Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4862/10.5TBMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO OBRIGATÓRIO
COBERTURA DE DANOS PRÓPRIOS
TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA MATERIAL DOS TRIBUNAIS DO TRABALHO
CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA PÓS-CONTRATUAL
VIOLAÇÃO DE CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA
Nº do Documento: RP201204164862/10.5TBMAI.P1
Data do Acordão: 04/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 85º, Nº1, ALÍNEA B) DA LOFTJ
Sumário: Atenta a causa de pedir e pedido formulado, a violação de uma cláusula de não concorrência pós-contratual, configura uma questão emergente da relação de trabalho subordinado que vigorou entre as partes, pelo que, nos termos do artigo 85.°, n.°l, alínea b) da LOFTJ, compete aos tribunais do trabalho apreciar e decidir a presente acção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4862/10.5TBMAI.P1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Maia (3.º Juízo de Competência Cível)
Apelante: B…, S.A.
Apelada: C…

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
B…, S.A. intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum sumário, contra C…, pedindo a que lhe seja reconhecido o direito a uma indemnização no valor €22.847,36 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, devida pela violação, por parte da ré, de uma cláusula ou pacto de não concorrência pós-contratual.
Para o efeito, e em síntese, alegou que entre as partes foi, em 01/05/2005, celebrado um contrato de trabalho, que veio a cessar em 03/04/2009.
Em documento intitulado “Anexo Inseparável ao Contrato de Trabalho”, e na mesma data da celebração deste, foi convencionado, entre outras, uma cláusula de não concorrência pós-contratual, mediante a qual acordaram que a ré não podia concorrer com a actividade da autora durante os dois anos seguintes ao termo do contrato, independentemente da causa da extinção deste e que, em caso de incumprimento, a ré indemnizaria a autora com o equivalente recebido como compensação pelo pacto até esse momento.
Porém, a ré, a partir de Setembro de 2009, começou a trabalhar para uma empresa concorrente da autora, violando, assim, aquele pacto de não concorrência.
Razão pela qual, e por força da cláusula 4.ª do referido Acordo, incorreu a ré na obrigação de indemnizar a autora do montante equivalente ao recebido como compensação por via do referido pacto, pago ao longo da vigência do contrato de trabalho (mensalmente, 14 vezes ao ano) até à cessação do contrato, no montante peticionado.
Contestou a ré, invocando, para além do mais que no caso não releva, a incompetência material do tribunal cível, por a competência estar deferida aos tribunais do trabalho.
Respondeu a autora, defendendo a competência do tribunal cível.
No despacho saneador foi julgada procedente a excepção dilatória suscitada, com a consequente absolvição da ré da instância.
Inconformada, apelou a autora.
Contra-alegou a ré.
Ambas mantiveram a posição já defendida nos articulados.

Conclusões da apelação:
A. Por sentença de fls. …, o Douto Tribunal a quo decidiu declarar-se materialmente incompetente para conhecer da respectiva acção, indicando como tribunal competente o Tribunal do Trabalho da Maia, e absolvendo a R., ora Apelada, da instância declarativa, argumentando, em suma, que “a cláusula de não concorrência não assume autonomia em relação ao contrato de trabalho, ela apenas produz efeitos além da cessação do respectivo contrato, tendo necessariamente como pano de fundo a relação laboral então existente”.
B. Os limites objectivos e subjectivos da acção e, consequentemente, a competência material do Tribunal encontram-se subordinados à forma como o Autor apresenta a relação jurídica na sua petição inicial, ou seja, como configura o pedido e a respectiva causa de pedir.
C. Os tribunais judiciais têm competência material residual, cabendo-lhes julgar todos os processos que não sejam da competência de tribunais de competência especializada, como, por exemplo, os tribunais do trabalho (cfr. artigos 66.º do CPC e 18.º da LOFTJ).
D. A presente acção tem como objecto a existência de uma obrigação de não concorrência pós-contratual assumida pela R./Apelada e a sua violação por parte desta, formulando, por conseguinte, a A./Apelante um pedido indemnizatório por violação dessa mesma obrigação.
E. As cláusulas de não concorrência pós-contratual permitem às empresas, em determinadas actividades, em especial quando exista uma acentuada concorrência empresarial e necessidade de grande preparação técnica dos trabalhadores, limitar a liberdade de trabalho (pós-cessação do contrato) de alguns dos seus trabalhadores, sendo que, através daquelas cláusulas, as partes criam um conjunto de obrigações recíprocas que significam, por um lado, a restrição, por parte do ex-trabalhador, de exercer actividade concorrente ou de propiciar um desvio de clientela, e, da parte do ex-empregador, a obrigação de compensar o ex-trabalhador pela limitação voluntária da sua liberdade de trabalho e do seu livre acesso a um novo emprego.
F. No caso sub judice, não obstante ter existido uma relação laboral entre as partes e a R./Apelada se ter vinculado a uma obrigação de não concorrência pós-contratual num acordo anexo ao contrato de trabalho celebrado, a verdade é que os efeitos de tal obrigação só se iniciaram com a cessação do contrato de trabalho entre as partes, pois só a partir desse momento aquela obrigação se tornou eficaz e oponível à R./Apelada; efectivamente, o facto que funda a pretensão indemnizatória formulada pela A./Apelante apenas ocorreu após a cessação do contrato de trabalho celebrado entre as partes e nada teve a ver com os efeitos desse mesmo contrato de trabalho.
G. Como decidiu, recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 17 de Fevereiro de 2009: “o pacto de não concorrência assume-se como um compromisso inicial entre as partes, ou, em alternativa, como um acordo simultâneo com o acto extintivo do contrato de trabalho. O pacto de não concorrência é autónomo e distinto do antecedente contrato de trabalho, de natureza sinalagmática e onerosa, subsequente à cessação das obrigações que, até então, uniam trabalhador e empregador, impondo aos mesmos sujeitos novas obrigações correlativas, ou seja, uma obrigação de «non facere» para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador, muito embora, em casos limite, o incumprimento do contrato de trabalho possa ter repercussões no pacto de não concorrência, atendendo à coligação existente entre estes dois negócios jurídicos” (cfr. www.dgsi.pt).
H. O dever de não concorrência pós-contratual, mesmo que não seja estipulado pelas partes no contrato de trabalho (ou em acordo anexo), é imposto, ainda assim, de forma reflexa, através da proibição de concorrência desleal, cuja violação pode conduzir a responsabilidade civil (ex vi artigo 484.º do CC) ou à aplicação de sanções previstas no Código da Propriedade Industrial (cfr. artigo 317.º do CPI).
I. A obrigação de não concorrência pós-contratual difere do dever de não concorrência que vigora durante a execução do contrato (artigo 128.º n.º 1 alínea f) do Código do Trabalho) não só na sua essência, mas também nas consequências que decorrem da sua violação, já que, enquanto este último é uma obrigação intrínseca à relação laboral e a sua violação gera, à partida, responsabilidade disciplinar laboral, a obrigação de não concorrência pós-contratual mais não é do que um negócio jurídico de carácter civil, assume natureza voluntária e o seu incumprimento determina somente a obrigação de o (ex-) trabalhador indemnizar o seu anterior empregador.
J. A cláusula de não concorrência pós-contratual acordada entre a A./Apelante e a R./Apelada traduz-se numa verdadeira cláusula penal, sendo esta mesma cláusula configurada como uma fonte de obrigações que não se reconduz a uma questão emergente (sic fundada) de relação de trabalho subordinado.
K. Ao contrário do que sustenta o Tribunal a quo, não estamos perante uma questão emergente de relação de trabalho subordinado, mas antes diante de um pedido fundado na responsabilidade civil por acto ilícito da R./Apelada, não obstando a este fundamento o facto de a actuação ilícita ter sido possibilitada pela circunstância de a R. /Apelada ter sido trabalhadora da A./Apelante.
L. O acordo de não concorrência pós-contratual e a obrigação que dele decorre para a R./Apelada mais não são do que uma restrição voluntária de uma liberdade (de trabalho) do (ex-) trabalhador, consagrada no artigo 136.º do Código do Trabalho, em moldes semelhantes às restrições consentidas dos direitos de personalidade previstas legalmente (cfr. artigo 81.º do CC).
M. As partes num contrato de trabalho podem livremente celebrar outros acordos de natureza não laboral (ainda que conexos com a sua relação laboral), incluindo esses acordos ou outras cláusulas de conteúdo estritamente civil em acordos anexos ao contrato de trabalho, sem que isso os invista, necessariamente, num manto de laboralidade.
N. Como julgou o Supremo Tribunal de Justiça no já mencionado acórdão de 17 de Fevereiro de 2009, em caso muito semelhante ao dos autos: “para tanto (para que fosse aplicável o artigo 85.º alínea b) da LOFTJ), tornava-se indispensável que a autora pretendesse fazer valer um direito emergente, ou seja, um direito proveniente, directamente originado, assente na relação de trabalho, e tal não vem alegado por esta, que se baseia antes nos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a violação, pelos réus, do compromisso de sigilo profissional e de não concorrência, pelo prazo de dois anos, após deixarem de exercer funções na empresa da autora. Efectivamente, a indemnização pedida pela autora não se fundamenta no cumprimento defeituoso do contrato de trabalho, por parte dos réus, aliás, já extinto, em virtude de cessação, por iniciativa do trabalhador, ou de revogação, por mútuo dissenso, razão pela qual as questões suscitadas na acção não emergem, directamente, da relação laboral que, outrora, existiu entre as partes” (sublinhado nosso) (cfr. www.dgsi.pt) (cfr. também neste sentido, vd. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Junho de 2009).
O. Ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, resulta à saciedade que os efeitos da referida cláusula de não concorrência pós-contratual não radicam, na sua essência, na relação de trabalho subordinado ou na sua cessação, antes assumindo natureza cível e apenas ganhando projecção na esfera jurídica da R./Apelada, limitando a sua liberdade contratual, após essa mesma cessação do contrato de trabalho.
P. No caso em apreço, e não obstante o douto Tribunal a quo não ter baseado a sua argumentação neste ponto, a competência dos tribunais do trabalho também não poderá advir do disposto na alínea o) do artigo 85.º da LOFTJ, uma vez que não existe sequer cumulação com pedido para o qual os tribunais do trabalho sejam directamente competentes.
Q. O Tribunal a quo não interpretou correctamente a lei aplicável aos factos vertidos no presente processo, tendo a sentença recorrida violado o disposto nos artigos 66.º do CPC e 18.º e 85.º alínea b) da LOFTJ.
R. Outra deveria ter sido a interpretação dada pelo Tribunal a quo quanto a esses preceitos legais, em particular considerando, em razão da matéria factual constante dos autos, que o pedido de pagamento de indemnização por violação de obrigação de não concorrência pós-contratual não é uma questão emergente de relação de trabalho subordinado, mas antes um pedido fundado na responsabilidade civil por acto ilícito da R./Apelada, devendo ser o referido Tribunal a quo (enquanto tribunal judicial) competente para julgar o presente caso.
S. Em suma, os motivos invocados contra a decisão do Tribunal a quo deverão ser acolhidos, conduzindo à conclusão de revogação da sentença recorrida, por violação também do disposto nos artigos 66.º do CPC e 18.º e 85.º alínea b) da LOFTJ, e sua substituição por outra que aplique a regra supletiva (artigos 18.º da LOFTJ e 66.º do CPC) e julgue o Tribunal a quo como materialmente competente para decidir o presente caso.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objecto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), redacção actual, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, importa decidir se a competência material para decidir a presente acção deve ser deferida ao tribunal cível ao tribunal do trabalho.

B- De Facto
Os elementos fácticos relevantes para apreciação da questão constam do antecedente relatório.
A que se acrescenta a transcrição das pertinentes cláusulas do anexo ao contrato de trabalho onde as mesmas foram inseridas:
“SEGUNDO: Não concorrência pós-contratual: Da mesma maneira, e em conformidade com o previsto no Art.º 146 nº2 do Código do Trabalho, o trabalhador não poderá concorrer com a actividade da empresa, durante os dois anos seguintes ao termo do contrato, independentemente da causa de extinção deste, seja mediante trabalhos por conta própria ou alheia ou mediante qualquer tipo de participação do mesmo ou similar conteúdo.”
“TERCEIRO: Como compensação a tais pactos acorda-se uma compensação económica que satisfará no ordenado (…) pro-rateado em 14 prestações (…) pelo conceito de “não concorrência contratual.”
“QUARTO: Caso se verifique incumprimento da parte do trabalhador ao exposto nas cláusulas anteriores, este deverá indemnizar a empresa com o equivalente ao recebido como compensação por cada pacto até esse momento, dependendo do acordo ou acordos quebrados.”

III- DO CONHECIMENTO RECURSO
Está em causa apurar se um tribunal cível é competente em razão da matéria para apreciar e decidir a presente acção ou se, ao invés, como decidido no despacho recorrido, essa a competência está deferida ao tribunal do trabalho.
Conforme o próprio despacho recorrido menciona e as partes profusamente também citaram nos seus articulados, existem decisões jurisprudenciais num e noutro sentido.
Importa, em nosso entender, em vez de se discutirem as eventuais similitudes dessas decisões com o caso presente, com vista a optar-se por uma ou outra das teses em confronto, interpretar a lei e, sobretudo, atentar nos contornos do caso concreto, o que implica uma análise da causa de pedir e do pedido formulado.
Antes disso, e em termos sintéticos, importa enquadrar a questão a decidir.
A competência interna é o poder atribuído a determinado tribunal para julgar certa acção considerando os critérios estabelecidos na lei (matéria, hierarquia, valor e território), estando esses critérios vertidos, essencialmente, na Lei Orgânica de Funcionamento dos Tribunais Judicias (LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13.01, e alterações subsequentes, conforme consta nos seus artigos 17.º e seguintes). Veja-se, porém, o que vem prescrito, a esse propósito, nos artigos 66.º a 69.º do CPC.
A competência do tribunal é, assim, um pressuposto processual do qual depende o conhecimento do mérito da causa e que se fixa no momento em que a acção é proposta (artigo 22.º, n.º1 do LOFTJ).
No que concerne à competência em razão da matéria (ou absoluta), prescreve o artigo 18.º, n.º1 da LOFTJ que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (idem artigo 66.º do CPC).
Por seu turno, no âmbito dos tribunais judiciais, são os juízos de competência especializada cível, aqueles que possuem competência residual (artigo 94º da LOFTJ), ou seja, a sua competência recorta-se pela negativa: se a causa, em razão da matéria, não estiver por lei atribuída a outro tribunal, mormente a um tribunal de competência especializada, como é o caso dos tribunais do trabalho, tem competência para a mesma.
No caso, está em apreciação o artigo 85.º, n.º1, alínea b) da LOFTJ (a inexistência de pedidos cumulados arreda a possibilidade de aplicação da alínea o) do mesmo preceito), que prescreve: “Compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível:
(…)
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho.”
Perfila-se, assim, a aplicação do 1.º segmento do preceito, considerando que a autora alega a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação, decorrendo a sua pretensão da violação de uma cláusula contratual inserta num anexo ao contrato individual de trabalho, dele fazendo parte integrante (“inseparável” conforme se menciona no título do referido anexo).
As questões emergentes de relações de trabalho subordinado constituem o núcleo essencial das questões que enformam a competência material dos tribunais do trabalho. Porém, este núcleo não é fechado, já que é complementado por sucessivos núcleos de alargamento a outros problemas conexos com esse núcleo fundamental (veja-se a alínea o) do preceito), por vezes, até previstos em legislação avulsa (veja-se a alínea s) do mesmo preceito).
É sabido que o critério determinativo da competência é o da causa de pedir e do pedido, já que este é uma consequência lógica daquela.
Enquanto nas acções cíveis, di-lo o artigo 498.º, n.º 4 do CPC, a causa de pedir é um acto ou facto jurídico, a causa de pedir inserta numa acção para qual seja competente o tribunal do trabalho, é um direito ou uma relação jurídico-laboral.
Assim, se a parte apresenta uma demanda em que a causa de pedir não assenta em actos ou factos relacionados, directa ou indirectamente, com uma relação jurídico-laboral, seguramente a competência para a sua apreciação está deferida a um outro tribunal que não seja o tribunal do trabalho; se, ao invés, se tiver de se socorrer de factos que enformam e caracterizam a relação jurídica laboral, quer estejam relacionados com a sua celebração, quer estejam relacionados com a sua execução ou extinção, dificilmente, se poderá dizer que está excluída a competência do tribunal do trabalho para apreciação daquela causa.
Ora, no caso em apreço, não se nos afigura sequer questionável que o pedido formulado pela autora decorre da existência, execução e cessação de um contrato de trabalho.
Sem a celebração do contrato de trabalho, a cláusula de não concorrência pós-contratual não tinha suporte fáctico-jurídico; sem a sua execução, a ex-empregadora não tinha pago qualquer compensação, como alega ter pago; e, finalmente, sem a extinção, a autora não alegaria a violação do pacto de não concorrência pós-contratual por parte da ré, nem esta teria de se defender de tal alegação.
Acentua a apelante que o contrato de trabalho se encontra extinto. Porém, esta consideração é irrelevante, pois a competência dos tribunais do trabalho também se verifica quando estão em causa litígios surgidos após a relação de trabalho. O que releva é se o litígio está em conexão com a relação de trabalho já extinta.
Defende também a apelante a autonomia da cláusula (ou pacto) de não concorrência em relação ao contrato de trabalho, sublinhando que se trata de um negócio jurídico de carácter civil.
O argumento é meramente formal. Se a cláusula foi inserta num contrato de trabalho (ou num anexo que dele faz parte, é indiferente para o caso), trata-se de uma cláusula acessória do contrato de trabalho, aliás só admissível se obedecer aos requisitos previstos na legislação laboral, conforme prescreve o artigo 146.º do CT/2003, em vigor à data da celebração do contrato (cfr. artigo 136.º do CT/2009), já que, em regra, tais cláusulas por serem limitativas da liberdade de trabalho e de escolha da profissão e, noutra perspectiva, da liberdade económica e da empresa, são proibidas (n.º 1 do artigo 146.º do CT/2003).
O facto da violação daquela cláusula por parte do ex-trabalhadora, como vem alegado pela autora, gerar responsabilidade civil contratual, não lhe retira aquela natureza acessória. Não se pode esquecer que o Direito do Trabalho é um ramo do direito privado, especial é certo, mas privado, pelo que o instituto da responsabilidade civil aplica-se, naturalmente, às relações jurídico-laborais, ainda que haja regras especiais prevalecentes em face da assimetria características das relações jurídicas subordinadas.
Dizer-se, por outro lado, que a cláusula só vai gerar obrigações após a extinção da relação laboral, é olhar apenas para um lado da questão, sobretudo no caso presente. Veja-se que as partes estipularam que a obrigação a cargo da empregadora (a compensação económica mencionada na cláusula 3.ª do anexo) vencia-se periódica e sucessivamente durante a execução da relação de trabalho e não após a sua extinção. E o pedido formulado pela autora está directamente relacionado com o montante pago durante a execução do contrato, já que o valor da indemnização foi fixado a forfait tendo como medida os valores que foram sendo pagos. O pedido não se reporta a qualquer pagamento (compensação) feito após a extinção do contrato, como seria, em princípio, devido em face do artigo 146.º, n.º 2, alínea c) do CT. Nem sequer se reporta a efectivos prejuízos sofridos pela autora pela violação do pacto de não concorrência, como também seria, em princípio, devido em face da alínea b) do mesmo preceito. Não, a indemnização pedida, no caso, está directamente relacionada com a execução e com a violação do contratualizado, ou seja, com a relação jurídica laboral. Naturalmente, que a violação por parte da ré só poderia ocorrer finda a relação laboral, mas tal é inevitável, visto que o que foi acordado foi um pacto de não concorrência pós-contratual, como está expressamente escrito na cláusula 2.ª do anexo ao contrato de trabalho, correspondendo, assim, a um efeito acessório da própria cessação do contrato.
Em síntese, in casu, atenta a causa de pedir e pedido formulado, a violação da alegada cláusula de não concorrência pós-contratual, configura uma questão emergente da relação de trabalho subordinado que vigorou entre as partes, pelo que, nos termos do artigo 85.º, n.º1, alínea b) da LOFTJ, compete aos tribunais do trabalho apreciar e decidir a presente acção, nenhuma censura merecendo o despacho recorrido.
Dado o decaimento, as custas da apelação ficam a cargo da apelante (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Em síntese (n.º 7 do artigo 713.º do CPC):
A violação de cláusula de não concorrência pós-contratual, configura uma questão emergente de relação de trabalho subordinado, pelo que os tribunais do trabalho são competentes para dela conhecer, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 85.º da LOFTJ.

IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela apelante.

Porto, 16 de Abril de 2012
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira