Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
546/06.7TBPRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: EMPREITADA
ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP20110303546/06.7TBPRG.P1
Data do Acordão: 03/03/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para ser reconhecido ao comprador o direito à reparação dos defeitos verificados em imóvel destinado a longa duração construído pelo próprio vendedor, é necessário que os denuncie a este nos cinco anos posteriores à entrega do prédio e no prazo de um ano a contar do conhecimento e que a acção correspondente seja intentada no ano subsequente à denúncia, sob pena de caducidade, nos termos dos art.ºs 1225.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 298.º, n.º 2, ambos do Código Civil.
II - Este regime específico deve ser conjugado com o regime geral da caducidade, designadamente com o disposto nos art.ºs 328.º e 331.º do Código Civil.
III - A lei não prevê que o início de diligências realizadas em conjunto pelas partes tendo em vista apurar a existência ou não dos defeitos reclamados pelo comprador tenha por efeito suspender ou interromper o prazo de caducidade.
IV - Assim, não tendo o construtor-vendedor reconhecido a existência de defeitos, nem tendo prometido repará-los, não pode concluir-se que violou o princípio da boa fé, pelo que, tendo a acção sido instaurada depois do decurso de um ano após a denúncia de tais defeitos, procede a excepção da caducidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 546/06.7TBPRG.P1
Relator – Leonel Serôdio (112)
Adjuntos – Des. José Ferraz
- Des. Amaral Ferreira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… e mulher C… intentaram, no Tribunal Judicial da comarca da Régua, a presente acção declarativa, com processo comum sumário, contra “D…, Lda.” pedindo esta seja condenada a substituir todas as portas de madeira, azulejos, a “ripa de madeira”, a soleira e o peitoril; a reparar as fissuras e irregularidades das paredes, a humidade da cozinha e lavandaria quando se liga a caldeira no Inverno, bem como as infiltrações de água na marquise; a fechar a lavandaria, construindo uma parede, de modo a fazer a separação com a cozinha, conforme projectado e a pagar-lhes, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 50,00 por cada dia de atraso naquela eliminação dos defeitos da obra.

Alegam, em síntese, que o apartamento que compraram à R apresenta os apontados defeitos que denunciaram e esta não os reparou.

A Ré contestou, arguindo a excepção de caducidade do direito de exigir a eliminação dos defeitos por ter já decorrido o prazo de seis meses a contar da denúncia dos defeitos e por impugnação. Concluem pela improcedência da acção.

Os AA. responderam, sustentando que o prazo para instaurar a acção é de um ano, pois foi a Ré quem construiu o prédio que lhes vendeu, pugnando pela improcedência da arguida excepção.

No despacho saneador foi julgada improcedente a arguida excepção peremptória da caducidade. A Ré recorreu deste despacho, que foi admitido com subida diferida.
O processo prosseguiu os seus termos e a final foi julgada a acção parcialmente procedente, tendo a Ré apelado da sentença final.
Por acórdão desta Relação proferido em 09.09.2009 e que consta de fls.313 a 334, foi anulada a decisão que julgou improcedente a excepção da caducidade e ordenada a ampliação da matéria de facto, com vista a apurar-se da qualidade em que interveio a Ré no contrato celebrado com os AA, se como exclusiva vendedora ou na dupla qualidade de contrutora-vendedora.

Foi ampliada a base instrutória nos termos constantes de fls. 361 e após realização de julgamento e de ser proferida decisão da matéria de facto, sem reclamações, foi proferida sentença que julgou improcedente a arguida excepção da caducidade e parcialmente procedente a acção e condenou a Ré “a substituir, eliminando-os, os defeitos das oito portas de madeira interiores referidas em 8 dos factos provados, que se encontram lascadas e a descolar e a fechar a lavandaria, construindo uma parede, de modo a fazer a separação com a cozinha, conforme projectado”.

A Ré apelou e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões que se transcrevem:

“1 - A presente acção sumária deu entrada em juízo no dia 30 de Junho de 2006, sendo que através dela os Autores peticionam que a Ré seja condenada a corrigir alegados defeitos numa fracção autónoma destinada a habitação, e que esta lhes vendeu;
2 - Atendendo à matéria fáctica dada como provada, porque é exclusivamente esta que há-de alicerçar a decisão final, resulta evidente dos autos que entre os Autores e a Ré foi celebrado um contrato de compra e venda relativo a uma fracção autónoma destinada a habitação, e que em finais do ano de 2004 os Autores contactaram e denunciaram aos legais representantes da Ré a totalidade dos alegados defeitos que pretendem ver reparados no âmbito do presente processo, conforme pontos 2., 7., 11., 12. e 17 da factualidade provada;
Por outro lado,
3 - Não resulta da matéria de facto considerada provada, qualquer comportamento doloso por parte da Ré no que respeita à venda do imóvel em mérito, antes pelo contrário, sob a alínea 5) da factualidade provada foi considerado que “na escolha da compra pelos AA. da identificada fracção, foi tida em conta a qualidade de construção, nomeadamente a qualidade nobre de todos os materiais empregues”;
4 - Tratando-se de compra e venda de coisa imóvel, para se exercer qualquer um dos direitos previstos no regime do art.º 913º, do Código Civil, é necessário que os direitos sejam denunciados no prazo de um ano a contar do seu conhecimento, e que a acção seja instaurada no prazo de seis meses a contar da denúncia, exceptuando-se os casos de dolo e do contrato não se encontrar cumprido;
5 - Não se olvidando a corrente jurisprudência que vai no sentido que se a compra e venda tiver por objecto bem imóvel destinado a longa duração, que tenha sido construído, reparado ou modificado pelo vendedor, o prazo de caducidade do direito de acção para reparação dos defeitos é o prazo de um ano previsto no n.º 3, do art.º 1225º, do Código Civil, por remissão para o n.º 2 do mesmo preceito, conforme resulta do seu n.º 4, que manda aplicar àquela situação específica o regime do contrato de empreitada;
E, assim,
6 - Ainda que se entendesse que o regime de caducidade a aplicar seria o previsto para o contrato de empreitada (um ano após a denúncia), o qual prevê um prazo mais alargado para propor a respectiva acção judicial, o direito de acção dos Autores sempre teria caducado, pelo menos, no dia 01 de Janeiro de 2006, considerando que a presente acção foi proposta no dia 30 de Junho de 2006, e por aplicação do prazo de um ano após a denúncia previsto no art.º 1225º, do Código Civil;
No entanto,
7 - A Senhora Juiz a quo assim não entendeu, e tendo por suporte e fundamentação os factos que resultaram provados e constantes das alíneas 6), 7) e 10), os quais aqui se dão por integralmente reproduzidos;
8 - De facto, e no essencial, a Senhora Juiz a quo decidiu declarar improcedente a invocada excepção da caducidade, considerando no essencial que: “Em face desta atitude da R., de ir ao local, verificar alguns dos defeitos enunciados e de não recusa da sua reparação, criou nos AA. uma expectativa legítima de que aquela os aceitava, ficando a aguardar pela sua correcção. Decorridos alguns meses, face ao comportamento omissivo da R., em nada dizer ou fazer a tal propósito, os AA. numa tentativa, conseguida, de forçar a R. a tomar uma atitude ou posição “formal”, denunciaram por escrito os já apontados defeitos, conforme decorre dos pontos 6, 7 e 10 dos factos assentes. Nessa decorrência e só após a denúncia escrita dos defeitos já comunicados em finais de 2004 é que a R. resolve responder aos AA. em 26/09/2005, comunicando que não aceitava os defeitos denunciados. Em face do comportamento da R. e na falta de tomada de posição quanto à reparação dos defeitos que lhe foram verbalmente comunicados e cuja aceitação fez crer aos AA., não podemos deixar de concluir que só após a denúncia escrita dos defeitos à R. é que se inicia formalmente o prazo (de caducidade) para a instauração da acção, através da qual se pretende a eliminação dos defeitos.”;
Ora,
9 - Nos termos do art.º 331º, n.º 1, do Código Civil, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo. Segundo o n.º 2 do mesmo preceito, quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido;
10 - Pensamos ser jurisprudência unânime a que vai no sentido de que, pelo menos, não é qualquer atitude do vendedor ou empreiteiro que pode ser reputada como sendo um reconhecimento, pois que o procedimento do responsável terá de ser claro, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta como defeituoso;
11 - O reconhecimento deve ser expresso, concreto e preciso, de modo a não subsistirem dúvidas sobre a aceitação pelo devedor dos direitos do credor, não sendo suficiente a simples admissão vaga ou genérica desse direito;
Isto posto,
12 - Não resulta da matéria de facto que alicerçou a sentença final proferida que a Ré aqui recorrente tenha procedido à reparação de alguns dos defeitos denunciados, nem sequer que tenha formulado promessas de solucionar o diferendo;
13 - Antes pelo contrário, o que resultou provado sob a alínea 10), foi que “por carta datada de 26/09/2005, a R. comunicou à mandatária dos AA. que não aceitava os defeitos por estes alegados e denunciados.”
14 - Por outro lado, o único facto instrumental relativo a esta matéria é o constante da alínea 13) da factualidade provada, na qual se exarou que os representantes da R. deslocaram-se ao imóvel dos AA. na companhia do empreiteiro responsável pelo fornecimento e colocação das portas interiores, o Sr. E… e verificaram que algumas das portas interiores do imóvel dos AA., nomeadamente nas suas partes interiores, apresentavam sinais de descolagem da folha de madeira;
No entanto,
15 - Para além desta matéria factual não estar circunscrita no tempo, também daí não resulta a quantidade das portas que apresentavam sinais de descolagem, nem muito menos que fossem verificados todos e cada um dos defeitos alegados pelos AA.
Mais,
16 - Desta matéria factual não resulta de todo que a R. tenha reconhecido os alegados defeitos como sendo sua responsabilidade, e muito menos que se tenha comprometido a repará-los;
Daí que,
17 - A fundamentação da Senhora Juiz a quo para declarar não verificada a excepção de caducidade invocada está assente em ilações e presunções, legalmente inadmissíveis, e que não encontram sustentação na matéria de facto considerada provada;
Pelo que,
18 - E face a todo o exposto, a Senhora Juiz a quo violou o disposto nos art.ºs 328º, 331º, nºs 1 e 2, 917º, ou pelo menos o prazo de caducidade previsto no art.º 1225º, n.ºs 2 a 4, todos do Código Civil, o art.º 12º, n.º 3, da Lei 24/96 de 31 de Julho, bem como o art.º 264º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, assim se impondo a improcedência integral da acção, com fundamento na caducidade da mesma, absolvendo a Ré dos pedidos formulados pelos Autores;
19 - Por outro lado, sob a alínea 4) da fundamentação de facto da sentença final proferida considerou-se provado que: “A Ré D… interveio no contrato celebrado com os Autores e referido em 2, como vendedora e foi quem construiu a fracção objecto desse contrato”.
20 - Há que notar que sob o ponto 13) da factualidade provada resultou demonstrado que o Sr. E… foi o empreiteiro responsável pelo fornecimento e colocação das portas interiores da fracção autónoma dos Autores;
21 - Por isso, a matéria factual constante da referida alínea 4), na parte em que refere que a Ré foi quem construiu a fracção objecto desse contrato, é manifestamente contraditória com a vertida na alínea 13), que assim não se poderá manter e deverá ser eliminada;
22 - Por outro lado, e ainda que assim não fosse, o certo é que os elementos probatórios constantes dos autos também não suportam a decisão da matéria de facto constante da alínea 4) da factualidade provada no sentido de se considerar como provado que foi a Ré quem construiu a fracção autónoma objecto dos autos;
23 - Na verdade, e quanto à prova documental produzida nos autos, foi junto pela Ré o contrato escrito de empreitada referente ao edifício onde se integra a fracção autónoma em discussão nos autos, e do qual se extrai que, pelo preço de 160.000.000$00 (cento e sessenta milhões de escudos), foi a sociedade “F…, Lda”, enquanto empreiteira, que procedeu à construção deste edifício;
24 - Este contrato escrito de empreitada não mereceu qualquer impugnação por parte dos AA. quer quanto ao seu teor, quer quanto às suas assinaturas, fazendo por isso prova plena dos factos nele constantes;
25 - Por outro lado, e quanto à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento quanto a esta matéria, não haverá que considerar qualquer depoimento que seja de afastar a referida matéria factual considerada provada sob a alínea 13), nem a que resulta do contrato escrito de empreitada junto aos autos;
26 - Conclui-se, pois, que da análise conjugada da referida matéria factual que foi dada como assente, bem como dos elementos probatórios referidos, ou seja, documentais e testemunhais, a Senhora Juiz a quo não deveria ter dado como assente que foi a Ré quem construiu a fracção autónoma objecto dos autos;
Ou seja,
27 - Deveria a Senhora Juiz a quo ter dado como não provado que foi a Ré quem procedeu à construção da fracção autónoma dos Autores, e porque assim não fez, a Senhora Juiz a quo cometeu um erro de julgamento, fazendo uma errada apreciação da prova produzida o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais;
28 - Desta forma, a Ré impugna expressamente a decisão da matéria de facto da alínea 4) da fundamentação de facto, porque incorrectamente julgada, pois que os elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente a prova documental e testemunhal e os factos considerados provados sob a alínea 13) impunham que se desse como não provada a referida matéria factual, assim requerendo a sua valoração “ex novo”;
29 - E o que se deixa exposto também reveste crucial importância para apreciação da invocada excepção de caducidade, pois que no nosso modesto entendimento, e resultando provado que a Ré apenas interveio na qualidade de vendedora da fracção autónoma objecto dos autos, ao caso dos autos há-de ser aplicável o instituto da venda de coisas defeituosas, previsto e regulado nos art.ºs 913º e seguintes do Código Civil;
Atento o exposto,
30 - Ainda que se considere que o prazo de caducidade só se iniciou no melhor das hipóteses em 15/Dezembro/2005 (cfr., p. f., alínea 6) da factualidade provada), o que de todo não se concede, e considerando ainda que a presente acção deu entrada em juízo no dia 30 de Junho de 2006, conclui-se nos termos do art.º 917º, do Código Civil, que o direito de acção dos Autores caducou, pelo menos, no dia 15 de Junho de 2006;
31 - De acordo com o estatuído no art.º 914º, do Código Civil, o comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa, sendo que a orientação que pensamos ser a dominante, e por não se encontrar expressamente estabelecido na lei qualquer prazo especial para o exercício desse direito, é a que vai no sentido de ao prazo de caducidade para o exercício de direito de reparação de coisa defeituosa, se aplicar, por interpretação extensiva, o disposto no art.º 917º, do Código Civil, ao preceituar que o prazo de caducidade da acção é de seis meses se o comprador tiver feito a denúncia e a partir desta, sem prejuízo, acrescenta a lei, do disposto no art.º 287º, n.º 2 do Código Civil;
Em suma,
32 - Tendo a presente acção entrado em juízo em 30 de Junho de 2006, e tendo resultado provado que a denúncia foi efectivado em finais de 2004, o direito de acção dos AA. caducou em 01 de Julho de 2005, ou ainda que se considerasse a data de 15 de Dezembro de 2005 constante da alínea 6) da factualidade provada, o direito de acção dos Autores sempre teria caducado, e pelo menos, em 15 de Junho de 2006, por aplicação do prazo de seis meses para intentar a acção após denúncia previsto nos art.ºs 917º do Código Civil, e 12º, n.º 3 da Lei n.º 24/96, de 31.7;
33 - Porque assim não decidiu, e também por esta via, a Senhora Juiz a quo violou o preceituado nos art.ºs 917º, do Código Civil.”

A final pede que se revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente a invocada excepção peremptória da caducidade.

Os AA não contra-alegaram

Factos dados como provados na 1ª instância:
1 - A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda e revenda de propriedades adquiridas para esse fim, construídas por si ou não, à gestão e arrendamento de bens imobiliários e indústria de construção civil;
2 - No dia 13 de Setembro de 2002, no Cartório Notarial de Peso da Régua, foi outorgada uma escritura de compra e venda, conforme certidão junta de fls. 7 a 12, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, da qual consta, designadamente, que: pelo primeiro outorgante “D…, Limitada” (…) representada pelos sócios gerentes (…) G… e Dr. H… (…) foi dito que pela presente escritura, pelo preço de cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos, que já receberam, vendem (…) aos segundos outorgantes [B… e mulher C…], a fracção autónoma identificada pelas letras “AC” correspondente a uma habitação do tipo T – três, no piso seis esquerdo, servida pela entrada dois, com um lugar de garagem no piso um, designada pelo número dois, do prédio urbano, sito no Gaveto da Rua … e Rua …, freguesia e concelho do Peso da Régua (…) descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o numero zero zero novecentos e noventa e três, aí registado de aquisição a seu favor pela inscrição G-Um, afecto ao regime da propriedade horizontal pela inscrição F-Um, inscrito na matriz sob o artigo 2089 (…). Pelos segundos outorgantes foi dito que aceitam esta venda nos termos exarados e que a fracção adquirida no presente acto se destina exclusivamente a residência própria permanente.”;
3 - Passando, então, os AA. a habitar a fracção identificada em 2 e a usufruir de todas as suas utilidades, sendo esta a sua única habitação e a sua casa de morada de família;
4 - A Ré D… interveio no contrato celebrado com os Autores e referido em 2, como vendedora e foi quem construiu a fracção objecto desse contrato (resposta aos pontos 1 e 2 da base instrutória de fls. 361];
5 - Na escolha da compra pelos AA. da identificada fracção, foi tida em conta a qualidade de construção, nomeadamente a qualidade nobre de todos os materiais empregues, constante do caderno de encargos junto a fls. 23 a 36, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
6 - Em 29/08/2005 e 15/12/2005, os AA. enviaram às R. duas missivas, juntas a fls. 37 e 41 dos autos, que a R. recebeu e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido;
7 - Nas datas referidas em 6, o imóvel apresentava na lavandaria cinco azulejos fissurados, sendo um completo e quatro de remates; o peitoril da janela da cozinha apresentava uma fissura e uma cavidade betumada, sendo que o betume, quando raspado, vai saindo; a soleira da porta da varanda da sala apresentava uma cavidade que foi tapada com betume, que vai saindo, se raspado; a parede da sala apresentava uma pequena fissura por cima da porta de acesso à varanda; o tecto da lavandaria apresentava ligeiras fissuras; oito portas de madeira interiores da habitação apresentavam, junto ao pavimento, o folheado de revestimento descolado e, em alguns casos, parte desse folheado já tinha partido, encontrando-se as portas lascadas em alguns locais; a ripa de madeira junto à porta de acesso aos corredores dos quartos encontrava-se deslocada;
8 - A zona da lavandaria está aberta quando deveria ter sido fechada;
9 - Os AA. sempre fizeram uma boa e prudente utilização da fracção identificada em 2;
10- Por carta datada de 26/09/2005, a R. comunicou à mandatária dos AA. que não aceitava os defeitos por estes alegados e denunciados;
11 - Em data não concretamente apurada, mas situada em finais do ano de 2004, os AA. contactaram os legais representantes da R., aos quais relataram e denunciaram os alegados defeitos expostos nos art.ºs 8º a 20º da p.i., nomeadamente, os relativos às portas referidos no art. 15º da p.i.;
12- Os defeitos comunicados à R., nos termos aludidos em 11, foram os descritos em 7;
13- Os representantes da R. deslocaram-se ao imóvel dos AA. na companhia do empreiteiro responsável pelo fornecimento e colocação das portas interiores, o Sr. E… e verificaram que algumas das portas interiores do imóvel dos AA., nomeadamente nas suas partes inferiores, apresentavam sinais de descolagem da folha de madeira;
14- Tal como consta do caderno de encargos, só os aros e guarnições das portas interiores são obrigatoriamente constituídos por madeira maciça;
15 - A finalização da construção do prédio urbano constituído em propriedade horizontal onde se insere a fracção autónoma que os AA. adquiriram à R. remonta ao ano de 2001, sendo que este edifício é constituído por vinte e sete fracções autónomas destinadas a habitação, cada uma delas com mais de dez portas de madeira interiores;
16- As portas interiores são da marca “…”, similar à “…”, sendo que, quanto à qualidade e resistência das mesmas, nunca a R. recebeu qualquer reparo ou reclamação por parte dos outros compradores.
17 - A presente acção deu entrada em juízo no dia 30 de Junho de 2006.

Cumpre decidir

A única questão a decidir é a de saber se deve ser julgada procedente a excepção da caducidade.

Antes do mais, tem de ser decidida a impugnação da decisão da matéria de facto, que a Apelante suscita nas conclusões 19ª a 28ª, que vai condicionar a aplicação ou não do prazo de caducidade de 1 ano previsto no n.º 2 do artigo 1225º do CC, por remissão do n.º 3, por força do n.º 4 do mesmo artigo.
A Apelante defende que deve ser julgada não provada a 2ª parte da factualidade que consta sob o n.º 4 dos factos provados - Foi a Ré quem construiu a fracção objecto desse contrato de compra e venda celebrado com os AA- resultante da resposta afirmativa ao quesito 2º aditado a fls. 361.
Para tanto sustenta que a factualidade dada como provada sob o n.º 13 impõe que se julgue não provada que foi ela quem construiu o prédio e, para além disso, que o contrato de empreitada que juntou, cuja cópia consta de fls. 384 a 389, impunha decisão diversa da recorrida sobre essa factualidade.
No caso, apesar de ter havido gravação dos depoimentos prestados e, como consta do despacho de fls. 440 a 442 que decidiu e motivou as respostas dadas aos quesitos aditados a fls. 361, terem também sido relevantes os depoimentos das testemunhas identificadas a fls. 441 para a formação da convicção do Tribunal a quo, a Apelante na sua alegação limitou-se a de forma ligeira a desvalorizá-los, sustentando que os mesmos não afastam a força probatória do referido documento.

Quanto ao argumento da factualidade dada como provada sob o n.º 13 impor que se julgue não provado que foi a Apelante quem construiu o prédio em causa, é manifesta a sua improcedência.
A factualidade dada como provada nesse n.º 13 é a seguinte: “- Os representantes da R. deslocaram-se ao imóvel dos AA. na companhia do empreiteiro responsável pelo fornecimento e colocação das portas interiores, o Sr. E… e verificaram que algumas das portas interiores do imóvel dos AA., nomeadamente nas suas partes inferiores, apresentavam sinais de descolagem da folha de madeira.”
Desta resposta apenas resulta que as portas do prédio em causa foram fornecidas e montadas por terceiro e não pela Ré.
No entanto, a circunstância de ter sido outra pessoa a fornecer e montar esses materiais não exclui ter sido a Ré quem construiu o prédio em causa, ainda que recorrendo a subempreiteiros.
Quanto ao contrato de empreitada, reduzido a escrito particular, cuja cópia consta de fls. 384 a 389, referente ao edifício onde se integra a fracção autónoma em discussão nos autos, celebrado entre a Ré e a sociedade “F…, Lda” ao contrário do que sustenta a Apelante não faz prova plena que não foi ela que construiu o edifício.
Apesar de não constar dos autos que os AA tenham tomado posição sobre o referido documento, dessa não impugnação apenas resulta que se têm como verdadeiras as assinaturas e que os declarantes fizeram as declarações nele constantes (art. 374º n.º 1 do CC).
Mas não tendo os AA outorgado esse documento, os factos nele compreendidos não se consideram provados relativamente a eles (art. 376º n. 2 do CC), este é apenas um meio de prova a atender, podendo ser destruído por qualquer outra prova, designadamente testemunhal.
Por outro lado, ao contrário do que sustenta a Apelante, a prova testemunhal não foi irrelevante. Como decorre da decisão da matéria de facto assumiu relevância o depoimento de I…, empregada de contabilidade, que como explica a Sr.ª Juíza a quo “nessa qualidade se pronunciou demoradamente sobre os elementos contabilísticos juntos aos autos, relevando o seu depoimento, para além do mais, na referência que fez ao lançamento dos vencimentos/ordenados dos trabalhadores a cargo da ré, inclusos no balancete da sociedade sob a rubrica “ 64 custos com pessoal”, bem como a aquisição de produtos e materiais sob a rubrica “ 31 compras”, durante o ano em que ocorreu a venda aos autores do imóvel em referência, de onde se depreende que ré, por essa altura tinha trabalhadores a seu cargo e a quem pagava ordenados”.
Como se referiu a Apelante não procura sequer explicar quais as razões pelas quais este depoimento que assentou na análise dos seus elementos contabilísticos juntos a fls. 410 e seguintes deve ser desconsiderado.
Para além disso, a resposta ao quesito 2º não se baseou apenas nos depoimentos, mas como refere a decisão da matéria de facto também nos documentos juntos aos autos a fls. 8/38, 67/68, 375/376, 396/407 e 435 (cf. fls. 440).
Destes, importa realçar o de fls. 375/376, documento particular que titula o contrato promessa de compra e venda da fracção em causa, celebrado entre a Ré, representada pelos seus sócios gerentes, como 1ª outorgante e os AA, datado de 15.02.2000, onde consta, “que a representada dos primeiros outorgantes está a construir um edifício …”.
Ora, não resultando dos autos que a Ré tenha impugnado as assinaturas dos seus sócios-gerentes nesse documento, essa declaração por ser contrária aos seus interessas faz prova desse facto, nos termos do art. 376º n.º 1 do CC.
Assim e sem necessidade de mais indagações, designadamente quanto à restante prova testemunhal produzida, entendemos, não existir qualquer erro de julgamento, quanto à resposta afirmativa ao quesito 2º.
Improcedem, assim, as conclusões 19ª a 28ª.

Assim e não havendo qualquer alteração à decisão da matéria de facto importa decidir a excepção da caducidade.
Com interesse ficaram provados os seguintes factos, que se colocam por ordem cronológica, transcrevendo o que de relevante consta nas cartas:

- No dia 13 de Setembro de 2002, a Ré e AA outorgaram uma escritura no qual a primeira vendeu aos segundos a fracção autónoma identificada pelas letras “AC” correspondente a uma habitação do tipo T – três, no piso seis esquerdo, servida pela entrada dois, com um lugar de garagem no piso um, designada pelo número 12, do prédio urbano, sito no Gaveto da Rua … e Rua …, freguesia e concelho do Peso da Régua;

– Foi a Ré D… quem construiu a fracção objecto desse contrato;

- Em data não concretamente apurada, mas situada em finais do ano de 2004, os AA. contactaram os legais representantes da R., aos quais relataram e denunciaram os alegados defeitos expostos nos art.ºs 8º a 20º da p.i., nomeadamente, os relativos às portas referidos no art. 15º da p.i.;

- Os representantes da R. deslocaram-se ao imóvel dos AA. na companhia do empreiteiro responsável pelo fornecimento e colocação das portas interiores, o Sr. E… e verificaram que algumas das portas interiores do imóvel dos AA., nomeadamente nas suas partes inferiores, apresentavam sinais de descolagem da folha de madeira;

- Os AA, através da sua mandatária, enviaram à Ré a carta datada de 29/08/2005, cuja cópia consta de fls. 37 e 38, em que descriminam os defeitos e referem que “pretendem se substituam todas as portas, azulejos,”ripa de madeira”, soleira e peitoral que apresentam defeitos; pretendem, ainda, a reparação das fissuras e irregularidades das paredes; a resolução do problema da humidade na cozinha e lavandaria quando se liga a caldeira no Inverno e, por fim, o fecho ou a sua separação da zona da cozinha.” Escreveram ainda que caso as suas pretensões não se encontrassem satisfeitas no prazo de 30 dias a contar da recepção da carta, seriam forçados a recorrer à via judicial.

- A Ré por carta datada de 26/09/2005, cuja cópia consta de fls. 67 a 68, comunicou à mandatária dos AA. que não aceitava os defeitos por estes alegados e denunciados.

- Com data de 15.12. 2005 os AA enviaram à Ré a carta cuja cópia consta de fls. 41 onde consta: “O assunto a versar refere-se especificamente ao apartamento que adquiriram a V. Exas., em 13 de Setembro de 2002, por escritura celebrada no Cartório Notarial de Peso da Régua, que como sabem contém inúmeros defeitos. Com efeito, além dos defeitos já denunciados no dia 5 de Setembro do corrente ano, os meus clientes depararam-se recentemente, devido à chuva, com infiltrações de água junto à janela da marquise, do lado esquerdo, as quais estão a danificar o seu interior.
Deste modo, pretendem os meus clientes com a presente missiva, que V. Exas. reparem esse defeito, no prazo máximo de 15 dias, findo o qual, se nada for feito, serão forçados a recorrer à via judicial, com os transtornos que isso pode acarretar.”

- Nas datas referidas (29.08.2005 e 15.12.2005) o imóvel apresentava na lavandaria cinco azulejos fissurados, sendo um completo e quatro de remates; o peitoril da janela da cozinha apresentava uma fissura e uma cavidade betumada, sendo que o betume, quando raspado, vai saindo; a soleira da porta da varanda da sala apresentava uma cavidade que foi tapada com betume, que vai saindo, se raspado; a parede da sala apresentava uma pequena fissura por cima da porta de acesso à varanda; o tecto da lavandaria apresentava ligeiras fissuras; oito portas de madeira interiores da habitação apresentavam, junto ao pavimento, o folheado de revestimento descolado e, em alguns casos, parte desse folheado já tinha partido, encontrando-se as portas lascadas em alguns locais; a ripa de madeira junto à porta de acesso aos corredores dos quartos encontrava-se deslocada;

- A presente acção deu entrada em juízo no dia 30 de Junho de 2006.

Estando em causa defeito construtivo de um imóvel destinado a longa duração, construído pelo próprio vendedor, é aplicável o regime específico constante do art. 1225º do CC, e não o regime genérico da venda de coisas defeituosas, plasmado nos arts. 914º, 916º e 917º do CC, nomeadamente no que se refere aos prazos para o exercício dos direitos ali previstos.

Segundo o regime do citado art.1225º, para ser reconhecido ao comprador o direito à reparação dos defeitos, é necessário que os denuncie ao vendedor-construtor nos cinco anos posteriores à entrega do prédio e no prazo de um ano a contar do conhecimento; e que a acção correspondente seja intentada no ano subsequente à denúncia.
Caso contrário, o direito extinguir-se-á, por caducidade (artigos 1225º, nº 1, 2 e 3 e 298º, nº 2, do Código Civil).

O n.º 2 do citado art. 1225º prevê, pois, dois prazos sucessivos: um primeiro de um ano para denúncia dos defeitos e um segundo igualmente de um ano a contar da denúncia para se propor a acção judicial tendente à eliminação dos defeitos.

A questão, no caso em apreço, reside apenas no decurso ou não do prazo de um ano para a instauração da acção.

A sentença recorrida decidiu pela improcedência da excepção da caducidade, com a seguinte fundamentação: “Resulta da matéria de facto provada que, em finais do ano de 2004, os AA. denunciaram aos legais representantes da R. os defeitos descritos em 7, os quais, deslocando-se ao local, verificaram existir nas portas interiores sinais de descolagem da folha de madeira.
Em face desta atitude da R., de ir ao local, verificar alguns dos defeitos enunciados e de não recusa da sua reparação, criou nos AA. uma expectativa legítima de que aquela os aceitava, ficando a aguardar pela sua correcção.
Decorridos alguns meses, face ao comportamento omissivo da R., em nada dizer ou fazer a tal propósito, os AA. numa tentativa, conseguida, de forçar a R. a tomar uma atitude ou posição “formal”, denunciaram por escrito os já apontados defeitos, conforme decorre dos pontos 6, 7 e 10 dos factos assentes.
Nessa decorrência e só após a denúncia escrita dos defeitos já comunicados em finais de 2004 é que a R. resolve responder aos AA., em 26/09/2005, comunicando que não aceitava os defeitos denunciados.
Em face do comportamento da R. e na falta de tomada de posição quanto à reparação dos defeitos que lhe foram verbalmente comunicados e cuja aceitação fez crer aos AA., não podemos deixar de concluir que só após a denúncia escrita dos defeitos à R. é que se inicia formalmente o prazo (de caducidade) para a instauração da acção, através da qual se pretende a eliminação dos defeitos. (…)

Isto posto, o prazo de um ano (de caducidade) para propor a respectiva acção de eliminação dos defeitos conta-se a partir do momento em que os AA. os denunciaram por escrito, atenta a inércia da R. que apesar de ter verificado a existência dos mesmos, nada fez ou disse, vendo-se aqueles “obrigados” a formalizar a denúncia, fixando prazo para a sua reparação, confiando que só assim a R. ficaria formalmente obrigada a tomar uma atitude, como de facto sucedeu, isto é, só a partir da denúncia escrita é que a R., de forma expressa e inequívoca, comunicou aos AA. a não aceitação dos defeitos apontados.
Verifica-se, pois, não ter caducado o prazo para proposição da acção destinada à eliminação dos defeitos e obtenção de indemnização por não se encontrar ultrapassado o prazo de um ano posterior à denúncia (escrita), previsto no art. 1225º n.º 2, 2ª parte, do Código Civil.”

Importa apreciar se este enquadramento jurídico tem apoio no regime legal da caducidade.

O regime específico que consta do art. 1225º tem de ser articulado e conjugado com as normas gerais que definem o regime da caducidade, previsto nos artigos 328º a 333º do CC, em particular, com os artigos 328º e 331º.
O art. 331º n.º 1 estipula que “só impede a caducidade a prática, dentro de prazo legal ou convencional, de acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.”
Quando se trate de prazo fixado por disposição legal relativa a direito disponível, como é o caso, estabelece o n.º 2 do citado artigo que “impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido.”

Como se decidiu no acórdão do STJ de 25.11.2008, proferido no processo 08 A2422, relatado pelo Cons. Salazar Casanova, “é jurisprudência dominante, se não uniforme, a de que o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido tem de ser concreto, preciso, sem margem de vacuidade ou ambiguidade: Ac. do S.T.J. de 25-11-1998 (Martins da Costa) B.M.J 481-430, Ac. do S.T.J. de 21-2-2002, P. 4350/2001 (Oliveira Barros), Ac. do S.T.J. de 18-6-2002, P. 1509/2002 (Afonso de Melo), Ac. do S.T.J. de 26-2-2004, P. 4189/2003 (Abílio de Vasconcelos), Ac. do S.T.J. de 3-4-2008, P. 245/2008 (Serra Baptista) publicados em www.dgsi.pt.”
Esta exigência quanto ao reconhecimento do direito justifica-se por este impedimento da caducidade não ter como efeito o início de novo prazo mas o seu afastamento definitivo.
No caso, está provado que os representantes da Apelante depois de os AA terem denunciado os defeitos em finais de 2004, se deslocaram ao imóvel, na companhia da pessoa responsável pelo fornecimento e colocação das portas interiores e verificaram que algumas delas, nomeadamente nas suas partes inferiores, apresentavam sinais de descolagem da folha de madeira.
Posteriormente os AA, através da sua mandatária, enviaram à Ré a carta datada de 29.08.2005, em que reafirmam a existência dos defeitos e exigiram a sua reparação, no prazo de 30 dias, sob pena de recorrerem à via judicial.
A Ré, respondeu, por carta datada de 26.09.2005, em que comunicou à mandatária dos AA. que não aceitava os defeitos por estes alegados e denunciados.
Com data de 15.12. 2005 os AA enviaram ainda à Ré uma carta, em que denunciam uma alegada infiltração de água junto à janela da marquise, não se tendo provado que a Ré tenha respondido a esta missiva.
É, pois, indiscutível que a Ré não reconheceu de forma expressa e precisa o direito dos AA e, por isso, não se verifica o impedimento previsto no n.º 2 do citado art. 332º.

A sentença recorrida não sustenta expressamente ter havido esse reconhecimento, antes defende que o prazo de caducidade de 1 ano, para os autores intentarem a acção, não se iniciou em finais de 2004, quando estes denunciaram aos legais representantes da Ré os defeitos, mas apenas em 29 de Agosto de 2005 quando pela referida carta a interpelaram formalmente para reparar os defeitos.

No entanto, não se pode olvidar que o art. 328º do CC expressamente estabeleceu o princípio da inaplicabilidade dos regimes de suspensão e da interrupção aos prazos de caducidade, senão nos casos em que lei o determine.

Recorde-se que na caducidade é o simples decurso do prazo, sem mais, que determina a extinção do direito.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, no CC Anotado, vol. I, pág. 294, citando Vaz Serra “a caducidade é estabelecida com o fim de dentro de certo prazo se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica.”
No mesmo sentido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, n.º 2/97, publicado no DR I-A, de 30.01.1997 consta: “A caducidade tem por objectivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado. Prevalecem considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Estão em causa prazos peremptórios de exercício do direito.”
Ora, no âmbito dos contratos de compra e venda que tenham por objecto os imóveis a que alude o art. 1225º, a lei não prevê que o inicio de diligências realizadas em conjunto pelas partes tendo em vista apurar a existência ou não dos defeitos reclamados pelo comprador tenham por efeito suspender ou interromper o prazo de caducidade.
Mas não se pode excluir a possibilidade de perante determinadas situações em que se constate violação do princípio da boa fé se afaste o rígido regime da caducidade, designadamente considerando ser justificado o reinício do prazo.
A situação paradigmática é a de ter havido uma tentativa frustrada de eliminação do defeito.
No entanto, como sustenta a Apelante, da factualidade provada não decorre que a Ré tenha prometido reparar os defeitos, que foram detectadas nas portas, quando se deslocou ao imóvel depois da denúncia.
Por isso, tendo-se iniciado o prazo com a denúncia dos defeitos pelos AA. em finais de 2004, a deslocação da Ré ao imóvel comprado pelos AA. e por ela construído, e de seguida se ter remetido ao silêncio, não permitia sequer que estes se convencessem de forma sustentada que se tinha iniciado um processo de negociação para solução amigável do diferendo.
Não há, pois, justificação para a afirmação constante da fundamentação de direito da sentença recorrida que a “ Ré reconheceu alguns dos apontados defeitos” ou “que os AA com a falta de comunicação da sua não aceitação, acreditaram que a Ré por os haver verificado, os repararia.”
Tem, pois, a Apelante razão quando sustenta que a sentença recorrida nessa parte recorreu a presunções judiciais não admissíveis na fase da sentença.
Importa ter presente que foi a Ré quem no artigo 14º da contestação alegou que a denúncia dos alegados defeitos ocorreu em data não concretamente apurada, situada em finais do ano de 2004.
Por outro lado, os AA na sua petição limitaram-se a alegar que denunciaram os defeitos nas suas duas missivas de 29.08. 2005 e de 15.12. 2005.
Assim sendo, a factualidade que o Tribunal recorrido, ainda que na fundamentação de direito deu como assente, apenas poderia ser atendida, se tivesse resultado da discussão da causa e os AA tivessem na audiência de julgamento manifestado vontade de dela se aproveitar, nos termos dos artigos 264º n.º 3 e 650 n.º 1 al. f) do CPC.
De salientar ainda quanto ao comportamento da Ré que quando esta respondeu à primeira carta dos AA em 26.09.2005, a comunicar-lhe que não aceitava os defeitos denunciados, estes ainda dispunham de cerca de três meses para intentarem a respectiva acção a exigir a reparação dos mesmos.

Assim, considerando que apenas ficou provado que após a denuncia dos defeitos em finais de 2004, “Os representantes da R. se deslocaram ao imóvel dos AA. na companhia do empreiteiro responsável pelo fornecimento e colocação das portas interiores e verificaram que algumas das portas interiores do imóvel dos AA., nomeadamente nas suas partes inferiores, apresentavam sinais de descolagem da folha de madeira” e, apesar de esta factualidade não estar circunscrita no tempo, que de seguida se remeteu ao silencio até 26.09.2005, dado não ter ficado provado que tivesse prometido reparar os defeitos detectados nessa deslocação, que representam uma parte pouco significativa relativamente à totalidade dos denunciados, não se pode considerar que tenha violado o princípio da boa fé, designadamente da regra do venire contra factum proprium.

Por isso, não há fundamento, designadamente com base no princípio da boa fé, para se diferir o início do prazo de caducidade para a denúncia dos defeitos efectuada pela carta de 29 de Agosto de 2005, quando a Ré provou, como lhe competia, que os mesmos já tinham sido denunciados em finais de 2004.
A solução defendida na douta sentença recorrida contraria frontalmente o citado artigo 328º do CC que expressamente afasta a suspensão ou a interrupção do prazo de caducidade, que se inicia com a denúncia (art. 1225º n.º 2).
É, pois, de concluir que quando a acção foi intentada em 30 de Junho de 2006 já tinha decorrido o prazo de 1 ano, estabelecido nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1225º do CC, após a denúncia dos defeitos.

Procedem, pois, as conclusões 6ª a 18ª da Apelante.

DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a apelação procedente, revoga-se a sentença recorrida e julga-se procedente a excepção da caducidade absolvendo a Ré.
Custas, nas duas instâncias, pelos AA.

Porto, 03-03-2011
Leonel Gentil Marado Serôdio
José Manuel Carvalho Ferraz
António do Amaral Ferreira