Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0723962
Nº Convencional: JTRP00040602
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: DOMICÍLIO
NOTIFICAÇÃO À PARTE
PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RP200709250723962
Data do Acordão: 09/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 253 - FLS 149.
Área Temática: .
Sumário: I - O apartado (à semelhança do domicílio escolhido) é o local que o destinatário elegeu para receber a correspondência do tribunal.
II - Não ilide a presunção estabelecida no art. 254º nº 3 do CPC, de acordo com o disposto no art. 254º nº 6, a parte que, tendo escolhido a morada de um apartado, não levantou a correspondência remetida pelo tribunal no prazo de três dias, mas apenas no sétimo dia posterior à remessa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de agravo em separado interposto no processo com recurso de impugnação de Apoio Judiciário nº…/07.0TVPRT, da .ª Vara Cível do Porto.
Agravante/Recorrente – B………. .
Recorrido – Centro Distrital de Segurança Social do Porto.

No recurso adrede referenciado, interposto na Comarca do Porto, foi o aí Recorrente e ora Agravante notificado da sentença proferida por carta registada, expedida do tribunal em 26/2/07.
Tal carta foi enviada para a morada do Recorrente constante do processo, e que igualmente constava do requerimento de “protecção jurídica” entregue na Segurança Social, isto é, “………., .., .º, Apartado …. – ………., …. – … Vila Nova de Gaia”.
Os serviços dos CTT entregaram a carta na estação de correios de ………., Vila Nova de Gaia, deixando “aviso” para levantamento do objecto no referenciado apartado de Vila Nova de Gaia, em 28/2/2007.
Em 5/3/2007, o Recorrente levantou a carta registada para notificação na estação de correios de depósito (………., Vª Nª de Gaia).
Por requerimento que deu entrada em juízo no dia 15/3/2007, o Recorrente, invocando ter sido notificado no dia 5/3/2007, veio, ao abrigo do disposto no artº 668º nº3 C.P.Civ. arguir a nulidade da sentença.
Por notificação datada de 16/3/2007, a Secretaria, oficiosamente, com relação ao requerimento de 5/3/2007, avisou o Recorrente para efectuar pagamento de multa, nos termos do artº 145º nº6 C.P.Civ.
Por novo requerimento que deu entrada em juízo em 30/3/2007, o Recorrente devolveu as guias para pagamento da multa ao tribunal e arguiu a nulidade da respectiva emissão.

Despacho Recorrido
O Mmº Juiz “a quo”, em face do não pagamento em tempo da multa liquidada nos termos do disposto no artº 145º nº6 C.P.Civ., determinou o desentranhamento do requerimento em que se arguiu a nulidade da sentença.
Fundamentou-se no facto de o notificando apenas referir que a notificação da decisão do recurso ocorreu a 5/3/2007, sem que contudo alegasse e provasse que tal notificação, posterior à presumida por efeito do disposto no artº 254º nº3 C.P.Civ. (e ocorrida em 1/3/2007), só se deveu a circunstância que lhe fosse, a ele notificando e Recorrente, totalmente alheia.
Assim, na ausência da invocação de justo impedimento, considerou-se válida a emissão de guia para pagamento da multa liquidada e, face ao não pagamento da multa, determinou, como aludido, se desentranhasse o requerimento.

Conclusões do Recurso de Agravo (resenha):
1 – A culpa de recepção tardia da carta deve-se ao tribunal.
2 – O despacho viola o princípio da proporcionalidade e o direito de acesso a um tribunal.
3 – Foram violadas as disposições dos artºs 254º nº3 e 153º C.P.Civ., bem como o artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que deveriam ser interpretados e aplicados no sentido de que o requerimento do agravante fora atempadamente apresentado ao tribunal e no sentido das conclusões anteriores.
4 – Assim, deve o despacho ser substituído por outro que dê razão ao agravante.

Factos Apurados
Encontram-se provados os factos supra resumidamente descritos e relativos à tramitação do processo, à alegação da Recorrente e ora Agravante e documentos juntos, para além do teor da decisão judicial impugnada.
Fundamentos
A pretensão do Agravante ancora-se unicamente no questionar do bem fundado da decisão impugnada, pelas razões expostas nas alegações de recurso. Examinaremos tal pretensão de seguida.

Em primeiro lugar, recordando a norma do artº 254º nº1 C.P.Civ., os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário, quando se encontrarem no edifício do tribunal.
A notificação por carta registada presume-se efectuada no terceiro dia posterior ao do registo – artº 254º nº3.
Esta presunção só pode ser ilidida pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não são imputáveis – artº 254º nº6.
Também, se a parte não tiver constituído mandatário (o que lhe é abertamente permitido no recurso de impugnação judicial da decisão que denega o apoio jurídico – artº 27º nº1 Lei nº34/2004 de 29 de Julho) as notificações ser-lhe-ão feitas nos termos estabelecidos para as notificações aos mandatários – artº 255º nº1 C.P.Civ.
A questão em causa nos autos é que a notificação não foi dirigida para um escritório ou para um domicílio, mas antes para uma estação de correios, precedida de um aviso deixado em apartado escolhido pelo notificando.
Ora, a questão de a notificação ser remetida para um apartado é em tudo semelhante à da remessa para um domicílio escolhido, prevista no artº 254º nº1 – também aí não existe imediação entre o destinatário e o local de destino.
O apartado (à semelhança do domicílio escolhido) é o local que o destinatário elegeu para receber a correspondência do tribunal.
Nesse sentido, incumbia ao Recorrente, enquanto detentor de um apartado, verificar a correspondência ali existente, designadamente a correspondência urgente ou a remetida pelo tribunal (o Recorrente não poderia ignorar que dera, no processo, o apartado como sua morada, e que possuía pendente um processo judicial, no caso um recurso de impugnação do indeferimento de apoio judiciário).
A situação não é alterada em substância pelo facto de o aviso deixado no apartado, em circunstâncias normais, estabelecer um prazo para levantamento da correspondência na estação de correios – esse dito prazo tem apenas para o destinatário o significado de que, não sendo a correspondência levantada no prazo de cinco dias, a mesma será devolvida ao remetente.
Em bom rigor, o registo da notificação data de 26/2/07 e, tendo o conhecimento da notificação apenas ocorrido em 5/3/07, não prova o Recorrente que tal conhecimento apenas ocorreu nessa data por razões que lhe não são imputáveis, a ele Recorrente.
Em sentido semelhante, decidiu também o Ac.R.C. 23/1/07 Col.I/7.
A existência quer de prazos, em processo civil, quer de presunções de recebimento de correspondência dimanada dos tribunais, não bole com o princípio da proporcionalidade, a que alude o artº 18º C.R.P., já que correlacionada antes com o direito de agir através de um processo equitativo, que confira um direito à igualdade de armas das partes nos processos ou que atribua o direito à decisão em tempo razoável – artºs 20º nº4 C.R.P. e 6º C.E.D.H.
Correlaciona-se ainda com o denominado princípio da auto-responsabilidade das partes, no sentido de que são elas partes quem tem de deduzir e fazer valer os seus meios de ataque ou de defesa, incluindo as provas, suportando uma decisão adversa, em caso de omissão ou negligência (ut M. de Andrade, Noções Elementares, 1979, pg. 378).
Também é a própria lei que prevê a recusa da impugnação judicial, concisamente fundamentada, no caso de extemporaneidade do pedido – artº 28º nº4 Lei nº34/2004 de 29 de Julho.

Resumindo a fundamentação:
I – O apartado (à semelhança do domicílio escolhido) é o local que o destinatário elegeu para receber a correspondência do tribunal.
II – Não ilide a presunção estabelecida no artº 254º nº3 C.P.Civ., de acordo com o disposto no artº 254º nº6 C.P.Civ., a parte que, tendo escolhido a morada de um apartado, não levantou a correspondência remetida pelo tribunal no prazo de três dias, mas apenas no sétimo dia posterior à remessa.
III - A existência quer de prazos, em processo civil, quer de presunções de recebimento de correspondência dimanada dos tribunais, não bole com o princípio da proporcionalidade, a que alude o artº 18º C.R.P.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, acorda-se neste Tribunal da Relação:
No não provimento do agravo, confirmar o despacho recorrido.
Custas pelo Agravante.

Porto, 25 de Setembro de 2007
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa