Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA CALAFATE | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA LESÃO GRAVE EMBARGO EXTRAJUDICIAL OBRAS INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES | ||
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Nº do Documento: | RP201202231543/11.6TBMCN.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/23/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | ARTº 412º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | I - O embargo de obra nova não pressupõe a demonstração de lesão grave ou dificilmente reparável. II - No caso de embargo extrajudicial importa que no momento em que ele é feito a obra ainda esteja em curso, sendo indiferente que tendo prosseguido, já esteja concluída à data do pedido de ratificação ou da apreciação judicial sobre esse pedido. III - A lei não contém disposição expressa sobre as consequências da inobservância das formalidades do embargo extrajudicial exigidas pelo art. 412° n° 2 do CPC, pelo que devemos ter em consideração o disposto nos art. 193° e seguintes do mesmo diploma legal. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação Proc. 1543/11.6TBMCN.P1 Sumário I – A lei não contém disposição expressa sobre as consequências da inobservância das formalidades do embargo extrajudicial exigidas pelo art. 412º nº 2 do CPC, pelo que devemos ter em consideração o disposto nos art. 193º e seguintes do mesmo diploma legal. II - No caso de embargo extrajudicial importa que no momento em que ele é feito a obra ainda esteja em curso, sendo indiferente que tendo prosseguido, já esteja concluída à data do pedido de ratificação ou da apreciação judicial sobre esse pedido. IV - O embargo de obra nova não pressupõe a demonstração de lesão grave ou dificilmente reparável. * Acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação do PortoI – Relatório B… e C… instauraram procedimento cautelar em 27 de Outubro de 2011 contra D… requerendo a ratificação judicial de embargo extrajudicial de obra nova. Alegaram em síntese: - em 22 de Outubro de 2011 o requerido iniciou a construção de um muro ocupando o prédio dos requerentes; - nesse mesmo dia, pelas 10h30, na presença de duas testemunhas, o requerente marido, dirigindo-se ao requerido e aos trabalhadores que estavam a iniciar essa obra, embargou-a, dizendo-lhes que não deviam prosseguir com a construção; - a obra ofende o direito dos requerentes e causa-lhes prejuízos na medida em que ocupa o seu prédio. * O requerido deduziu oposição, invocando, em resumo que refez o muro de pedra que sempre existiu e dentro do seu prédio.* Realizada a audiência final foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar.Inconformados, apelaram os requerentes e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões: 1ª - Os Reqtes lograram provar os pressupostos do embargo cuja ratificação peticionaram ao Tribunal recorrido, 2ª - Provaram indiciariamente o direito de propriedade do prédio identificado no art. 1º da P.I. e a ofensa deste direito em consequência de obra nova, o muro construído pelo Reqdo naquele prédio, após ter destruído o muro que os Reqtes ali haviam construído a cerca de dez centímetros do respectivo limite sul e confrontação com o prédio do Reqdo e o prejuízo e ameaça de prejuízo consequente. 3ª - Mais, provaram que efectivaram o embargo no dia 22 de Outubro às 10.30 horas, na pessoa dos trabalhadores do Reqdo quando estes acabavam de iniciar a construção do muro. 4ª - A obra embargada constitui uma obra permanente e estável. 5ª - Não é manifestamente uma obra secundária, amovível, nem constitui uma mera modificação superficial, 6ª - Muito menos se trata de uma mera reconstrução. 7ª - A obra em causa assume, ao contrário, do que parece poder concluir-se das considerações expendidas na douta sentença recorrida dignidade e relevância bastantes para fazer despoletar o embargo de obra nova efectivado. 8ª - Não causa um mero incómodo, nem constitui mera ofensa normativa e formal, causa dano ou prejuízo objectivo, efectivo, verdadeiro, real, in natura, grave, substancial e dificilmente reparável, 9ª - A satisfazer até o requisito do receio “ da lesão grave ou dificilmente reparável prevista no art. 391º nº 1 do C.P.C , se se entender aplicável às providências cautelares especificadas, designadamente ao embargo de obra nova. 10ª - Porém, o prejuízo pressuposto do embargo não carece de valoração autónoma; está ínsito na ofensa do direito, consistindo exactamente nessa ofensa, 11ª – Não sendo assim sequer necessário alegar a existência de perdas e danos, por o dano ser jurídico – desde que o facto tem a feição de ilícito, porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para efeitos de embargo de obra nova. 12ª - Por fim o embargo foi efectivado extrajudicialmente quando a construção do muro em causa estava a ser iniciada – Facto provado 11. 13ª - O que os Reqtes pediram ao Tribunal recorrido foi a ratificação judicial desse embargo, 14ª - Só o embargo da obra e não a sua ratificação tem de ser efectuado antes da obra concluída, pois a ratificação do mesmo reporta os seus efeitos à data em que foi feito – portanto quando a obra não estava concluída. 15ª - Ao julgar diversamente e concluir pela improcedência da ratificação judicial do embargo extrajudicial em apreço, o Mto Juiz fez incorrecta interpretação dos factos e incorrecta interpretação e aplicação do Direito e violou além do mais o disposto nos arts. 412º e ss do C.P.C.. Termos em que dando V.Exªs provimento ao presente recurso e julgando consequentemente procedente a presente providência, farão, como sempre inteira e sã Justiça. Justiça * O recorrido contra-alegou defendendo a confirmação do julgado.* Colhidos os vistos, cumpre decidir.II – Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. (art. 684º nº 3, 685º-A nº 1 e 660º nº 2 do CPC), pelo que as questões a decidir são estas: - se pode considerar-se efectuado o alegado embargo extrajudicial apesar de a notificação não ter sido efectuada na pessoa do dono da obra - se o embargo extrajudicial pode ser ratificado depois de a obra estar concluída - se o embargo de obra nova pressupõe a prova de lesão grave ou dificilmente reparável ao direito do requerente - se a obra em causa não é uma mera reconstrução e tem relevância bastante para justificar a providência cautelar de embargo de obra nova * III – FundamentaçãoA) Os factos Na decisão recorrida vem dado como indiciariamente provado: 1. Pela ap. n.º 07/240772, afigura-se registada a favor de E… e mulher F…, casados em separação de bens, a aquisição, por compra a G…, do prédio rústico designado “H…”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob o n.º 01612/17052001 e inscrito na matriz sob o artigo 1920. 2. Por Escritura Pública de Desanexação e Permuta celebrada em 5.11.2011, os requerentes declararam a aquisição do prédio referenciado em 1), por permuta efectivada com E… e I…. 3. Os requerentes utilizam o prédio mencionado em 1), por si e antepossuidores, desde há mais de 20 e 30 anos, cultivando-o, fazendo obras. 4. O que efectivam à frente de todos, sem oposição de ninguém de ininterruptamente, na ignorância de lesarem direitos de terceiros. 5. E na convicção de exerceram um direito próprio. 6. Pela ap. 1328 de 2010/04/23, apresenta-se registada a favor do requerido D… a aquisição, por compra a J…, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canaveses sob o n.º 1536/20000310, inscrito na matriz sob o artigo 783. 7. Os prédios referenciados em 1) e 6) confrontam por sul do primeiro e norte do segundo. 8. Os prédios citados estiveram desde sempre e há mais de vinte, trinta e mais anos separados na referida confrontação por um muro de pedra que suportava as terras do prédio do Requerido. 9. Os Requerentes construíram em parte da extensão da confrontação do seu prédio com o prédio do Requerido um muro de blocos de cimento, com o comprimento de cerca de 20 m, implantado a dez centímetros de distância, para norte da linha a que se justapunha a face exterior do muro do Requerido. 10. No dia 22 do corrente mês de Outubro, o Requerido destruiu o muro edificado pelos Requerentes e, utilizando os alicerces do mesmo, iniciou e concluiu a construção de um muro em pedra, ocupando o referenciado prédio dos Requerentes. 11. No mesmo dia, pelas 10.30 horas, o Requerente marido dirigindo-se aos trabalhadores do Requerido que acabavam de iniciar a construção do mencionado muro, na presença de duas testemunhas, comunicou-lhes que a obra estava embargada e que não deviam prosseguir com a construção. * B) O DireitoEstabelece o art. 412º do Código de Processo Civil: «1 – Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente. 2 – O interessado pode também fazer directamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar. 3 – O embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial». Na decisão recorrida lê-se: «(…) certificando-se indiciariamente que o Requerido, no dia 22 de Outubro de 2011, destruiu o muro edificado pelos Requerentes no sobredito prédio rústico e, utilizando os alicerces do mesmo, iniciou a construção de um muro em pedra, ocupando-o, este circunstancialismo reconduz-se a um estrito acto de esbulho, i.e., uma apropriação parcial de um bem dos requerentes, em ostensiva postergação do seu direito de propriedade. Cura-se de uma acção ilícita, sendo que o Requerido violou o dever geral de abstenção da prática de actos lesivos da situação jurídico-real titulada pelos requerentes. Em concatenação com o enunciado, impõe-se a avalização da existência dos pressupostos objectivos para a efectivação do embargo extrajudicial. Ante omnia, sublinhe-se que a conduta do Requerido se integra numa típica factologia de uma obra de construção. Ademais, a predita acção perpetrada pelo Requerido, sopesada à luz de critérios de plausibilidade, num plano, curou-se de uma mera reconstrução de um muro, e, noutra vertente, configurou uma linear obra colateral ou secundária no plano global do mencionado prédio rústico, com um jaez estritamente de demarcação. Concomitantemente, atesta-se meridianamente que o muro construído pelo Requerido foi iniciado e concluído no dia 22 de Outubro de 2011. Em decorrência, conquanto o Requerente, dirigindo-se aos trabalhadores do Requerido, na presença de duas testemunhas, tenha comunicada que a obra estava embargada e que não deviam prosseguir com a construção, aquando da interposição do procedimento cautelar a mesma afigurava-se completada, i.e., a predita declaração foi anódina. Consequentemente, ante a natureza da obra, a título de mera reconstrução com índole estritamente colateral, não se curando de uma obra estritamente relevante passível de equação dos interesses conflituantes ao abrigo do periculum in mora, e atestando-se que a mesma foi concluída no sobredito dia, falecem meridianamente os segmentos objectivos subjacentes à ratificação do embargo extra-judicial, em convergência com o princípio da adequabilidade teleológica da vertente providência. Postula-se, assim, a sucumbência do peticionado.». Portanto, embora se tenha reconhecido na decisão recorrida que a referida obra configura acto ilícito pelo facto de o muro ocupar parcialmente o prédio dos requerentes, entendeu-se que se trata de uma obra de mera reconstrução e sem relevo que justifique uma providência cautelar e bem assim que o facto de a obra já estar concluída na data da interposição do procedimento cautelar retirou qualquer relevância ao embargo extrajudicial. Considerou-se, pois, efectuado o embargo extrajudicial embora tenha sido negada a sua ratificação judicial com os fundamentos apontados. Na contra-alegação, invoca o recorrido que está por apreciar a questão «de saber se o embargo foi ou não efectuado, pois a lei estabelece que o embargo deve ser feito ao dono da obra e só no caso de não ser possível pode ser feito ao encarregado e no caso dos autos não ficou provado que foi feito ao recorrido». Visto que os recursos não servem para tratar de questões novas, excepto se forem de conhecimento oficioso, vejamos se a questão agora suscitada pelo recorrido é de conhecimento oficioso. No art. 25º da petição inicial os requerentes alegaram: «No mesmo dia, pelas 10.30 horas, na presença das testemunhas abaixo indicadas em quarto e quinto lugares o Reqte marido dirigindo-se ao Rqdo e aos trabalhadores que acabavam de iniciar a construção do muro referido em 21 desta embargou a construção respectiva, dizendo-lhes que a obra estava embargada e que não deviam prosseguir com a construção». Provou-se, indiciariamente, que «No mesmo dia, pelas 10.30 horas, o Requerente marido dirigindo-se aos trabalhadores do Requerido que acabavam de iniciar a construção do mencionado muro, na presença de duas testemunhas, comunicou-lhes que a obra estava embargada e que não deviam prosseguir com a construção» (ponto 11.da matéria de facto). Portanto, não está provado que a notificação foi efectuada na pessoa do recorrido e também não está provado que a notificação só foi efectuada aos trabalhadores por não estar presente o dono da obra. Porém, na oposição o requerido não arguiu nulidade do embargo extrajudicial com esse fundamento, nem sequer alegou que estava presente na obra. Tão pouco alegou que não teve conhecimento do embargo. De acordo com o nº 2 do art. 412º do CPC só no caso de o dono da obra não estar presente é que pode ser notificado o encarregado da obra ou quem o substituir. A lei não contém disposição expressa sobre as consequências da falta das formalidades do embargo extrajudicial exigidas pelo nº 2 art. 412º do CPC. Por isso, devemos ter em consideração o disposto nos art. 193º e seguintes do mesmo diploma legal. Diz-nos o nº 1 do art. 201º do CPC: «Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.». Por sua vez, o art. 202º prescreve: «Das nulidades mencionadas nos artigos 193º e 194º, na segunda parte do nº 2 do art. 198º e nos art. 198º e 200º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas. Das restantes só pode conhecer-se sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso». A inobservância das formalidades da notificação previstas no nº 2 do art. 412º do CPC não cabe no disposto nos artigos 193º a 200º do CPC. Assim, só poderá produzir nulidade se a irregularidade cometida tiver influído no exame ou na decisão da causa. Ora, o requerido deduziu oposição sem que tenha invocado o desconhecimento do embargo extrajudicial. Em consequência, a eventual irregularidade da notificação não é causa de nulidade do embargo extrajudicial. Mas ainda que se concluísse que a irregularidade produziu nulidade, não seria de conhecimento oficioso pois não cabe em nenhum dos artigos mencionados no art. 202º do CPC. Mesmo entendendo-se que foi cometida uma nulidade de conhecimento oficioso - por equiparação da omissão de notificação do dono da obra à falta de citação -, estaria a mesma sanada pois o requerido interveio no processo deduzindo oposição sem que a tenha arguido (cfr art. 196º do CPC). Flui do exposto, que não cabe apreciar neste recurso se foi ou não violado o formalismo legal na realização do embargo extrajudicial. * Apreciemos agora se o embargo extrajudicial pode ser ratificado depois de a obra estar concluída.Sustentam os apelantes que só o embargo da obra e não a sua ratificação tem de ser efectuada antes da obra estar concluída. Assiste-lhes razão. No caso de embargo extrajudicial importa que no momento em que ele é feito a obra ainda esteja em curso, sendo indiferente que tendo prosseguido, já esteja concluída à data do pedido de pedido de ratificação ou da apreciação judicial sobre esse pedido. A não se entender assim, o acto extrajudicial ficaria destituído de valor e de finalidade, tal como explica Alberto dos Reis: «Se se ratifica e confirma o acto extrajudicial, isto quer dizer manifestamente que se radica e consolida, por forma solene, o efeito atribuído pela lei a esse acto isto é, o efeito de fazer suspender a obra. (…) Portanto esta notificação, ou não significa coisa alguma, ou significa que, feita ela, o dono da obra fica inibido de a continuar, salvo se a ratificação não for requerida no prazo de (…), ou se, tendo-o sido, o requerimento for indeferido. (…) Se o dono da obra pudesse continuá-la depois de notificado extrajudicialmente, é claro que para nada serviria esta notificação; o acto seria absolutamente inútil. Deve, pois, ter-se como certo, (…) que o embargado pratica facto ilícito se continuar a obra durante o intervalo que decorre desde o embargo extrajudicial até à sua ratificação.» (in Código de Processo Civil anotado, Vol II, 3ª edição, pág. 84/85 e 96/97) (no mesmo sentido, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto in Código de Processo Civil anotado, vol 2º, 2ª edição, pág. 144, Ac da RL de 7/5/2009 – Proc. 233/08.1TBPTS.L1-6 e Ac da RC de 2/11/2010 – Proc. 77/10.0TBAGN.C1 – in www.dgsi.pt). Resulta da conjugação dos pontos 10. e 11. da matéria de facto que a obra de construção do muro não estava concluída quando os recorrentes procederam ao embargo extrajudicial. Assim, o facto de a obra ter sido concluída posteriormente, ainda que nesse mesmo dia, não é impeditivo da ratificação do embargo extrajudicial. * Vejamos agora se o embargo de obra nova pressupõe a prova de lesão grave ou dificilmente reparável ao direito dos requerentes.Sustentam os recorrentes que a obra em causa não causa um mero incómodo, mas sim um dano ou prejuízo efectivo, satisfazendo até o requisito do receio da lesão grave e dificilmente reparável prevista no art. 381º nº 1 do CPC, se se entender aplicável ao procedimento cautelar de embargo de obra nova. Estabelece o mencionado normativo: «Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado». E o art. 392º nº 1 do mesmo diploma legal prescreve: «Com excepção do preceituado no nº 2 do artigo 387º, as disposições constantes desta secção são aplicáveis aos procedimentos cautelares regulados na secção subsequente, em tudo quanto nela se não encontre especialmente prevenido.». Por sua vez, o nº 1 do art. 412º faz referência expressa ao prejuízo mas não alude a «lesão grave e dificilmente reparável». Embora reconheçamos que a questão não tem merecido solução pacífica na jurisprudência, sufragamos o entendimento defendido em alguns arestos de que o embargo de obra nova não pressupõe a demonstração da lesão grave ou dificilmente reparável, não sendo aplicável esse requisito exigido pelo nº 1 do art. 381º (vg. Ac do STJ de 29/6/99 – Proc. 99A488; Ac da RC de 13/1/2004 – Proc. 3200/03 e Ac da RP de 9/5/2007 – Proc. 0731626). Assim, no procedimento cautelar de embargo de obra nova, o requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns. A este respeito, refere Alberto dos Reis: «Cunha Gonçalves (Tratado, 12º, pág. 154) afirma que a palavra prejuízo foi empregada em sentido genérico: abrange toda e qualquer violação do direito de propriedade (…) embora desta violação não resulte um prejuízo propriamente dito. (…) Somos também de parecer que a frase «lhe cause prejuízo» nada acrescentou de novo ao passo «se julgar ofendido no seu direito». Por outras palavras, entendemos que basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exactamente nessa ofensa. Trata-se de dano jurídico, isto é, de dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição. Desde que o facto tem a feição de ilícito, porque é contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos do embargo de obra nova; o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da sua situação jurídica subjectiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas a obra lhe acarreta perdas e danos.» Também nas palavras de José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto «A ofensa do direito pela realização duma obra material implica necessariamente o prejuízo pois afecta ou pode afectar, a possibilidade da completa fruição da coisa, pouco interessando, para o efeito, que o titular do direito de gozo ou o possuidor a esteja efectivamente fruindo» (cfr. ob citada, pág. 148). No caso dos autos, estando provado que o muro ocupa parte do prédio dos recorrentes está demonstrado o prejuízo derivado da violação do direito de propriedade destes. * Entramos, assim, na apreciação da questão de saber se a obra em causa não é uma mera reconstrução e tem relevância bastante para justificar a providência cautelar de embargo de obra nova.Como sublinha Alberto dos Reis, a obra tem de se tratar de um «facto novo, isto é, que não seja a reprodução ou a repetição, pura e simples, de facto anterior. (…) Se um indivíduo reconstrói um prédio urbano sem alterar os limites nem a estrutura da obra primitiva, é claro que o embargo não tem razão de ser» (ob citada pág. 63) Refere-se na sentença recorrida que se trata de uma obra de mera reconstrução. Porém, tal afirmação não tem suporte nos factos indiciariamente provados. Repare-se, aliás, que o requerido alegou no art. 18º da oposição requerido que se limitou «(…) a refazer o muro de pedra que sempre existiu dentro do prédio do requerido», mas tal facto não se provou. O que resulta dos factos indiciariamente provados descritos em 8., 9. e 10. é que na confrontação entre os dois prédios existia um muro de pedra que suportava as terras do prédio do recorrido, portanto, um muro que não ocupava o prédio dos recorrentes e que no dia 22 de Outubro o recorrido iniciou - e acabou por concluir – a construção de um muro ocupando o prédio dos recorrentes. Assim, tendo sido alterada a localização do muro, não se trata de uma obra de mera reconstrução. Além disso, apesar de o muro ocupar apenas parcialmente o prédio dos recorrentes não pode ser considerado uma obra irrelevante, pois priva do recorrentes da possibilidade de exercerem sobre a totalidade do seu prédio, de modo pleno e exclusivo, os direitos que lhes são conferidos pelo art. 1305º do Código Civil. * Por quanto se disse, conclui-se que estão verificados todos os requisitos para que seja deferida esta providência cautelar: a titularidade do direito de propriedade invocado pelos requerentes, a sua ofensa por obra nova, obra essa em curso à data do embargo extrajudicial, e o consequente dano.* IV – DecisãoPelo exposto, julga-se procedente a apelação e em consequência revogando-se a decisão recorrida, ratifica-se o embargo extrajudicial efectuado pelos recorrentes. Custas pelo recorrido. Porto, 23 de Fevereiro de 2012 Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida Maria Adelaide de Jesus Domingos |