Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00043475 | ||
Relator: | HENRIQUE ARAÚJO | ||
Descritores: | SERVIÇO DE COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS SERVIÇOS DE TELEFONE FIXOS OU MÓVEIS APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
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Nº do Documento: | RP201001262040/08.2TBMAI-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/26/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO - LIVRO 349 - FLS 73. | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | LEI 12/2008, DE 26 DE FEVEREIRO. | ||
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Sumário: | I - A Lei 12/2008, de 26 de Fevereiro, que introduziu alterações à Lei n° 23/96, tendo voltado a incluir, por força do disposto no seu art. 1, n.° 2, al. d), onde se alude a “serviço de comunicações electrónicas”, os serviços de telefone — fixos ou móveis — nos serviços abrangidos por este diploma. II - No entanto, essa norma, dada a sua natureza inovadora em relação aos serviços de telefone fixo ou móvel prestados após a entrada em vigor da Lei 5/2004, só vigora para o futuro, com aplicação apenas às relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor — art. 12° do CC e art. 3° da Lei 12/2008. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | PROC. N.º 2040/08.2TBMAI-A.P1 REL. N.º 568 * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: I. RELATÓRIO “B………., S.A.”, com sede no ………., ………., Maia, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra “C………., Lda.”, com sede na Rua ………., Lote ., ………., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 15.609,36, acrescida de juros de mora à taxa legal fixada para os juros comerciais, alegando a não liquidação dos valores relativos à prestação de serviço telefónico móvel e de fornecimento de bens. A Ré, agora com a denominação social “D………, Lda.” contestou a acção, arguindo, entre o mais, duas excepções: a da incompetência territorial do Tribunal da Maia e a da prescrição dos eventuais créditos da Autora, com base no art. 10º, n.º 1, da Lei 23/96, de 26 de Junho. A Autora respondeu, reiterando a competência territorial do Tribunal Judicial da Maia, face ao disposto no art. 774º do CC, e dizendo que à invocada prescrição não se aplica a Lei 23/96, mas antes o art. 310º, al. g), do CC. No despacho saneador, a Mmª Juíza julgou improcedentes as duas excepções arguidas pela Ré, o que motivou a interposição da presente apelação, que foi admitida com efeito meramente devolutivo e subida em separado – v. fls. 96. Nas respectivas alegações, a recorrente pede a revogação do despacho saneador e para o efeito formula as seguintes conclusões: I. No presente recurso está em causa o despacho saneador na parte em que não conheceu das excepções de (in)competência territorial e de prescrição invocadas em sede de contestação pela Ré, ora recorrente. II. No que concerne à competência do Tribunal, entendeu o Mmº Juiz a quo que, estando em causa um incumprimento contratual e colocando-se a questão do lugar do cumprimento da obrigação e sendo este lugar o domicílio da Autora, nos termos do disposto nos artigos 74º, n.º 1, e 774º (que afasta o princípio geral constante do n.º 1 do art. 772º) CPC, o competente é o domicílio desta. III. Quanto à questão da prescrição, de forma mais aprofundada, o entendimento do Mmº Juiz do Tribunal a quo é que estando em causa facturas relativas a serviços prestados nos meses de Julho a Outubro de 2005 e Junho de 2006, com datas de vencimento que vão desde 31 de Agosto a 28 de Novembro de 2005 e 26 de Julho de 2006, estas, à data da entrada da acção, não estavam, ainda, abrangidas pela prescrição, considerando que a prescrição invocada de seis meses é apenas destinada a exigir a prestação, valendo, a partir de então, o disposto no artigo 310º, al. g), do CC. IV. É modesto entendimento da recorrente que estes entendimentos do Mmº Juiz a quo merecem reparo, não só porque da interpretação que faz da Lei o Tribunal competente para apreciar a acção subjacente aos presentes autos é o do domicílio da Ré, V. Mas igualmente porque a apreciação e análise que faz da alegada prescrição também merecerão reparos. De facto, VI. É pacífico que a competência territorial do Tribunal afere-se pelo “quid disputatum” e que nos presentes autos não está apenas e só em causa o cumprimento das obrigações pecuniárias, conforme peticionado pela Autora, VII. Em causa está, sobretudo, uma situação de incumprimento contratual, que subjaz não só ao pedido da Autora, ora recorrida, mas igualmente à reconvenção da Ré, admitida por despacho. VIII. A questão central dos presentes autos deixou de estar e de ser na “obrigação pecuniária” em si mesma, mas antes no cumprimento e incumprimento de cada uma das partes. IX. O art. 74º, n.º 1, do CPC preceitua que a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento será proposta, à escolha do credor, no tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu. X. O entendimento que se faz das normas aplicáveis, designadamente do art. 74º, n.º 1, do CPC e art. 772º do CC, levam a que se pugne pela competência absoluta do tribunal do domicílio da Ré, não obstante esta ser uma sociedade. XI. Por um lado, porque em sede de petição a Autora, ora recorrida, nada diz no seu articulado quanto à razão pela qual deve o Tribunal da Maia ser o competente. XII. Da lei resulta como princípio geral que a prestação deve ser efectuada no lugar do domicílio do devedor (art. 772º do CC), disposição que deve aplicar-se à situação subjacente aos presentes autos, na medida em que não está em causa, apenas, uma obrigação de natureza pecuniária, mas antes uma situação de incumprimento contratual. XIII. Além de que, no modesto entendimento da recorrente, existe convenção entre as partes que afasta o disposto no artigo 774º do CC, já que sendo este preceito apenas uma presunção e constando das facturas mecanismos de pagamento (referências multibanco e dados para débito em conta) que permitem o seu cumprimento em qualquer outro lugar – que não apenas e só no domicílio do credor – as partes pretenderam afastar e afastaram, de facto, a presunção constante do artigo 774º do CC (nesta linha de pensamento, veja-se que também noutras situações, a lei prevê esta excepção – como são os casos dos pagamentos das rendas e das entregas de legados, etc.). XIV. Sem prejuízo do supra referido, cumpre atentar que se entende que a melhor interpretação do art. 74º, n.º 1, do CPC, na redacção que lhe é conferida pela Lei n.º 14/06, de 26 de Abril, é aquela que vai no sentido de que, devendo a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ser proposta no tribunal do domicílio do Réu, pode, de qualquer forma, o Autor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida apenas e só quando, situando-se o domicílio do Autor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o Réu tiver domicílio na mesma área metropolitana. XV. O que implica que não está na disponibilidade total da Autora que tenha a sua sede em qualquer das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, intentar as acções para cumprimento de obrigações pecuniárias na sua comarca sede, só porque a Ré é uma sociedade; antes, o sentido e espírito das alterações constantes da Lei 14/2006, de 26 de Abril. XVI. Para esta interpretação e sentido tem-se presentes as limitações impostas à litigância de massas e as leis de protecção dos consumidores, que vão no sentido de impor que, todas as acções de cumprimento de obrigações pecuniárias, mesmo as que sejam intentadas contra pessoas colectivas, devem correr nos tribunais dos domicílios destas rés, afastando-se, assim, a interpretação constante do despacho saneador. XVII. Por isso, quer à luz do texto legal, quer à luz das motivações evidenciadas pelo legislador nos preâmbulos dos diplomas legais, pode o intérprete considerar que foi inequívoca a intenção do legislador de revogar a lei especial em matéria de competência territorial constante do artigo 774º do CC. XVIII. Merece igualmente reparo o douto despacho saneador também na parte em que se refere que atenta a redacção dada ao artigo 127º, n.º 2, da Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro, é excluído do âmbito de aplicação da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, o serviço de telefone. XIX. Desde logo porque não atende às alterações constantes da Lei 12/2008, de 26 de Fevereiro (anterior à data de entrada da acção) e 24/2008, de 2 de Junho (posterior à data da entrada da acção, mas de aplicação interpretativa imediata), XX. Que vieram explicitar, de forma inequívoca, o que considera ou não incluído nos serviços públicos essenciais, considerando as “Comunicações Electrónicas” (Cfr. art. 1º, al. d), como incluídas nesse âmbito). XXI. Tanto mais que a Lei 5/2004 define no seu artigo 3º, alíneas “X”, “Z” e “aa”, o que são as comunicações electrónicas, sendo inequívoco que o serviço móvel terrestre, que está em causa nos presentes autos, está abrangido pelo conceito de “Comunicações Electrónicas”. XXII. Entende, pois, a ora recorrente que com as alterações promovidas pelas Leis 12 e 24/2008, ficou devidamente claro que a norma revogatória dirige-se apenas e só ao serviço de telefone fixo e não às denominadas comunicações electrónicas, onde cabe o serviço de telefone móvel terrestre. XXIII. Aliás, é este o sentido interpretativo que é feito pelo Regulador das Comunicações quando refere que “A Lei n.º 5/2004 (Lei das Comunicações Electrónicas) veio excluir o serviço fixo de telefone do âmbito de aplicação da Lei n.º 23/96, mas não deixou sem protecção os consumidores de comunicações electrónicas”http://www.anacom.pt/streaming/serv.pub.essen.pdf?contentID=165693&field=ATTACHED_FILE XXIV. A Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, veio consagrar as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente. Por este diploma encontram-se abrangidos, entre outros, os serviços de telefone – artigo 1º, nºs 1 e 2, al. d). XXV. Tem sido entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência que estão abrangidas por esta disposição legal as comunicações móveis, porquanto as mesmas não foram distinguidas pelo legislador para além de que hoje em dia assumem para o consumidor uma relevância igual ou maior que as telecomunicações fixas. XXVI. Implica este entendimento, que se sufraga, que nos termos do artigo 10º da Lei 23/96, de 26/07, o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. XXVII. Neste sentido, entre outros, vide Ac. Tribunal da Relação do Porto, Processo 05377124, de 26 de Janeiro de 2006, in www.dgsi.pt: “O artigo 10º, n.º 1, da Lei 23/96, consagra um prazo de prescrição extintiva; O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (artigo 306º, n.º 1, do CC). Nos termos do artigo 10º, n.º 1, da Lei 23/96, o prazo de prescrição conta-se a partir da prestação dos serviços a que o crédito se refere. Não se segue o entendimento de que o prazo previsto se refere à apresentação das facturas pelo serviço prestado. A tal prazo de apresentação da factura nenhuma referência faz a Lei 23/96. O que prescreve é o direito de crédito do prestador de serviços, o direito à contraprestação (o preço) dos serviços prestados. E com a prestação inicia-se o prazo prescricional, pois a partir daí pode o direito ser exercido”. XXVIII. Não se desconhece que previamente à entrada em vigor da Lei n.º 23/96, era entendimento corrente que os créditos por fornecimento de energia, água ou aquecimento, por utilização de aparelhos de rádio, televisão, telefones, estavam sujeitos à prescrição extintiva ou liberatória da alínea g) do artigo 310º do CC (neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, in C. Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 280). A prescrição de cinco anos estabelecida neste preceito é de natureza extintiva, até mesmo por contraposição ao artigo 312º do CC que estatui as prescrições presuntivas. XXIX. Contudo, com a entrada em vigor da Lei 23/96, os créditos periódicos provenientes da prestação de serviços públicos essenciais, como são alegadamente os serviços prestados pela Autora à Ré, passaram a prescrever no prazo de seis meses após a sua prestação, tanto mais que nesta lei o legislador não faz qualquer referência à natureza do prazo de prescrição nela estabelecido, apenas se limita a fixar um prazo mais curto que o estabelecido no artigo 310º do CC. XXX. A própria redacção do artigo 10º, n.º 1, da Lei 23/96, ao estabelecer que o direito de exigir o pagamento prescreve, leva-nos desde logo a concluir que o crédito tal como respectiva obrigação se extinguiram, pois caso não fosse essa a intenção do legislador este não diria “O direito de exigir o pagamento do preço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”, antes diria que se presumia o pagamento, decorrido o prazo de seis meses após a emissão da factura referente ao serviço prestado. XXXI. Caso considerasse a prescrição extintiva a regra e presuntiva a excepção, esta só funcionaria nos casos expressamente previstos, o que não é o caso do aludido artigo 10º, pelo que esta prescrição é de natureza extintiva. XXXII. Sempre guardando o devido respeito por melhor opinião, é modesto entendimento da recorrente que, ao decidir da forma que decidiu, o Mmº Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação da lei, pelo que a sentença merece os reparos que lhe são feitos pela recorrente. Nas contra-alegações, a recorrida bate-se pela confirmação da decisão recorrida. * Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente – arts. 684º, n.º 3, e 690º do CPC – as questões que importa conhecer são duas:a) O Tribunal Judicial da Maia é territorialmente incompetente? b) O direito da Autora está prescrito? * II. FUNDAMENTAÇÃOOS FACTOS Para a decisão do recurso interessam os seguintes factos que se mostram provados nos autos: 1. Em 2 de Novembro de 2007, a sociedade “E………., S.A.”, foi objecto de fusão por incorporação na sociedade “F………., S.A.”, que alterou a designação para “B1………., S.A.”, a qual assumiu os direitos e obrigações daquela primeira sociedade. 2. A Autora, tal como a “E………, S.A.”, dedica-se, entre outras, à exploração e oferta de redes e prestações de serviços de comunicações electrónicas. 3. A Autora e a Ré “D………., Lda.”, anteriormente denominada “C………., Lda.”, celebraram, em 21.01.2005, um contrato de prestação de serviços, na área das comunicações móveis, tendo sido atribuído à Ré o n.º de cliente ………. – doc. fls. 80/81, cujos dizeres se dão aqui por reproduzidos. 4. A “E………., S.A.” emitiu as seguintes facturas, em nome da Ré: a) Com o n.º ……….505, emitida em 10 de Maio de 2005, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Abril de 2005, no valor global de € 667,22, figurando como data limite de pagamento o dia 25 de Maio de 2005; b) Com o n.º ……….605, emitida em 8 de Junho de 2005, relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Maio de 2005, no valor global de € 723,48, figurando como data limite de pagamento o dia 23 de Junho de 2005; c) Com o n.º ……….705, emitida em 10 de Julho de 2005, relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Junho de 2005, no valor global de € 630,46, figurando como data limite de pagamento o dia 25 de Julho de 2005; d) Com o n.º ……….805, emitida em 10 de Agosto de 2005 e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Julho de 2005, no valor global de € 637,69, figurando como data limite de pagamento o dia 31 de Agosto de 2005; e) Com o n.º ……….905, emitida em 10 de Setembro de 2005, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Agosto de 2005, no valor global de € 1.221,89, figurando como data limite de pagamento o dia 27 de Setembro de 2005; f) Com o n.º ………1105, emitida em 10 de Novembro de 2005, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Outubro de 2005, no valor de € 1.307,61, figurando como data limite de pagamento o dia 28 de Novembro de 2005; g) Com o n.º ………1205, emitida em 6 de Dezembro de 2005, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Novembro de 2005, no valor global de € 1.066,97, figurando como data limite de pagamento o dia 27 de Dezembro de 2005; h) Com o n.º ……….106, emitida em 10 de Janeiro de 2006, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Dezembro de 2006, no valor global de € 589,66, figurando como data limite de pagamento o dia 30 de Janeiro de 2006; i) Com o n.º ……….206, emitida em 9 de Fevereiro de 2006, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Janeiro de 2006, no valor global de € 337,79, figurando como data limite de pagamento o dia 24 de Fevereiro de 2006; j) Com o n.º ……….306, emitida em 7 de Março de 2006, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Fevereiro de 2006, no valor global de € 363,32, figurando como data limite de pagamento o dia 24 de Março de 2005; k) Com o n.º ……….406, emitida em 9 de Abril de 2006, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Março de 2006, no valor global de € 381,14, figurando como data limite de pagamento o dia 24 de Abril de 2006; l) Com o n.º ……….506, emitida em 8 de Maio de 2006, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Abril de 2006, no valor global de € 444,32, figurando como data limite de pagamento o dia 25 de Maio de 2006; m) Com o n.º ……….606, emitida em 8 de Junho de 2006, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Maio de 2006, no valor global de € 237,13, figurando como data limite de pagamento o dia 26 de Junho de 2006; n) Com o n.º ……….806, emitida em 9 de Agosto de 2006, e relativa ao período de facturação correspondente ao mês de Julho de 2006, no valor global de € 3.318,24, figurando como data limite de pagamento o dia 28 de Agosto de 2006, sendo que a quantia constante desta factura diz respeito ao resultado da multiplicação das mensalidades pelo número de meses em falta, atento o período de permanência contratado. O DIREITO a) Competência Territorial Na presente acção, a Autora “B……….”, com sede no concelho da Maia, pretende que a Ré “D……….”, sediada no concelho de ………., seja condenada a pagar-lhe as quantias relativas aos serviços que lhe prestou na área das telecomunicações móveis. Estamos, portanto, perante uma acção em que a obrigação tem por objecto quantias em dinheiro, ou seja, obrigações pecuniárias. Nos termos do art. 774º do C. Civil tais obrigações devem ser efectuadas no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento, o que constitui uma excepção ao princípio geral estabelecido no art. 772º, n.º 1. O art. 74º do CPC, na anterior redacção, dispunha que a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações seria proposta, à escolha do credor, no tribunal em que a obrigação devia ser cumprida ou no tribunal do domicílio do réu. A Lei 14/2006, de 26 de Abril, alterou esse art. 74, n.º 1, do C.P.C., passando a dispor do seguinte modo: “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana”. A ratio legis da alteração pode buscar-se na exposição de motivos constante da Proposta de Lei n.º 47/X, que esteve na génese da citada Lei 14/06: “A necessidade de libertar os meios judiciais, magistrados e oficiais de justiça para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial e devolvendo os tribunais àquela que deve ser a sua função, constitui um dos objectivos da Resolução do Conselho de Ministros nº 100/2005, de 30 de Maio de 2005, que, aprovando um Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, previu, entre outras medidas, a introdução da regra da competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento de obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância característica das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância cível se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa, isto é, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada. Ao introduzir a regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado para este tipo de acções, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor – porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo - e obtém-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância. O demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o demandado tenha domicílio nessa mesma área. No primeiro caso, a opção justifica-se por estar ausente o referido valor constitucional da protecção do consumidor; no segundo, por se entender que este intervém com menor intensidade. Com efeito, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não se afigura especialmente oneroso que o réu ou executado singular continue a poder ser demandado em qualquer das demais comarcas da área metropolitana em que reside, nem se descortinam especiais necessidades de redistribuição do volume processual hoje verificado em cada uma das respectivas comarcas”. Foi intenção clara do legislador, ao impor a regra da competência do tribunal do demandado, evitar a concentração geográfica da litigância de massa, ou seja, das empresas que, com vista à recuperação dos seus créditos provenientes de situações de incumprimento contratual, recorrem aos tribunais de forma massiva e geograficamente concentrada[1]. Assim, decompondo a norma do art. 74º, n.º 1, temos como principal critério definidor da competência o domicílio do réu. O credor pode optar, porém, por instaurar a acção no tribunal do lugar onde a obrigação devia ser cumprida, em qualquer uma das hipóteses seguintes: i) quando o réu seja pessoa colectiva; ii) ou quando, situando-se o domicílio do autor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana. Ao escolher o Tribunal da Maia para a propositura da acção – tribunal do lugar onde a acção devia ser cumprida – a Autora/credora não violou a regra de competência do art. 74º do CPC, uma vez que a Ré é uma pessoa colectiva. Por conseguinte, o tribunal recorrido decidiu sem reparo a questão da incompetência suscitada pela apelante. b) Prescrição A invocação da prescrição do direito da Autora funda-se no disposto no art. 10º, n.º 1, da Lei 23/96, de 26 de Julho. Esse diploma consagra as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente, sendo os serviços públicos nele abrangidos, na versão inicial do art. 1º, n.º 1, os seguintes: fornecimento de água, fornecimento de energia eléctrica, fornecimento de gás e serviço de telefone. O serviço de telefone aí referido abrangia quer as comunicações fixas quer as móveis, como hoje é pacificamente aceite. Nos termos do art. 10º, n.º 1, desse diploma, e do art. 9º, nº 4, do DL n.º 381--A/97, de 30 de Dezembro, “o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”. Esta prescrição, conforme decorre da epígrafe da Lei 23/96 e da redacção da própria norma, tem natureza extintiva ou liberatória, isto é, a obrigação civil, exigível em acção creditória, extingue-se, subsistindo a cargo do devedor apenas uma obrigação natural, uma obrigação sem acção[2]. A questão da prescrição do direito de exigir judicialmente o pagamento dos serviços de telefone prestados originou três correntes: a primeira, entendia que o prazo de seis meses, a que se reportava o art. 10º, n.º 1, da Lei 23/96, se contava a partir da prestação dos serviços, referindo-se tanto à apresentação da factura como à invocação do direito em juízo, sob pena de extinção do direito[3]; a segunda, entendia que esse prazo de seis meses se reportava à apresentação da factura e que essa apresentação era causa de interrupção da prescrição, iniciando-se novo prazo prescricional de seis meses[4]; finalmente, a terceira, considerava que o prazo de seis meses se reportava apenas à apresentação da factura, mantendo-se intocável o prazo geral de cinco anos estabelecido no art. 310º, al. g), do CC para a extinção do direito[5]. Depois de longa discussão doutrinal e jurisprudencial, o STJ, no recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 03.12.2009, concluiu no sentido da primeira das citadas correntes, estabelecendo que “o direito ao pagamento do preço de serviços de telefone móvel prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”[6]. No entanto, a uniformização da jurisprudência lograda nesse acórdão teve apenas em vista a interpretação das normas constantes do n.º 1 do art. 10º da Lei 23/96, na sua redacção originária, e do art. 9º, n.º 4 do DL 381-A/97, de 30 de Dezembro. De fora ficaram as situações posteriores à entrada em vigor da Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas), que estabeleceu o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos, tendo procedido à revogação do DL n.º 381-A/97 e à exclusão do serviço de telefone do âmbito de aplicação da Lei n.º 23/96 (cfr. arts. 128, nº 1 e 127, nº 1, al. d) e nº 2). Refere a apelante que essa exclusão se dirige apenas e só ao serviço de telefone fixo e não às denominadas comunicações electrónicas (telefone móvel terrestre). Não é esse, porém, o entendimento que perfilhamos. O n.º 2 do art. 127º, ao excluir o “serviço de telefone do âmbito de aplicação da Lei 23/96” não faz qualquer distinção entre serviço de telefone fixo e serviço de telefone móvel. Como de resto já não o fazia a própria Lei 23/96 no n.º 1 do art. 10º. Calvão da Silva[7] descreve o iter parlamentar da feitura da referida Lei 23/96, nos seguintes termos: “A Lei n.º 23/96 teve na sua génese a Proposta de Lei n.º 20/VII, apresentada pelo Governo à Assembleia da República. Proposta de Lei que, na enumeração dos serviços públicos, contemplava o «serviço fixo de telefone» (art. 1º, n.º 2, al. d)). Só que logo no debate, na generalidade, da Proposta de Lei no plenário da Assembleia da República, alertei, criticamente, para a circunstância de a mesma referir apenas o serviço fixo de telefone. E nem a explicação apressadamente adiantada na refrega do debate parlamentar viria a impedir a alteração do texto proposto pelo Governo, no sentido da inclusão do serviço de telefonia móvel no perímetro da Lei. A inclusão do serviço móvel de telefone na Lei em debate mereceu aceitação na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sufragada pelo plenário dos Deputados. Para o efeito foi retocada a redacção da al. d) do n.º 2 do art. 1º da Proposta de Lei: onde se dizia «serviço fixo de telefone», passou a dizer-se «serviço de telefone»”. O n.º 2 do art. 127º da Lei 5/2004, ao reportar-se ao “serviço de telefone do art. 10º, n.º 1, da Lei 23/96”, não pode, salvo o devido respeito, ter outra interpretação que não seja a de que nele se incluem o serviço de telefone fixo e móvel – art. 9º, n.º 1, do CC. Tem sido este também o entendimento generalizado da jurisprudência, sendo que o Prof. Calvão da Silva, quando se debruçou sobre as consequências da entrada em vigor da Lei 5/2004, nomeadamente da aplicação do art. 127º, n.º 2, expressou mais uma vez essa ideia, referindo[8]: “… aos serviços de telefone fixo ou móvel prestados após a entrada em vigor da Lei 5/2004, em 11 de Fevereiro do mesmo ano, deixa de aplicar-se a Lei n.º 23/96, ex vi do art. 127º, n.º 2, da Lei 5/2004 … voltando-se, pois, à prescrição geral de cinco anos (art. 310º, al. g), do Código Civil)”. Entretanto, foi publicada a Lei 12/2008, de 26 de Fevereiro, que introduziu alterações à Lei nº 23/96, tendo voltado a incluir, por força do disposto no seu art. 1, n.º 2, al. d), onde se alude a “serviço de comunicações electrónicas”, os serviços de telefone – fixos ou móveis – nos serviços abrangidos por este diploma. No entanto, essa norma, dada a sua natureza inovadora em relação aos serviços de telefone fixo ou móvel prestados após a entrada em vigor da Lei 5/2004, só vigora para o futuro, com aplicação apenas às relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor – art. 12º do CC e art. 3º da Lei 12/2008. Assim, aos serviços telefónicos prestados entre 11.2.2004 (data da entrada em vigor da Lei n.° 5/2004) e 26.5.2008 (data da entrada em vigor da Lei n.° 12/2008) é aplicável o prazo prescricional de cinco anos decorrente do art. 310º, al. g) do CC. Ora, resulta dos autos que o contrato que esteve na base da prestação dos serviços de telefone móvel, cujo pagamento é reclamado pela Autora, foi celebrado em 2005, isto é, em plena vigência do regime da Lei 5/2004. Significa isto que se lhe não aplica o prazo de prescrição de seis meses a que se referia o art. 10º, n.º 1, da Lei 23/96, mas antes o prazo geral de prescrição de 5 anos previsto no art. 310º, al. g), do CC[9]. Como os valores reclamados respeitam a serviços prestados entre Abril de 2005 e Julho de 2006, e tendo a acção sido proposta em 27 de Fevereiro de 2008 (cfr. fls. 72), é clara a improcedência da excepção invocada pela Ré. * III. DECISÃODe acordo com o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão da 1ª instância. * Custas pela Ré apelante.* PORTO, 26 de Janeiro de 2010 Henrique Luís de Brito Araújo José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo _________________________ [1] Cfr. Acórdão do STJ de 07.05.2009, no processo n.º 09A0298, em www.dgsi.pt. [2] Calvão da Silva, RLJ Ano 132, pág. 152. [3] Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ de 06.07.2006 e de 04.10.2007, nos processos nºs 06B1755 e 07B1996, respectivamente, ambos em www.dgsi.pt.; na doutrina, Calvão da Silva, RLJ Ano 132, págs. 155/156. [4] Cfr., entre outros, o Acórdão do STJ de 06.02.2003, no processo n.º 02B4580, o Acórdão do TRP de 09.11.2006, no processo n.º 0635834, e o Acórdão do TRL de 27.09.2007, no processo n.º 4892/2007-2, todos em www.dgsi.pt. [5] Cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 13.05.2004, no processo n.º 04A1323, de 23.01.2007, no processo n.º 06A4010, e de 02.10.2007, no processo n.º 07A2656, todos no mesmo endereço electrónico; na doutrina, cfr, Menezes Cordeiro, “Da prescrição do pagamento dos denominados serviços públicos essenciais”, em “O Direito”, Ano 133, págs. 769 e seguintes. [6] Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido no âmbito do processo n.º 216/09.4YFLSB, da 7ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. [7] RLJ, Ano 132, pág. 141. [8] RLJ, Ano 137, pág. 168. [9] Cfr. Acórdãos desta Relação do Porto de 15.10.2009, no processo n.º 3883/07.0TJVNF.P1, de 08.09.2009, no processo n.º 4872/08.2TBMAI.P1, e de 30.06.2009, no processo n.º 4151/08.5TBMAI-A.P1, em www.dgsi.pt. |