Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP00034255 | ||
| Relator: | FONSECA RAMOS | ||
| Descritores: | AMBIENTE POLUIÇÃO CESSAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200301030252552 | ||
| Data do Acordão: | 01/03/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | 4 J CIV STA MARIA FEIRA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | ALTERADA A SENTENÇA. | ||
| Área Temática: | DIR AMB. | ||
| Legislação Nacional: | LEI 83/95 DE 1995/08/31. | ||
| Sumário: | I - Colidindo o direito de personalidade, na vertente direito à saúde e a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, com o direito de propriedade -exploração fabril- deve prevalecer o direito de personalidade. II - Tendo sido requerida a cessação temporária de uma fábrica que polui o ambiente e causa dano à saúde, não está o tribunal impedido de, com base em factos provados, decretar medidas menos severas, que, concretamente, sejam adequadas a assegurar a efectividade do direito ameaçado. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto Invocando o exercício do direito de Acção Popular, ao abrigo do disposto no art. 26º-A do Código de Processo Civil, e da Lei nº83/95, de 31/08: - Fernando ............. e mulher, Maricela ..............., - Américo ............., e; - Manuel ............. Intentaram, pelo Tribunal Judicial da Comarca de .................. – .. Juízo Cível – em representação dos cidadãos residentes em ................., Providência Cautelar Não Especificada, contra: “M..........., S.A.”. Pedindo que seja imposta à requerida a abstenção, ou inibição, de desenvolver qualquer actividade industrial na referida área, em virtude do seu alto grau poluente, pelo lapso de sessenta dias, por forma a que nesse período possa fazer cessar definitivamente a emissão de fumos negros e fuligem, resultantes do desajustamento no funcionamento dos fornos e do respectivo sistema de despoeiramento, e implementar o processo e meios de redução das emissões fugitivas de compostos orgânicos voláteis que ocorrem, e os procedimentos técnicos hábeis para eliminar o ruído agora existente, apenas podendo voltar à sua actividade após realização de vistoria por técnicos a nomear pela D.R.A.-Norte, que certifique que foram adoptadas aquelas medidas e que a saúde pública não esteja em perigo. Alegaram, para o efeito, serem proprietários de prédios urbanos e moradores em ..............., local onde a requerida tem as suas instalações e onde se dedica à actividade de fabrico e produção de banheiras e outras peças em ferro fundido esmaltado, actividade da qual resultam emissões de fumos negros e fuligem e de compostos orgânicos voláteis, bem como a produção de cheiros e de ruídos e ainda o depósito de areias de moldação e escórias, o que ocorre em desrespeito pelos comandos legais existentes na matéria e provoca danos graves no ambiente da zona e na saúde e qualidade de vida dos moradores. Citada a requerida, a mesma veio deduzir oposição, nos termos de fls. 74 a 85, impugnando os factos atinentes à forma como leva a cabo a sua actividade, alegando não poluir o ambiente, e alegando ainda que a qualidade do ar respirado pelos habitantes de ........... é apenas afectada pela fábrica “T........” e pela fábrica da “O......” e que, de todo o modo, a paragem na sua laboração lhe iria causar um prejuízo superior do que o prejuízo sofrido pelos requerente com a sua laboração, sendo certo que tem vindo a implementar novas tecnologias para manter o seu processo de fabrico dentro dos limites legais, em termos ambientais, sem ser necessário suspender a sua laboração. *** Citados os titulares dos interesses em causa, nos termos e para os efeitos do disposto no art.15º da Lei nº 83/95, de 31/08, foram juntas as declarações de exclusão da representação de fls. 118 e 122 a 138. *** Em 24/11/2000, foi comunicado pela requerida que dera início à montagem do equipamento técnico necessário à despoluição, pelo que, e também em face da concordância das partes nesse sentido, foi decidido proceder a prova pericial, a efectuar em acompanhamento do processo de montagem em questão, nos termos referidos a fls. 152 e 153, solicitando-se para o efeito e ao abrigo do disposto no art. 26º da Lei nº 83/95, de 31/08, à Direcção Regional do Ambiente do Norte a efectivação da perícia nos moldes referidos, a concluir até final de Março de 2001. Decorrido o prazo, sem que nada tivesse sido comunicado ao processo, foi oficiado à D.R.A.N. a saber do resultado da perícia, tendo, após segunda insistência, e apenas em 01/06/2001 (ou seja, mais de 6 meses depois da solicitação inicial!), esta entidade informado não ser viável a sua intervenção nos moldes anteriormente definidos, mas nos termos por si sugeridos a fls. 159 e 160. Determinou-se então, e na sequência da conclusão do processo de montagem de equipamento efectuada pela requerida, a realização da perícia nos termos indicados pela D.R.A.O.T.N., cujo resultado consta do relatório junto de fls. 234 a 272 e dos esclarecimentos de fls. 285. *** Realizou-se inspecção ao local e procedeu-se à inquirição dos requerentes, cujo depoimento foi requerido pela requerida, e das testemunhas indicadas pelas partes. *** A final, em 22.7.2002, foi proferida decisão que decretou a providência cautelar requerida e, em consequência: - impôs à requerida a obrigação de não prosseguir a sua actividade industrial, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, enquanto se mantiverem as situações responsáveis pela emissão descrita na decisão de monóxido de carbono, partículas e compostos orgânicos voláteis e de produção de ruído para o exterior, e até estar instalado o sistema de insonorizarão que permita a eliminação do ruído que actualmente escapa da sua laboração para o exterior e finalizado o sistema de eliminação das emissões de monóxido de carbono e de partículas e compostos orgânicos voláteis provindas dos fornos “cubilot” e dos fornos de esmaltagem; - nos termos do art. 19º, nº 2 da Lei nº 83/95, de 31/08, determinou a publicação da decisão, por extracto dos seus aspectos essenciais, a expensas da parte vencida, sob pena de desobediência e com menção do trânsito em julgado, no jornal “Público” e no jornal “...........”. *** Inconformada recorreu a recorrida que, alegando, formulou as seguintes conclusões: I. A decisão recorrida impõe duas obrigações distintas para a ora Agravante, sendo uma a suspensão da sua actividade industrial e outra a instalação de equipamentos adequados a reduzir o impacto ambiental da sua actividade industrial. II. A Agravante tem sido sensível à necessidade de acautelar as lesões do meio ambiente, como decorre, aliás, dos números 35 a 40 do rol de factos dados como provados ou indiciados na decisão recorrida. III. A Agravante reconhece a conveniência da instalação dos equipamentos de prevenção da poluição prescrita pela decisão recorrida, encontrando-se já concluída a instalação do sistema de eliminação das emissões de monóxido de carbono e de partículas e compostos orgânicos voláteis nos fornos “cubilot” e de esmaltagem - cujos ensaios demonstram o cumprimento da legislação aplicável -, estando em fase de conclusão a instalação do sistema de insonorização, verificando-se já em alguns locais de amostragem o cumprimento da legislação sobre o ruído. IV. A Agravante tem tido o cuidado de dar conhecimento à ORA - Direcção Regional do Ambiente do Norte, a qual tem acompanhado as acções desenvolvidas para cumprimento da legislação sobre o ruído e emissões gasosas, bem como dos ensaios realizados. V. É, assim, evidente o empenho da Agravante em proceder à instalação desses sistemas, acautelando a saúde e a qualidade de vida dos seus vizinhos. VI. Não pode, porém, a ora Agravante conformar-se com a decretada suspensão da sua actividade industrial: não sendo tal suspensão indispensável à instalação dos referidos sistemas de prevenção da poluição, conforme decorre do número 38) dado como provado ou indiciado na decisão recorrida, aquela afigura-se desproporcionada, ferindo de forma intolerável o seu direito fundamental à iniciativa económica privada. VII. A suspensão da actividade da Agravante impedirá a realização das medições do sistema de insonorização para verificação do cumprimento da legislação em vigor e da providência decretada. VIII. E poderá conduzi-la à falência em dois meses, causando prejuízos irreparáveis à Agravante, seus trabalhadores e famílias, fornecedores e clientes, sendo certo que não há nota de que a Agravante, pelo menos nos últimos nove anos (cfr. factos dados como indiciados sob a alínea 37) do rol de factos constante da decisão agravada), tenha causado à população da ............ alguns dos graves males, enunciados pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, que a providência em crise pretende acautelar. IX. Atenta a natureza dos interesses em presença, todos com dignidade constitucional (direito à saúde e à vida e direito à iniciativa económica privada), impunha-se que o regime prescrito no art. 387º do Cód. Proc. Civil tivesse sido objecto de interpretação e aplicação mais cuidadosas, traduzidas num entendimento hábil da relação entre os danos resultantes da providência e os danos que se pretendem acautelar com a mesma. X. A decisão recorrida não fez o uso adequado do indispensável “método de concordância prática”, consubstanciada na ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis. XI. A providência decretada é, assim, desproporcionada, na parte que impõe à Agravante a obrigação de suspensão da sua actividade industrial. XII. A obrigação de implementar os sistemas de insonorização e de despoeiramento num determinado prazo teria sido medida suficiente e proporcionada à redução ou eliminação dos incómodos sentidos pela vizinhança e prevenção de possíveis males maiores. XIII. Com a douta decisão recorrida foram violados os art. 387° do Código de Processo Civil e os art. 61 °, 17° e 18° da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente recurso de agravo ser julgado procedente, substituindo-se a decisão recorrida por outra que imponha à Agravante a obrigação de implementar na sua fábrica, num determinado espaço de tempo, os sistemas de insonorização e despoeiramento que determinem o cumprimento da legislação ambiental aplicável, reduzindo ou eliminando os incómodos sentidos pela vizinhança e prevenindo possíveis males maiores, com todas as consequências legais. Decidindo nesta conformidade, farão a costumada Justiça. Não houve contra-alegações. A Ex.ma Juíza sustentou o seu despacho. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta a seguinte matéria de facto: 1) O primeiro requerente marido adquiriu, por contrato de compra e venda celebrado em 30/01/98, uma parcela de terreno, destinada a construção urbana, situada no Lugar da ................, descrita na Conservatória sob o nº ......., na qual construiu uma casa de habitação, onde actualmente residem os primeiros requerentes; 2) O segundo requerente reside na casa de habitação sita na Rua ...................., a qual se encontra inscrita na matriz sob o art. 1365, aí constando aquele como titular do direito ao rendimento do prédio, ocupado em 05/01/80; 3) O terceiro requerente reside na casa de habitação sita na Rua ....................., inscrita na matriz sob o art. 1364, encontrando-se emitido em seu nome o respectivo alvará de licença de utilização, com data de 28/05/98; 4) A requerida, integrada no sector de actividade de fundição de metais ferrosos e não ferrosos e legalmente classificada como indústria da classe B, dedica-se ao fabrico de banheiras e outras peças em ferro fundido esmaltado, com instalações em ............; 5) A fábrica da requerida, com a actividade que hoje continua a desenvolver, encontra-se instalada no local referido no ponto anterior desde 1958 (data em que ainda não era a sua denominação a da ora requerida); 6) Nessa altura existiam na zona algumas casas e campos, tendo as restantes casas que actualmente existem sido construídas mais tarde e ao longo dos anos; 7) Actualmente e há cerca de 6 anos existe, nas proximidades da requerida, uma escola, com 180 alunos; 8) As casas onde habitam os requerentes pertencem ao conjunto de casas situadas a norte das instalações da requerida; 9) Nas casas existentes na zona envolvente das instalações da requerida existem alguns quintais e jardins, frequentados por crianças e idosos; 10) Na actividade exercida pela requerida são utilizadas as matérias-primas referidas a fls. 236, onde se inclui areia lavada, areia amarela, ferro fósforo 10/1000, ferro sílico 10/30, sucata de aço, gusa, ferro manganês, coque e pó de carvão; 11) O processo de fabrico desenvolvido pela requerida envolve o processo de fusão de ferro em fornos “cubilot” (alimentados a coque) e rotativos, o processo de preparação de areia verde, a moldação em areia verde, a desmoldação de peças, a decapagem mecânica, a rebarbagem manual e a esmaltagem, fases daquele processo geradoras de emissões de poluentes atmosféricos; 12) As respectivas fontes de emissão existentes na requerida são três fornos rotativos, três fornos de fusão, o despoeiramento de areias, o despoeiramento da decapagem, seis fornos de esmaltagem e o despoeiramento da rebarbagem; 13) No seu processo de fabrico, a requerida utiliza três tipos de energia, a electricidade, o gás natural e o carvão coque, sendo que o consumo deste último ascende a 1.788 toneladas/ano; 14) Em Fevereiro de 2001, as partículas emitidas para a atmosfera pelos fornos rotativos ascendiam aos montantes de 367, 824 e 908 mg/m3N e pelos fornos nºs 5 e 6 de esmaltagem ascendiam aos montantes de 1039 e 458 mg/m3N; 15) Nessa mesma data, os valores de Dióxido de Enxofre (SO2) emitidos pelo forno de fusão (“cubilot”) ascendiam a 6318 mg/m3N e os de Monóxido de Carbono (CO) ascendiam a 104798 mg/m3N, enquanto os valores de Compostos Orgânicos Voláteis (COV) emitidos pelos fornos rotativos ascendiam a 111, 146 e 53 mg/m3N; 16) Em Outubro de 2001, as partículas emitidas pelo forno rotativo nº 3 ascendiam ao montante de 11257 mg/m3N e pelo forno nº 5 de esmaltagem ascendiam ao montante de 412 mg/m3N; 17) Nessa mesma data, os valores de CO emitidos pelo forno de fusão acendiam a 14507 mg/m3N e os de COV emitidos pelo forno rotativo nº 3 ascendiam a 995 mg/m3N e pelos fornos nºs 3, 5 e 6 de esmaltagem ascendiam aos montantes de 54, 74 e 61 mg/m3N; 18) Os valores de metais pesados, tais como chumbo, crómio e cobre, emitidos pelo forno rotativo nº 3 ascendiam a 73,8 mg/m3N; 19) Já em 13, 14 e 15 de Abril de 1999 o valor do Monóxido de Carbono existente nos efluentes dos fornos de “cubilot” era superior ao valor previsto na legislação existente; 20) E nos dias 22, 23, 24 e 25 de Maio de 2000, as concentrações, medidas por iniciativa da própria requerida no âmbito do auto-controlo imposto por lei, nos efluentes dos fornos “cubilot”, de CO eram de 117361 mg/m3N e as de COV eram de 72 mg/m3N, enquanto os valores dos caudais mássicos de CO nos mesmos fornos eram de 2109 kg/h; 21) O período de laboração da requerida corresponde a 24 horas, divididas por três turnos de 8 horas, todos os dias excepto aos Domingos, no que respeita à esmaltagem, e a 16 horas por dia, cinco dias por semana, divididas em dois turnos de 8 horas, no que respeita aos restantes sectores; 22) Efectuadas medições em vários dias do mês de Dezembro de 2001, durante o período diurno (7h - 22h) e durante o período nocturno (22h - 7h), no interior de uma residência e no exterior junto à escola primária, nos locais devidamente assinalados na planta junta de fls. 257, verificou-se que o ruído resultante dos acréscimos sonoros decorrentes da laboração da requerida (ruído ambiente diminuído do ruído residual) era no interior da residência e no período diurno de 10,3 dB(A), nesse mesmo local e no período nocturno de 11,3 dB(A), e no exterior junto à escola e no período nocturno de 19,2 dB(A); 23) As fontes de ruído predominantes são, no que respeita ao primeiro local, o sector de fusão e de moldagem, que labora até às 24 horas, e no que respeita ao segundo local, o sector de esmaltagem, de laboração contínua, e o sistema de aspiração, que labora até às 24 horas; 24) O ruído produzido pela laboração da requerida, nomeadamente durante a noite, afecta o descanso das pessoas que residem nas redondezas das suas instalações; 25) Da actividade desenvolvida pela requerida resultam cheiros que, por vezes, são sentidos na zona envolvente e nas habitações vizinhas; 26) A requerida acumulou em terreno adjacente às suas instalações, durante algum tempo, os resíduos provenientes da sua laboração, constituídos essencialmente por areias de moldação e escórias, em quantidade que em Dezembro de 1997 ultrapassava as 60.000 toneladas; 27) Desde há cerca de 4 anos, e a partir do momento em obteve autorização para depositar em aterro os resíduos da fundição, a requerida passou a depositar num aterro sito nos ............., os resíduos referidos no ponto anterior, procedendo, para o efeito, diariamente, à sua deposição em contentores que depois para ali são transportados; 28) Pelas chaminés das instalações da requerida eram expelidos fumos pretos, com resíduos sólidos que caíam e se depositavam nas casas, carros e outros objectos e pessoas que se encontrassem a descoberto; 29) Tais resíduos deixaram manchas amarelas designadamente nos carros e nas caixilharias, pedrarias e telhas das casas, estas (das casas) ainda visíveis actualmente; 30) Em 24/02/2000 saíam fumos das chaminés das instalações da requerida; 31) Em Maio de 1997, o sistema de filtros de mangas não estava a funcionar, situação que ocorria com frequência, sendo lançados directamente para a atmosfera os gases dos fornos de “cubilot”; 32) O que sucedeu também na data referida no ponto 20; 33) A situação descrita no ponto 20 deu origem ao Processo de Contra-Ordenação nº 12-AR/2000, instaurado pela D.R.A.O.T.N., no qual a requerida foi condenada ao pagamento de uma coima no montante de 1.100.000$00; 34) Tendo a requerida impugnado contenciosamente tal decisão, veio a ser proferida decisão, em recurso de contra-ordenação, no Processo nº .../.., do .. Juízo Criminal deste Tribunal, que condenou aquela no pagamento da coima de 500.000$00; 35) A requerida procedeu à montagem durante os anos de 2000 e 2001 de uma central de despoeiramento, o que lhe permitiu reduzir para valores inferiores aos legalmente previstos as emissões provenientes das areias, da decapagem e da rebarbação; 36) Desde o início de 2002 e porque o sistema de redução de emissões não resultou relativamente a estes fornos, a requerida colocou fora de funcionamento os três fornos rotativos; 37) A situação descrita nos pontos 14 a 20, 22 a 26 e 28 a 32 apenas começou a ocorrer, em termos de ser sentida na vizinhança, há cerca de 9 anos, e, no que respeita às emissões e aos factos aludidos nos pontos 26 e 28 a 32, aquela situação melhorou de forma visível, em virtude do referido nos pontos 27, 35 e 36; 38) A requerida tem implementado as medidas referidas nos pontos anteriores com as suas instalações em pleno funcionamento, aproveitando designadamente os períodos de férias e fins-de-semana para instalar os equipamentos, cujo funcionamento vai verificando em contínuo com a laboração da fábrica; 39) A requerida tem um plano de modificação do sistema de injecção de ar para queima (filtragem de gases) de aquecimento do forno de esmaltagem nº 5, com vista à redução da emissão de partículas, e uma solução em desenvolvimento com os fornecedores de equipamento para redução das emissões de monóxido de carbono no forno “cubilot”, a finalização daquele prevista para Abril de 2002 e a finalização desta prevista para Dezembro de 2003, devido ao mesmo esquema de implantação referido no ponto anterior; 40) A requerida é sócia da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, tendo aderido ao Protocolo de Institucionalização de Acordos Voluntários de Adaptação à Legislação Ambiental para o Sector Metalúrgico e Metalomecânico, celebrado entre aquela associação e a Direcção Geral do Ambiente; 41) A requerida tem o capital social de 600.000.000$00; 42) E tem cerca de 180 trabalhadores; 43) A sua produção anual corresponde em média a 2.300 banheiras de ferro fundido esmaltado, 10.442 peças pequenas esmaltadas e 65.792 pés para banheira, correspondente a 12.100 toneladas; 44) Tendo uma facturação mensal na ordem dos 190.000.000$00/mês, sendo que no ano de 2001, a facturação anual foi de cerca de 2.200.000.000$00; 45) A maioria dos clientes da requerida é de países estrangeiros, tendo esta encomendas em carteira até ao fim do ano, com prazos de entrega, estando sujeita ao pagamento de indemnizações caso não cumpra aqueles prazos; 46) A suspensão da laboração da requerida irá atrasar a conclusão das encomendas que tem em curso; 47) Na zona de .................., é sentido também, por vezes, o cheiro emanado da chamada “fábrica da T”, sita em ................, o qual é diferente dos cheiros aludidos no ponto 25. Fundamentação: A questão objecto do recurso – delimitada pelo teor das conclusões da recorrente – que definem o respectivo âmbito de conhecimento, consiste, essencialmente, em saber se, ante os factos provados, e ponderando as consequências deles, deveria – como foi na decisão recorrida – ter sido imposta à requerida a “obrigação de não prosseguir a sua actividade industrial por 60 dias”, sujeitando-a a adoptar os procedimentos técnicos aptos a eliminar os focos de poluição apontados. A recorrente, não negando que a sua actividade industrial é poluente do ambiente, sustenta que não deveria ter sido imposta a obrigação de paralisação da actividade industrial, pedindo que seja tal proibição substituída pela obrigação de implementar na fábrica, num determinado prazo, os sistemas de insonorização e despoeiramento que estejam dentro dos padrões legais, até porque vem procedendo as adaptações tendentes a eliminar as causas de poluição. Vejamos: Ultrapassada a concepção - durante séculos dominante - que a natureza deveria ser domesticada pelo homem, por se considerar que, ela própria, era um manancial inesgotável de sobrevivência ao seu alcance; desde a década de 60 que vem preponderando uma concepção diferente - erigindo a natureza a e o ambiente como valores em si mesmos - e procurando um enquadramento legal que a preserve, reconhecendo-lhe direitos imanentes, constatada que está, cientificamente, a finitude dos recursos naturais, e sentida a necessidade supra-geracional, que todos têm direito a viver num ambiente sadio, como forma de preservação da saúde individual e colectiva. Da concepção antropocêntrica, em que tudo gira em torno dos interesses do homem, evoluiu-se para uma visão ecocêntrica, em que o ambiente é protegido enquanto tal. A Constituição da República Portuguesa inscreve no Capítulo dos Direitos e Deveres Sociais, o direito à saúde - art. 64º, nº1, (após a revisão introduzida pela Lei Constitucional 1/97, de 20.9), estatuindo: “Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover”- art. 64º,nº1, o que passa pela criação de condições ambientais, económicas e sociais que garantam a melhoria das condições de vida , e pelo direito ao ambiente e qualidade de vida. “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”- nº1 do art. 66º da Lei Fundamental. O nº2 deste normativo, elenca uma série de incumbências do Estado para garantir tal direito, no quadro de um desenvolvimento estável, visando, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos, “prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos...”- al. a). A constitucionalização das questões ambientais iniciou-se com o diploma Fundamental, de 1976 e tem vindo a ser mantida nas revisões a que se procedeu. A Lei de Bases do Ambiente (LAB) - Lei 11/87, de 7 de Abril - definiu as “bases da política de ambiente, em cumprimento do disposto nos arts. 9º e 66º da Constituição da República” – seu artº1. No art. 2o a LAB define os princípios gerais do seguinte modo: “1 - Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares e comunitárias, promover a melhoria da qualidade de vida, quer individual, quer colectiva. 2 - A política de ambiente tem por fim optimizar e garantir a continuidade de utilização dos recursos naturais, qualitativa e quantitativamente, como pressuposto básico de um desenvolvimento auto-sustentado.” No art. 3º são enumerados os princípios específicos que devem ser observados para que se cumpra aquele objectivo fundamental, avultando os da prevenção, equilíbrio, cooperação, recuperação e responsabilização, sendo que este último, postula “uma equidade inter-geracional” - como a designa José de Sousa Cunhal Sendim – in, “Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos”- pág. 99- conceito que foi acolhido na Revisão Constitucional de 1997 - art. 66º, nº2, d) da CRP. Tal principio acha-se consagrado no art. 1º da Declaração das Nações Unidas, adoptada na Conferência de Estocolmo de 1972, estatuindo que - “O homem tem o dever de proteger e melhorar o ambiente para as gerações presentes e futuras”. Esta “solidariedade inter-geracional” encontra fundamento na tese contratualista de John Rawls - “Uma Teoria da Justiça”,- Editorial Presença - sintetizada na obra de Cunhal Sendim, pág. 98, nos seguintes termos: [“Um possível fundamento teórico para esta visão pode encontrar-se no contratualismo. Desde esse ângulo, Rawls propõe uma abordagem em que o critério de equidade inter-geracional é definido a partir de uma posição original idêntica de todas as gerações, em condições de ignorância quanto à sua situação futura. Para que todas as gerações possam ganhar, as partes devem concordar com um princípio de poupança que garanta que cada geração recebe o quinhão que lhe cabe da geração anterior e contribui com a sua parte para as gerações vindouras. Se as partes na posição original estão sob a mais perfeita ignorância, só há razões para que concordem com um princípio de justiça inter-geracional. Pode assim definir-se um “padrão de evolução que trate todas as gerações de modo justo ao longo da história da sociedade”.] No art. 5º, a LAB define qualidade vida como o “Resultado da interacção de múltiplos factores no funcionamento das sociedade humanas e traduz-se na situação de bem estar físico, mental e social e na satisfação e afirmação culturais, bem como nas relações autênticas entre o indivíduo e a comunidade...”. Nos termos art. 6º são componentes do ambiente o ar, a água a luz, o solo vivo, o sub-solo, a fauna e a flora. O art. 8º impõe que todas as instalações, máquinas e meios de transporte, cuja actividade possa afectar a “qualidade da atmosfera”, sejam dotadas de “dispositivos ou processos adequados para reter ou neutralizar as substâncias poluidoras”. O nº3 deste normativo, proíbe a entrada em funcionamento de novos empreendimentos ou o desenvolvimento dos já existentes, se puderem, pela sua actividade, constituir fontes de poluição do ar; se não estiverem dotados de instalações ou dispositivos capazes de reterem e neutralizar substâncias poluentes, ou sem terem tomado medidas para respeitar as condições de protecção da qualidade do ar, estabelecidas por organismos responsáveis. Todas as acções e actividades que “afectem negativamente a saúde, o bem estar e as diferentes formas de vida (...) são factores de poluição”- art. 21º , nº1, da LAB. Ainda na legislação ordinária o art. 70º Código Civil estatui: “1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.” Este normativo tutela a personalidade, como direito absoluto, de exclusão, na perspectiva do direito à saúde, à integridade física, ao bem estar, à liberdade e à honra, que são os aspectos que individualizam o ser humano, moral e fisicamente, e o tornam titular de direitos invioláveis. O art. 1346º do Código Civil, estatui: “O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam”. Este preceito, pese embora a literalidade da expressão “prédio vizinho”, aplica-se a prédios que não sejam contíguos – cfr. Direitos Reais, 1970-71, do Professor Mota Pinto. O art. 1347º do citado diploma, consigna: “1. O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei. 2. Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para a construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o prejuízo se torne efectivo. 3. É devida, em qualquer dos casos, indemnização pelo prejuízo sofrido”. Decorre deste normativo que as relações de vizinhança implicam limitações ao direito de propriedade, limitações essas que, no caso, visam proteger direitos subjectivos que se inscrevem no âmbito de tutela do direito de personalidade. Vimos, sumariamente, o quadro legal aplicável na perspectiva do direito que os requerentes consideram violado. Mas importa ponderar, que o direito da requerida a explorar uma unidade fabril é também um direito constitucionalmente assegurado. A CRP garante o direito de propriedade privada - art. 62º. Temos assim, por um lado, o direito dos requerentes a verem preservado o seu direito à saúde, à integridade pessoal e a um ambiente sadio e equilibrado; por outro lado, a requerida tem direito a explorar a sua unidade fabril. Há, pois, colisão entre o direito dos requerentes e o da requerida. Dispõe o art. 335º do Código Civil: 1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior. Colidindo o direito de personalidade, na vertente direito à saúde e a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, com o direito de propriedade – exploração fabril- deve prevalecer o direito de personalidade. Neste sentido podem ver-se, entre outros, os Acs. do STJ, de 24.10.85, in BMJ 450-403 : “Coexistindo, de um lado, um direito à integridade física, à saúde, ao repouso, ao sono e, de outro lado, um direito de propriedade ou um direito à iniciativa privada, é o primeiro que goza da plenitude do regime dos direitos, liberdades e garantias, porque é de espécie e de valor superior aos segundos, os quais são direitos fundamentais que apenas beneficiam do regime material dos direitos, liberdades e garantias”. E, da Relação do Porto, de 8.5.97, in CJ, 1997, III, 183 - “Todos os cidadãos têm direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, podendo pedir, em caso de ameaça directa ou de lesão desse direito, a cessação das causas da violação e a respectiva indemnização. A colisão de direitos pressupõe a existência e validade dos direitos concorrentes tendo um deles de ceder em face do outro”. Não está em causa a idoneidade do meio processual de que os requerentes lançaram mão para obterem a tutela provisória dos direitos que ajuizaram. Socorreram-se do Procedimento Cautelar Comum, previsto no art. 381º do Código de Processo Civil, que estatui: “1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado. 2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor. 3. Não são aplicáveis as providências referidas no n.° 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte. 4. Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado”. Os requerentes pediram que fosse “imposta à requerida a abstenção ou inibição de desenvolver qualquer actividade industrial na referida área em virtude do seu alto grau poluente pelo, prazo de 60 dias, por forma a que nesse período possa fazer cessar definitivamente a emissão de fumos negros e fuligem resultantes do desajustamento no funcionamento dos fornos e do respectivo sistema de despoeiramento, e implementar o processo e meios de redução das emissões fugitivas de compostos orgânicos voláteis que ocorrem e os procedimentos técnicos hábeis para eliminar o ruído agora existente, apenas podendo voltar à sua actividade após realização de vistoria por técnicos a nomear pela D.R.A.-Norte, que certifique que foram adoptadas aquelas medidas e que a saúde pública não esteja em perigo. Em suma, os requerentes, pediram a abstenção temporária de desenvolvimento de qualquer actividade industrial da requerida. São pressupostos da referida medida cautelar: A probabilidade séria da existência do direito traduzido na acção, proposta ou a propor, que tenha por fundamento o direito tutelado; o justo e fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação a esse direito; que o prejuízo resultante da providência não exceda o valor do dano que com ela se quer evitar. A Reforma do Código de Processo Civil introduzida em 1995/96, criou o preceito inovador do art. 392º estabelecendo, no nº3, que - “O tribunal não está adstrito à providência cautelar concretamente requerida...” António Santos Geraldes – in “Temas da Reforma de Processo Civil”, III vol.pág.277, a propósito desta possibilidade de convolação, escreveu: “(...) o tribunal, na altura em que profere a decisão, não está vinculado à concessão da medida cautelar individualizada pelo requerente, tendo liberdade para integrar na decisão a medida que entender mais adequada a tutelar a situação e determinar aquilo que melhor favoreça a conservação do direito do requerente ou a antecipação dos efeitos que através da acção definitiva se procuram atingir. A atipicidade expressamente ressalvada na letra do art. 381°,n.° 1, conjugada com a norma do art. 392°, n.° 3, confere ao juiz maior liberdade de adaptação da medida cautelar adequada à situação de facto carecida de tal tipo de tutela provisória, de modo que, diversamente do que está previsto para as acções com cariz definitivo (art. 661°), o juiz não está vinculado a conceder ou a recusar a medida solicitada, devendo decretar aquela que "concretamente for adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado", desde que a matéria de facto alegada e provada permita tal convolação. No caso em apreço, em bom rigor, não se trata de convolar de uma medida cautelar requerida para outra “concretamente mais adequada”, porque não estão em causa duas medidas típicas, das previstas no Código de Processo Civil. Atenta a “ratio” do preceito – art. 381º do Código de Processo Civil - , e o estatuído no art. 387º, nº2, do citado código - que postula um juízo de proporcionalidade - ao estabelecer que a providência pode ser recusada pelo Tribunal, “quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”. Tendo os requerentes solicitado, no contexto de providência cautelar não especificada, a cessação temporária de actividade de uma fábrica que polui o ambiente e causa dano à saúde, não está o Tribunal impedido de, com base em factos provados, decretar medidas menos severas que, “concretamente”, sejam adequadas a assegurar a efectividade do direito ameaçado – cfr. art. 381º, nº1, do Código de Processo Civil, após a Reforma de 1996/97. Cumpre, então, apreciar o essencial da factualidade provada para saber se a pretensão da recorrente merece acolhimento. Sem dúvida, que a unidade industrial da recorrente é poluente para as populações de ............. sendo que, no início de laboração da fábrica, em 1958, esta se situava fora de zona habitacional; esta, tendo vindo a crescer, aproximou-se da fábrica e, por isso, é vítima de emissões fugitivas de compostos orgânicos voláteis e de ruído. Na decisão recorrida, de que se louva a fundamentação, os factores de risco dos agentes poluentes e as suas consequências para a saúde das populações virtualmente afectadas foram descritas em termos abstractos, sem se referir se, no caso concreto, todos os malefícios apontados estão a ocorrer, ou se existe uma elevada probabilidade – que importa prevenir – de que ocorram. Sem dúvida que, se atentarmos nas consequências para a saúde, da exposição a níveis elevados de CO e de ruído – cfr. fls. 87/88 da douta decisão – seríamos forçados a concluir que a suspensão temporária da actividade industrial de requerida foi uma medida benévola. Mas, salvo o devido respeito, do que se trata, não é de saber em abstracto, quais as consequências daqueles factores de poluição, mas antes saber se, no caso em apreço, eles se revestem de gravidade tal, que imponham a solução de que a recorrente discorda. É certo que LAB no seu art. 3º a) impõe procedimentos preventivos, para reduzir ou eliminar as causas de poluição, devendo ser impostas ao poluidor correcções com vista a recuperar o ambiente. Em suma, a lei consagra nesta matéria, o princípio da prevenção e da cautela –“in dubio pro securitate”. Provou-se que os valores de CO emitidos superavam os limites legais, o que fez com que a requerida tivesse colocado fora de laboração os três fornos rotativos – item 36) dos factos provados. Conforme resulta do item 35) dos factos provados, a requerida procedeu à montagem, durante os anos de 2000 e 2001, de uma central de despoeiramento, o que lhe permitiu reduzir para valores inferiores aos legalmente previstos as emissões provenientes das areias, da decapagem e da rebarbação. Conforme resultou provado –itens 37) e 38): “A situação descrita nos pontos 14 a 20, 22 a 26 e 28 a 32 apenas começou a ocorrer, em termos de ser sentida na vizinhança, há cerca de 9 anos, e, no que respeita às emissões e aos factos aludidos nos pontos 26) e 28) a 32), aquela situação melhorou de forma visível, em virtude do referido nos pontos 27), 35) e 36); A requerida tem implementado as medidas referidas nos pontos anteriores com as suas instalações em pleno funcionamento, aproveitando designadamente os períodos de férias e fins-de-semana para instalar os equipamentos, cujo funcionamento vai verificando em contínuo com a laboração da fábrica”. Além disso - “A requerida tem um plano de modificação do sistema de injecção de ar para queima (filtragem de gases) de aquecimento do forno de esmaltagem nº5, com vista à redução da emissão de partículas, e uma solução em desenvolvimento com os fornecedores de equipamento para redução das emissões de monóxido de carbono no forno “cubilot”, a finalização daquele prevista para Abril de 2002 e a finalização desta prevista para Dezembro de 2003, devido ao mesmo esquema de implantação referido no ponto anterior” - ponto 39) da matéria de facto provada. Não se ignora que a requerida funciona 24 horas por dia e da sua actividade resultam cheiros sentidos na zona envolvente da fábrica, que emite pelas suas chaminés fumos com resíduos sólidos. Estes factos e outros deram até azo a que fosse condenada em processo contra-ordenacional em 2001. Depois de tal condenação a requerida adoptou as medidas referidas o que denota o propósito de eliminar os factores de poluição que gera, facto que não deve ser ignorado na ponderação da dimensão dos interesses em conflito. De notar que, não obstante a existência de emissões de gases dos fornos de “cubilot”, e da existência de ruído, em violação da lei, não se provou a existência de doenças provocadas por aqueles factores poluentes, nem consta da decisão recorrida que haja eminente risco de que possam acontecer. As medidas adoptadas, com vista à prevenção do dano ambiental e dos riscos que podem advir para a saúde das populações, têm de ser decretadas em respeito pelo, princípio da proporcionalidade, uma vez que da banda da requerida, também está em causa o seu direito fundamental de livre iniciativa económica; de poder exercer, dentro da lei, é certo, uma actividade do tipo industrial, que se pretende, geradora de empregos e de riqueza social. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, - “Constituição da República Portuguesa Anotada” - 3ª edição, Coimbra 1993, p. 153: “O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas excessivas, em relação aos fins obtidos”. Tal princípio da proporcionalidade está consagrado no art. 18º, nº2, da CR quando consigna - “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Como vem sendo entendido, o direito de livremente exercer actividade económica privada é um direito dos cidadãos, equiparável a direito fundamental, constitucionalmente assegurado, como é o direito à saúde, pese embora a sua clara diversidade. Como se sentenciou no douto Acórdão do STJ, de 14.4.1999, in BMJ, 486-252: “... No domínio da preservação do ambiente e qualidade de vida, naturalmente recolhedor de gerais simpatias, o recurso a medidas cautelares e preventivas congéneres deve ser devidamente ponderado e sopesado, e não banalizado ao sabor de quaisquer preocupações de natureza “fundamentalista”, sob pena de o seu uso indiscriminado poder revelar-se estiolante da actividade económica e da gestão urbanística e até lesiva de outros “direitos e deveres económicos e sociais” constitucionalmente consagrados. Só em casos limite de grave e intolerável degradação do ambiente e da qualidade de vida, devidamente comprovados – sem prescindir do sentimento dominante na comunidade social – será de admitir a exercitação de providências de carácter preventivo e repressivo com custos sociais de carácter exorbitante...” (sublinhámos). Como consta da matéria de facto provada, a requerida, mesmo em laboração, vem implementando medidas visando a supressão dos factores poluentes, verificando-os em contínuo – cfr. item 38) da matéria de facto. A paralisação da actividade da requerida, por 60 dias, no quadro factual vindo de analisar, acarretando, notoriamente, prejuízos para a economia da empresa e também, certamente, para os seus cerca de 180 trabalhadores, face ao pouco relevante dano causado, em termos de poluição é, pois, excessiva tanto mais que a requerida vem actuando, como se provou, planos para eliminar o principal foco poluente, cuja previsão está prevista para Dezembro de 2003, prazo que haverá de encurtar, para poder laborar sem restrições e dentro do quadro legal aplicável, de modo a não ultrapassar os valores limite de emissão de monóxido de carbono libertados, sobretudo, pelos fornos “cubilot”- Portaria 286/93, de 12.3. Para se ter uma ideia da gravidade dos níveis de emissão deste gás vale a pena atentar no fundamentação da matéria de facto – fls. 229/230 – constante da decisão de recurso da coima de 1.100 contos, com que foi sancionada a requerida – mormente, no depoimento da Drª. Maria ............, Engenheira Química, trabalhando no INEGI, exercendo ao tempo, o cargo de directora da parte ambiental (foi quem elaborou o Relatório de fls. 92 e segs., de Fevereiro de 2001). Quanto, à gravidade do monóxido de carbono (detectado) para o meio ambiente, “considerou-o médio e equivalente ao dos automóveis, embora em maior quantidade”. Concluímos, assim, que a situação espelhada nos autos, salvo o devido respeito, não justifica a suspensão da laboração por 60 dias, muito embora seja ajustado em função da situação vigente, que a recorrente implemente sistemas de insonorização, visando a eliminação do ruído provocado pela laboração e despoeiramento e eliminação de efluentes gasosos advenientes dos fornos “cubilot” – monóxido de carbono e compostos orgânicos voláteis – de modo a cumprir a legislação aplicável – Portaria 286/93, de 12 de Março. Consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, na parte em que decretou a obrigação de a requerida não prosseguir a sua actividade, por 60 dias. A requerida poderá reiniciar a sua actividade, devendo adoptar os procedimentos, anteriormente descritos, tendentes a eliminar os apontados focos poluentes, no prazo máximo de 120 dias. Decisão: Nestes temos, acorda-se em revogar o despacho recorrido, na parte em que impôs à requerida a obrigação de não prosseguir a actividade industrial, pelo prazo de 60 dias, autorizando, agora, que retome tal actividade, devendo, no prazo máximo de 120 dias, na sua unidade fabril, implementar: - sistemas de insonorização, visando a eliminação do ruído - DL.292/2000, de 14.11- provocado pela laboração; - e de despoeiramento e eliminação de efluentes gasosos advenientes dos fornos “cubilot” – [monóxido de carbono e compostos orgânicos voláteis] – de modo a cumprir a legislação aplicável. No que concerne à publicidade – art. 19º, nº2, da Lei 83/95, de 31.8 – mantém-se o decretado na decisão revogada, sendo a publicação a expensas dos requerentes. Custas pelos recorridos, nos termos do art. 20º, nº3, da Lei 83/95, de 31 de Agosto, fixando a taxa de Justiça em 1/10 da que, normalmente, seria devida. Porto, 3 de Janeiro de 2003 António José Pinto da Fonseca Ramos José da Cunha Barbosa José Augusto Fernandes do Vale |