Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00031435 | ||
Relator: | SOUSA PEIXOTO | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO GERENTE COMERCIAL DOCUMENTO FOTOCÓPIA CARTA ROGATÓRIA ARGUIÇÃO DE NULIDADES INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA CARTA PRECATÓRIA PROCESSO DE TRABALHO | ||
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Nº do Documento: | RP200105140110130 | ||
Data do Acordão: | 05/14/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J OLIVEIRA AZEMÉIS | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 63/00 | ||
Data Dec. Recorrida: | 10/18/2000 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. APELAÇÃO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART280 N1 ART286 ART366 ART387 N2. CSC86 ART252 N1. CPT81 ART67. | ||
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Sumário: | I - A arguição de nulidade do despacho recorrido deve ser feita no requerimento de interposição do recurso, não o podendo ser, posteriormente na alegação do recurso. II - No processo laboral o regime de inquirição por carta é diferente do regime do Código de Processo Civil. III - A carta precatória só é expedida quando o juiz considerar necessário o depoimento da testemunha e a sua apresentação seja economicamente incomportável para a parte. IV - Os dois requisitos são cumulativos. V - Cabe à parte alegar os factos concretos que permitam concluir pela verificação daqueles requisitos. VI - O regime de expedição de cartas precatórias previsto no artigo 67 do Código de Processo do Trabalho também é aplicável às cartas rogatórias. VII - O facto de a testemunha residir em França não é suficiente para concluir que a sua apresentação é economicamente incomportável para a parte. VIII - As funções de gerente social de uma sociedade por quotas configura uma relação de organicidade e não de contrato de trabalho. IX - A fotocópia de um documento particular é de livre apreciação se a sua conformidade com o original não estiver atestada por notário. X - É nulo o contrato de trabalho celebrado entre a sociedade e um dos seus gerentes, para exercer as funções de gerente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação do Porto: 1. Richard..... propôs a presente acção contra a Sociedade Portuguesa de....., Ldª pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento e que a ré fosse condenada a reintegrá-lo e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até à data da sentença, com dedução do montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento (29.1.99) até 30 dias antes da data da propositura da acção e ainda diversas outras retribuições e subsídios que especificou. Alegou, em resumo, ter celebrado com a ré um contrato de trabalho em 1.5.92 e ter sido por ela despedido verbalmente em 29.1.99. A ré contestou por impugnação e por excepção, alegando que o autor sempre tinha exercido as funções de gerente e que os créditos reclamados, a existirem, estariam prescritos pelo facto de ter ficado desligado da empresa em 31.12.98. No articulado de resposta, o autor arrolou mais duas testemunhas residentes em França e, alegando a sua “imensa dificuldade ou impossibilidade de deslocação”, requereu que as mesmas fossem ouvidas por carta rogatória. A ré pronunciou-se contra a expedição da carta, alegando que as testemunhas são pessoas ligadas a multinacionais, com habitual e incessante mobilidade e, por isso, sem dificuldades de qualquer ordem para se deslocarem a Portugal e por tudo levar a supor que será necessário proceder a acareações. O Mmo Juiz indeferiu a expedição da carta rogatória, com o fundamento de que o autor não tinha concretizado a imensa dificuldade e impossibilidade de deslocação e com o fundamento de que a natureza e os contornos da lide impunham a imediação, por ser previsível a necessidade de acareação. O autor recorreu daquele despacho, suscitando as questões que adiante serão referidas. A ré contra-alegou, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, com o fundamento de que o despacho recorrido foi proferido no uso de um poder discricionário. O Mmo Juiz sustentou o despacho e admitiu o recurso com subida deferida. Nesta Relação, o Ex.mo relator conheceu da questão prévia, tendo decidido pela admissibilidade do recurso. Realizado o julgamento sem a presença daquelas duas testemunhas e consignados em acta os factos dados como provados, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente. Inconformado com a sentença, o autor interpôs recurso, suscitando as questões que adiantes serão referidas. A ré contra-alegou, pedindo a confirmação da sentença. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 2. Os factos Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: a) Por contrato de 31.10.88, o autor foi admitido ao serviço da sociedade D....., sediada em França, para ser um dos seus directores. b) Teor da escritura pública de fls. 15 a 21 (constituição social da ré). c) Teor do registo social da ré, de fls. 24 a 31. d) Como sócia majoritária da ré, a D..... encarregou o autor da direcção geral daquela e elegeu-o seu gerente. e) E, por isso, foi necessária a deslocação do autor para Portugal, onde passou a viver com a sua família. f) De entre os três gerentes da ré e como tal, o autor foi o único que residiu em Portugal e estava diariamente presente nas instalações daquela. g) Como gerente da ré, o autor era quem praticava diariamente actos de gestão, direcção e vinculação necessários à prossecução do objecto social daquela, actos materiais e jurídicos, nomeadamente de contratação e despedimento de pessoal. h) O autor obrigava a ré somente com a sua assinatura. i) Como gerente da ré, o autor auferia 1.064.834$00 de vencimento mensal, subsídio de alimentação de 280$00 por dia de trabalho efectivo e ajudas de custo de 600.000$00 por mês; tinha direito a subsídios de férias e de Natal iguais ao valor da retribuição que recebia mensalmente, bem como a férias durante 30 dias. j) Entretanto, o autor subscreveu o escrito de fls. 33/34. l) Em meados do ano de 1998, a D..... e a B....., SA negociaram a aquisição por esta das quotas que aquela detinha na ré, o que se concretizou e registou em 30.6.98. m) Estas sociedades acordaram ainda que a D..... manteria na ré, para liquidação, a execução de um plano de produção de malas, findo o qual a D..... transferiria para França as máquinas e equipamentos relativos a essa produção (nas instalações da ré passar-se-ia a produzir capas para automóveis). n) Aquando das negociações referidas em l), acordaram ainda aquelas sociedades que o autor se manteria como até aí (gerente e respectivas regalias), agora especificamente para acompanhar a referida liquidação e só até ao fim de 1998, momento previsto para o fim da mesma. o) Nessa altura (e ainda em Outubro de 1998), o autor ficou a saber que deixaria de ser gerente no final do ano e que não ficaria na ré em quaisquer outras funções. p) A actividade do autor, agora limitada àquele fim, deixando a gerência da ré no final de 1998, prolongou-se até Fevereiro de 1999, porque assim o exigiu aquela liquidação e transferência de materiais para França. q) Mas já em 1998, o autor fez regressar a sua família a França. r) Acordado ficou ainda que até final de 1998 quem pagava ao autor era a ré. s) A subscrição expressa do doc. de fls. 69, aceite pelo autor. t) O teor de fls. 70. A decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto não foi impugnada, nem há razões para a alterar, anular ou mandar ampliar, por não se verificar nenhuma das situações referidas no artº 712º do CPC. Mantém-se, por isso, nos seus precisos termos. 3. O direito 3.1 Recurso de agravo O objecto do recurso restringe-se à questão de saber se o Mmo Juiz devia ter ordenado a expedição de carta rogatória para inquirição das duas testemunhas arroladas pelo agravante e residentes em França e, adiantando desde já a resposta, diremos que não, pelas razões que passamos a explicar. Segundo a regra geral, as testemunhas devem depor no tribunal onde corre o processo, mas quando residam fora da área do círculo judicial ou da respectiva ilha, no caso das Regiões Autónomas, a parte pode requerer a expedição de carta para a sua inquirição no tribunal da sua residência (artº 621º e 623º do CPC). A carta diz-se precatória se for dirigida a tribunais ou a autoridades portugueses e diz-se rogatória se for dirigida a autoridades estrangeiras (artº 176º do CPC). No processo laboral o regime de inquirição por carta apresenta algumas especificidades relativamente ao processo civil. Neste, a expedição da carta constitui a regra. Se a testemunha residir fora da área do círculo judicial ou da ilha e a parte requerer a sua inquirição por carta, o Juiz deve ordenar a expedição da respectiva carta. Só pode recusá-la quando julgue conveniente para a boa decisão da causa que a testemunha deponha em audiência e a deslocação não represente sacrifício incomportável (artº 623º, nº 3 do CPC). No processo laboral, a regra é outra: “A inquirição por carta precatória só é ordenada se a testemunha residir fora da área de jurisdição do tribunal da causa e o juiz considerar que o seu depoimento é necessário e a apresentação pela parte é economicamente incomportável” (artº 67º, nº 1 do CPT). A carta só é expedida se o Juiz entender que é necessário ouvir a testemunha e que a sua apresentação pela parte não é economicamente comportável (Leite Ferreira, CPT, anotação ao artº 62º do Cód./81). A inquirição por carta só tem lugar quando cumulativamente se verificarem aqueles dois requisitos. Nos termos do nº 1 do artº 342º do CC, compete à parte que requer a inquirição por carta alegar os factos que levem a concluir pela necessidade da inquirição da testemunha e pela incomportabilidade económica da sua apresentação. No caso em apreço, o recorrente limitou-se a alegar “a imensa dificuldade ou impossibilidade de deslocação das duas testemunhas.” Não invocou quaisquer dificuldades económicas da sua parte para apresentação das testemunhas. A razão invocada foi outra: a dificuldade ou impossibilidade de deslocação das próprias testemunhas, ou seja, a sua falta de disponibilidade para se deslocarem a Portugal. Tal razão, mesmo que fosse verdadeira, não era suficiente para ordenar a expedição da carta rogatória. Residindo as testemunhas em França, é óbvio que a sua apresentação implicaria despesas de certo vulto, mas isso não significa que tal encargo fosse incomportável para o recorrente. Tudo depende da situação económica do recorrente. Como resulta do disposto no artº 67º, não basta que a deslocação das testemunhas seja onerosa para a parte. É necessário que seja economicamente incomportável, o que é coisa bem diferente. Para concluir nesse sentido era necessário conhecer a situação económica do recorrente, mas relativamente a esse aspecto nada foi alegado. Apenas se sabe que o recorrente auferia 1.664.834$00/mês, o que indicia uma boa situação económica. Podia-se dizer que o disposto no artº 67º do CPT não é aplicável às cartas rogatórias e aparentemente assim parece, uma vez que aquele normativo legal só se refere expressamente às cartas precatórias. Todavia, tal como se decidiu no acórdão do STJ de 22.9.93 (CJ, III, 262), não temos dúvidas em considerar aplicável, por via da interpretação extensiva, o regime aí instituído às cartas rogatórias. A ratio legis assim o impõe. Bem decidiu, pois, o Mmo Juiz ao ter indeferido a expedição da carta rogatória, não tendo cabimento a alegação do recorrente de que o despacho recorrido violou o princípio da igualdade e o princípio do contraditório e da igualdade de armas. O disposto no artº 67º do CPT não estabelece nenhuma discriminação entre as partes nem prejudica o exercício do contraditório. Trata-se de uma norma processual que se aplica indistintamente ao autor e ao réu, não se vislumbrando que o despacho em questão tenha violado as disposições constitucionais e processuais que o recorrente invoca, o mesmo acontecendo em relação às disposições que cita da Declaração Universal dos Direito do Homem, da Convenção da Haia, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos. Nas alegações do recurso o recorrente alegou ainda que o despacho recorrido é omisso quanto à fundamentação de direito. Tem razão. O despacho recorrido não refere minimamente a as razões de direito em que se apoia e tal omissão torna o despacho nulo, nos termos do artº 668º, nº 1, al. b) do CPC aplicável por força do disposto no nº 3 do artº 666º do mesmo Código. Todavia, a arguição dessa nulidade devia ter sido feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, como estipula o disposto no nº 1 do artº 77º do CPT. Não foi isso o que o recorrente fez. O vício referido só foi por ele arguido nas alegações do recurso, o que impede que dele se conheça, por ter sido arguido extemporaneamente. 3.2 Do recurso de apelação São duas as questões suscitadas pelo recorrente: - existência do contrato de trabalho, - despedimento. O pedido do recorrente assentava na existência de um contrato de trabalho que teria sido celebrado com a recorrida em 1.5.92 e que esta teria feito cessar em 29.1.99, sem processo disciplinar. Na sentença recorrida decidiu-se pela inexistência de contrato de trabalho. Perfilhamos inteiramente a decisão recorrida, pelos fundamentos que nela foram aduzidos e para os quais remetemos, ao abrigo do disposto no nº 5 do artº 713º do CPC. Como resulta dos documentos juntos aos autos, a recorrida é uma sociedade por quotas e foi constituída por escritura de 18.5.1989 (certidão de fls. 14 a 21). Nos termos do artº 7º dessa escritura, a gerência da sociedade era exercida por três gerentes eleitos anualmente pelos sócios em assembleia geral, os quais usufruíam dos mais largos poderes de administração e de representação, em juízo e fora dele, activa e passivamente, obrigando-se a sociedade pela assinatura de um gerente, excepto para as operações que ultrapassassem os limites a fixar pela assembleia geral, para as quais seria necessária a assinatura de dois gerentes ou de um gerente e de um procurador com poderes bastantes. O recorrente foi nomeado gerente, na própria escritura de constituição da sociedade (artº 11º) e, como resulta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de..... (fls. 22 a 32), o recorrente foi anual e sucessivamente reconduzido nessas funções até final de 1998. As funções de gerente de uma sociedade por quotas configura uma relação de mandato e não de contrato de trabalho. A relação de gerência é uma relação de organicidade e não de subordinação. Os gerentes personalizam a própria sociedade que dada a sua natureza de pessoa colectiva só pode agir através dos seus órgãos. A gerência é um desses órgãos. Nas sua alegações, o recorrente confunde gerência social com gerência comercial. O gerente social administra e representa a sociedade (artº 252º, nº 1, do CSC) e exerce aquelas funções sem estar juridicamente subordinado a quem quer que seja. O gerente comercial limita-se a gerir um ou mais estabelecimentos pertencentes a outrem e no exercício das suas funções está sujeito às directivas e fiscalização do dono do estabelecimento, seja ele pessoa singular ou colectiva. Só assim não será, eventualmente, se o estabelecimento pertencer a uma sociedade de que ele também seja sócio-gerente. O recorrente baseia o seu recurso no documento de fls. 33 a 36 que, em sua opinião, consubstancia um contrato de trabalho celebrado entre o recorrente e a recorrida, em 1 de Maio de 1992. Acontece, porém, que o documento em questão não faz prova plena do contrato de trabalho que aparentemente documenta, uma vez que não se trata do documento original. É mera fotocópia sem qualquer declaração notarial da sua conformidade com o documento original de que foi extraída, sendo, por isso, de livre apreciação (artºs 366º e 387º, nº 2 do CC). Ora, em sede da matéria de facto apenas foi dado como provado que o documento em causa foi subscrito pelo recorrente. Como o Mmo Juiz teve o cuidado de referir na decisão proferida sobre a matéria de facto (fls. 180, nº 10) nada mais se provou relativamente a tal documento. Deste modo, o recorrente não logrou provar que o dito documento também tinha sido subscrito pela recorrida, não podendo, por isso, dar-se como provado, com base nele, a celebração do contrato de trabalho. Por outro lado, também não ficou provado que o recorrente exercesse quaisquer funções por conta e sob a direcção da recorrida, o que equivale a dizer que o recorrente também não logrou provar por outra via a existência do alegado contrato de trabalho com a recorrida. De qualquer modo, mesmo que se entendesse que o documento em causa era prova suficiente da existência do contrato de trabalho, nem por isso haveria razões para julgar procedente a pretensão do recorrente. Além de não ter provado o despedimento, o contrato que aquele documento titula seria nulo por impossibilidade legal do seu objecto. Com efeito, como consta do documento em causa, o recorrente teria sido contratado para exercer as funções de Gerente da sociedade recorrida e, como já ficou dito, o exercício daquelas funções é incompatível com a subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho. Isso significa que o objecto do contrato era legalmente impossível, o que o tornava nulo, nulidade essa de que o tribunal podia conhecer oficiosamente, apesar de não ter sido arguida (artºs 280º, nº 1 e 286º do CC). 4. Decisão Nos termos expostos, decide-se negar provimento aos recursos. Custas pelo recorrente. PORTO, 14 de Maio de 2001 Manuel José Sousa Peixoto Carlos Manuel Pereira Travessa João Cipriano Silva |