Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2728/07.5TBVFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ACTA DA ASSEMBLEIA
TÍTULO EXECUTIVO
PARTICIPAÇÃO
DELIBERAÇÃO ANULÁVEL
ÓNUS DA PROVA
CONVOCAÇÃO POR FAX
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP201110182728/07.5TBVFR-A.P1
Data do Acordão: 10/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1433º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - E indiferente à acta da assembleia dos condóminos, enquanto título executivo, que o condómino tenha participado ou não tenha participado na assembleia, dado que a definição deste título como executivo não passa pela assunção pessoal de uma obrigação.
II - Provando-se que o condómino ou os condóminos não foram convocados para determinada assembleia, as deliberações nela tomada são anuláveis, nos termos do art° 1433° n°1 C.Civ.
III - Face ao regime da anulabilidade, constante dos n°s 2 e 4 do art° 1433° C.Civ., dependendo a arguição da invalidade da impugnação do acto pelo interessado, sob pena de nos encontrarmos perante um acto válido, a alegação e a prova de que existiu impugnação da assembleia sempre caberia ao Oponente, por se tratar de um facto impeditivo do direito do Autor / Exequente
IV - O Oponente que sempre aceitou que as notificações relativas à realização de assembleias de condóminos, suas datas e conteúdo do aí deliberado, lhe fosse transmitido por “fax”, sendo o respectivo número do conhecimento da Administração, incorre em venire contra factum proprium, na modalidade de inalegabilidade de nulidades formais, se invoca que a dita Administração não cumpriu com as necessárias comunicações através de carta registada com aviso de recepção.
V - A acta de assembleia de condóminos que constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar a sua quota-parte é aquela que prevê a constituição das obrigações do condómino, não sendo necessário que tal acta certifique as obrigações já vencidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 2728-07.5TBVFR-A.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª instância de 22/4/2011. Adjuntos – Desembargadores Mª das Dores Eiró e João Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo incidental de oposição à execução comum, com o nº2728/07.5TBVFR-A, do 1º Juízo Cível da comarca de Stª Mª da Feira.
Oponente/Apelante – B…, Ldª.
Exequente/Apelado – Condomínio ….

Tese do Oponente
Os títulos executivos apresentados são duas cópias de actas, datadas de 6/4/2006 e de 6/12/2006, dos quais não consta a respectiva convocação, a participação da Oponente ou a posterior comunicação à Oponente, nem consta a alegação de que a ora Oponente manifestou o seu assentimento ou discordância quanto ao decidido, tudo isto nos termos do disposto nos artºs 1432º e 1433º C.Civ.
Não tendo efectivamente acontecido qualquer dos factos que à Oponente cumpria alegar, não devem ser admitidos como títulos executivos documentos que a Oponente não subscreveu, nem deles teve conhecimento.
Tese do Exequente
Impugna motivadamente o alegado, em matéria de convocação da Oponente para as Assembleias e do respectivo conhecimento posterior do que aí foi decidido.
Mais sustenta a exequibilidade dos títulos apresentados.

Sentença Recorrida
Na sentença final, a Mmª Juiz “a quo” julgou a oposição improcedente, por não provada, absolvendo o Exequente do pedido, determinando o normal prosseguimento da execução.

Conclusões do Recurso de Apelação (resenha):
1 – Para que a acta de Assembleia de Condóminos possa ser usada como título executivo, exige-se que reúna todos os requisitos dos artºs 1432º e 1433º C.Civ.
2 – E que se baste a si mesma, devendo tal acta integrar todos os elementos que permitam a decisão sobre a exequibilidade, ou não, do respectivo título.
3 – O título executivo deverá integrar ou ser acompanhado, pelo menos, de elementos que contenham a demonstração clara e inequívoca:
a) de que a assembleia foi regularmente convocada, no que expressamente respeita ao condómino em causa;
b) de que o condómino em causa participou na reunião, independentemente do seu sentido de voto;
c) de que, em caso de ausência do condómino, a deliberação lhe foi comunicada, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias após a assembleia;
d) de que o condómino ausente, após esta última comunicação, não impugnou a assembleia e/ou manifestou o seu assentimento ou discordância.
4 – Não existe a demonstração destes elementos nas actas que se pretendem executar nestes autos, pelo que as mesmas não podem constituir títulos executivos.
5 – E tais elementos, a existirem, deviam constar do requerimento inicial.
6 – Quando o preceito legal atrás citado se refere à acta que tiver “deliberado o montante”, refere-se à acta em que se decida que determinado montante, devidamente concretizado no documento, vai ser exigido ao condómino.
7 – Estes elementos concretos (valor a pagar, modo de pagamento, quem tem obrigação de pagar, entre outros) deverão constar todos eles da própria acta, para que esta seja integrante do elenco dos títulos executivos.
8 – Ou então, no que não se concede, mas se admite, por cautela, acompanharem o título com a sua junção, com o requerimento inicial.
9 – Existindo como existe uma forma legalmente estipulada para as comunicações entre os condóminos, é esta que se deve cumprir para assegurar a protecção de todos os intervenientes.
10 – A verificação sobre se o documento dado à execução é ou não título executivo tem de ser realizada com base nos elementos que se fizeram juntar no requerimento inicial de execução, ainda que se possa entender que, nesse momento, a acta fosse acompanhada de outros elementos que a pudessem auxiliar (mas sempre nesse momento inicial).
11 – A decisão em recurso violou o disposto nos artºs 46º nº1 al.c) C.P.Civ., 6º nº1 D.-L. nº 268/94 de 25 de Outubro e 1432º e 1433º C.Civ.

O apelado contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Factos Provados
1 – Nas actas datadas de 20 de Abril de 2006 e de 6 de Dezembro de 2006 não consta a convocação, a participação ou a posterior comunicação relativamente à executada/opoente.
2 – Por carta registada com aviso de recepção datada de 11 de Janeiro de 2007 o exequente comunicou à executada/opoente que “(…) se encontra em débito o valor de 702,22 €, relativo a cotas de condomínio de Janeiro de 2006 a Dezembro de 2006. Encontra-se ainda em dívida a quantia de 6.674,14 €, relativa a obras efectuadas no condomínio, devidamente aprovadas em Assembleia Geral de Condomínio. (…) solicito o pagamento de tal quantia, no prazo de 15 dias, (…)”.
3 - A opoente/executada não teve participação nas assembleias de 20/04/2006 e 06/12/2006.
4 - Consta da acta nº2/2006, para além do mais, o seguinte: “Ao sexto dia do mês de Dezembro de 2006, (…), reuniu (…) a assembleia de condóminos do prédio sito no … na …, concelho de St. Maria da Feira para deliberar sobre os seguintes assuntos:
1 – Actualização dos valores dos condomínos com quotas em atraso
2 – Assuntos de interesse geral (…)
Relativamente aos condóminos que têm as suas cotas em atraso, foi discutido e aprovado por unanimidade de todos os condóminos presentes, o seguinte: (…)
4º Processar judicialmente o condómino da fracção A e B, a empresa B…, Lda., uma vez que tem uma dívida com o condomínio no valor de 702,22 €, referente a cotas desde Janeiro de 2006 a Dezembro de 2006, bem como obras efectuadas no edifício no valor de 6,674,14 €. Decidiu-se accionar o referido condómino pelo valor em dívida à data, bem como as cotas que se vierem a vencer e não forem liquidadas atempadamente” (…).
5 - Consta da acta nº1/2006, para além do mais, o seguinte: “Ao vigésimo dia do mês de Abril de 2006, (…), reuniu (…) a assembleia de condóminos do prédio sito no … na …, concelho de St. Maria da Feira para deliberar sobre os seguintes assuntos:
1 – Apresentação do relatório de contas referente ao ano de 2005
2 – Eleição da administração para o ano de 2006
3 – Aprovação do orçamento para 2006
4 – Assuntos de interesse geral (…)
Foi apresentado o orçamento para a reparação total do edifício, e este foi aprovado por unanimidade, ainda neste ponto os condóminos foram comunicados que as obras se iniciaram em meados de Junho desde ano corrente, e que o respectivo pagamento por parte dos condóminos à administração será efectuado na sua totalidade até ao dia 31 de Maio do corrente ano. Os condóminos aprovaram unanimemente e deram poderes ao administrador geral para processar judicialmente todos os condóminos que não efectuarem o pagamento das referidas obras até à data estipulada e aprovada unanimemente pelos condóminos presentes nesta assembleia. (…)
(uma cópia da presente acta, mapa de pagamento das obras, será distribuída a todos os condóminos)
Obras no Edifício – custo por fracção – percentagens
Fracção Proprietário Permilagens Valor Total Valor por Fracção
A “B…, Lda” 4,19% 29.337,00 € 1.202,82 €
B “B…, Lda” 17,90 29.337,00 € 5.251,32 €.
6 – O conteúdo da carta mencionada em 2. e a comunicação da dívida são do perfeito conhecimento da executada.
7 - A executada é proprietária de duas fracções autónomas, “A” e “B”, no Edifício …, sito à Rua …, em …, Santa Maria da Feira, e não paga as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício desde Janeiro de 2006.
8 - A convocatória para a assembleia do dia 6 de Dezembro de 2006 foi comunicada à executada e a mesma teve conhecimento da sua realização.
9 – O dispositivo utilizado – o envio por fax da convocatória da assembleia do dia 20 de Abril de 2006, assim como a notificação à executada das actas das assembleias - é o meio habitualmente utilizado para convocar a executada ou para a notificar de qualquer assunto relacionado com o condomínio.
10 - O meio utilizado é o habitual e o usado desde sempre e comummente aceite pelas partes;
11 - A opoente teve conhecimento das deliberações tomadas.

Fundamentos
Em função das conclusões do recurso e do despacho em crise, as questões a apreciar no presente recurso serão as seguintes:
- Saber se tem a acta da Assembleia de Condóminos, apresentada como título executivo, que conter a demonstração: a) de que a assembleia foi regularmente convocada, no que expressamente respeita ao condómino em causa; b) de que o condómino em causa participou na reunião, independentemente do seu sentido de voto; c) de que, em caso de ausência do condómino, a deliberação lhe foi comunicada, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias após a assembleia; d) de que o condómino ausente, após esta última comunicação, não impugnou a assembleia e/ou manifestou o seu assentimento ou discordância.
- Saber se, quando o artº 6º D.-L. nº 268/94 de 25 de Outubro se refere à acta que tiver “deliberado o montante”, se refere à acta em que se decida que determinado montante, devidamente concretizado no documento, vai ser exigido ao condómino.
- Saber se a verificação sobre se o documento dado à execução é ou não título executivo tem de ser realizada com base nos elementos que se fizeram juntar no requerimento inicial de execução, ainda que se possa entender que, nesse momento, a acta fosse acompanhada de outros elementos que a pudessem auxiliar (mas sempre nesse momento inicial).
Vejamos então.
I
Adentrando-nos na primeira questão elencada, e de acordo com a factualidade documentalmente provada na acção, o Exequente apresenta como título executivos duas actas de assembleia de condóminos, actas essa nas quais, na primeira acta é apresentado um orçamento, no qual se prevêem despesas correntes e outras relativas a obras, a cargo dos condóminos, entre eles a ora Oponente; a segunda acta delibera accionamento judicial da ora Exequente, pelo montante que foi efectivamente dado à execução nos presentes autos.
Prova-se igualmente que, “nas actas datadas de 20 de Abril de 2006 e de 6 de Dezembro de 2006 não consta a convocação, a participação ou a posterior comunicação relativamente à executada/opoente” (facto 1º).
Esta matéria contende com a impugnação recursória, nos termos da qual o título executivo deveria conter a demonstração de que a assembleia foi regularmente convocada, designadamente quanto ao condómino demandado; de que o condómino em causa participou na reunião; de que, em caso de ausência do condómino, a deliberação lhe foi comunicada, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias após a assembleia; e ainda de que o condómino ausente, após esta última comunicação, não impugnou a assembleia e/ou manifestou o seu assentimento ou discordância.
Vejamos.
O D.-L. nº 268/94 de 25 de Outubro veio, como resulta do seu preâmbulo, “desenvolver alguns aspectos do regime da propriedade horizontal”, com o “objectivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o seu regime (…) facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros.
Nessa conformidade, o artº 6º veio conferir força executiva à “acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer outras despesas necessárias à conservação ou fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
Nessa conformidade, é indiferente a este título executivo assim formado que o condómino tenha participado ou não tenha participado na assembleia.
Na realidade, e como se afirmou no Ac.R.C. 29/6/99 Col.III/44, “a definição deste título como executivo não passa pela assunção pessoal de uma obrigação, através da aposição da assinatura num documento, no caso, a acta, mas pela necessidade de impor uma eficácia imediata à definição pelo órgão próprio e nos termos estatutários da vontade colectiva, que a todos, participem ou não na sua elaboração, se impõe”.
Solução contrária conduziria, de resto, a este absurdo: condómino que faltasse, silenciando-se perante o decidido, aprovava-o, nos termos do artº 1432º nº8 C.Civ., mas não se formava contra si título executivo; mas se o condómino estivesse presente, mesmo exprimindo o seu desacordo com a deliberação, votando contra, via formado contra si um título executivo.
II
O artº 1432º nº1 C.Civ. dispõe que “a assembleia de condóminos é convocada por meio de carta registada”.
A lei, todavia, não estabelece nitidamente a consequência da falta de convocatória de qualquer condómino, ao contrário do Código das Sociedades Comerciais, no seu artº 56º. Estabelece assim o artº 1433º nº1 C.Civ. que “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis, a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.
Desta forma, não distinguindo a lei, haverá de se considerar que o normativo prevê quer as deliberações inválidas em função do respectivo objecto (vício de conteúdo), quer as deliberações inválidas por virtude de irregularidades ocorridas na convocação dos associados (vício de formação).
Nem poderia deixar de ser assim, pois não é indiferente à lei, desde logo pelos cuidados postos na formalização legal da convocatória, que um condómino se veja impossibilitado de comparecer na assembleia por não ter sido convocado. Da mesma forma, o artº 174º nº3 C.Civ., quando se refere a irregularidades da convocação, não sugere ausência de consequências – se assim fosse, seria inútil estipular que a comparência de todos os associados a sanciona.
Desta forma, provando-se que o condómino ou os condóminos não foram convocados para determinada assembleia, as deliberações nela tomada são anuláveis – neste sentido, o Ac.R.G. 12/3/03, Scientia Juridica, 296º/366, que aliás seguimos de perto, neste segmento.
Note-se que não pareceria estar em causa a nulidade da deliberação da assembleia dos condóminos, sanção reservada para a infracção de normas de interesse e ordem pública, que digam respeito ao ordenamento legal da propriedade horizontal – assim, Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, III, 2ª ed., pg. 448.
Ora, como é sabido, a anulabilidade do acto jurídico depende da respectiva invocação pelo interessado – artº 287º nº1 C.Civ. O prazo para arguir a anulação, no conspecto da propriedade horizontal, é de vinte dias, contados sobre a deliberação de uma assembleia extraordinária, ou, se esta não reuniu, de 60 dias, acrescidos de um prazo anterior de 10 dias para requerer a assembleia extraordinária, este prazo a contar da comunicação da deliberação, para o condómino ausente – artº 1433º nºs 2 e 4 C.Civ.
E assim, dependendo a arguição da invalidade da impugnação do acto pelo interessado, sob pena de nos encontrarmos perante um acto válido, a alegação e a prova de que existiu impugnação da assembleia sempre caberia ao Oponente, por se tratar de um facto impeditivo do direito do Autor / Exequente – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, I, 3ª ed., artº 342º, nota 4.
Tendo o Oponente omitido tal alegação, não é de considerar que coubesse ao Exequente o esclarecimento da dúvida.
Idêntico raciocínio é de sustentar relativamente às deliberações da assembleia de condóminos cuja acta constitui título executivo, assembleia realizada em 6/12/2006 e de cujo conteúdo substancial foi dado conhecimento à Oponente por carta registada com a/r, datada de 11/1/07.
III
Tem a Oponente em parte razão quando afirma que é do título executivo que se deve retirar a validade da obrigação exequenda.
Como afirmam Antunes Varela, J. M. Bezerra e S. e Nora, Manual, 2ª ed., pgs. 79 e 92 a 94, cit. in Ac.R.E. 23/3/99 Col.III/267, o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsista ou não).
Certo será também, como afirma o Prof. Alberto dos Reis, Processo de Execução, 1º, pgs. 107ss., que o tribunal de execução, tendo assegurado que o título satisfaz os requisitos exigidos para ter força executiva, nada mais pode averiguar, cabendo-lhe colocar ao dispor do exequente os meios executivos.
Desta forma, ao título executivo cabe esta singularidade:
a) Para o juiz, o título vale muito mais do que qualquer instrumento de prova legal, porque, sentença ou título extra-judicial, torna certos o facto e o direito.
b) Mas para o devedor, o título vale muito menos que qualquer prova legal – a qual, como é sabido, vincula as partes com a tarifa que a lei lhe atribui – pois que o devedor pode atacar o título executivo, até quando se trate de um título judicial (v.g., sentença – e embora se deva acrescentar que os meios de oposição à execução baseada em sentença são mais restritos que os meios de oposição de que goza o devedor perante outros títulos – cf. artºs 813º e 815º C.P.Civ.).
Quer isto dizer o seguinte: não há dúvida que o título executivo nos autos é a acta ou as actas das assembleias de condóminos – artº 6º D.-L. nº 268/94 de 25 de Outubro. Assim, formalmente ou nas relações mediatas, podemos dizer que existe título e título susceptível de fundamentar uma pretensão executiva.
A questão porém não elimina a realidade do ónus de prova na acção executiva nem a possibilidade de contra-ataque do Executado, face ao título, usualmente baseando-se nas relações imediatas que tem com o Exequente.
E como afirma o Prof. Alberto dos Reis, op. cit., pg. 111, “a relação jurídica substancial, que até aí era impotente para abafar a eficácia do título executivo, afirma agora o seu predomínio, e afirma-o por intermédio da sentença proferida no processo de oposição, que é um verdadeiro processo jurisdicional ou declarativo; no terreno da oposição propriamente dita, é o título executivo que prevalece, em consequência do fenómeno da abstracção; mas no terreno da acção declarativa, o direito substancial vence naturalmente o título executivo, pela razão simples de que a abstracção cessa, a existência da causa é posta novamente em discussão e em exame, e desde que se apura que não existe, o efeito que dela emergira – a eficácia do título – tem de desaparecer”.
Ou seja, se a Oponente tem razão quando afirma a auto-suficiência do título, cabe-nos afirmar porém que a questão do ónus da prova e a questão da substância da relação jurídica, sobrepondo-se ao título, não desaparecem na acção executiva, apenas porque existe título executivo.
IV
Não cremos, portanto, que, em substância, a douta alegação do Oponente tenha colocado em causa os direitos substanciais espelhados no título dado à execução – ao invés, entendemos que as invalidades detectadas não afectam, por si sós, o título impugnado, cabendo à Oponente a prova de factos impeditivos do direito consubstanciado no título.
Poderia, porém, a Oponente invocar a pura e simples inexistência dos actos de notificação que fazem desencadear o direito a convocar uma assembleia extraordinária ou até a propor uma acção de anulação – artº 1433º nºs 2 e 4 C.Civ.
Vista a questão por um tal prisma, encontrar-nos-íamos perante a correcta caracterização dos elementos constitutivos do direito do Exequente.
Desta forma, cumpre relembrar os factos provados:
“8 - A convocatória para a assembleia do dia 6 de Dezembro de 2006 foi comunicada à executada e a mesma teve conhecimento da sua realização.”
“9 – O dispositivo utilizado – o envio por fax da convocatória da assembleia do dia 20 de Abril de 2006, assim como a notificação à executada das actas das assembleias - é o meio habitualmente utilizado para convocar a executada ou para a notificar de qualquer assunto relacionado com o condomínio.”
“10 - O meio utilizado é o habitual e o usado desde sempre e comummente aceite pelas partes;”
“11 - A opoente teve conhecimento das deliberações tomadas.”
Esta a resposta que os factos, através da alegação da Exequente.
De resto, a Oponente aceita que foi notificada através de carta registada com aviso de recepção, para a assembleia de Dezembro de 2006, assembleia essa que mandatou a administração para “processar judicialmente os condóminos”, e a ora Oponente pelo montante da dívida exequenda.
Para a assembleia de Abril, que fixou os montantes das obrigações dos condóminos, é que terá a Oponente sido convocada pelo meio habitual – fax – de que teve conhecimento. Teve também a Oponente conhecimento das deliberações tomadas, designadamente da deliberação executada, através de carta registada com aviso de recepção, datada de 11/1/2007 (facto 2º).
Ora, cumpre constatar que à Oponente foi regularmente comunicado o conteúdo da acta exequenda e relativa a uma assembleia em que a mesma Oponente se não fez representar, conforme o disposto no artº 1432º nº6 C.Civ.
Por outro lado, demonstra-se nos autos que a Oponente de tudo teve conhecimento, e pelos meios de comunicação que eram usuais, entre a administração do condomínio e a ora Oponente.
A douta sentença em crise faz aqui apelo ao instituto do abuso de direito (artº 334º C.Civ.), e muito bem, em nosso entender.
Como salientou o Prof. Meneses Cordeiro (O Direito 126º/pg. 701 ou R.O.A 58º/pg. 964), são os seguintes, os quatro pressupostos de protecção da confiança através do venire contra factum proprium –
1º - uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredita numa conduta alheia (no factum proprium);
2º - uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;
3º - um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido, por parte do confiante, o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade, pelo venire, e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;
4º - uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança, no factum proprium, lhe seja de algum modo recondutível.
Todos estes quatro requisitos se encontram presentes, no caso dos autos, revelando a estabilidade e a certeza da convocação ou da informação através de “fax”, imputável à própria pessoa da Oponente, que nunca se manifestou contrária a tais notificações, ou invocou o disposto na lei (a notificação assumia a forma “comummente aceite pelas partes”), excepto quando demandada em juízo.
No sentido de que se pode configurar uma situação de abuso de direito por parte de quem invoca a invalidade de um negócio por falta de forma, pode invocar-se hoje a maior parte da doutrina portuguesa, na esteira de Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª ed., pgs. 437ss. e Meneses Cordeiro (revendo a posição que sustentou na sua tese Da Boa Fé no Direito Civil), Tratado, I/tomo IV/§ 131 nº III – também a inúmera jurisprudência ali citada, a que acrescentaremos Ac.R.P. 20/3/07 Col.II/162, Ac.R.L. 29/4/04 Col.II/113, Ac.R.L. 1/4/03 Col.II/103 e Ac.R.P. 30/5/01 Col.III/205.
Em resumo, mesmo não tendo sido a assembleia regularmente convocada, designadamente quanto ao condómino demandado, a invocação de tal irregularidade ou invalidade não pode operar, por força do abuso de direito da Oponente na respectiva invocação – artº 334º C.Civ.; idêntico raciocínio é de aplicar à outra invocação relativa à falta de comunicação da deliberação, vista a ausência do Condómino / Oponente, através de carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias após a assembleia.
Desta forma, em função do acervo argumentativo adrede exposto, improcedem as doutas alegações de recurso, nomeadamente as que supra sumariadas ficaram nos primeiro e terceiro parágrafos da fundamentação de direito do presente acórdão.
V
O artº 6º nº1 D.-L. nº268/94 de 25 de Outubro refere que a acta da reunião da Assembleia de Condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota parte.
As doutas alegações de recurso entendem que é necessário que a assembleia de condóminos se pronuncie sobre o montante das quantias já em dívida, na altura da deliberação, ao condomínio, para que exista título executivo, nomeadamente quanto ao valor a pagar, modo de pagamento, quem tem obrigação de pagar, e outros.
Note-se que a acta nº2, de Dezembro de 2006, parece satisfazer tais exigências de concretização da obrigação e do respectivo sujeito passivo.
Mas diga-se, em abono da verdade, que a lei não vai tão longe (e veja-se o Ac.R.L. 25/11/99 Col.V/105).
São características da exequibilidade do título a certeza, a exigibilidade e a liquidez, segundo dispõe o artº 802º C.P.Civ.
Genericamente, a obrigação é certa quando esteja comprovada por título executivo que dê a conhecer os respectivos objecto e sujeitos; é exigível quando está vencida (Ac.R.P. 8/1/96 Col.I-185); é líquida quando se acha determinada (Lopes Cardoso, Manual, artº 802º).
Ora, conjugando a invocação de que tais quantias não se encontram pagas com o teor da acta de Abril de 2006, da qual constavam as quotizações aprovadas em Assembleias de Condóminos devidamente documentadas pela respectiva acta, é possível atingir uma obrigação referente a quotizações, com base em permilagem, que possui as características de exigibilidade supra referidas, designadamente por ser líquida, encontrando-se determinada.
Não se deve exigir a certificação pela Assembleia, designadamente por deliberação expressa, de que as prestações não foram pagas e se encontram consequentemente em dívida os montantes correspondentes (neste sentido, Ac.R.E. 5/12/02 Col.V/246 e Ac.R.L. 17/2/09 Col.I/123,).
Antes incumbirá ao Executado defender-se por oposição, invocando o pagamento (artº 815º nº1 C.P.Civ.).
Mas ainda que se considere que ao título executivo não basta a acta em que se reconhece que determinado condómino não pagou a quotização em atraso, devendo tal acta ser completada por outra, da qual conste a fixação da quota parte de cada condómino para as despesas comuns, e prazo de pagamento, vimos já como, no caso dos autos, esta hipótese se não verifica, face ao teor certificativo da dívida, constante das duas actas, de Abril e de Dezembro de 2006, designadamente desta última acta de Dezembro, da qual consta deliberação sobre o montante em dívida.

Resumindo a fundamentação:
I – É indiferente à acta da assembleia dos condóminos, enquanto título executivo, que o condómino tenha participado ou não tenha participado na assembleia, dado que a definição deste título como executivo não passa pela assunção pessoal de uma obrigação.
II – Provando-se que o condómino ou os condóminos não foram convocados para determinada assembleia, as deliberações nela tomada são anuláveis, nos termos do artº 1433º nº1 C.Civ.
III – Face ao regime da anulabilidade, constante dos nºs 2 e 4 do artº 1433º C.Civ., dependendo a arguição da invalidade da impugnação do acto pelo interessado, sob pena de nos encontrarmos perante um acto válido, a alegação e a prova de que existiu impugnação da assembleia sempre caberia ao Oponente, por se tratar de um facto impeditivo do direito do Autor / Exequente
IV – O Oponente que sempre aceitou que as notificações relativas à realização de assembleias de condóminos, suas datas e conteúdo do aí deliberado, lhe fosse transmitido por “fax”, sendo o respectivo número do conhecimento da Administração, incorre em venire contra factum proprium, na modalidade de inalegabilidade de nulidades formais, se invoca que a dita Administração não cumpriu com as necessárias comunicações através de carta registada com aviso de recepção.
V - A acta de assembleia de condóminos que constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar a sua quota-parte é aquela que prevê a constituição das obrigações do condómino, não sendo necessário que tal acta certifique as obrigações já vencidas.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o presente recurso, em consequência confirmando integralmente a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.

Porto, 18/X/2011
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa