Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0742133
Nº Convencional: JTRP00040648
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
DOCUMENTOS IDÓNEOS
Nº do Documento: RP200710080742133
Data do Acordão: 10/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 46 - FLS 138.
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 323º, 2 do C. Civil, a “ficção” do efeito interruptivo da prescrição aí estabelecida pressupõe a exigência de três requisitos: (i) o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção; (ii) a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; (iii) o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor.
II - São documentos idóneos para fazer prova dos créditos previstos no art. 38º, 2 da LCT (indemnização por falta de férias, aplicação de sanções abusivas ou trabalho extraordinário, vencidos há mais de cinco anos), os recibos de vencimento emitidos pela ré, onde consta o nome do autor e donde resulta a prestação de trabalho suplementar, aí indicado por “hora extra”, 50%, 75% e 100%.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B………., instaurou acção de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “C………., S.A.” e “D………., Ldª.”, pedindo a condenação solidária das RR. no pagamento da quantia de 1.168.985$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento. Alegou, para tanto e em resumo, que foi admitido ao serviço da R. “C………., S.A.” em Março de 1992, para desempenhar as suas funções no E……….; em 30/11/2000 foi afixado um aviso a indicar que o estabelecimento iria ser trespassado para a R. “D………., Ldª”; os trabalhadores solicitaram, por escrito, esclarecimento quanto à data concreta da transmissão, para poderem reclamar os seus direitos; ainda hoje desconhecem a data concreta dessa transmissão; a R. “C………., S.A.”, desde Outubro de 1984, passou a atribuir uma quantia mensal de 1.000$0 que intitulava de gratificação; esta quantia foi variando, para mais ou menos, e mudando de designação, de forma a atingir sempre o mesmo montante global em termos de retribuição mensal; esta quantia deve ser considerada como fazendo parte da retribuição, mas não foi considerada para pagamento das horas de trabalho suplementar; por outro lado, o seu horário normal de trabalho era de 41,5 horas por semana; assim, deverá considerar-se que prestava 1,5 hora de trabalho suplementar por semana; tem, por isso, direito, às quantias que reclama.

Procedeu-se a audiência de partes, não tendo havido conciliação.

A R. “C………., S.A.” apresentou contestação, alegando em resumo que: os créditos invocados pelo A. se encontram prescritos; que as quantias referidas pelo A. a um prémio ou recompensa pelo trabalho efectuado; não podem, por isso, ser consideradas como fazendo parte da retribuição; por outro lado, nunca o A. prestou o trabalho suplementar que invoca.

Por sua vez, a R. “D………., Ldª” apresentou a sua contestação, alegando, em resumo, que: cumpriu na íntegra a exigência legal, através da afixação do aviso; como o A. não reclamou, no prazo fixado, os créditos que agora invoca, não é ela responsável pelo seu pagamento; desconhece a forma como eram processadas as remunerações e a prestação do trabalho em data anterior à transmissão.

Foi proferido despacho de decisão da matéria de facto, alvo de reclamação que foi indeferida.

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e foi proferida decisão sobre matéria de facto, alvo de reclamação por parte da R. “C………., S.A.”, que foi indeferida.

Proferida sentença foi a R. “D………., Ldª” absolvida do pedido contra si formulado e condenou-se a R. “C……….., S.A.” a pagar ao A. a quantia global de €3.988,82, acrescida de juros de mora à taxa legal.

Inconformada com essa decisão dela recorre de apelação a ré C………., S.A., concluindo que se deve dar como provado todo o conteúdo do contrato promessa entre as rés celebrado, pelo que é incontroverso que a relação laboral entre a ré ora apelante e a autora cessou a partir do dia 1 de Dezembro de 2000, por transferência do estabelecimento. Tendo a acção sido instaurada no dia 10 de Dezembro de 2001, foi-o mais de um ano após aquela data, estando extinto por prescrição o crédito reclamado na acção. Tendo o estabelecimento sido trespassado em 20 de Dezembro pela recorrente à co-ré, como resulta da força probatória do documento junto aos autos, atenta a data referida de instauração da acção, também por esse facto se mostra ultrapassado, o prazo prescricional de um ano. Os créditos reclamados pelo autor porque vencidos há mais de cinco anos só por documento idóneo podem ser provados, o que o autor não fez.
Não é aceitável que tais documentos tenham sido aceites para provar tais créditos. O Mmo. Juiz violou os artigos 323, n.º 2, 371, n.º 1, 374, n.º 2 e 376, n.º1, do CC,

O autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

A Ex.ª Procuradora Geral – Adjunta nesta Relação emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.

2. Matéria de Facto.
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos.
1 - O A. foi admitido e trabalhou, sob ordens, direcção e fiscalização da R. “C………., S.A.”, a partir de Março de 1992, no E………., que esta explorou até finais de 2000 em ………., concelho de Valença do Minho.

2 – No dia 20/12/2000, a R. “C………., S.A.” e a R. “D………., Ldª” celebraram, por escritura pública, um contrato de trespasse relativo ao estabelecimento onde o A. prestava a sua actividade.

3 – Esta escritura foi celebrada na sequência de um acordo escrito entre as duas RR., denominado “contrato promessa”, assinado em 30/11/2000, no qual se afirmava que “a transferência da posse do estabelecimento far-se-á no dia 1 de Dezembro de 2000, data a partir da qual a segunda outorgante entra na posse do mesmo”.

4 - Em 30 de Novembro de 2000, foi afixado no aviário um aviso do seguinte teor:
«Avisam-se todos os trabalhadores desta empresa que a sucursal em Portugal da sociedade C………., S.A. vai ser trespassada à sociedade D………., Ldª. pelo que nos termos do artº. 37, nº. 3, do D.L. 49408 de 24 de Novembro de 1969 deverão todos os trabalhadores reclamar os créditos que têm perante a mesma no prazo de 15 dias a contar desta data»
«VALENÇA, 30 de Novembro de 2000»
D………., Ldª
A gerência

5 - O A e outros trabalhadores, afirmando terem direitos a reclamar da R. C………., S.A., escreveram à R. “D………., Ldª”, solicitando a afixação de um novo aviso onde fosse esclarecida a data em que se operaria a transmissão do estabelecimento em causa, para saberem quando terminaria o prazo referido do artº 37º invocado.

6 - A R. “D………., Ldª”, em resposta afixou, em 14/12/2000, com o seguinte teor parcial:
«... Informa-se:
a)O aviso seguiu a transmissão legal;
b)O prazo para a apresentação de eventuais reclamações começou a contar no dia posterior ao dia da afixação, ou seja, a 2 de Dezembro de 2000 e termina em 17 de Dezembro.

7 - Só com referência a Janeiro 2001 os recibos de pagamento da retribuição começaram a ser processados em nome da R. “D………., Ldª”.

8 - A partir de Outubro de l984, a R. “C………., S.A.” passou a atribuir mensalmente ao A. (e aos demais trabalhadores), uma parcela certa de 1.000$ denominada gratificação.

9 - Parcela esta que foi alterada, para mais, em Maio de 1985, Outubro de 1986, Janeiro de 1997 e baixou em Julho de 1998, quando o vencimento base foi aumentado.

10 - Em Julho de 1988 o montante pago anteriormente sob o título de «gratificação» manteve-se mas passou a ser designado «subsídio de refeição».

11 - Em Abril de 1990, a R. “C………., S.A.” manteve o referido subsídio de alimentação e passou a processar, também e de novo, uma parcela que designou de gratificação voluntária.

12 - Estas duas parcelas passaram a variar mas, no seu conjunto, atingiam o mesmo montante global mensal.

13 - Nessa linha de procedimento, o A. recebeu da Ré “C………., S.A.”, entre Fevereiro de 1992 e Novembro de 2000, as seguintes parcelas, segundo a nomenclatura supra referida:



14 - Os montantes pagos a título de subsídio de alimentação e gratificação eram mantidos, agora sob a designação de «gratificação voluntária», nos subsídios de férias e Natal e complementavam o vencimento propriamente dito relativo aos períodos de férias.

15 - A R. pagou ao A., entre Março de 1992 e Novembro de 2000, o número de horas de trabalho suplementar, com os acréscimos de 50%, 75% e 100%, a seguir discriminado, mas calculado apenas de acordo com o vencimento base (não entrando em consideração como os subsidio de alimentação/gratificação):



16 - O A., como os demais trabalhadores do sector dos aviários propriamente ditos, a partir de Janeiro 1996 estiveram sujeitos ao seguinte horário de trabalho semanal:
De Domingo a 6ª feira:
Das 8,30 h às 12.30h
Das 14.30h às 17.30h
Sábados:
Das 8.30 h às 12.30 h
Das 14.30h às 17 horas
Descanso semanal: Um dia variável por semana.

17 - Estes trabalhadores dos aviários, em cada dia útil, beneficiavam de uma pausa de 15 minutos.

18 - Tal pausa servia apenas para os trabalhadores desentorpecerem os músculos, espairecerem o espírito, tomarem uma ligeira refeição ou tratarem da higiene, não lhes sendo permitido abandonar as instalações.

3. O Direito.
De acordo com o preceituado nos artigos 684, n.º 3 e art. 690, n.º s 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1, n.º 2, alínea a) e art. 87 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Importa, assim, apreciar nestes autos:
1. Impugnação da matéria de facto
2. Prescrição dos créditos reclamados pelo autor
3. (In)idoneidade dos documentos apresentados pelo autor para efeitos do art. 38, n.º 2, da LCT.

3.1. Pretende a ré, ora apelante, que a decisão sobre a matéria de facto deverá ser alterada, devendo dar-se como provado todo conteúdo do documento de fls. 182 a 187, apelidado de contrato promessa, designada e nomeadamente, as cláusulas 10 e 14, retirando-se daí que a transferência e a facturação ocorreram realmente, pois esse documento porque não foi impugnado, faz prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores, nos termos do art. 376, do Código Civil.
Conforme dispõe o art. 712, n.º 1, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação,
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobe os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do artigo 690 - A a decisão com base neles proferida.
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso em apreço, a hipótese da alínea c) não se verifica, já que a recorrente não apresentou documento novo, isto é, documento não tido em consideração pelo tribunal de 1.ª instância na fase da apreciação da prova.
A alínea a) também não se aplica, pois os depoimentos não foram registados nos autos, nem a prova gravada, pelo que não constam dos autos todos os elementos de prova que nos permitam efectuar uma análise e reponderação da prova produzida.
Através do documento referido pela ré, de acordo com a alínea b)¸ impor-se-á decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras?
Entendemos que não como passará a expor-se.
Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, pág. 266 escreveu que naquela hipótese “prevê-se que o processo contém elementos probatórios cujo valor não pode ser contrariado por qualquer das outras provas produzidas nos autos. Será necessário é que se verifique em todos os casos essa certeza produzida pelos elementos de prova existentes no processo. Assim deve ser em obediência ao valor legal das provas.” (sublinhado nosso).
A recorrente entende que o teor do documento de fls. 136 a 142, deve dar-se por provado - em particular a cláusula catorze (onde se diz que “a transferência do estabelecimento ocorrerá em 1 de Dezembro de 2000 data a partir da qual a segunda outorgante entra na posse do mesmo), para daí se retirar como provado que naquela data a 1.ª ré transferiu para a 2.ª o estabelecimento em causa - pois o mesmo faz prova plena quanto às declarações dos seus autores.
É verdade que os documentos particulares (como é caso) com autoria reconhecida fazem prova plena quanto às declarações neles atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante. É o que resulta do art. 376, n.º 1 e 2, do Código Civil.
Acontece, porém, como tem sido entendido pela doutrina e jurisprudência, que apenas o declaratário pode invocar o documento particular como prova plena contra o declarante que emitiu declaração contrária aos seus interesses; em relação a terceiros, tal declaração não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal. Cfr. Vaz Serra, RLJ Ano 114, pág. 178 e também, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.03.2003 e de 12.07.2007, www.dgsi.pt. Como se referiu neste último acórdão “a força probatória dos documentos particulares é circunscrita à materialidade das declarações neles produzidas, já que apenas fazem prova plena da conformidade da vontade declarada e não de quaisquer outros factos. A força probatória daqueles documentos esgota-se no seu teor”.
Os documentos particulares apenas provam que foram feitas as declarações neles constantes, podendo, porém, provar-se que as mesmas não correspondem à verdade.[1]
Ora, o documento invocado pela recorrente “contrato promessa” de fls. 136 a 142, foi celebrado entre as rés, prometendo a 1.ª vender à 2.ª, “nas condições aí descritas os bens imóveis, equipamentos, mercadorias e existências constantes da relação anexa desse contrato”. O autor não foi destinatário desse documento. E nem sequer se provou que conhecesse o seu conteúdo anteriormente à data da instauração desta acção, já que ficou provado que o mesmo autor e os outros colegas solicitaram esclarecimento à ré C………., S.A. no sentido de saberem qual a data em que se operaria a transmissão do estabelecimento. O ponto que a ré precisamente pretende ver provado com base no dito documento.
O autor em relação ao referido documento, assume, pois, a qualidade de terceiro, sendo, como tal, o dito documento de livre apreciação pelo tribunal.
É, pois, com base nesse princípio que o documento deve ser entendido. Por isso o Mmo. Juiz ponderando a globalidade da prova, podia ter considerado como não provado, como o fez, que no dia 1.12.2000, tenha sido a ré D………., Ldª a explorar o estabelecimento do qual tomou posse nessa data. Esse ponto só poderia ser alterado com base na reapreciação da prova, mas isso não é possível, em virtude da mesma não ter sido objecto de registo ou gravação - o que implica a rejeição do recurso quanto à matéria de facto.

3.2. Da prescrição dos créditos reclamados pelo autor.
A ré sustentou a prescrição dos créditos invocados pelo autor com base na pretendida transferência de estabelecimento, que segundo a sua tese ocorreu em 1 de Dezembro de 2000 e/ou no trespasse do estabelecimento que efectuou à co-ré, por escritura pública de 20.12.2000. Diz, quanto a este ponto, que a acção foi instaurada em 10 de Dezembro de 2001 e a ré citada para a acção em 26 de Dezembro, muito para além do dia 21 de Dezembro de 2001, pelo que a citação não foi efectuada no prazo de cinco dias por facto imputável ao autor.
Quanto ao primeiro aspecto, não pode vingar a tese da recorrente visto não ter sido alterada a matéria de facto em que a mesma assentava.
Vejamos o segundo.
De acordo com o preceituado no art. 323, n.º 1, do Código Civil “ A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exerce o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
Diz-se, por seu turno, no seu n.º 2, que “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias ”(n.º 2).
A prescrição é um instituto por virtude do qual a parte contrária se pode opor ao exercício de um direito quando este não seja exercido durante o prazo fixado na lei. A figura da prescrição refere-se à extinção de um direito pelo seu não exercício durante certo tempo. O fundamento específico deste instituto pode ser a recusa de protecção de um comportamento contrário ao direito, a negligência do titular ou ainda a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica. Cfr. Aníbal de Castro, A Caducidade, 1984, Rei dos Livros, pág. 29.
No caso em apreço, tendo a acção sido instaurada em 10.12.2001, a ré só veio a ser citada em 24.12.2001, sendo que o prazo prescricional se ultimava em 21.12.2001.
Contrariamente ao pretendido pelo autor, tem aplicação ao caso o art. 323, n.º 2, do Código Civil. Com efeito, a aplicação esse dispositivo legal e a “ficção” do efeito interruptivo aí estabelecida, pressupõe a existência de 3 requisitos:
- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção;
- a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
- o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor. [2]
A acção foi instaurada enquanto o decurso do prazo ainda decorria; para além disso, a citação não foi realizada nos cinco dias seguintes a ter sido requerida; o retardamento da citação não ficou a dever-se a facto imputável ao autor, pois o mesmo indicou correctamente a designação e o local da sede da ré. A demora na concretização do acto ter-se-á ficado a dever a vicissitudes relativas aos correios a não a qualquer atitude menos cautelosa do autor. Não se vislumbra, assim, qualquer falta de diligência do autor que interpôs a acção 11 dias antes do prazo terminar. A lei apenas impõe, como se viu, que o prazo de prescrição se mantenha nos cinco dias posteriores à entrada da petição, o que ocorria, não distinguindo o legislador entre citação a efectuar em território nacional e fora dele, não se configurando, por isso, que o autor devesse ter requerido urgência na citação, nos termos do art. 478.
Destarte, tendo a acção sido instaurada em 10.12.2001, e porque a citação não decorreu nos cinco dias posteriores, por causa não imputável ao autor, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias, ou seja em 15.12.2001. A interrupção da prescrição implica a inutilização de todo o prazo prescricional já decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (art. 326, n.º 1, do Código Civil). Isso significa que se não mostram prescritos os créditos reclamados pelo autor, improcedendo, nesta parte, as conclusões de recurso da ré.

3.3. (In)idoneidade dos documentos apresentados pelo autor para efeitos do art. 38, n.º 2, da LCT.
A ré pretende, quanto a este aspecto, que os créditos invocados pelo autor porque vencidos há mais de cinco anos, só por documento idóneo podem ser provados, o que se não verifica no presente caso.
De acordo com o art. 38, n.º 2, da LCT, “Os créditos resultantes de indemnização por falta de férias, pela aplicação de sanções abusivas ou pela realização de trabalho extraordinário, vencidos há mais de cinco anos, só podem ser provados por documento idóneo”.
Neste dispositivo legal não se estabelece qualquer prazo de prescrição diverso do previsto no n.º 1, do mesmo preceito legal. No referido art. 38, n.º 1, da LCT, contempla-se um prazo especial de prescrição de créditos, com base no entendimento de que a situação de dependência em que o trabalhador se encontra não lhe permite exercer de pleno os seus direitos – e daí que a prescrição só se inicie quando o trabalhador se liberta dessa dependência, quando cessa de facto a subordinação, o que, como se compreende, pode implicar que venham a ser reclamados créditos, muito antigos. O legislador temperou, porém, essa situação, impondo um regime probatório especial para certo tipo de créditos, vencidos há mais de cinco anos, como são os decorrentes de indemnização por falta de férias, pela aplicação de sanções abusivas ou pela realização de trabalho extraordinário, assim se acautelando a posição do empregador relativamente a débitos vencidos há já bastante tempo e relativamente aos quais sempre poderia ser difícil a prova de que os mesmos haviam sido satisfeitos. Cfr. Pedro Furtado Martins e Outros, Comentário às Leis do Trabalho, Lex, Vol. I, pág. 188.
Neste caso exige a lei documento idóneo, o que tem sido entendido como um documento escrito que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito. Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11.ª Edição, Almedina, pág. 465. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.01.2005, www.dgsi.pt, entendeu-se que “por documento idóneo o legislador se quis referir a um documento escrito que demonstre a existência dos factos constitutivos do direito”.
No caso em apreço, a sentença recorrida (fls. 311 a 329) condenou a ré a pagar ao autor créditos por trabalho suplementar prestado há mais de cinco anos. Acontece, porém, que ao invés do que sustenta a mesma ré, os documentos que estiveram na base de se considerarem provados tais créditos não foram os que a mesma refere, mas antes os recibos de vencimento de fls. 15 a 127, emitidos pela própria ré, onde consta o nome do autor e donde resulta a prestação de trabalho suplementar, aí indicado por “hora extra”, 50%, 75% e 100%” (fls. 288 a 295).
Ora, ponderando o teor e o modo como se mostram elaborados esses documentos - onde a ré surge claramente identificada, resultando desses documentos a indicação das horas prestadas e valores pagos a título de “hora extra” ao autor - apenas se pode concluir que os mesmos assumem suficiente razoabilidade objectiva para convencerem o julgador da realidade desses créditos, como aconteceu no caso dos autos, nada havendo, assim, a assacar a esse respeito à decisão em recorrida.
Conclui-se, deste modo, pela improcedência das conclusões de recurso.

4. Decisão.
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela ré.

Porto, 8 de Outubro de 2007
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
José Carlos Dinis Machado da Silva

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[1] Acórdão do STJ de 16.03.76, BMJ 267, pág. 111, também citado pela Ex.ª Senhora Procuradora Geral - Adjunta.
[2] Neste sentido, Acórdão do STJ de 24.01.2007, www.dgsi.pt