Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0515312
Nº Convencional: JTRP00039839
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RP200602150515312
Data do Acordão: 02/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 430 - FLS. 65.
Área Temática: .
Sumário: Não comete o crime de falsificação de documento o agente que, para satisfazer requisito ilegalmente exigido pelo Regulamento da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, falsifica declarações modelo 22 de IRC referentes a duas sociedades, com vista a aparentar ter sido ele quem, como responsável pela escrita dessas empresas, assinou tais declarações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 5312/05.1
Falsificação de documento
Inconstitucionalidade de Regulamento
Processo comum, com intervenção do tribunal singular n.º ……./01.0TDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de São João da Pesqueira
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Acordam, em audiência, na 1.ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação do Porto
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No processo supra identificado, foi julgado e condenado o arguido B……….., na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de (7 (sete euros), num total de (700 (setecentos euros) pela prática do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.°, n.º 1, al. a) do Código Penal.
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Do acórdão condenatório interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua absolvição, alegando não estarem reunidos os elementos constitutivos do crime por que foi condenado.
Formula as seguintes conclusões:
1. Em consonância com os princípios da legalidade e da tipicidade, ninguém poderá ser punido por um crime não previsto na nossa Lei Penal.
Atendendo à punição prevista no art. 256.º do C.P. esta só poderá ter como finalidade a preservação de documentos tidos como verdadeiros, não se descortinando por isso qual o interesse merecedor de tutela penal, subjacente à falsificação de um documento que por si já era falso.
O arguido alterou os mod.22, apenas nos campos destinados ao nome, assinatura e n.º de contribuinte, pois sendo ele o seu autor material e responsável directo pela contabilidade vertida nas ditas declarações, como foi provado em sentença, sentiu-se legitimado para o fazer, pois as alterações introduzidas reflectiam, apenas e só a verdade material.
2. O crime p. e p. pelo art. 256.º é um crime doloso e só punível a esse título. Seria necessário que o recorrente soubesse que estava a falsificar um documento e, apesar disso, quisesse falsificá-lo. Mas não foi isso o que sucedeu. Não teve o arguido outra alternativa senão actuar como actuou, pois além de ser o único meio de prova possível para poder candidatar-se ao concurso promovido pela CTOC, ele mais não fez do repor a realidade factual no tocante à autoria ou "responsabilidade directa" da contabilidade reflectida e materializada nas declarações em causa.
3. Para preenchimento do ilícito em questão, além do dolo seria necessário que o agente tivesse actuado com a intenção de obter um benefício ilegítimo. Ora, o benefício visado não só não era ilícito como, bem ao invés, dele o arguido era inteiramente merecedor, precisamente por, na realidade, preencher o requisito para tal exigido, ou seja, a autoria ou "responsabilidade directa" da contabilidade das declarações apresentadas.
4. Assim não se tendo entendido na sentença recorrida, parece-nos salvo o devido e muito respeito não traduzir esta a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos arts. 255.º e 256.º do C. Penal.
No provimento do presente recurso deve revogar-se a d. sentença recorrida e, em sua substituição, proferir-se outra que absolva o arguido-recorrente do crime que lhe é imputado, assim resultando, a nosso ver, mais bem aplicada a Lei e realizada a JUSTIÇA.
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Notificado na 1.ª instância o Ministério Público da interposição do recurso, para os efeitos do art. 413.º, do Cód. Proc. Penal, não apresentou resposta.
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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, tendo vista dos autos, nos termos do art. 416.º, do Cód. Proc. Penal, concluiu pela improcedência do recurso interposto, emitindo douto parecer, no sentido de que se deve manter a sentença condenatória por estarem verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de falsificação por que o arguido foi condenado.
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O recorrente, notificado do parecer do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 417. °, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, não apresentou resposta.
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Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre-nos decidir.
Vejamos pois a factualidade dada como assente nos autos.
Factos provados:
1. As declarações de rendimentos modelo 22 de IRC do Centro de Gestão da Empresa Agrícola da Região Douro Sul relativas aos anos de 1991 e 1992 e entregues na Repartição de Finanças de São João da Pesqueira em 12 de Agosto de 1992 e 28 de Maio de 1993, respectivamente, têm desenhada no campo destinado à assinatura do técnico de contas, a assinatura de C……..;
2. No campo destinado à identificação do responsável pela contabilidade mostra-se inscrito o nome de C……… e o número de identificação fiscal 179031880;
3. A declaração de rendimentos modelo 22 de IRC da sociedade D………..., Lda., relativa ao ano de 1995, entregue na Repartição de Finanças de São João da Pesqueira em 31 de Maio de 1996, não tem qualquer assinatura no local destinado à assinatura do Técnico Oficial de Contas nem qualquer número de contribuinte;
4. Pelo Despacho no 8470/97 (1179/97) de 16 de Setembro, publicado no DR n.º 227-II Série de 01 de Outubro de 1997, a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas abriu um concurso extraordinário para admissão como Técnico Oficial de Contas;
5. Eram admitidos ao concurso os candidatos que reunissem cumulativamente, entre outros requisitos, o de serem ou terem sido, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995 (exercícios de 1989 a 1995, inclusive), durante três anos seguidos ou interpolados, responsáveis directos por contabilidade organizada nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, de entidades que, naquele período, possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade;
6. A comprovação desse requisito seria feita pelo candidato, mediante a junção ao requerimento de candidatura a exame, de cópias autenticadas das declarações modelo 22 de IRC, onde constasse inequivocamente a assinatura do candidato, o seu número de contribuinte e a identificação da entidade sujeita ao imposto sobre o rendimento;
7. Conhecedor do concurso e por pretender candidatar-se ao mesmo, em data não apurada mas posterior à da publicação no DR do Despacho no 8470/97, o arguido fotocopiou as declarações modelo 22 de IRC do Centro de Gestão da Empresa Agrícola da Região do Douro-Sul relativas aos anos de 1991 e 1992 e a declaração de IRC da sociedade D………, Lda, relativa ao ano de 1995 e nelas desenhou com o próprio punho, nos campos a tanto destinados, a sua assinatura e o seu número de contribuinte, sendo este o 192401947.
8. De seguida remeteu as fotocópias onde havia aposto a sua assinatura e o seu número de contribuinte, juntamente com os demais elementos necessários, à Comissão de Inscrição da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas;
9. O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, pretendendo, com a aposição da sua assinatura e número de contribuinte naquelas declarações, inscrever-se no concurso aberto pela Câmara dos Técnicos Oficias de Contas;
10. O arguido sabia que com a sua conduta alterava o conteúdo das declarações de IRC acima referidas e que, por essa razão, tal conduta era proibida e punida por lei. Não obstante, o arguido não se absteve de a praticar;
11. O arguido é funcionário bancário na E……… e faz contabilidade privada, auferindo com essas actividades cerca de €1200/mês; é casado, tem três filhos, um de 10, um de 8 e um de 4 anos, sendo que os dois últimos frequentam o ensino escolar; a sua mulher é enfermeira, tendo um vencimento de €800/mês; paga €600/mês para amortização de empréstimos para aquisição de habitação e automóvel; tem uma licenciatura em engenharia agrícola e um bacharelato em gestão bancária;
12. É pessoa estimada e respeitada no meio social e profissional onde se insere e, na generalidade, por aqueles que com ele privam;
13. Do seu certificado do registo criminal não consta qualquer condenação;
14. Mostrou arrependimento pela sua apurada conduta e colaborou com o tribunal na descoberta da verdade;
15. Nos anos de 1991 e 1992, foi o arguido que organizou os elementos contabilísticos reflectidos nas declarações de modelo 22 de IRC do Centro de Gestão da Empresa Agrícola da Região Douro Sul;
16. No ano de 1995, foi o arguido que organizou os elementos contabilísticos reflectidos na declaração de modelo 22 de IRC da D…….., Lda.;
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O Direito:
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 409.º, do Cód. Proc. Penal que impõe o princípio da proibição de reformatio in pejus.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme escreve o Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
O recorrente pretende impugnar a decisão apenas quanto à matéria de direito.

Questão a decidir:
Apreciar, face à matéria de facto dada como assente se estão ou não verificados os elementos constitutivos do crime de falsificação pelo qual o arguido foi condenado.

O arguido, foi condenado como autor material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. a), com referência ao art. 255.º, al. a), ambos do C. Penal.
Nos termos do art. 256.º, n.º 1, al.), do Cód. Penal, pratica este crime de falsificação de documento:
“Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo: fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso”.
Dos factos dados como assentes, resulta provado que o arguido apôs a sua assinatura em documentos que tinham sido efectivamente elaborados pelo mesmo.
Aliás, como resulta dos pontos 15 e 16, da matéria de facto dada como provada os documentos onde o arguido apôs a sua assinatura são da sua autoria.
O tribunal recorrido a este respeito deu como provada a seguinte matéria de facto:
“ (…)
15. Nos anos de 1991 e 1992, foi o arguido que organizou os elementos contabilísticos reflectidos nas declarações de modelo 22 de IRC do Centro de Gestão da Empresa Agrícola da Região Douro Sul;
16. No ano de 1995, foi o arguido que organizou os elementos contabilísticos reflectidos na declaração de modelo 22 de IRC da D………, Lda”.
Está pois deste modo afastada a autoria da falsificação material do documento.
O que aconteceu é que o arguido à data da elaboração dos documentos, não reunia as condições para poder estar inscrito como Técnico Oficial de Contas e por isso, embora os documento9s fossem da sua lavra, tinha-se de se socorrer da assinatura de uma pessoa que legalmente estivesse habilitada.
Assim, fotocopiou as declarações modelo 22 de IRC do Centro de Gestão da Empresa Agrícola da Região do Douro-Sul relativas aos anos de 1991 e 1992 e a declaração de IRC da sociedade D…….., Lda, relativa ao ano de 1995 e nelas desenhou com o próprio punho, nos campos a tanto destinados, a sua assinatura e o seu número de contribuinte, sendo este o 192401947, o que fez com o propósito de conseguir a sua inscrição como técnico oficial de contas ( pontos 8, 9 e 10 dos factos provados).
Como bem observa o Ex.mo Senhor Procurador Geral-adjunto, no seu douto parecer, mesmo que tivesse sido o arguido a preparar os originais dos documentos falsificados, quem assumiu a sua autoria perante o Serviço de Finanças foi outra pessoa, por certo devidamente habilitada para o efeito.
E assim, ao fazer constar de documentos preexistentes dados que originalmente neles não estavam contidos, o arguido procedeu à alteração desses documentos.
Para tal o arguido procedeu a essa alteração, apondo a sua assinatura e número de contribuinte nas declarações fotocopiadas, enviando-as depois ao Presidente da Comissão de Inscrição da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, juntamente com o requerimento de admissão ao concurso extraordinário para inscrição como Técnico Oficial de Contas.
È inquestionável que o recorrente actuou de forma livre, deliberada e consciente em ordem ao conseguimento de tal inscrição, sabendo que com isso obtinha um benefício através de meios probatórios não permitidos legalmente, pois de outro modo não teria possibilidade de se inscrever no mencionado concurso.
A circunstância de o arguido ter sido responsável de facto pela contabilidade, nos períodos a que respeitam os documentos, só tornaria legítima a pretensão de se inscrever na ATOC, através da invocação dessa situação de facto e não através da viciação de documentos para suprir a falta de meios de prova.
Se o arguido possuía os requisitos materiais para a sua inscrição, mas não podia fazer essa prova, nos termos vinculados em que a ATOC a estabeleceu, a via legítima era a de requerer a sua inscrição com base na prova que possuía e pugnar pelo seu reconhecimento, nessas condições.
No fundo o que o arguido fez, na impossibilidade de provar a posse dos requisitos materiais exigidos, foi viciar os documentos que haviam sido entregues na Repartição de Finanças de S. João da Pesqueira.
O arguido pretendeu assim, a sua inscrição TOC, contornando as exigências probatórias que lhe eram exigidas e não conseguiu de outra forma satisfazer.
O arguido agiu deste modo com a intenção de obter um benefício ilegítimo, que consistia a sua inscrição na ATOC, sem o cumprimento das exigências probatórias, alterando documentos com força probatória idêntica aos documentos autênticos, nos termos do art. 256.º, n.º 1 e 3, do CP.
Mostram-se assim preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de falsificação, bem como o elemento subjectivo específico, no presente caso, a especial intenção de obter benefício ilegítimo, p. e p. pelo art. 256.º, do CP.
Neste sentido se decidiu em situação precisamente idêntica no Recurso n.º 1716/04-4, do Tribunal da Relação de Coimbra, do qual fomos relator, em recurso interposto no processo comum com intervenção do tribunal singular n.º …../01.8TAFVN, do Tribunal Judicial da Comarca de Figueiró dos Vinhos, e no Recurso n.º 5803/04, do Tribunal da Relação do Porto, em processo com intervenção do tribunal singular n.º ……./01.2TDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira, doutamente relatado pela ilustre desembargadora Élia São Pedro, 1.ª adjunta nestes autos de recurso, em que o arguido também alterou documentos tendo em vista a sua candidatura a TOC.
À luz da definição do crime de falsificação, outra decisão não poderia ser a do tribunal recorrido, que não fosse a condenação do arguido.
Mas será mesmo assim?
Se perfilharmos o actual entendimento do Tribunal Constitucional, o arguido terá de ser absolvido.
Se não vejamos.
O Acórdão n.º 355/2005, do Tribunal Constitucional, publicado no DR – II Série, de 3 de Novembro de 2005, julgou inconstitucional, a norma do artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento da Comissão Instaladora da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, de 3 de Junho de 1998, por violação do artigo 165.º, n.º 1, al. b), esta por referência ao artigo 47.º, n.º 1 e al. s), da Constituição da República Portuguesa.
No fim o que está em causa é apreciar se o arguido cometeu um crime de falsificação, por pretender obter um benefício ilegítimo, fundado num regulamento que é inconstitucional.
O arguido não assinou originariamente os documentos aludidos nos autos porque legalmente não os podia assinar e por isso eram assinados pelos TOC (técnicos oficiais de contas).
A ATOC então decide fazer um regulamento que é inconstitucional.
Apreciemos pois tal inconstitucionalidade.
A recorrente nos autos em que foi proferido o acórdão acima mencionado, requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação do artigo 3.º, do Regulamento aprovado pela ATOC, por violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 6 e 165.º, n.º 1, al. b), da Constituição da República Portuguesa e ainda por infringir o direito de aceder a uma profissão na iniciativa privada, ou seja, por violação dos artigos 53.º, 61.º e 18.º, n.º 1, da mesma lei fundamental.
A Lei 27/98, de 3 de Junho, no seu art. 1.º, permitiu que, a título excepcional, se admitisse a inscrição como técnico oficial de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995, de entidades que possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade.
O objectivo expresso da Lei n.º 27/98 foi o de permitir a inscrição na ATOC de profissionais que, à luz dos critérios definidos no diploma de 1995, não lograriam tal inscrição, valorizando-se assim a experiência profissional destes candidatos, sendo que tal diploma surgiu com claro carácter excepcional.
Depois surge o Regulamento da ATOC, também de 3 de Junho que dispõe o seguinte no art. 3.º, n.º 1:
“Para o efeito do disposto no art. 1.º, da Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, consideram-se responsáveis directos as pessoas singulares que assinaram como responsáveis pela escrita as declarações tributárias, quer o tenham feito em nome próprio quer em representação da sociedade”.
No fundo acabou por estabelecer um outro requisito para a inscrição na ATOC, sendo que esta é uma associação pública.
Ora, estando em causa matéria relativa a associações públicas, nos termos do art. 165.º, n.º 1, al. s), da CRP, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar em tal domínio, salvo autorização ao Governo.
Por outro lado, estando em causa direitos, liberdades e garantias, como é a escolha de profissão (art. 47.º, n.º 1, da CRP), tal matéria é também de reserva relativa de competência legislativa, da Assembleia da República, por força do art. 165.º, n.º 1, al. b), também da lei fundamental.
Os regulamentos de execução não se substituem em nenhuma medida à lei.
Nas matérias em que existe reserva de lei “está proibida a intervenção de outra fonte de direito diferente da lei (a não ser que se trate de normas meramente executivas da administração) ” – Gomes Canotilho, in Teoria da Constituição e Direito Constitucional, 7.ª Ed., Almedina, pág. 726.
Assim, uma vez que o art. 3.º, n.º 1, do Regulamento, da Comissão Instaladora da ATOC, de 3 de Junho de 1998, não editou norma meramente executiva, mas dispondo sobre matéria respeitante a uma associação pública e sobre direitos, liberdades e garantias, o mesmo padece do vício de inconstitucionalidade orgânica, com violação do art. 165.º, n.º 1, al. b), (esta por referência ao art. 47.º, n.º 1) e al. s), da CRP.
Nestes termos, o arguido deverá ser absolvido, do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.°, n.º 1, al. a) do Código Penal, pois a norma excepcional que prevê as exigências e requisitos para acesso à profissão de técnico oficial de contas, donde resultaria o benefício ilegítimo, está ferida de inconstitucionalidade.
Aliás, foi neste sentido que o Acórdão n.º 355/2005, do Tribunal Constitucional, publicado no DR – II Série, de 3 de Novembro de 2005., julgou inconstitucional, a norma do artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento da Comissão Instaladora da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, de 3 de Junho de 1998, por violação do artigo 165.º, n.º 1, al. b), (esta por referência ao artigo 47.º, n.º 1) e al. s), da Constituição da República Portuguesa.
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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da 1.ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação do Porto, embora por fundamentos diversos dos constantes da motivação de recurso, revogar a sentença condenatória recorrida, a qual se substitui pela absolvição do arguido do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.°, n.º 1, al. a) do Código Penal.
Sem custas.

Porto, 15 de Fevereiro de 20006
João Inácio Monteiro
Èlia Costa de Mendonça São Pedro
António Manuel Alves Fernandes
José Manuel Baião Papão