Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
79/05.9GBVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: PERDA DE EFICÁCIA DA PROVA
Nº do Documento: RP2011110979/05.9GBVNG.P2
Data do Acordão: 11/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SEC.
Área Temática: .
Sumário: Em caso de reabertura da audiência de julgamento determinada em decisão proferida por tribunal de recurso não tem aplicação a norma do nº 6 do art. 328º do Código de Processo Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
Processo 79/05.9GBVNG.P2

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

No processo comum acima identificado, B……, C……, D….. e E…., foram submetidas a Julgamento, tendo sido proferida sentença (de 31.01.2009) que absolveu a referida B…… dos crimes imputados e condenou os restantes arguidos pelos crimes que vinham acusados em penas de multa.
Dessa decisão recorreu a arguida D….., tendo este Tribunal da Relação, por acórdão de 10-02-2010, decidido «dar provimento ao Recurso interposto pela Arguida D….. da Sentença condenatória por que determinam a repetição da tomada de declarações ao co-Arguido E….. e de depoimento às Testemunhas F…., G….., H…. e I….., a prática de todos os actos vg probatórios que dialecticamente se imponham na decorrência das declarações de E…… e do depoimento daquelas 4 Testemunhas, em Audiência de Julgamento a realizar para sua documentação com prolação de nova Decisão Final quanto C….., D…… e E…… mercê da extensão subjectiva do Recurso e com actualização da condição sócio-económica, familiar, cultural, profissional, prisional e criminal deles»
Realizada a audiência de julgamento na sequência daquela decisão, os arguidos C….., D…… e E…., foram condenados nos seguintes termos:
- a arguida C….. na pena de 150 ( e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €4 ( euros pela prática, em co-autoria e sob a forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.° 143.°, n.° 1, do C.P;
- a arguida D….. na pena de 150 ( e cinquenta dias de multa à taxa diária de €5 ( euros pela prática, em co-autoria e sob a forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.° 143.°, n.° 1, do C.P;
- o arguido E….. na pena de 150 ( e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €4 ( euros pela prática, em co-autoria e sob a forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo ad.° 143°, n.° 1, do C.P:
- todos os arguidos em taxa de justiça, que se fixou em 3 Ucs, acresida de 1/3 de procuradoria e encargos.
Na audiência de julgamento a arguida D….. veio requerer a junção de determinados documentos, cuja junção não foi admitida por despacho proferido a fls. 611. A arguida arguiu, então a nulidade do despacho que, na mesma data foi indeferida.
Não se conformando, quer com a decisão de indeferimento do pedido de junção de documentos e da nulidade suscitada, quer com a decisão final, a arguida C…… recorreu para este Tribunal da Relação concluindo as suas motivações nos seguintes termos:

Recurso da decisão interlocutória:
……….…
………….
………….
Na resposta ao recurso, o Ministério Público pronunciou-se pelo não provimento do recurso da decisão final, não tendo sido proferidas contra alegações no que respeita ao recurso interlocutório.
O senhor juiz sustentou e manteve a decisão proferida quanto aos documentos.
O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação pronunciou-se, igualmente, pelo não provimento dos recursos.
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II. FUNDAMENTAÇÂO
As questões que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelos recorrentes na sua motivação, sustentam-se, A) recurso intelocutório (i) pertinência e interesse na junção de documentos; (ii) nulidade da decisão; B) Decisão final (i) perda da eficácia da prova (ii) não pronuncia sobre a actuação de B…..; (iii) violação das regras de competência (iv) omissão de decisão sobre o regime especial para jovens, referente à arguida D….; (v) erro sobre na prova relativa à matéria de facto
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Tendo em conta as questões objecto dos recursos, importa atentar nas decisões recorridas.
Decisão interlocutória (e requerimento):
……………
……………
……………
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Decisão final:
Fundamentação
……………
……………
……………
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A) Recurso interlocutório.
(i) Pertinência e interesse na junção de documentos.
Na conclusão apresentada pela recorrente, para fundamentar a pertinência dos documentos em causa, limita-se a referir que °os documentos que a arguida queria juntar, são importantes à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.
Essencialmente os documentos em causa (veja-se, supra o seu conteúdo no requerimento que faz) pretendiam provar «a grande conflituosidade e grande inimizade existente entre os familiares, os ora arguidos e as testemunhas de acusação J….. e G….., esta acabada de ser ouvida».
A junção de documentos, no processo penal, obedece ao regime estatuído nos artigos 164º e 165º do CPP.
Tendo em conta o modelo processual vigente é admitida a junção de documentos nas fases preliminares (inquérito ou instrução) ou, não sendo isso possível até ao encerramento da audiência.
A compreensibilidade deste regime normativo, que estatui essa condicionante, decorre do princípio processual penal de que toda a prova tem que ser produzida e analisada na audiência de julgamento, sabido que há momentos próprios e determinados para tal. Mesmo o princípio da investigação subjacente ao processo penal, estabelecido no artigo 340º, que permite a produção de prova que se figure necessária à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, envolve a limitação temporal do encerramento da audiência de julgamento.
Ora, como é referido pelo senhor juiz no seu despacho de indeferimento dos documentos em causa, a audiência de julgamento em causa «foi determinada, apenas e tão só, a tomada de declarações a um dos arguidos e a inquirição de quatro testemunhas por os anteriormente prestados não terem ficado documentados».
Ou seja, só seria objecto de discussão e prova a matéria de facto que envolvesse aquela dimensão do julgamento e, como determinou o acórdão deste Tribunal da Relação, envolvendo a «a produção de todos os actos probatórios que dialecticamente se imponham em consequência do depoimento do arguido e da inquirição das referidas quatro testemunhas».
Nesse sentido o senhor juiz da primeira instância referiu e muito bem que a prova das más relações entre os familiares envolvidos estava feita.
Aliás a sua fundamentação é inequívoca ao sublinhar que «as testemunhas deram conta disso em estrita obediência ao abrigo 138°, n°3, do CPP».
Daí que os documentos em causa seriam, por isso, nesta fase absolutamente inúteis, tendo, dessa forma a decisão jurisdicional tomada sido absolutamente correcta.
Carece de razão, por tal, o segmento do recurso efectuado.
(ii) Nulidade da decisão
Nesta segunda dimensão recursiva a recorrente alude, sem grande precisão, a uma eventual nulidade da decisão (que aliás tinha suscitado).
Sobre isto apenas se diz que não alegando qualquer patologia do despacho em causa, o que se pode constatar é que o mesmo não padece de qualquer nulidade.
O senhor juiz decidiu sobre a inadmissibilidade da junção dos documentos, de uma forma fundamentada, dando as suas razões para isso, e esse facto não constitui qualquer patologia, muito menos que assuma a forma de nulidade.
Assim, sem mais considerações, porque indevidas, o recurso interlocutório é totalmente não provido.

B) Recurso da decisão final
(i) Perda da eficácia da prova.
Sobre esta dimensão do recurso invoca a recorrente que a prova da audiência de julgamento já realizada anteriormente, no ano de 2008, passado todo este tempo, por força das razões e princípios que estão subjacentes ao disposto no n.° 6 do art. 328° do C.P.P. perdeu eficácia.
Na concretização normativa do princípio da continuidade da audiência, estabelece o artigo 328º n.º 6 do CPP que o «adiamento [da audiência] não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada».
O núcleo fundamental do princípio em causa nesta norma decorre da relevância que o legislador nacional dá ao princípio da imediação, da oralidade e da continuidade da audiência como princípios fundamentais na apreciação da prova, no modelo de livre apreciação estabelecido no CPP. Trata-se, importa dizê-lo, de princípios que condicionam a produção e a valoração da prova e é nessa perspectiva que devem ser vistos.
A relevância do que está estabelecido na norma foi expressamente reconhecida pela decisão de fixação de jurisprudência de 29 de Outubro de 2008, do STJ, publicada no DR I Série n.º 239, de 11 de Dezembro de 2008, após algumas divergências jurisprudenciais sobre a questão, que decidiu que «Nos termos do artigo 328º n.º 6 do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda da eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação; Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363º do mesmo diploma».
Fundando-se na valência processual dos princípios da oralidade e imediação como estruturas que condicionam o principio da concentração da audiência, ambos pertencendo ao núcleo de princípios fundamentais do processo penal, o referido acórdão, pese embora as posições de vencimento, não deixa nenhuma dúvida sobre a relevância do que está em causa na opção legislativa: assegurar que os riscos que o tempo e a duração do processo podem provocar na memória do julgador, como elemento fundamental do princípio da concentração, sejam minimizados.
A ausência e a distância, que vão além do prazo razoável fixado pelo legislador, provocam necessariamente modificações na memória de que julga e que podem trazer inconvenientes no processo de decisão e de fundamentação da decisão. O que justifica a opção clara do que foi decidido.
Daí que, não só em obediência ao acórdão de fixação referido, como também por se entender ser essa a interpretação que melhor se compraz com o funcionamento do conjunto de princípios que subjazem à produção e valoração da prova no processo penal português, defende-se que a ultrapassagem do prazo normativamente estabelecido para a continuação da audiência não pode ter outra solução que não o que está estabelecido na lei: a perda da eficácia da prova produzida.
Tal patologia – a produção de prova em espaços dilatados no tempo que vão além de trinta dias, na audiência de julgamento - porque colide com princípios fundamentais da aquisição e valoração da prova como elementos fundamentais do processo penal, não fica imunizada pela antecipada renúncia à arguição da nulidade que ela própria implica. Ou seja, não é pelo facto dos intervenientes processuais antecipadamente virem renunciar ao exercício de um direito, que se sana uma patologia inerente ao sistema, quando está em causa algo que inquina toda a estrutura da própria compreensibilidade do modo como se constrói a decisão no processo penal.
O acórdão de fixação de jurisprudência citado, embora não se refira concretamente a esta questão da natureza da patologia decorrente do não cumprimento do prazo da continuação da audiência em trinta dias, não deixa de decidir de uma forma muito clara que a «perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363º do mesmo diploma».
Ou seja sublinha a decisão que o que está em causa neste problema é algo mais que a gravação da prova e o modo como é fixada. O que está em causa é exactamente um problema de manutenção da continuidade da audiência e da prova que aí é produzida de forma a ser totalmente verificável por quem julga em obediência aos princípios da imediação e oralidade, porque são estes que valem para o processo penal na fase de audiência de julgamento e que permitem uma «construção da decisão» fundada num debate intersubjectivo, contraditório e sujeito à imediação.
Efectuado este esclarecimento, para se entender o que está em causa naquele normativo, há que atentar no caso sub judice.
Ora no caso dos autos importa referir que não estamos no domínio de um «adiamento» de uma audiência de julgamento.
O que aconteceu foi apenas e só a reabertura da audiência de julgamento, por via de uma decisão judicial de um Tribunal Superior, ao abrigo do artigo 426º do CPP para serem produzidas concretamente determinadas provas.
Não está em causa, neste domínio, a continuidade de uma audiência de julgamento, para efeitos do artigo 328º do CPP, tendo em conta os princípios atrás referidos (cf. neste sentido Ac. Relação de Guimarães de 10-11-2003 proc- 1446/03, Anselmo Lopes).
Nesse sentido, não se aplica a esta situação o disposto no artigo 328º n.º 6 do CPP.
Daí que improceda nesta parte o recurso.

(ii) Não pronuncia sobre a actuação de B…...
Sobre esta dimensão a recorrente invoca que, a sentença de que ora se recorre teria de se pronunciar «sobre a responsabilidade criminal da arguida B….. o que não fez», tendo o « o tribunal “ a quo” que notificar a arguida B….., para a audiência de julgamento do passado dia 21 de Fevereiro de 2011, o que igualmente não fez, violando o n.° 9, do art. 113° e o n.° 1 do art. 332°».
A decisão objecto do presente recurso decorre da audiência de julgamento ordenada por via da decisão deste Tribunal da Relação de 10-02-2010, onde foi decidido « dar provimento ao Recurso interposto pela Arguida D….. da Sentença condenatória por que determinam a repetição da tomada de declarações ao co-Arguido E….. e de depoimento às Testemunhas F….., G….., H…… e I….., a prática de todos os actos vg probatórios que dialecticamente se imponham na decorrência das declarações de E….. e do depoimento daquelas 4 Testemunhas, em Audiência de Julgamento a realizar para sua documentação com prolação de nova Decisão Final quanto C….., D….. e E….. mercê da extensão subjectiva do Recurso e com actualização da condição sócio-económica, familiar, cultural, profissional, prisional e criminal deles» (sublinhado nosso).
É assim claro, pelo teor do Acórdão, que o novo julgamento apenas se destinava a apurar factos relacionados com os arguidos agora recorrente e não quanto à inicialmente arguida B….., que foi absolvida no primeiro julgamento efectuado e da qual não recorreu.
Assim, na decisão agora proferida não havia lugar à pronuncia sobe os factos imputados à referida arguida, na medida em que quanto a esta, a primeira decisão de absolvição, transitou em julgado, tendo presente o disposto nos artigos 401º e 402º n.º 2 alínea b) do CPP.
Assim sendo, não ocorreu nenhuma omissão de pronúncia nos termos invocados.

(iii) violação das regras de competência.
Sobre esta dimensão do recurso, refere a recorrente que «pelo que consta da acusação - factos ocorridos no dia 21 de Janeiro de 2004 — tinha apenas 15 anos de idade (nasceu no dia 20 de Janeiro de 1989). A questão e clarificação de os factos terem ocorrido no ano de 2005 e não no ano de 2004, só sucedeu durante a audiência de julgamento, quando esta já tinha iniciado, o que gera a nulidade insanável do conhecimento oficioso nos termos da alínea e) do art. 119° do CPP».
Consta dos autos (cf. termo de identidade e residência da arguida D….. – fls 29) que a arguida nasceu a 20-1-1989.
Os factos ocorreram a 21 de Janeiro de 2005 e não em 21.01-2004 (certamente um lapso que se encontrava na acusação)
A arguida era, à data dos factos penalmente imputável - o primeiro dia da sua «nova» vida, como cidadão com responsabilidades acrescidas.
Dai que não se verifica qualquer violação das regras de competência a que alude a recorrente por via da sua acusação e posteriormente julgamento nos termos em que os factos de se desenrolaram.

(iv) erro sobre a matéria de facto.
Sobre esta dimensão do recurso, de uma forma algo confusa, a recorrente pretende que, com base no depoimento da testemunha K….. e das regras da experiência comum, deve a matéria de facto fixada ser alterada e também a sentença, condenando-se em consequência dessa alteração a arguida B….. e absolvendo as recorrentes C….. e D…...
Decorre do disposto no art. 428.º, n.º 1, do CPP que as Relações conhecem de facto e de direito, sendo que, segundo o art. 431.º “sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por sua vez e de acordo com o art. 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.
Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Ou seja o recorrente deve indicar a) os factos impugnados; b) a prova de que se pretende fazer valer; c) identificar ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.
Vale a pena sublinhar que é jurisprudência uniforme que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso – vejam-se os Ac. do STJ de 16.6.2005, Recurso n.º 1577/05), e de 22.6.2006 do mesmo Tribunal.
É, igualmente, jurisprudência pacífica a praticamente uniforme que os vícios do artigo 410º n.º 2 do CPP, em todas as suas alíneas têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência (cf. Ac. STJ, 17 de Março de 2004, na mesma base de dados).
Assim o «erro notório na apreciação da prova», identificado como um dos vícios susceptíveis de possibilitar a reapreciação da prova pelo tribunal de recurso, consubstancia-se numa errada apreciação probatória efectuada pelo Tribunal, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Enquadrada, normativamente, a possibilidade legal de conhecer do recurso sobre a matéria de facto, importa desde já referir que a recorrente, no caso sub judice, não fez uso de qualquer dos mecanismos disponibilizados pelo artigo 412º n.º 3 e podia tê-lo feito, nomeadamente quando se refere a uma prova gravada que quer questionar, como é o depoimento da testemunha Carlos e não o fez.
Nesse sentido o recurso incidirá tão só na apreciação de um eventual erro notório na apreciação da prova, porque de conhecimento oficioso, nos termos em que foi referido: o mesmo resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Efectuado estes esclarecimentos, para que não fiquem dúvidas sobre o objecto do recurso constata-se que, no que importa à matéria do recurso, o Tribunal fundou a sua decisão num conjunto probatório amplo, sustentado na análise crítica e ponderada de toda a prova produzida, que envolveu as agressões provadas e não provadas.
Assim o Tribunal valorou, sem que tal possa ser questionado, de forma inequívoca a descrição dos factos efectuada pela arguida B….., que deu conta da conduta assumida por cada um dos restantes arguidos, sendo que a mesma se mostrou compatível com as lesões que lhe foram diagnosticadas e que resultaram demonstradas em face do boletim clínico e dos relatórios médicos juntos aos autos. Acresce que a dita B….. apresentou uma explicação perfeitamente lógica e coerente, de acordo com as regras da experiência e da normalidade do acontecer, para as lesões que foram diagnosticadas ao arguido E……, e que resultaram demonstradas perante o boletim clínico e o relatório médico constantes dos autos e ao mesmo referentes. Quanto à justificação para tal opção valorativa também o Tribunal deu as suas razões para essa fundamentação, cumprindo, assim o inciso do artigo 374º n.º 2 do CPP. Diz o Tribunal que tal versão mereceu desde logo credibilidade face à notória diferença a nível da constituição física entre o arguido E…… e a arguida B….., sendo aquele notoriamente mais pujante do que esta. Acresce que a versão daquela arguida foi corroborada pelos depoimentos do irmão e da mãe da arguida C….., J….. e G….., que se encontravam no local, e que deram conta do que percepcionaram, tendo também encontrado algum apoio no depoimento de F……, que acorreu ao local no final da contenda, e que retiraram credibilidade à versão apresentada pelos arguidos C….. e E…. que nem sequer foi concordante entre si.
O Tribunal teve ainda o cuidado de explicitar, na sustentação da sua opção, a não omissão do mau relacionamento entre as pessoas envolvidas, justificando claramente a sua opção e justificando. Veja-se o que é dito: Ficou evidente das declarações dos arguidos C….. e E….., por um lado, e de J….. e G….., por outro, que não obstante as ligações familiares existentes, eram e são más as relações entre aqueles e estes. Não obstante tal facto, o certo é que as ditas testemunhas J….. e G….. apresentaram uma versão uniforme e concordante da actuação dos arguidos, corroborando as declarações prestadas por B…...
A transparência da decisão do Tribunal decorre também da afirmação que é feita sobre o porquê da não valoração de outros depoimentos, o que em função das circunstâncias concretas de maus relacionamentos intersubjectivos, se justificava: Por contraponto, entre as declarações prestadas pela arguida C….. e as declarações prestadas pelo arguido E….. detectaram-se inúmeras contradições, como seja quanto ao facto de o arguido E….. ter ou não sido assistido pela sua mulher que lhe teria colocado água na cabeça, quanto à proveniência da faca, quanto ao facto de a arguida C….. se ter ou não ausentado do local a meio da contenda, quanto à presença ou não da arguida D….. no local e quanto ao que teria sido então dito pela testemunha G…... Finalmente quanto ao depoimento da testemunha K….., o tribunal ainda assim refere porque não valorou o seu depoimento, justificando também aqui a sua opção: a dita testemunha F….., muito embora colocasse a arguida D….. na rua pública quando chegou ao local, o certo é que tal não infirma o declarado por B….. que referiu expressamente que, a dado passo, enquanto o arguido E….. pretendia tirar-lhe a faca da mão, a porta da rua teria sido aberta o que, assim, teria permitido a saída daquela.
Ou seja o conjunto argumentativo que consta na motivação de facto realizado pelo Tribunal é absolutamente claro, coerente e explicito relativo às razões que levaram o Tribunal a decidir como o fez, de todo podendo afirmar-se que nele sobressaia qualquer contraditoriedade em relação ao decidido.
Em suma, importa concluir que todo o edifício da fundamentação da sentença elaborada pelo Tribunal é suficiente, coerente e conciso de modo a justificar as opções o Tribunal, respeitando assim as imposições constitucionais e normativas referentes à fundamentação das sentenças. Quer em si, quer numa análise de concordância com as regras da experiência comum, os factos provados e a sua fundamentação não merecem, nesta perspectiva, qualquer tipo de censura, não se verificando por isso o vício do erro notório na apreciação da prova sustentado pelo arguido.
É assim manifesto que da análise da sentença, nomeadamente da sua fundamentação de facto, efectuada de forma irrepreensível pelo Tribunal ad quo, não pode concluir-se, de todo, pela existência do vício de erro notório da apreciação na prova.

(v) Omissão de decisão sobre o regime especial para jovens, referente à arguida D……;
Em relação a este fundamento do recurso diz a recorrente que «tendo os factos acontecido no ano de 2005, a D…. tinha feito 16 anos apenas no dia anterior aos factos, e com esta idade, o tribunal “a quo” nunca teve isso em consideração, nem o regime especial para jovens condenando, inclusive, sem o justificar ou fundamentar, a D….., em maior pena do que os restantes arguidos»
Efectivamente a arguida recorrente, à data dos factos, como reconhece e está provado, tinha 16 anos.
O Decreto-lei n.º 401/82 estabeleceu, quando da aprovação do actual Código penal um regime especial penal para jovens adultos que cometam factos qualificados como crime, considerando-se jovem, para esse efeito o cidadão que tiver completado 16 anos sem ter atingido 21 anos à data da prática do crime.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 07-11-2007, processo n.º 3214/07-3.ª, (Henriques Gaspar), «o artigo 9º do Código Penal remete para legislação especial o regime penal dos indivíduos maiores de 16 e menores de 21 anos. A imposição de um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes" traduz uma das opções fundamentais de política criminal, ancorada em concepções moldadas por uma racionalidade e intencionalidade de preeminência das finalidades de integração e socialização, e que, por isso, comandam quer a interpretação, quer a aplicação e a avaliação das condições de aplicação das normas pertinentes. A delinquência juvenil, com efeito, e em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas exigidas por este problema de indiscutível dimensão social. O regime pressuposto no artigo 9º do Código Penal consta (ainda hoje) do Decreto-Lei nº 401/82, de 22 de Setembro, e contém uma dupla vertente de opções no domínio sancionatório: evitar, por um lado e tanto quanto possível, a pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (artigo 4º), e por outro, pelo estabelecimento de um quadro específico de medidas ditas de correcção (artigos 5º e 6º)».
Simultaneamente, no domínio da pena de multa, estabelece uma imposição ao aplicador, quando se fixam penas de multa, conforme decorre do artigo 9º do mesmo Decreto-lei.
Tem vindo a ser sucessivamente entendido pela jurisprudência do STJ, na sequência dos princípios que estabeleceram esse regime especial que, no que respeita à atenuação especial a que se alude no artigo 4º (quando for aplicável ao caso pena de prisão) que essa atenuação especial: (a) não é de aplicação necessária e obrigatória; (b) não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente; (c) é de conhecimento oficioso, na medida em que a consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada; (d) é de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa; (e), deve ser fundamentada a não aplicação – cf. por todos o recente acórdão do STJ de 31.3.2011, (Raul Borges).
Analisada a sentença sub judice importa reconhecer que o Tribunal não faz qualquer alusão ao facto da arguida ter à data dos factos 16 anos (e sobretudo, quando os factos ocorreram no primeiro dia da sua imputabilidade!).
E não o fez desde logo quando efectua o processo de escolha da pena aplicável, por via do crime imputado (crime de ofensa à integridade física simples, p.p. pelo artigo 143º n.º 1 do C. Penal, punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa), mas também quando concretiza, a cada um dos arguidos a medida da pena de multa aplicada e finalmente nada diz quando fixa o quantitativo diário da pena.
Não obstante não estar em causa a aplicação da atenuação especial da pena a que se alude no artigo 4º do Decreto-Lei 401/82, nomeadamente quando está em causa a aplicação de uma pena de prisão, certo é que o Tribunal trata todos os arguidos (e especificamente a arguida recorrente) pela mesma bitola, não fazendo qualquer distinção entre os arguidos, nomeadamente no que respeita à idade.
E certamente que o deveria ter feito, na medida em que aquele regime especial impõe que o Tribunal atente concretamente, quando o autor do facto ilícito tem entre 16 e 21 anos assim o tribunal tem o dever de atentar nessa circunstância. Como se refere no Ac. do STJ citado de 7.11.2007, «a aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos não constitui, pois, uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos».
E quando não fizer, para não aplicar qualquer las medidas aí estabelecidas deve justificar essa razão. Só assim é cumprido o «programa» impositivo que o legislador quis inequivocamente estabelecer na aplicação de penas a jovens adultos.
Assim sendo, e porque a sentença nada diz sobre esta matéria não cumpre, nesta parte o que a lei impõe.
Na aplicação de sanções estabelecidas no regime de jovens adultos, há que atentar que devem, tanto quanto possível, «aproximar-se das medidas de reeducação, e na máxima medida permitida pela concordância prática com exigências de prevenção, com a utilização da plasticidade dos modelos que o regime penal específico prevê, evitar as penas privativas de liberdade»
No caso, claramente que em relação à arguida recorrente não se justifica a aplicação de uma pena de prisão (por razões diferentes, no entanto daquelas que justificaram a decisão de não aplicação dessa pena pelo Tribunal aos restantes arguidos).
A arguida tinha, à data, 16 anos e um dia, não possuía qualquer cadastro criminal (e dificilmente poderia ter, face à data do crime!), os factos consubstanciam uma «escaramuça» entre familiares, sendo a arguida filha dos dois outros arguidos que se envolveram nas ofensas, tendo o julgamento ocorrido seis anos após a ocorrência dos factos.
No que respeita à pena de multa, importa atentar, para além dos factos referidos que dizem respeito às condições em que ocorreram os factos, que a arguida, como se referiu tinha à data 16 anos e um dia, actualmente é casada e está desempregada, auferindo a título de subsídio de desemprego cerca de € 419, 10 (quatrocentos e dezanove euros e dez cêntimos). Mais se refere que efectua uma ocupação como vigilante, auferindo por tal cerca de € 177 (cento e setenta e sete euros) por mês. Tem uma filha menor a cargo. Vive em casa de renda, despendendo cerca de € 45 (quarenta e cinco euros) por mês. Tem um veículo automóvel.
Ora com base nesta factualidade (se comparada com a factualidade pessoal dada como provada aos restantes arguidos) é claramente anacrónica a fixação de uma pena de multa nos termos em que foram feitos pelo Tribunal, deforma acrítica e igualitária para com os outros arguidos.
Assim entende-se que com base em tal factualidade e levando em conta essencialmente a idade da arguida à data dos factos que é adequado fixar a pena de multa em 90 dias.
Relativamente à taxa diária, há que constatar, que à data vigente dos factos o quantitativo diário seria de € 1 a 498,80 (quando actualmente esse quantitativo é de 5€ a 500€)
Assim e levando em conta essa moldura, a situação da arguida e ainda o disposto no artigo 9º do Decreto lei 4011/82, entende-se que o quantitativo diário estabelecido na sentença é adequado (em 5 €/dia nos termos da lei antiga e € 7/dia à face da lei nova), mantendo-se por isso inalterado este item.
Em síntese e entende-se ser de alterar a decisão condenatória da arguida D….. para uma pena de multa de 90 dias, à taxa diária de 5 €.
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III
DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar não provido o recurso interlocutório e conceder parcial provimento ao recurso da decisão final e, em conformidade, altera-se a decisão condenatória referente à arguida D….. condenando-a em co-autoria e sob a forma consumada, num crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.° 143.°, n.° 1, do C.P, na pena de multa de 90 (noventa) dias, à taxa diária de 5 (cinco) €.
Fixa-se a taxa de justiça devida pela recorrente, tendo em conta o não provimento do recurso interlocutório, em 2 Ucs.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).

Porto, 9 de Novembro de 2011
José António Mouraz Lopes
Américo Augusto Lourenço