Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1671/10.5TXPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Nº do Documento: RP201210031671/10.5TXPRT-C.P1
Data do Acordão: 10/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Decorridos 2/3 da pena, a aplicação da liberdade condicional depende da avaliação das necessidades de prevenção especial, na vertente positiva, tendo em atenção a perigosidade revelada pelo condenado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 1671/10.5TXPRT-C.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

1. No Processo n.º 1671/10.5TXPRT do 2.º Juízo do Tribunal de Execução de Penas do Porto, em que são:

Recorrente/Arguido: B…

Recorrido: Ministério Público

foi proferida decisão em 2012/Abr./30, a fls. 161-169, que não concedeu a liberdade condicional ao arguido e cumpridos que estão 2/3 da sua pena de prisão.
2. O arguido insurgiu-se e interpôs recurso em 2012/Jun./08, a fls. 177-188, pugnando pela revogação desse despacho e pela concessão da liberdade condicional, acabando por concluir nos seguintes termos:
1.º) O arguido preenche os requisitos materiais e formais para lhe ser concedido o regime de liberdade condicional;
2.º) De todos os relatórios e pareceres existentes nos autos e que se destinam a instruir o processo de liberdade condicional – DGSP e DGSR – bem como do próprio Ministério Público, resulta de sobremaneira que o recorrente se encontra nas condições necessárias para lhe ser concedida a liberdade condicional, atento o n.º 3 do artigo 61.º do Código Penal;
3.º) Não pode o recorrente ser condenado duas vezes pelo mesmo crime, pela mesma má escolha, estando ciente da gravidade da sua conduta, não tendo durante todo o tempo de reclusão sido sujeito a qualquer punição disciplinar e tendo adoptado comportamentos socialmente correctos aquando de todas as duas saídas;
4.º) A decisão proferida contém conclusões que não podem ser retiradas das diligências de prova nas quais se baseou, dado o carácter favorável de todas elas.
3. O Ministério Público respondeu em 2012/Jul./06 a fls. 192-193, sustentando que o recurso merece provimento, mantendo a posição anteriormente assumida para a concessão da liberdade condicional.
4. Remetidos os autos para esta Relação, onde foram autuados em 2012/Ago./08 e indo os mesmos com vista ao Ministério Público, foi por este, em 2012/Ago./10, emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
5. Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, colhendo-se de seguida os vistos legais, nada obstando a que se conheça do mérito deste recurso.
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O objecto do presente recurso centra-se na existência ou não de fundamentos para a concessão da liberdade condicional.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Circunstâncias a considerar
Da decisão recorrida transcrevem-se os seguintes factos relevantes:
A. O condenado encontra-se a cumprir, pela prática dos indicados crimes, a pena de:
a) NUIPC PCC 3108.7PEBRG – Vara Mista TJ Braga:
- 1 crime de tráfico de estupefacientes (21.º DL 15/93 de 22JAN) (4A6M de prisão)
(factos de 31jan2008 a 9mai2008) (cocaína e heroína em quantidades que atingem, em cada uma das sucessivas apreensões, dezenas de gramas individualmente)
(Ac. de 1.8 instância de 5dez2008 – confirmado por Ac. do TRG de 18mai2009 — trânsito em julgado de 2jun2009)
b) NUIPC PCS 1243109.7PBBRG— 1.° J. Cr TJ Braga:
- 1 crime de furto simples (203° CP) (45D de prisão)
B. Iniciou o cumprimento da pena do NUIPC PCC 3108.7PEBRG – Vara Mista TJ Braga em 22ju12009 (operando desconto, face a detenção (2D) e m.c privativa da liberdade, a operar entre 29mai2008 e 22ju12009 — art. 80.º do CP), com termo previsto para 26nov2012, o 1/2 vencido em 26ago2010 e os 2/3 para 26mai2011.
C. Entre 7ago2010 e 20ago2010 cumpriu a pena de 45D à ordem do NUIPC PCS 1243109.7PBBRG — 1.º J Cr. J Cr TJ Braga.
D. Regressado ao cumprimento da pena do NUIPC PCC 3108.7PEBRG —Vara Mista TJ Braga passo a ter ½ para 1 6set2010, 2/3 para 26/Jun2011 e termo para 9jan2013.
E. Tem antecedentes criminais válidos:
a) PCC 71/05.3PEBRG — Vara Mista TJ Braga - crime de tráfico de estupefacientes (21.° DL 15/93 de 22JAN) (IOM de prisão, suspensa na execução por 3A) (factos de set2005 — ac. condenatório de 19mar2007, transitado em julgado em 3abr2007) (extinta em 23set2009 — LN + art. 371°-A do CPP)
F. É a 1.ª reclusão.
G. Referências constantes do SIPR (ficha biográfica – situação jurídico penal – do condenado):
1 - processos pendentes:
a) nada consta.
2 - outras penas autónomas a cumprir:
a) nada consta.
3 – medidas de flexibilização de pena:
a) RAI – desde ljun211
b) LSJ – 5 – a última a 23ago2011;
c) LCD – 1 – a última a 13jun2011;
H. Os elementos do Conselho Técnico emitiram parecer unânime favorável à concessão da liberdade condicional.
I. Ouvido o condenado declarou o mesmo consentir na liberdade condicional.
J. O Ministério Público emitiu parecer favorável à concessão da liberdade condicional.
K. Dos relatórios da DGSP e DGRS, e da audição do condenado, em conclusão, extrai-se que:
1 – comportamento prisional /registo cadastral:
O condenado tem mantido, no passado recente comportamento prisional estável, não contando com infracções disciplinares nesta reclusão.
2 – situação económico-social e familiar:
O condenado é divorciado, canalizador de profissão, tem como habilitações literárias o 6.° ano; Cresceu em ambiente funcional; viveu a adolescência sob a égide de estupefacientes o que o trouxe à reclusão; tem percurso laboral instável: viveu, e pretende viver, junto dos pais, contando com esse apoio familiar: o enquadramento habitacional tem condições adequadas; não operam sentimentos de rejeição social
3 – perspectiva laboral/educativa:
O condenado, com percurso laboral instável face à toxicodependência de longa data, verbaliza promessa de trabalho junto do pai na actividade de pichelaria.
4 – caracterização pessoal:
O condenado, apresenta discurso de escasso juízo crítico sobre os factos, factos esses que assume. Revela sinais de compreensão dos fins e sentido da pena, mantendo ainda a razão da sua acção numa centralização ligada ao carácter compulsivo inerente ao consumo de estupefacientes e na simples e directa opção de ganhos que tal lhe permitissem. Frequentou em sede prisional formação profissional, estando hodiernamente ocupado como faxina do refeitório. É pessoa que revela motivação crescente para a mudança. É apto a essa mudança, necessitando ainda adoptar atitude de plena consciencialização e crescimento face à sua trajectória de vida.
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2. Fundamentos do recurso
i) Os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade das penas e a liberdade condicional
A Constituição estabelece no seu artigo 18.º, n.º 2 que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, enuncia vinculativamente para os Estados Membros no seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.”
Decorre da conjugação destes preceitos o princípio da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas, não só na sua escolha e determinação, assim como na sua execução, mormente quando as reacções penais forem privativas da liberdade. A proporcionalidade tem sido perspectivada a partir de três sub-princípios: da idoneidade ou adequação (i), da necessidade ou exigibilidade (ii), ambos respeitantes à optimização relativa do que é factualmente possível, e da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa medida (iii), o qual se reporta à optimização normativa, seja a propósito dos direitos, liberdades e garantias em geral (Ac. TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008[1]), seja especificamente no que concerne às reacções penais (Ac. TC 370/94, 527/95, 958/96, 329/97).
Também será de referir que tanto na determinação como na execução das penas, dever-se-á atender às finalidades destas, que segundo o art. 40.º do Código Penal, consistem na “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica ou social, típica da prevenção geral[2], seguindo-se as vertentes da prevenção especial.
Por sua vez e de acordo com o artigo 42.º, n.º 1 do Código Penal “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável”, o que veio a ser renovado no artigo 2.º, n.º 1 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade[3] (CEP), ao estipular-se que “A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando -o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade”.
Tudo isto reforça a ideia de que a execução de uma pena de prisão tem essencialmente na sua base, sendo de resto a sua âncora, razões nítidas de prevenção geral (i), associadas à defesa da sociedade e à paz jurídica ou social, mas também orientações de prevenção especial (ii), especialmente na vertente da ressocialização do arguido.
Para o efeito e no que concerne à liberdade condicional, fixou-se no artigo 61.º do Código Penal, de modo escalonado e proporcionado, os requisitos de flexibilização da execução da pena de prisão, optando-se não só por uma diferenciação temporal dos pressupostos formais, como também por uma diferenciação material dos seus pressupostos discricionários.
Assim e partindo-se sempre do pressuposto formal unívoco da existência de consentimento por parte do condenado (n.º 1), centraram-se os demais pressupostos formais para a antecipação da liberdade a partir de um certo período de cumprimento da pena de prisão. Daí que enquanto a liberdade condicional facultativa tanto pode ocorrer a 1/2 (n.º 2) ou a 2/3 (n.º 3) da execução da pena de prisão, a liberdade condicional de carácter obrigatório ou automático ocorre quando essa execução perfaça o cumprimento de 5/6 de pena de prisão (n.º 4), mas desde que esta seja superior a 6 anos.
Do exposto decorre que a liberdade condicional corresponde a um instituto de natureza incidental que ocorre no decurso da execução da pena de prisão (Ac. do TC 427/2009, Ac. Uniformizador STJ 2/99, DR35/99 I-A; Ac. TRP 10/Mar/2010)[4] e que é exclusivo desta, não sendo, por isso, extensível a outras reacções penais privativas da liberdade e substitutivas da pena de prisão (v. g. o regime de permanência na habitação; Ac. TRP 28/Jan./2009)[5]. Tratando-se, essencialmente, de um período de transição entre a prisão e a liberdade (Ac. TRP de 10/Fev./2010)[6], o mesmo pode estar sujeito a medidas prévias de adaptação e antecipação da liberdade condicional (62.º Código Penal), flexibilizando-se a execução da pena de prisão, ou então a restituição à liberdade provisória pode ficar condicionada a certas regras de conduta, que até pode implicar um regime de prova e um plano de reinserção social (64.º Código Penal).
Importa no entanto reter que a concessão de liberdade condicional não tem subjacente qualquer “ideia de benefício penitenciário”, nem pode ser vista como uma “medida de clemência”, sendo antes, na perspectiva do recluso, um verdadeiro direito subjectivo (i), assente na sua responsabilização e no esforço da sua reinserção social (Ac. TRP de 08/Set./2010, 25/Mar./2010)[7], e na perspectiva do tribunal, num autêntico poder-dever de concessão da liberdade condicional (ii), verificados que estejam os seus pressupostos formais e materiais (Ac. TC 427/2009).
Nestas últimas acentuam-se as finalidades preventivas na execução das penas, tanto na sua dimensão geral de integração e defesa do ordenamento jurídico, como na sua dimensão especial de ressocialização (Ac. TRP 14/Abr./2010)[8]. Daí que a liberdade condicional só possa ser recusada, como se enunciou neste último aresto, “se a libertação afrontar as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico ou na decorrência de motivo sério para duvidar da capacidade do recluso para, uma vez em liberdade, não repetir a prática de crimes”.
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ii) A liberdade condicional facultativa na modalidade do cumprimento de 2/3 da pena de prisão
A propósito desta modalidade de concessão da liberdade condicional facultativa, estabeleceu-se no artigo 61.º, n.º 3 do Código Penal que “O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior”. Desta alínea a) resulta que só será concedida a liberdade condicional quando “For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”.
Não se dá, nesta segunda modalidade de liberdade condicional facultativa a mesma relevância que se confere à prevenção geral quando apenas se atinge metade desse cumprimento (Ac. TRP de 28/Set./2011, 21/Set./2011, 15/Set./2010, 14/Jul./2010, 20/Jan./2010 e 07/Out./2009)[9].
Nesta conformidade, na outorga da liberdade condicional facultativa quando estejam cumpridos 2/3 da pena de prisão passam-se quase exclusivamente a acentuar as razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não voltará a delinquir (i), seja positiva, conducente à sua reinserção social (ii). Por isso e como já se referiu no Acórdão desta Relação de 18/Fev./2009, “No momento de apreciação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu dois terços da pena, deve entender-se que esse cumprimento parcial satisfaz plenamente as razões de prevenção geral, ficando a liberdade condicional, quando facultativa, apenas dependente do cumprimento das exigências de prevenção especial”.[10] Para o efeito dever-se-á ter em atenção as repercussões que o cumprimento da pena estão a ter na personalidade do arguido e podem vir a revelar-se na sua vida futura.
Assim, para além da vontade subjectiva do condenado, o que releva é, como já se afirmou, a “capacidade objectiva de readaptação”[11], de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade. Tal só será possível mediante um prognóstico individualizado e favorável à reinserção social do condenado, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o mesmo em liberdade adopte um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal.
Por isso, não será assim tão decisivo o “bom comportamento prisional em si”, mas os índices de ressocialização revelados pelo condenado, que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, mormente a sua conduta anterior e posterior à sua condenação, bem como a sua própria personalidade, designadamente a sua evolução ao longo do cumprimento da respectiva pena de prisão.
A propósito convém relembrar que os relatórios emitidos pelas entidades competentes oferecem, naturalmente, um relevante “contributo informativo sobre aspectos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução durante o período de reclusão, a projectos futuros de vida, etc., que habilita o tribunal a fazer uma avaliação global”, o mesmo sucedendo em relação ao parecer do Conselho Técnico, o qual é um órgão auxiliar do tribunal, com funções consultivas deste (142.º CEP), mas não são, obviamente, vinculativos (Ac. TRL de 21/Nov./2007; TRP de 22/Set./2010)[12].
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O contexto descritivo da decisão recorrida passou por uma descrição factual, que ficou essencialmente traçada nas circunstâncias relevantes da fundamentação deste aresto[13], a sua motivação probatória, bem como a indicação dos parâmetros normativos, com referências doutrinais e de jurisprudência, passando-se depois ao caso concreto. Aqui e se bem percebemos, a decisão recorrida afastou-se da concessão da liberdade condicional, atingidos que estão os 2/3 do cumprimento da pena de prisão de 4 anos e 6 meses pelo qual o arguido foi condenado pela prática em Janeiro de 2008 de um crime de tráfico de estupefacientes, com base nos seguintes argumentos: a natureza do crime praticado, quando antes tinha sido condenado por um outro crime de tráfico de estupefacientes numa pena de prisão cuja execução ficou suspensa (i); a atitude crítica insuficiente por parte do arguido recluso, em virtude de manter a razão da sua acção ligada ao consumo compulsivo de estupefacientes e na avidez de obter lucros para tal (ii); a sua situação de toxicodependência, que o trouxe à reclusão, é um factor agravante ao nível da ponderação de reporte à prevenção especial (iii); o condenado tem ainda um estado e modo de ser que não lhe auguram, no presente momento aptidão suficiente para concedida a imediata liberdade, ainda que condicionada, se comportar de forma adequada (iv).
Convenhamos que a leitura deixada pela decisão recorrida quanto ao primeiro obstáculo assenta em razões de prevenção geral, pois reportam-se à natureza do crime aqui praticado (i), quando esta modalidade de liberdade condicional facultativa, cumpridos que estão os 2/3 da respectiva pena de prisão, tem o seu enfoque na prevenção especial – quando até podia fazer aqui considerações pertinentes, mas referenciadas à prevenção especial, mas na vertente negativa, tendo em atenção a perigosidade revelada pelo arguido e aqui recorrente, pois já tinha havido uma anterior condenação por um crime de tráfico de estupefacientes.
No que concerne aos demais obstáculos invocados para negação da liberdade condicional e muito embora estes se centrem em razões de prevenção especial, os mesmos são mais aparentes do que reais ou então primam pela sua abstracção e pouca ou nenhuma concretização.
Pela sua aparência encontramos a referência à insuficiência da atitude crítica manifestada pelo arguido (ii), bem como à sua situação de toxicodependência, que o trouxe à reclusão (iii), as quais, bem vistas as coisas, estão interligadas. E isto porque centrar a problemática da toxicodependência, como fez o arguido, como catalisadora ou mesmo influenciadora da sua actividade de tráfico de estupefacientes é o que muitas vezes sucede, como nos ensina a experiência de vida. E essa “explicação” ou “justificação” não deixa de ser um bom caminho para se assumir uma cultura de auto-responsabilização, virada para o futuro, e não de expiação da culpa, a qual se centra no passado sem trazer nada de novo.
Mas aqui a decisão recorrida continua a focar a vida anterior do arguido, sendo por aqui que preponderantemente passa o seu contexto argumentativo, não chegando minimamente a atender à evolução que, nesta parte, o mesmo tem tido, bastando para o efeito atentar no Relatório Social para Concessão da Liberdade Condicional de fls. 123-127 (2011/Fev./23), onde se diz que “o recluso beneficia de acompanhamento terapêutico do CRI, não estando a fazer medicação. Já beneficiou de saídas jurisdicionais que decorrera genericamente sem incidentes”.
Diferente seria se o arguido mantivesse essa situação de toxicodependência, pois isso seria um concreto e sério obstáculo para que lhe fosse concedida a liberdade condicional, e quanto a isso esta Relação não tem dúvidas nenhumas, uma vez que essa persistência no consumo de estupefacientes seria o reconhecimento de que o recluso mantinha despertos os factores de renovação da sua capacidade delituosa.
E isto quando a dado momento houve uma preocupante referência de que o arguido, ao beneficiar de uma segunda licença de saída jurisdicional, teria consumido haxixe, como de resto o mesmo assumiu, conforme se alude no Relatório de Liberdade Condicional de fls. 109-113 (2010/Set./21). Mas como também aí se diz a dúvida residia em saber se “se tratou de um acto isolado, ou uma regressão na postura comportamental do recluso em largar o consumo de drogas”.
A decisão recorrida omitiu estas ponderações, muito embora tenha feito referências a ambos os relatórios na motivação da sua convicção probatória, razão pela qual se fez referência agora aos mesmos.
A decisão recorrida objecta ainda a recusa da concessão da liberdade condicional com a manutenção, por parte do arguido, de um estado e modo de ser que não lhe auguram, no presente momento aptidão suficiente para concedida a imediata liberdade, ainda que condicionada, se comportar de forma adequada (iv). Mas trata-se de uma objecção totalmente conclusiva, sem qualquer suporte em circunstâncias concretas.
Assim e tendo o arguido tido a última licença de saída jurisdicional em 2011/Ago./23, não tendo havido qualquer outra perturbação relevante nas medidas de flexibilização das penas, podemos considerar aquele consumo de estupefacientes como um acto isolado. A par disso, o arguido mantém um acompanhamento terapêutico, não estando a fazer medicação, tendo desempenhado funções ocupacionais em contexto prisional, designadamente como faxina no refeitório dos reclusos (fls. 126), participado numa acção de formação profissional e assistido a eventos culturais (fls. 111), não existindo qualquer registo disciplinar.
Tratam-se de factores objectivos que permitem fazer um prognóstico individualizado favorável à reinserção social do arguido, mormente quando este tem um suporte familiar e possível enquadramento laboral.
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, concede-se provimento ao presente recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, concedendo-se a liberdade condicional a este, sujeita às condições de residir em morada certa (i), aceitar a tutela da equipa da DRGS que para o efeito for designada (ii), a observar o plano de consultas e tratamento a estipular no quadro da problemática da sua toxicodependência (iii), dedicar-se ao trabalho com regularidade (iv) e manter conduta de acordo com os padrões normativos vigentes (v).

Não é devida tributação. Notifique e passe mandados de libertação imediatos

Porto, 03 de Outubro de 2012
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro
_________________
[1] Acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt assim como os demais a que se fizer referência do Tribunal Constitucional.
[2] ROXIN, Claus, Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal, Editorial Réus, 1981, Madrid, p. 181; FIGUEIREDO DIAS, Jorge Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 73 e ss; “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, 1991, p. 22; PALMA, Maria Fernanda, “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em Jornadas sobre a revisão do Código Penal, Almedina, Coimbra, 1998, p. 26, onde se traça as finalidades de punição deste artigo 40.º, com base no § 2 do projecto alternativo alemão (Alternativ-Entwurf).
[3] Lei n.º 115/2009, de 12/Out.
[4] O segundo também está disponível em www.stj.pt/jurisprudencia/fixada/criminal e o terceiro acessível em www.dgsi.pt, como todos os demais desta Relação relativamente aos quais não se faça referência expressa quanto à sua origem. Tais arestos foram respectivamente relatados pelos Cons. Maria João Antunes, J. M. Nunes da Cruz e pelo Des. Francisco Marcolino.
[5] Relatado pelo Des. Paulo Valério.
[6] Relatado pela Des. Adelina Barradas.
[7] Relatados pelo Des. Melo Lima.
[8] Relatados pelo Des. Artur Oliveira.
[9] Relatados pelos Des. Artur Oliveira, José Carreto, Élia São Pedro, Artur Vargues, o presente relator e novamente o Des. José Carreto
[10] Relatado pelo Des. Paulo Valério.
[11] DIAS, Figueiredo, no seu Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 539.
[12] Relatados, respectivamente, pelas Des. Margarida Ramos Almeida e Maria Leonor Esteves.
[13] Ainda que com alguma linguagem “codificada” própria do meio técnico prisional, de que são exemplo as referências a RAI (regime aberto no interior), LSJ (licenças de saídas jurisdicionais) e LCD (licenças de curta duração), para as quais haveria toda a conveniência em descodificar, indicando o seu significado, para que a sua leitura se tornasse, sem sombra de quaisquer dúvidas, perceptível, de modo que os respectivos destinatários soubessem do que se estava a mencionar.