolução e Liquidação de Sociedades [Comentário ao Código das Sociedades Comerciais], 1987, pp. 246-247), Jorge H. Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 4ª ed., 578, A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, I vol., p. 805).
A liquidação judicial ocorrerá:
a) quando o contrato de sociedade assim determine;
b) quando a sociedade, pela maioria qualificada exigida para a dissolução do contrato, assim delibere;
c) por falta de encerramento da liquidação extrajudicial dentro do prazo legal ou da respectiva prorrogação (art. 150º, nº 3, do CSC).
A liquidação judicial segue o processo especial (liquidação judicial de sociedades), regulado nos arts. 1122º a 1130º, do CPC.
Revertendo ao caso em apreço, manifesta-se o nosso apoio ao ajuizado na decisão recorrida quando se fundamenta o decidido do seguinte modo:
“Com efeito, parece-nos, salvo melhor opinião, que não estão reunidos os pressupostos factuais para que o requerente possa recorrer à liquidação através da via judicial e seguindo os termos processuais estabelecidos nos artºs 1122° e ss. do CPC, quer por não estar estabelecido tal tipo de liquidação no contrato da sociedade ou existir deliberação dos sócios para o recurso a tal liquidação, quer ainda por não existir imposição legal para que se recorra a tal processo de liquidação, bastando, para tal conclusão, ater-nos aos factos dados como assentes, nomeadamente, quanto à imposição legal, uma vez que a dissolução da sociedade ocorreu em Junho de 2006 e o presente pedido deu entrada em juízo em Setembro de 2006, pelo que, nesta última data ainda não havia decorrido o prazo de 3 anos para que a liquidação da sociedade estivesse encerrada e a partilha aprovada, conforme o disposto no artº 150°, n.º 3 do CSC”.
Deve, assim, manter-se o decidido na 1ª instância.
Improcedem as conclusões da alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 31/03/2008
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues
José António Sousa Lameira