Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0827382
Nº Convencional: JTRP00042975
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: CONTRATO CELEBRADO ENTRE AUSENTES
LEI APLICÁVEL
Nº do Documento: RP200909220827382
Data do Acordão: 09/22/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 323 - FLS. 14.
Área Temática: .
Sumário: I- Nos presentes Autos está em causa um contrato de compra e venda celebrado entre a Autora, com sede em Portugal e a Ré com sede na Republica da Coreia onde as negociações contratuais foram efectuadas por troca de emails.
II - Estamos perante um contrato celebrado entre “ausentes” ou seja, o mesmo foi sendo estabelecido ou negociado através da emissão de declarações de vontade emitidos essencialmente por meios electrónicos, de fax ou e via mail, com os quais se acertou o envio e fixação do respectivo preço, bem como quantidades dos produtos, sua qualidade e características, designadamente através do envio das respectivas amostras correspondentes, ainda sendo certo, que a mercadoria em causa deveria ser recepcionada em Portugal nas condições e parâmetros de qualidade e quantidade estabelecidos e o preço pago através de credito documentário bancário antecipadamente remetido para o efeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rel.973/84-08
Procº 7382/08-2ª Secção
Agravo
Santo Tirso - Pº3701/04.0TBSTS


Acordam na 2ªSecção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

B………………, Ldª, intentou acção, sob a forma de processo ordinário, contra a sociedade
C…………… LTD,
com sede na Coreia do Sul, ambas já melhor identificadas nos autos com sede na Coreia do Sul, alegando, em síntese, que comprou à Ré 8.250 metros de tecido preto para satisfazer uma encomenda de camisas, tendo pago o respectivo preço, e que tal tecido não tinha a qualidade acordada, o que originou que a encomenda fosse cancelada, a reputação da A. ficou afectada junto desse seu maior cliente e que teve que suportar outros custos derivados da falta de qualidade do tecido fornecido.
Peticiona que a R. devolva o valor do tecido, no montante de € 26.810,61, que pague juros de mora vencidos desde 17-10-2003 até 11-10-2004, no montante de € 3.164,87, que suporte as despesas alfandegárias, no montante de € 2.597,77, que suporte o custo da carta de crédito, no montante de € 283,55, que pague os lucros que deixou de obter com a encomenda de camisas, no montante de € 15.672,15, que indemnize a Autora pela perda de reputação junto do seu maior cliente, no montante de € 10.000,00, e ainda no custo do armazenamento em Portugal do tecido defeituoso, a liquidar em execução de sentença.
Concluiu, assim, formulando os seguintes pedidos:
Ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 55.364,08;
Acrescida de juros de mora vincendo sobre a quantia de € 55.364,08;
E ainda no custo do armazenamento da mercadoria em causa nos autos desde Outubro de 2003 até ao respectivo levantamento pela Ré nessas instalações, em valor a liquidar até julgamento ou em execução de sentença.
A Ré regularmente citada não contestou tendo sido cumprido o disposto no artigo 484º do Código de Processo Civil e de seguida foi proferido despacho em que apreciando-se a competência internacional do Tribunal se decidiu nos seguintes termos:
“A A. funda o seu pedido no cumprimento defeituoso da obrigação da R., o qual originou, além do mais, prejuízos ocorridos em Portugal.
Ora, sendo a causa de pedir complexa, basta que ocorra em Portugal um dos factos materiais que a integram para legitimar a competência internacional dos tribunais portugueses (cfr. acórdão do S.T.J. de 14-01-1993, in CJ-STJ/93, tomo I, pg. 57, e numa situação idêntica à dos autos o acórdão da Relação do Porto de 12-12-2000, in www.dgsi.pt).
Assim teremos que concluir pela competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar o pedido da A.”
Na apreciação do pedido formulado já porém depois de fixar a respectiva factualidade profere despacho nos seguintes termos que passamos a reproduzir:
Efectivamente, a Ré confirmou em 08 de Setembro de 2003 por e-mail que o tecido teria as qualidades pretendidas e propôs que o respectivo preço fosse pago por carta de crédito irrevogável nos termos da factura pró-forma constante de fls. 13 (artigo 11º da p.i.), tendo a A. confirmado a encomenda por e-mail do mesmo dia 08 de Setembro de 2003 (artigo 12º da p.i.). Isto é, depois de a R. ter confirmado as qualidades pretendidas, propôs uma forma de pagamento, o que foi aceite pela A..
Portanto, só após a A. ter aceite a forma de pagamento que a R. propôs é que se tornou perfeito o contrato.
Desta forma, somos levados a concluir que o contrato tornou-se perfeito quando a R. recebeu no seu computador, na República da Coreia, a comunicação da A. a aceitar a forma de pagamento proposta.
Daqui resulta que o lugar da celebração do contrato ocorreu na República da Coreia (ver no situação idêntica o acórdão do S.T.J. de 24-11-1984, in BMJ, nº 331, pg. 461).
E dessa forma, nos termos do disposto no artigo 42º, nº2, do Código Civil, a lei aplicável a tal contrato é a lei do lugar da celebração, isto é, a lei da República da Coreia.
Assim e antes de mais importa colher informação sobre a lei da República da Coreia aplicável aos presentes autos.
Desta forma, solicite ao Gabinete de Documentação e Direito Comparado, junto da Procuradoria-Geral da República, o pedido de colaboração no sentido de averiguar o direito aplicável à compra e venda de coisas defeituosos (tecido), celebrado entre duas sociedade comerciais, bem como qual a jurisprudência e doutrina dominante na República da Coreia nesta matéria, face aos pedidos formulados pela A. (remeta cópia do presente despacho).
Inconformada com o seu teor concretamente no segmento relativo à aplicação da lei da Republica da Coreia, veio a Autora interpor tempestivamente recurso, tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
1 - Nos presentes Autos está em causa um contrato de compra e venda celebrado entre a Autora, com sede em Portugal e a Ré com sede na Republica da Coreia.
2 - De acordo com o disposto no n° 2 do Art. 42° do CC quando as partes num determinado negócio jurídico não tiverem escolhido a lei aplicável e não tiverem a mesma residência habitual, há que atender ao lugar da celebração do contrato.
3- Quanto ao local onde se torna perfeito um determinado contrato, diz o Art. 224° n° 1 do CC que a declaração negocial torna-se eficaz quando chega ao conhecimento do destinatário, ou seja o contrato considera-se celebrado quando a proposta é aceite e o proponente toma conhecimento desse facto.
4 - No caso dos Autos as negociações contratuais foram efectuadas por troca de emails.
5 - Assim a Autora por email de 23.7.2003 encomendou à Ré determinada mercadoria com características especificas e definiu a forma de pagamento, por sua vez a Ré por email de 8.9.2003 comprometeu-se a efectuar o fornecimento de acordo com as instruções da Autora.
6 - Este email da Ré foi recebido pela Autora em Portugal, num computador instalado no seu estabelecimento fabril, sito em Santo Tirso.
7 - O contrato tornou-se perfeito em Portugal por força do disposto no n.° 1 do Art. 224.° do CC.
8 - O Mmº Juiz a quo, para efeitos de determinação da Lei aplicável, valorou erradamente um outro email da Autora enviado para a Ré no mesmo dia em que foi feita pela Ré a aceitação da proposta, mas que não teve qualquer relevância para a conclusão do negócio.
9 - Pelo que ao considerar que a lei aplicável ao negócio dos Autos é a lei da Republica da Coreia o Mmº. Juiz a quo interpretou erradamente os factos e a prova existente nos Autos e violou o disposto nos artigos 42° n° 2 e 224° n° 1 do Código Civil.
Termina pedindo que seja o recurso de Agravo julgado procedente e provado, revogando-se o despacho recorrido.
Não foram apresentadas contra alegações.
No decurso do iter processual e considerada aplicável aos presentes autos, a lei da República da Coreia, para o efeito de se apurar o conteúdo da mencionada lei foi solicitado ao Gabinete de Documentação e Direito Comparado, junto da Procuradoria-Geral da República o pedido de colaboração, o qual obteve a resposta de fls. 186, considerando “eventualmente pertinente ao caso sub judice, The consumer protection Act”.
De tal facto foi dado conhecimento à A., sendo ainda notificada para informar, se possível, qual o direito aplicável, na República da Coreia, à compra e venda de coisas defeituosas, celebrado entre duas sociedades comerciais, bem como qual a jurisprudência e doutrina dominante nesta matéria (cfr. fls. 188).
A A. respondeu por requerimento de fls. 194, referindo que não conseguiu obter as informações solicitadas.
Por despacho de fls. 195, foi ordenada a junção aos autos “The Consumer Protection Act” sendo a A. notificada para proceder à tradução, veio apresentar o requerimento de fls. 231, juntando aos autos as disposições do Código Comercial e Código Civil Coreanos alegadamente aplicáveis aos autos, referindo que o aludido diploma não tem qualquer aplicação ao caso concreto, pedindo escusa para efectuar a tradução.
Por despacho de fls. 236 foi tal requerimento indeferido com o fundamento de que só após a tradução é que se poderá verificar da pertinência ou não do “The Consumer Protection Act” ao caso em apreço.
Veio novamente a A. apresentar requerimento, alegando não ter aplicação aos autos o mencionado diploma.
Foi então proferido despacho no qual se verteu decisão de indeferimento na sua parte final nos seguintes termos:
“ ….. o Gabinete de Documentação e Direito Comparado, junto da Procuradoria-Geral da República informou, como já dissemos, que tal quadro normativo poderia eventualmente ser pertinente na decisão a proferir nos presentes autos.
Por outro lado, tal quadro normativo poderá ajudar o Tribunal na interpretação sistemática da lei aplicável.
Assim, indefere-se o requerido, renovando-se o despacho de fls. 222.”
Sobre tal despacho de novo a Autora não se conformando interpõe tempestivamente novo recurso tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a reproduzir:
1 - Nos presentes Autos foi ordenado à Agravante que procedesse à tradução de um documento redigido em língua inglesa, com 25 páginas, denominado “Consumer Protection Act" .
2 - Trata-se pois da Lei de protecção ao consumidor em vigor na República da Coreia que não tem qualquer aplicação aos Autos.
3 - Neste processo está em causa um contrato de compra e venda celebrado entre comerciantes profissionais e não qualquer venda ao consumidor final.
4 - A Autora comprou matéria prima (tecido) à Ré para confeccionar camisas que posteriormente seriam vendidas ao consumidor final pela firma D…………..
5 - Diz o Art. 1° do "Consumer Protection Act" em vigor na Coreia que tal lei se destina a proteger os interesses e direitos do consumidor, este entendido como a pessoa que usa ou utiliza diariamente bens ou serviços destinados ao consumo ou que sejam definidos como tal por decreto presidencial.
6 - Esta legislação destina-se pois a proteger os direitos do consumidor final.
7 - Aliás tal definição de consumidor corresponde no essencial à definição de consumidor na legislação portuguesa (Art.° 2 da Lei 24/96 de 31/7).
8 - Esta legislação não tem qualquer aplicação ao caso dos Autos (pelas razões referidas em 3 supra) e como tal a tradução de tal documento é um acto inútil.
9 - A aplicação de direito estrangeiro foi uma decisão do Mmo. Juiz a quo pelo que o Tribunal deve procurar oficiosamente obter o conhecimento de tal direito - Art.° 348.° do C. C.
10 - Entende pois a Agravante que não está obrigada a realizar tal tradução, pelo que o Mmº Juiz interpretou erradamente o disposto no artigo 137° do C.P.C, bem como o principio da economia processual previsto nos artigo 137° 138° do mesmo diploma e ainda o artigo 348° do C.C..
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho tabelar de sustentação das decisões assumidas ordenando-se a subida conjunta dos mesmos
Foram colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa apreciar e decidir.
THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3 do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial.
As questões que estão subjacentes no âmbito de apreciação dos presentes recursos são aquelas que se encontram colocadas no âmbito das decisões proferidas e que essencialmente se traduzem no que concerne ao primeiro recurso
a) Saber qual a lei aplicável in casu perante a formulação do pedido e respectiva causa de pedir.
b) Obrigatoriedade de tradução pela Autora de legislação estrangeira cuja junção foi ordenada oficiosamente pelo Tribunal.

DOS FACTOS E DO DIREITO
Importa apreciar os Agravos pela sua ordem temporal de interposição além do mais porque igualmente se procedente o primeiro necessariamente que fica ultrapassado o conhecimento do segundo por prejudicado.
Assim para análise do mesmo importa considerar a factualidade que foi relevada como assente e provada bem como além do mais a sua invocação, por forma a determinar, fixada que se encontra a competência internacional do Tribunal Português, a a lei aplicável in casu se a lei nacional ou por seu turno a lei coreana.
A materialidade considerada assente é do seguinte teor que se reproduz em nota de rodapé:[1]
Vejamos.
Dispõe o artigo 41 do Código Civil nos seus nºs 1 e 2 respectivamente que:
“As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.
2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado.”
Por seu turno o artigo 42º nos seus nºs 1 e 2 como critério supletivo igualmente fixa que:
“1. Na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais, à lei da residência habitual do declarante e, nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes.
2. Na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do lugar da celebração.”
Verifica-se in casu que estamos perante um contrato celebrado entre “ausentes” ou seja, o mesmo foi sendo estabelecido ou negociado através da emissão de declarações de vontade emitidas essencialmente por meios electrónicos, de fax ou e via mail, com os quais se acertou o envio e fixação do respectivo preço, bem como quantidades dos produtos, sua qualidade e características, designadamente através do envio das respectivas amostras correspondentes, ainda sendo certo, que a mercadoria em causa deveria ser recepcionada em Portugal nas condições e parâmetros de qualidade e quantidade estabelecidos e o preço pago através de credito documentário bancário antecipadamente remetido para o efeito.
Como resulta dos textos legais supra enunciados, para além da defesa e do domínio da lei da autonomia a que se referem os mencionados normativos no que tange à constituição, o conteúdo ou efeitos, modificação, execução e extinção das obrigações procedentes do negócio jurídico, há que ter em consideração as excepções relativas à própria existência da declaração negocial – cfr. artigo 35º nºs 2 e 3 do Código Civil.
Verifica-se do exposto e do que resulta fixado como matéria assente que não existe no caso qualquer vontade expressamente emitida no que concerne à aplicação de qualquer legislação para dirimir o diferendo suscitado pelas partes, bem como igualmente se não pode atingir qualquer vontade tácita ou mesmo hipotética, carecendo sempre a primeira de ser descoberta a partir das circunstâncias do caso concreto Cfr. artigo 217º nº 1 do Código Civil
Importa ainda dizer que em matéria de obrigações procedentes de negócios jurídicos e concretamente em matéria de contratos prevalece o interesse das partes e é necessariamente em função deles que se deve determinar a conexão ou localização decisiva dos negócios jurídicos como refere o nosso ilustre e saudoso Prof. Baptista Machado nas Lições de Direito Internacional Privado fls. 338 “ Quando se trata, porém de procurar definir essa conexão decisiva em função de tal interesse, verifica-se que é impossível fixa-la de uma maneira geral e abstracta para todos os negócios jurídicos, visto a determinação da lei mais conveniente (the proper law) depender da economia de cada negócio jurídico em concreto, a qual por seu turno depende da configuração que as partes dêem às clausulas do mesmo e a muitas outras circunstancias”Assim por exemplo a ideia de aplicar a todos os contratos a lei do lugar da celebração não se justifica, bem pode acontecer que o lugar da celebração do contrato seja puramente fortuito e permaneça exterior à economia do contrato…”
e prossegue na sua explanação sobre o principio da autonomia e razão de ser e seu significado referindo:
“ Além de que nas relações internacionais são muito frequentes os contratos por correspondência ( contratos entre ausentes ) - como é o nosso caso e nestas hipóteses fica de algum modo comprometida a unidade do lugar da conclusão, ou pelo menos a sua determinação torna-se mais difícil.”
O mesmo se terá de referir no que concerne às respectivas dificuldades quando se procura determinar qualquer outro elemento de conexão objectivo, com validade geral, como por exemplo o lugar de cumprimento da obrigação que se pode revelar inadequado pois podem ser diferentes os lugares de cumprimento de cada uma das obrigações nos contratos bilaterais podendo ter de recorrer-se à lei competente para determinar esses mesmos lugares, ficando sempre em pé o principio de que cada contrato, cada negócio jurídico, tem a sua individualidade própria, com a sua economia especifica, da qual depende a determinação da sua “proper law”[2]
Mas como vinhamos referindo nos autos constata-se que por força da decisão proferida se tomou posição para a fixação da lei competente “o lugar da celebração” do negócio considerando em síntese que o “email” de fls. 15 de 8 de Setembro de 2003 é aquele que fixa e determina a celebração do negócio e porque emitido às 13.59 em confirmação ao que foi enviado pela Ré às 12.01 do mesmo dia.
Verifica-se dos documentos juntos aos autos que se reproduzem, que após ter sido remetido via mail o documento de fls. 8 no qual além do mais se exara “confirmamos pelo presente a seguinte encomenda” e no qual se peticiona igualmente que seja emanada uma factura pró-forma para poder abrir a correspondente carta de crédito que a 24 de Julho pelas 22.15 foi remetida e recepcionada a mencionada factura por via FAX e onde designadamente se constata já a assinatura aposta pelo responsável da Ré.
Nessa sequência, pelo menos face aos elementos documentais constantes dos autos, verifica-se que em resposta com data de 8 de Setembro de 2003 pelas 12.01 é recebido pela Autora nas suas instalações o mail de fls. 11 no qual se refere:
“Bem recebida a sua mensagem. Confirmamos tudo e vamos fazer a gestão durante a produção. Pf Confirme a nossa encomenda na volta.”
O contrato como é por demais consabido é integrado por duas declarações pelo que se coloca o problema de saber qual o momento da sua perfeição sobretudo como no caso dos contratos de ausentes sendo diversas as teorias doutrinais sobre tal questão.
Da analise e interpretação do texto contido no artigo 224º do Código Civil resulta consagrada no nosso sistema legislativo a doutrina da recepção segundo a qual o contrato se considera perfeito quando a resposta contendo a aceitação chega à esfera de acção do proponente, isto é, quando o proponente passa a estar em condições de a conhecer.
Não é necessário que a declaração chegue ao poder ou à esfera de acção do proponente, se por qualquer meio dele for conhecida - Cfr. artigo citado e seu nº 1.
A declaração traduz-se no comportamento de uma pessoa que objectivamente considerado, vale em Direito, como exteriorização do conteúdo de certa vontade negocial.[3]
A declaração em sentido próprio é o comportamento através do qual se dá a conhecer a outrem uma certa vontade tem em suma um fim de notificação ou comunicação de certo conteúdo de pensamento.
A proposta que é definida como a declaração feita por uma das partes e que uma vez aceite pela outra ou outras dá lugar ao aparecimento do contrato deve conter ou reunir três requisitos que são apontados igualmente na doutrina como essenciais completa, revelar uma intenção inequívoca de negociar devendo igualmente quando seja o caso revestir a forma requerida para o negócio em causa.
No que se reporta à intenção inequívoca de contratar a mesma não existirá quando a declaração do proponente seja feita em termos dubitativos ou hipotéticos: assim a proposta deve ser firme, uma vez que a sua aceitação dá lugar ao aparecimento do contrato, sem que ao declarante seja dada nova oportunidade de exteriorizar a vontade.
Como refere Larenz[4] a propostas devem surgir de tal modo que uma simples declaração de concordância do seu destinatário faça dela um contrato
A eficácia da proposta contratual consiste essencialmente em fazer surgir na esfera do destinatário o direito potestativo de pela aceitação, fazer nascer o contrato proposto.
Ora e reportando-nos a estas conceitualizações e sobretudo aos elementos doutrinais propostos transportando-os para a nossa situação em análise, salvo o devido respeito pelo diverso entendimento assumido, o que tem se considerar como conclusão negocial ou seja, como aceitação da proposta contratual efectuada pela fornecedora sul coreana é sem dúvida o email inserto a fls. 11 no qual se refere que bem recebida a mensagem e o FAX e sobretudo a expressão “confirmamos tudo e vamos fazer a gestão durante a produção.” email esse recepcionado nas instalações da Autora e que foi remetido como se aludiu pelas 12.01.
O facto de se pedir a confirmação na volta é já um reforço da aceitação que foi assumida pela proposta inicialmente efectuada pela mesma Ré à Autora em que como se aludiu se fez saber o conteúdo preciso da contratualização, seus termos em qualidade e quantidade tal como se verifica do fax que foi remetido constante de fls. 12 e tradução de fls. 13 em que vêm descrito o produto suas qualidades quantidades e preço que como se aludiu já igualmente assinado pelo responsável da empresa Ré e que foi aceite e comunicado pela mesma através do primeiro email emitido e recepcionado nas instalações da Autora.
Consequentemente em face do que vem de ser exposto necessariamente importa concluir que o lugar da conclusão do negócio se efectivou pela resposta de aceitação desse mesmo mail onde se afirma “confirmamos tudo e vamos fazer a gestão durante a produção”
É este em nosso entendimento e perante a interpretação dos textos apresentados o que se nos afigura ser o melhor sentido da interpretação das vontades negociais expressas nos documentos juntos aos autos,
O segundo email remetido pela Autora mais não é do que uma confirmação da posição já anteriormente assumida e a resposta a uma solicitação confirmativa do já estipulado.
A proposta foi remetida pela Ré e foi aceite e confirmada pela Autora e em resposta à mesma a Ré confirmou a mensagem e o Fax emitidos desde logo se prontificando em cumprimento do assumido a fazer a gestão do assumido durante a produção.
Assim e como vem de se referir o contrato tornou-se perfeito quando a Autora recebeu no seu computador em Portugal a comunicação da Ré a transmitir o conhecimento que lhe chegara da posição da Autora a aceitar as condições que a Ré previamente havia formulado.
Deste modo e ainda que o lugar da celebração do negócio seja como critério alternativo nos termos do artigo 42º nº 2 para os contratos bilaterais onerosos conforme aludimos supra uma posição que se pode afigurar sempre susceptível de criar algumas dificuldades de apreciação sobretudo neste tipo de negócios entre ausentes o que ocorre in casu é que perante a factualidade tal como se mostra apresentada o aludido contrato deve ter-se por celebrado em Portugal perante a remissão ainda interpretativa da regra consignada no artigo 224º do Código Civil e assim sendo consequentemente aplicável a lei Portuguesa.
No que concerne ao segundo Agravo interposto o mesmo necessariamente que fica prejudicado na respectiva apreciação perante a decisão que vai ser proferida relativamente ao primeiro uma vez que a tradução em causa da legislação que oficiosamente foi junta aos autos é absolutamente inócua perante a decisão assumida.

DELIBERAÇÃO
Assim face ao exposto perante o elenco das conclusões recursivas da Agravante concede-se provimento ao interposto recurso de Agravo e consequentemente revoga-se a decisão proferida que considerou ser inaplicável para dirimência do conflito a Lei portuguesa em violação do estatuído no artigo 42º nº 2 e 224º ambos do Código Civil.
No demais relativamente ao Agravo ulteriormente interposto fica prejudicado o seu conhecimento perante o teor da decisão proferida.
Sem custas

Porto, 22 Setembro de 2009
Augusto José B. Marques de Castilho
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
______________
[1] A Autora consultou o mercado para fornecimento de 8.250,00 metros de tecido preto, tendo o fio uma composição de 73% de polinosic e 27% de polyester (artigo 5º da p.i.);
A Ré manifestou interesse em fazer esse fornecimento, após o que a Autora comunicou à Ré quais os parâmetros a que o tecido devia obedecer e quais os testes exigidos pela D………….. (artigo 6º da p.i.);
A Ré forneceu amostras e avisou a Autora que seria difícil que o tecido passasse no teste da abrasão e no teste de fricção em molhado pois a sua experiência indicava que o polinosic não permitia atingir os valores pretendidos (artigo 7º da p.i.);
A Autora informou a Ré que a D………. não exigia que o tecido passasse o teste de fricção em molhado e avisou a D………. sobre o problema da abrasão (artigo 8º da p.i.);
A D………….. pediu depois à Autora que lhe fizesse alguns protótipos de camisa com o tecido das amostras da Ré porque pretendia submeter as camisas a um teste de uso (wear trial) que permitiria verificar qual a resistência do tecido à abrasão (artigo 9º da p.i.);
Posteriormente a D……….. confirmou ter sido positivo o Wear Trial e por isso, a Autora comunicou à Ré que neste caso concreto a D……….. aceitava valores inferiores no teste da abrasão mas que o tecido tinha de obedecer às qualidades dos restantes testes sendo apenas exigido que o teste da colour fastness to rubbing fosse feita a seco e não a molhado (artigo 10º da p.i.);
A Ré confirmou em 08 de Setembro de 2003 por e-mail que o tecido teria as qualidades pretendidas e propôs que o respectivo preço fosse pago por carta de crédito irrevogável nos termos da factura pró-forma constante de fls. 13 (artigo 11º da p.i.);
A A. confirmou a encomenda por e-mail do mesmo dia 08 de Setembro de 2003 (artigo 12º da p.i.);
[2] Veja-se neste sentido as mencionadas lições de Baptista Machado págs. 359
[3] Cfr. Manuel de Andrade Teoria Geral Vol. II pág 122
[4]Cf. Larenz/Wolf, Allgemeiner Teil, pág 575