Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
203/22.7GCAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA NATÉRCIA ROCHA
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONTACTOS
Nº do Documento: RP20241009203/22.7GCAVR.P1
Data do Acordão: 10/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL /CONFERÊNCIA
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O crime de violência doméstica é um crime de execução permanente, cuja execução se prolonga enquanto durar a manutenção da situação antijurídica voluntária do agente, pelo que o prazo de prescrição inicia-se, apenas, a partir da prática do último facto que integra a reiteração dos atos criminosos, não sendo relevantes os hiatos temporais verificados entre determinados atos, desde que que a prática desses sucessivos atos radique numa única resolução criminosa.
II - Da matéria factual provada constante do acórdão recorrido, que abrange um período temporal de 2009 a 2022, resulta, por um lado, que nunca houve uma quebra de proximidade e de ligação entre o arguido e a ofendida, mesmo quando estiveram afastados temporária e geograficamente um do outro, sendo a dinâmica entre eles a dinâmica própria de um casal, e mesmo quando separados, e até mesmo divorciados, prevalecendo o factor da exconjugalidade, para além da circunstância de serem progenitores de filhos menores em comum. Por outro lado, o comportamento assumido pelo arguido desde o início da sua relação com a ofendida- de ascendente sobre a mesma, de domínio sobre a sua autonomia, de controlo e limitação da sua liberdade pessoal e sexual, de desprezo pela sua dignidade, de intimidação, de violência psicológica e física- é manifesto em toda a factualidade dada como provada, havendo um elo de ligação causa/efeito de todos os comportamentos concretos descritos e imputados ao arguido e que se foram repetindo e agravando ao longo do tempo com a postura assumida e constante do arguido no sentido da desconsideração da ofendida como mulher e como ser humano.
III - A conjugação da presente versão do normativo do n.º 5 do mencionado art.º 152.º, do Código Penal, resultante da alteração introduzida pela Lei 19/2013, de 21 de fevereiro, com a sua anterior versão, nomeadamente no que se refere à substituição da expressão “pode” pela expressão “deve”, é demonstrativa da intenção do legislador de, havendo necessidade de aplicação da pena acessória de proibição de contactos, a mesma deve ser fiscalizada no seu cumprimento por meios técnicos de controlo à distância. Concretizando: salvo circunstâncias que revelem a manifesta desnecessidade de fiscalização por tais meios, os mesmos devem ser implementados.
IV - Assim, os juízos de necessidade e de proporcionalidade devem ser efetuados pelo Tribunal para a aplicação da identificada pena acessória, porquanto a sua aplicação não resulta como efeito automático da condenação na pena principal, mas quando aplicada esta pena acessória a implementação dos meios de controlo à distância é obrigatória, salvo circunstâncias que revelem a manifesta desnecessidade de fiscalização por tais meios.

(Sumario da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 203/22.7GCAVR.P1
Tribunal de origem: Juízo Central Criminal de Aveiro J2 – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
No âmbito do Processo Comum perante Tribunal Coletivo n.º 203/22.7GCAVR a correr termos no Juízo Central Criminal de Aveiro – J2 foi julgado o arguido AA, tendo sido decidido:
A) Absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo 152.º, n.º 1, al. e) e n.ºs 2, al. a), 4, 5 e 6, do Código Penal, perpetrado sobre BB;
B) Absolver o arguido da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, al. e) e n.ºs 2, al. a), 4, 5 e 6, do Código Penal, perpetrado sobre CC;
C) Condenar o arguido pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, als. a), e c) e n.ºs 2, al. a), do Código Penal, perpetrado sobre DD na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
D) Condenar o arguido, pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;
E) Condenar o arguido, pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, previsto e punido pelo art. 194.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão.
F) Em cúmulo jurídico das penas descritas em C) a E), condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos de prisão;
G) Suspender a pena descrita em F) pelo período de 5 (cinco) anos;
H) Subordinar a suspensão da execução da pena descrita em F) e G) a regime de prova, durante o período da suspensão, nomeadamente ao cumprimento do plano de readaptação social a elaborar pela DGRS que venha a ser homologado pelo tribunal (artigo 53.º, nº 1 e 2 do Código Penal); e à obrigação de responder a convocatórias do técnico de reinserção social e de receber visitas do mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 54º do Código Penal.
I) Condenar o arguido, na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida DD, ao longo do período de suspensão da pena (5 anos), incluindo o afastamento da residência e local de trabalho devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios tecnológicos de controlo à distância, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal.
J) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de uso e porte de arma, ao longo do período de suspensão da pena (5 anos), nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.º 4 do Código Penal;
K) Condenar o arguido na pena acessória de obrigação de frequência de programa específico de prevenção de violência doméstica, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 152.º, nº 4 do Código Penal.
L) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e, em consequência condenar o demandado AA a pagar à demandante DD a importância de €3.000,00 (três mil euros), acrescida do pagamento de juros de mora, à taxa legal (ou seja, à taxa anual de 4 %, vide artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, e Portaria n.º 291/2003, de 08/04) calculados a partir da data do acórdão e até integral pagamento - nos termos do citado acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio de 2002, do Supremo Tribunal de Justiça - a título de compensação por danos patrimoniais por si sofridos em virtude da conduta daquele, absolvendo-o do remanescente do pedido.
M) Absolver o arguido do demais peticionado.

Desta decisão veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
a) Desde logo, considerando que parte dos factos objeto de ponderação nestes autos (a saber, os factos constantes dos artigos 9 a 14 da factualidade dada como provada no acórdão recorrido) remontam ao período de 2009 em diante, até 2011, deveria o tribunal a quo ter atendido ao disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 118.º do C.P., que reza que o procedimento criminal se extingue, por prescrição, findo o prazo de dez anos, quando se trate de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos.
b) Como tal, o eventual direito da ofendida de instaurar procedimento criminal quanto aos factos que remontam ao período de 2009 até 2011 já se encontravam prescritos, à data de instauração dos presentes autos (o que se verificou em 2022).
c) Cumpre, neste conspecto, ressaltar que não está em causa um crime habitual, porquanto não resultou provado que a conduta do recorrente se vinha manifestando diariamente, ou mesmo frequentemente, tratando-se efetivamente de situações ocasionais, esporádicas.
d) Aliás, como infra se logrará demonstrar, parte da factualidade imputada ao arguido nem se encontra devidamente concretizada espácio-temporalmente, o que prejudica inclusive o direito de defesa deste recorrente.
e) Em qualquer caso, não se poderá entender que o prazo de prescrição apenas começou a contar da data da prática do último ato.
f) Como se verifica, da factualidade dada como assente em sede de primeira instância, os factos remontam inicialmente ao ano de 2009, verificando-se um salto temporal para o ano de 2013 e depois um novo salto para 2019, sem que a factualidade inerente aos presentes autos esteja devidamente apurada no período em causa.
g) Está o aqui recorrente convicto de que o tribunal a quo andou mal ao dar como provados os factos constantes dos artigos 9.º a 14.º do acórdão ora recorrido, porquanto tais factos reportam-se a um período temporal para o qual a recorrida, em 2022 (data da apresentação de queixa) não havia legitimidade em instaurar procedimento criminal, atenta a prescrição prevista no artigo 118.º do C.P.
h) Destarte, pugna o aqui recorrente para que sejam considerados como prescritos os crimes eventualmente subjacentes às condutas atinentes ao período de 2009 a 2011, o que requer ao abrigo do disposto no artigo 118.º do C.P.
i) Quanto aos factos constantes dos artigos 10, 11, 16 a 21, 31, 33, 38, 39 a 46 da materialidade dada como provada no acórdão ora recorrido, resulta evidente que estes contêm meras imputações genéricas, sem uma precisa especificação das condutas, não se indicando o lugar, nem se precisando cabalmente as datas concretas, nem a motivação, nem as circunstâncias relevantes em que ocorreram.
j) Ora, nos termos do artigo 374.º, n.º 2, do C.P.P., a fundamentação da sentença consiste, nomeadamente, na enumeração dos factos provados e não provados.
k) Com efeito, para além do direito à tutela penal que assiste à vítima, o arguido tem o direito a conhecer os factos imputados, os concretos factos em que assenta a imputação do crime em apreço, para os rebater e, desse modo, se poder defender, exercendo o seu direito ao contraditório, constitucionalmente garantido (art.32.º, n.º5, da C.R.P.).
l) Assim, não são factos suscetíveis de sustentar uma condenação penal as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado.
m) Pese embora a concretização e delimitação temporal e espacial se possa revelar tarefa árdua, ainda assim a descrição fáctica sempre terá que ter alguma concretização, de forma a que seja possível localizar as imputações no tempo e no espaço com suficiente precisão, ainda que por referência apenas ao ano, a algum momento festivo, a algum acontecimento, com mais ou menos significado (cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 304/20.6pavlg.p1, de 24/11/2021, disponível em www.dgsi.pt).
n) No caso sub judice, nos factos supra elencados constantes do acervo decisório, não se consegue descortinar qual o hiato temporal em causa ou o local onde tais factos terão eventualmente sucedido, não podendo o tribunal a quo, com todo o respeito, formar uma convicção com base em meros relatos da ofendida, assentes em palavras, sem o mínimo de concretização factual.
o) Até porque, no caso em concreto, o recorrente esteve a residir em Inglaterra durante vários anos, mesmo sem a presença da ofendida, pelo que a circunscrição espácio-temporal se revela de extrema importância, de modo a garantir o direito de defesa do recorrente.
p) A aceitação dessas afirmações genéricas como “factos” inviabiliza o direito de defesa que assiste ao arguido e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.32.º da Constituição.
q) Por conseguinte, não poderão os factos constantes dos artigos 10, 11, 16 a 21, 31, 33, 38, 39a 46 do acórdão recorrido sob a matéria de facto provada, relevar para a convicção final do tribunal, devendo dar-se os mesmos como não escritos, não podendo tais factos sustentar a condenação final que recaiu sobre o aqui arguido, no que concerne ao crime de violência doméstica, pelo que a pena concretamente aplicada pela alegada prática deste ilícito deverá, naturalmente, ser reavaliada e atenuada, a final, o que se requer.
r) Como se não bastasse, crê também o aqui recorrente que o tribunal a quo terá exagerado na determinação da pena aplicada ao crime de violência doméstica, concretamente da medida da pena, porquanto aplicou uma pena superior ao limite mínimo da moldura penal prevista para este tipo de ilícito.
s) Como se constata pela leitura do acervo decisório final, o arguido foi maioritariamente condenado por, em alguns momentos, ter referido que a sua ex-cônjuge, aqui ofendida, estaria mais gorda e debilitada psicologicamente – algo que o próprio arguido confessou em sede de julgamento, afirmando perentoriamente que o fez, não só porque se considera um individuo mais forte psicologicamente, por já ter enfrentando algumas adversidades na vida,
t) sendo natural de um país subdesenvolvido, com escassos recursos económico e vindo de uma família que já passou inclusive dificuldades financeiras,
u) razão pela qual tais comentários, atinentes à resistência psicológica e emocional, advenham essencialmente das diferenças culturais existentes entre o arguido e a ofendida.
v) No que concerne aos comentários sobre a aparência física, o arguido admitiu que os proferiu sempre com o intuito de incentivar a recorrida a melhorar e lutar por um estado de vida mais saudável, nunca se tendo dirigido à ofendida com o intuito de a menosprezar ou humilhar,
w) aventando inclusive que também ele não era uma pessoa com uma aparência magra, e que sempre gostou da ofendida tal e qual como ela era!
x) De facto, com exceção de dois episódios em que, alegadamente o recorrente terá agredido a ofendida, o que aquele não concede, todo o enquadramento fáctico que sustenta a incriminação deste arguido se sustenta em meros comentários (que nem sequer se poderão considerar como insultuosos, impondo atender-se ao contexto e ao intuito com que foram proferidos.
y) Destarte, crê o aqui recorrente que não lhe deveria, de modo algum, ser aplicada, quanto a este crime de violência doméstica, uma pena superior ao limite mínimo legalmente previsto, afigurando-se a pena final em que foi condenado, no que a este ilícito diz respeito, como manifestamente desproporcional, atenta a gravidade e ilicitude dos factos em apreço, pelo que deverá a mesma ser reduzida ao mínimo legal aplicável.
z) Ainda no que respeita à prática deste ilícito-criminal e à pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, não pode este recorrente deixar de manifestar o total desagrado com o facto do tribunal a quo entender que tal pena deverá ser fiscalizada, durante todo o período da suspensão, por meios tecnológicos de controlo à distância.
aa) Isto porque, não constam destes autos relatos de quaisquer incidentes, após a submissão do arguido a 1.º interrogatório judicial e à consequente aplicação das medidas de coação, que este tenha, de algum modo, importunado ou perturbado a recorrida,
bb) Aliás, mesmo após terem sido retirados os meios de controlo à distância, o arguido continuou a cumprir escrupulosamente com as medidas de coação que lhe foram aplicadas, concretamente a proibição de contactos e medidas de afastamento da ofendida, não tendo o recorrente adotado quaisquer comportamentos suscetíveis de criar a mínima dúvida no tribunal a quo de que tentaria uma nova aproximação à ofendida.
cc) Pelo contrário, o recorrente admitiu em sede de julgamento ter seguido em frente com a sua vida, querendo que a ofendida seja feliz, não revelando o mínimo de intenção em se reaproximar desta última.
dd) Não se justifica, portanto, que o cumprimento da aludida pena acessória seja fiscalizado, durante todo o período da suspensão, por meios de controlo à distância, muito menos tendo em consideração que a suspensão, caso não venha a ser alterada pelos Insignes Desembargadores, durará por cinco anos!
ee) Por outro lado, a aplicação dessa vigilância, enquanto medida que se traduz numa intromissão na esfera privada daqueles que por ela são afetados, está dependente, por um lado, de um juízo de imprescindibilidade face às necessidades de proteção da vítima e, por outro lado, do consentimento do condenado, da vítima e de terceiros por ela afetados.
ff) Com todo o respeito, não se descortina no acórdão recorrido quais os motivos que sustentam a decisão de fiscalização do cumprimento da pena acessória, nem a razão pela qual se dispensa o consentimento, bastando-se o tribunal a quo a referir que “o arguido desenvolveu a sua conduta durante um lapso de tempo alargado”, ignorando, por completo, a conduta posterior do arguido e o facto de inexistir qualquer relato do mínimo incumprimento, por parte deste recorrente, da já referida proibição de contactos com a ofendida!
gg) O tribunal recorrido não sustentou minimamente a imprescindibilidade dos meios de controlo à distância, nem alegou factos concretos que justifiquem a dispensa do consentimento.
hh) Assim, na ausência dessa fundamentação, não se poderá aceitar a imposição injustificada e desproporcional ao aqui arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância, pelo que deverá o acórdão ser revogado em conformidade, na parte em que determinou a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contactos do recorrente com a ofendida por meios técnicos de controlo à distância.
Caso assim não se entenda,
ii) Deverá, pelo menos, o período de fiscalização ser inferior ao período da suspensão da execução da pena, pelo facto de o mesmo se revelar manifestamente excessivo e desproporcional.
jj) Já no que concerne à prática do crime de roubo e de violação de telecomunicações, previstos e punidos respetivamente nos artigos 210.º, n.º 1 e 194.º, n.º 1, 2 e 3, ambos do C.P., o recorrente admitiu perante o tribunal, em sede de julgamento, a prática destes crimes, referindo os motivos que o levaram a adotar tais comportamentos.
kk) Pese embora o recorrente saiba agora que as suas condutas não foram apropriadas nem conforme à lei, como é bom de ver, não se poderá ignorar o facto de este arguido se ter deparado com fotografias e vídeos da sua companheira e esposa de longa data, mãe dos seus filhos, com uma natureza sexual, dirigidos a um terceiro, com quem veio a descobrir, mais tarde, que a ofendida havia mantido uma relação extraconjugal.
ll) Antes de ser arguido, o recorrente é um ser-humano, que viu a sua relação matrimonial chegar ao fim e que se sentiu manifestamente ludibriado por aquela que viu como uma companheira para a sua vida toda, vendo as suas expectativas totalmente defraudadas!
mm) Todos estes factores abalaram imensamente a pessoa do arguido, acabando por adotar comportamentos impróprios, no sentido de se vingar, de algum modo, da ofendida, contudo, urge reter que tais condutas surgiram logo após o arguido ter tomado conhecimento da relação extraconjugal da ofendida, justificando-se, assim, a intempestividade com que foram praticadas.
nn. Em sede de julgamento, decorrido um ano e meio da prática de tais factos, o arguido reconheceu que não os deveria ter praticado, declarando expressamente estar arrependido dos mesmos, o que deveria imperiosamente ter sido relevado, aquando da decisão final a proferir.
oo) Considerou o tribunal a quo que o facto de o arguido ter prestado declarações a meio do julgamento não tem o mesmo valor probatório que no início da audiência, entendimento este com o qual, salvaguardando-se a maior das considerações, não se pode de modo algum concordar.
pp) Como tal, devia a confissão deste recorrente, no que concerne aos crimes de roubo e de violação de telecomunicações, ter contribuído para a atenuação da pena concretamente aplicada – o que não se verificou in casu.
qq) Nestes termos está o recorrente modestamente convicto de que também a pena concretamente aplicada pela prática de cada um destes ilícitos-criminais deveria ser reduzida ao mínimo legal. concomitantemente,
rr) Entende o recorrente que mal andou o tribunal ad quo ao condená-lo numa pena de prisão única de 4 (quatro) anos, suspensa na sua execução por um período de 5 (cinco) anos, porquanto acredita que, todos os circunstancialismos anteriores e posteriores à conduta ilícita em causa deveriam ter sido devidamente ponderados e valorizados, assim como também deveriam ter sido ponderados os motivos que levaram à prática dos factos, tudo circunstâncias atenuantes da medida da pena, assim se ignorando o disposto nas alíneas c) e e), do n.º 2 do artigo 71.º do C.P., pleiteando assim pela revogação do acórdão recorrido e pela redução ao mínimo legal das penas concretamente aplicadas a cada um dos tipos de crime em causa.
por último,
ss) Confrontado que foi com a fixação de um valor tão alto de indemnização e sem qualquer argumentação jurídica demonstrada, está o recorrente em crer que este quantum compensatório foi definido de forma aleatória e nada fundamentada em critérios adequados e proporcionais considerando o caso concreto e todos os outros requisitos supra expostos.
tt) Isto porque, nada se demonstrou e provou no decurso do processo judicial que permitisse quantificar os danos não patrimoniais que a demandante tenha sofrido.
uu) Desde logo, no pedido de indemnização cível formulado pela recorrida, esta não demonstrou nenhum dano patrimonial que tenha efetivamente sofrido com perdas de dias de trabalho ou a título de despesas/custos ou encargos incorridos.
vv) No caso sub judice, os danos não patrimoniais embora possam eventualmente ter existido, remeteram-se a episódios esporádicos e no decurso de uma relação conflituosa do casal sem nenhuma consequência de maior.
ww) Importava também atender às condições económico-financeiras do arguido, o que se crê ter sido perentoriamente ignorado, porquanto o recorrente aufere praticamente o salário mínimo nacional e paga pensão de alimentos aos dois filhos menores, logo, não se concebe como é que o tribunal recorrido arbitrou uma quantia tão avultada a título indemnizatório.
xx) Portanto, o recorrente questiona-se (uma vez afastados quaisquer danos patrimoniais), que danos morais são estes que sustentam a pretensão da recorrida em exigir uma compensação, a esse título, em € 3.000,00 (três mil euros) e a decisão do tribunal a quo em lhe atribuir tal compensação.
yy) Corroborando o que já se disse sobre os danos morais remeterem de situação esporádica de menor gravidade e que cessaram com a definitiva quebra da relação conflituosa do casal, em nenhum momento foi invocado pela recorrida ter suportado despesas com apoio psicológico ou qualquer outro especialista médico, com vista a ultrapassar os “traumas” que alega ter sentido.
zz) A questão que ora urge é a seguinte: atribuindo-se à recorrida uma indemnização por danos apenas morais, pelo valor de € 3.000,00 (três mil euros) - não seria expectável que, ainda que sofresse efetivamente de lesões advindas de tais danos (pelos alegados eventos traumáticos que experienciou e que a deixaram com mazelas emocionais), recorresse atualmente, por exemplo, aos serviços de um psicólogo?
aaa) Ou seja, como pode a recorrida alegar que ficou com traumas, com receio, que vive com ansiedade, quando tais factos não constam de nenhum relatório médico pericial?
Bbb) É aqui que surge a inconformação deste recorrente, questionando-se em que meios de prova o tribunal recorrido se terá sustentado para atribuir uma indemnização à recorrida, pelo valor avultado e desproporcional de € 3.000,00 (três mil euros).
ccc) Quando em nenhum momento resultou demonstrado a extensão dos danos não patrimoniais sofridos pela recorrida, nem que na presente data, ficado traumatizada, muito menos sofrido danos justificativos do valor de indemnização em que o recorrente foi condenado.
Ddd) Destarte, entende o recorrente que foram violados os critérios da equidade, da proporcionalidade e ainda da justeza, subjacente ao pedido de indemnização cível, deduzido ao abrigo do processo penal, não se concordando com a condenação ao pagamento de indemnização por danos não patrimoniais em tão avultada monta, devendo a mesma ser reduzida drasticamente.
Termina pedindo seja julgado provido o recurso apresentado, e em consequência, seja revogada a decisão recorrida, porquanto padece a mesma de vícios vários, concretamente:
1) condena o arguido por factos alegadamente praticados entre 2009 e 2011, quando tais factos se encontram prescritos, ao abrigo do disposto no artigo 118.º do C.P.;
2) viola o princípio do contraditório e o direito de defesa do arguido, ao condená-lo por factos cuja concretização espácio-temporal não foi possível alcançar, incorrendo em manifesta violação do preceito constitucionalmente consagrado no artigo 32.º da C.R.P., devendo, portanto, tais factos (constantes dos artigos 10, 11, 16 a 21, 31, 33, 38, 39 a 46 da factualidade dada como provada no acórdão recorrido) ser dados como não escritos, impondo-se uma reavaliação da pena concretamente aplicada;
3) incorre em estrita violação do disposto nas alíneas c) e e) do n.º 2 do artigo 71.º do C.P.;
4) revogar a decisão de fiscalização da pena acessória de proibição de contactos por meios de controlo à distância, pelo facto de não se encontrarem minimamente fundamentados os pressupostos subjacentes à prolação de tal decisão nem à dispensa de consentimento;
Caso assim não se entenda (no que concerne ao pedido ora formulado em 2), que seja reduzido o período de fiscalização determinado para o cumprimento da pena acessória de proibição de contactos, fixando-se um período inferior ao da suspensão da execução da pena, pelo facto de tal se revelar claramente excessivo e desproporcional;
5) revogar a decisão de condenação do recorrente, no pagamento à recorrida de uma compensação no valor de € 3.000,00 (três mil euros), porquanto tal decisão ignora alguns dos requisitos legalmente previstos para a aplicação e determinação do montante de compensação por danos não patrimoniais;
e) decretar a suspensão da obrigação do pagamento da quantia a que foi condenado o recorrente, até prolação do acórdão que incidirá sobre o presente recurso;
f) se de outra forma não se entender, mas sem prescindir, retificar o montante de indemnização a pagar à ofendida, por se tratar de um valor excessivo e desproporcional, em consonância com a medida da pena concreta aplicada.

A este recurso respondeu o Ministério Público, conforme consta dos autos, e de forma sintética nos seguintes termos:
I. Da extinção do procedimento criminal por prescrição:
- Vista a globalidade da matéria de facto dada como provada, constata-se que os factos ali descritos – e não apenas os dos pontos 9. a 14. – denotam, quanto à matéria factual integradora do crime de violência doméstica pelo qual o arguido foi condenado, uma continuidade temporal.
As referências, nos pontos 9. e 10., ao ‘início da relação’ reportam-se ao ano de 2009, por referência ao ponto 1. dos factos provados –sendo que, quando nos mesmos pontos 9. e 10. se usa a expressão ‘desde o início da relação’ e nos demais pontos da matéria de facto provada se vai localizando temporalmente os factos por referência a marcos da vida do casal (o local onde residiam, o tempo que estiveram emigrados, o divórcio de ambos, o período de coabitação após o divórcio, a época após a cessação da coabitação), há que compaginar tais referências, além do mais, com o descrito nos pontos 1., 2., 4., 5., 6., 7.,
- Assim, nos pontos 12. a 14., quando se refere que os factos ocorreram numa altura em que residiam no ..., ..., tal situa-se temporalmente no período de 2009 a 2010 – por referência aos pontos 1. e 4..
Quanto se refere no ponto 15. ‘ao longo de todo o relacionamento’, tal reporta-se ao período de 2009 até pelo menos à data do divórcio – que ocorreu em 30/06/2022, como descrito no ponto 2. – na mesma situação se encontrando os factos descritos sob os pontos 16. a 20..
- No pontos 21., 22., 23. e 26, ao referir-se à época em que ambos viviam em Inglaterra, reporta-se o acórdão recorrido ao período em que ambos residiam juntos naquele país, ou seja, no período de Julho de 2012 a 2017, por referência ao descrito sob os pontos 5. a 7..
- De tais referências, que se mencionam a título exemplificativo, resulta que a factualidade dada como provada retrata uma sequência de condutas maltratantes, sejam de violência verbal, psicológica, física e sexual que se foi repetindo, com uma cadência e frequência constantes – nomeadamente, quase diária no que se refere a expressões vexatórias, insultuosas e ameaçadoras dirigidas à ofendida – desde o início do relacionamento no ano de 2009 e pelo menos até 08/09/2022.
- Não se encontram, pois, nos factos dados como provados, hiatos temporais que permitam decompor em dois momentos históricos os factos que fundamentam a condenação do arguido pelo referido crime de violência doméstica.
- Nessa senda, o Tribunal a quo veio a considerar, acertadamente, que a factualidade dada como provada, além do mais, sob os pontos 1. a 51., 63., 64. a 68., 71. e 72. integram um único crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, als. a) e c), e nº 2, al. a), do Código Penal.
- Na sua conformação típica, o crime de violência doméstica previsto no artigo 152º do Código Penal, não se cinge a cada um dos atos ilícitos que o preenchem, bem como não se esgota na sua soma, devendo os comportamentos que o integram ser objeto de uma valoração global que permita revelar uma conduta, reiterada ou não, integradora do conceito de maus-tratos, ou seja, revelador de um tratamento degradante ou humilhante de uma pessoa, negador da sua dignidade humana.
- É assim que o crime de violência doméstica, ressalvadas situações em que ocorram hiatos temporais relevantes que confiram outro sentido ao comportamento subjetivo e objetivo do agente, vem sendo considerado como um crime único, ainda que de execução reiterada.
- Tal remete-nos para as normas decorrentes do artigo 119º, nºs 1 e 2, do Código Penal, relativas ao início do prazo de prescrição.
- Nos termos daquele nº 1, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
- Já no nº 2 de tal artigo, na respetiva alínea a), se prevê que o prazo de prescrição só corre, nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação.
- O crime de violência doméstica é, nos casos como o dos autos, um crime de execução permanente, cuja execução se prolonga enquanto durar a manutenção da situação antijurídica voluntária do agente.
- Assim sendo, o prazo de prescrição inicia-se, apenas, a partir da prática do último facto que integra a reiteração dos atos criminosos, não sendo relevantes os hiatos temporais verificados entre determinados atos, desde que que a prática desses sucessivos atos radique numa única resolução criminosa.
- Estando em causa crime punido com pena de prisão até cinco anos, é de dez anos o prazo de prescrição do procedimento criminal – artigo 118º, nº 1, al. b), do Código Penal.
- Basta, pois, atentar na data da prática dos últimos atos integradores daquele crime de violência doméstica para se concluir que tal prazo, contado em conformidade com o disposto no artigo 119º, nº 2, a. a), do Código Penal, não se mostra ainda decorrido.
II. Da violação do princípio do contraditório:
- Ora, como se referiu supra no ponto I., no acórdão recorrido é feita um enquadramento temporal dos comportamentos do arguido dados como provados, por vezes por referência a períodos de tempo balizados por eventos da vida do arguido e da ofendida, igualmente dados como provados – situação em que se encontram os factos descritos sob os pontos 10., 11., 16. a 21.,
- Quanto ao ponto 31. resulta da própria factualidade descrita que os factos ocorreram depois do dia 02/10/2021 e, por confronto com os pontos 32. e 35., antes do final de março 2022.
- Relativamente ao ponto 33., igualmente resulta da descrição fáctica constante do acórdão recorrido, pela sua inserção na mesma, que ocorreram após aquela data de 02/10/2021 e enquanto residiam na Rua ..., ou seja, antes do final de Março de 2022 – cf. ponto 35..
- No que respeita os pontos 38. e 39., na sequência do descrito sob o ponto 37. e face ao descrito nos pontos 47. e 49., constata-se que os factos ali descritos ocorreram no período entre abril e 19/07/2022.
- O mesmo se verifica quanto ao ponto 46., que surge na sequência do descrito nos pontos 37. a 48., ali sendo descrita mais uma das situações em que, entre abril de 2022 e 19/07/2022 o arguido tentou obrigar a vítima a manter relações sexuais contra a sua vontade.
- Verifica-se, pois, que, tal como a acusação deduzida já fazia, também o acórdão condenatório baliza os limites temporais das diversas ações empreendidas pelo arguido e integradoras do crime de violência doméstica por que veio a ser condenado.
- Mostram-se tais factos suficientemente demarcados, com referências temporais concretas, não apenas dentro de um concreto período de tempo, mas igualmente com a indicação de algumas das concretas ocasiões em que ocorreram parte de tais atos.
- Mais se verifica que ali é feita uma descrição suficientemente precisa dos atos reiterados integrantes do crime imputados.
- Tal descrição factual não conduz a uma compressão intolerável do exercício dos direitos de defesa do arguido-recorrente ou da sua posição processual, na medida em que é percetível para o mesmo que concretos factos lhe vinham imputados – ou seja, os eventos submetidos a julgamento mostram-se suficientemente caracterizados, nas suas diferentes vertentes, de modo a permitir a sua perceção pela defesa e, consequentemente, a reação à imputação feita.
- Não se verifica, pois, que pelo Tribunal a quo, ao condenar o arguido-recorrente com fundamento nos aludidos factos, tenha aplicado norma relativamente à qual se possa fazer um juízo de inconstitucionalidade – nomeadamente por violação do artigo 32.º, nºs 1 e 5, da Constituição.
- Verifica-se igualmente que, na transposição dos aludidos factos para a decisão condenatória (por serem os que resultaram provados), é respeitada a concretização mínima dos factos integradores do tipo de crime pelo qual o arguido-recorrente foi condenado.
- Ali estão individualizados atos integrantes do crime de violência doméstica pelo qual o arguido-recorrente foi condenado – mais concretamente, quando possível, o local dos factos, os períodos temporais em que se enquadram, a pessoa ofendida pelas condutas do arguido, as concretas condutas empreendidas por este, as suas consequências para a ofendida.
III. Da medida das penas parcelares fixadas e da medida da pena única aplicada
- O arguido-recorrente pugna por que sejam reduzidas, fixando-se no mínimo legal, as penas parcelares fixadas pelos crimes de violência doméstica, de roubo e de violação de correspondência ou de telecomunicações por que foi condenado e, em consequência, entende como excessiva a pena única aplicada de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos.
- Também neste âmbito não lhe assiste razão.
- No que tange os critérios de determinação da concreta medida da pena, o Tribunal a quo sopesou – e disso faz eco o acórdão sob recurso – as normas a atender são as que decorrem dos artigos 40.º, nºs 1 e 2, e 71.º, nºs 1 e 2, ambos do Código Penal.
- Como se apreende da leitura da fundamentação feita no acórdão recorrido quanto à medida das penas parcelares, foram valoradas pelo Tribunal a quo as circunstâncias fácticas (dadas como provadas) que têm relevo para a determinação da medida concreta das penas parcelares.
- Face às circunstâncias apuradas, no que concerne ao crime de violência doméstica, numa moldura pena de 2 a 5 anos de prisão, não pode considerar-se como excessiva a pena parcelar de 3 anos e 4 meses de prisão.
- Quanto ao crime de roubo, dentro de uma moldura penal de 1 a 8 anos de prisão, tendo sido fixada uma pena parcelar na medida de 1 ano e 9 meses de prisão, constata-se que o Tribunal a quo ponderou acertadamente as circunstâncias relevantes para determinação de tal pena.
- Relativamente ao crime de violação de correspondência ou telecomunicações, estando em causa uma moldura penal de 1 mês até 1 ano de prisão, face às circunstâncias consideradas provadas, tendo sido fixada a pena parcelar na medida de 4 meses de prisão, afigura-se a mesma em conformidade com os apontados critérios legais.
- Não deixou igualmente o Tribunal a quo de atender à situação pessoal, familiar e profissional do arguido, à sua inserção social, à ausência de antecedentes criminais registados e à confissão parcial (ainda que sem relevo para o apuramento da verdade material).
- Em suma, a fixação das penas parcelares em causa mostra-se em conformidade com os preditos critérios legais.
- No que se refere à medida da pena única aplicada, foram respeitados os critérios resultantes do artigo 77.º, nº 1, nos termos do qual, para determinação da medida concreta da pena única (dentro da moldura punitiva fixada nos termos do respetivo nº 2), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
- Em função de tais critérios legais, e no que tange às circunstâncias ponderadas para determinação da pena única aplicada ao arguido-recorrente, verifica-se ter o Tribunal a quo feito apelo às corretas circunstâncias, pelo que, num caso como o vertente, situar a medida concreta da pena única ainda mais próximo do limite mínimo da moldura do concurso de penas representaria, face ao sentir comunitário, uma imagem de relativa impunidade do agente dos crimes e de excessiva benevolência do julgador. Uma pena única inferior não refletiria suficiente e adequadamente a ilicitude global dos factos, a personalidade do agente traduzida na sua prática e a relação existente entre os vários crimes praticados – que em cada uma das concretas condenações encontraram tradução.
- Tal medida da pena única denota ter o Tribunal a quo sopesado sobremaneira as circunstâncias que depõem a favor do arguido.
Conclui-se, pois, que o Tribunal a quo fez correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis no caso concreto em apreciação, nomeadamente as dos citados artigos 40º, nº 1, 71º, nºs 1 e 2, e 77º, nº 1, do Código Penal.
IV. Da fiscalização da pena acessória de proibição de contactos por meios técnicos de controlo à distância:
Num caso como o dos autos, como bem se fundamenta no acórdão recorrido, em que os factos integradores do crime de violência doméstica ocorreram ao longo de um lapso temporal alargado (de mais de doze anos), tendo perdurado mesmo após o divórcio e a cessação da coabitação, a aplicação de tais meios de fiscalização configura-se como imprescindível à proteção da vítima.
- Mais cabe notar que a duração de tal fiscalização coincide, como não poderia deixar de ser, com a duração da pena acessória aplicada e não com o período de suspensão a execução da pena principal de prisão (como o parece ter entendido o arguido-recorrente).
Conclui-se, pois, que bem andou o Tribunal a quo ao determinar que a pena acessória de proibição de contactos seja fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância.
Termina pedindo não seja dado provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência seja mantido o acórdão recorrido na sua integralidade.

Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, e que se encontra junto aos autos, pugna pela improcedência do recurso.

Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.

Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II- Fundamentação:
1.1. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância:
Da acusação
1. A vítima DD e o arguido AA conheceram-se e iniciaram relação de namoro no ano de 2009, tendo, decorridos alguns meses, passado a partilhar cama, mesa e habitação, como se marido e mulher fossem, na habitação sita no ..., ....
2. Ambos casaram entre si no dia 4 de julho de 2011, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio por decisão transitada em 30 de junho de 2022, proferida pela Conservatória do Registo Civil Aveiro no âmbito do processo n.º 1669/2022.
3. Dessa união, nasceram dois filhos, BB e CC, respetivamente, em 15-04-2014 e em 09-06-2017.
4. Em data não concretamente apurada, mas situada aproximadamente em 2010, a vítima e o arguido mudaram-se para uma habitação sita na Rua ..., em ....
5. Após, a vítima e o arguido, por questões de foro profissional, emigraram para Inglaterra, ela em setembro de 2011 e ele em julho de 2012.
6. No ano de 2017, a vítima regressou de Inglaterra e foi residir com os seus filhos para um apartamento localizado na Rua ..., ..., R/C drt.º, em ... - Aveiro, o qual havia sido adquirido por si e pelo arguido em dezembro de 2016.
7. Em 2018 o arguido regressou de Inglaterra, tendo passado a residir com a vítima e com os filhos de ambos na última morada referenciada, local onde estiveram até março de 2022, tendo-se posteriormente mudado para uma casa arrendada na Avenida ..., Sector ..., lote ..., ... - Aveiro.
8. A relação desde sempre se pautou por alguns problemas entre o casal, mantendo-se frequentes as discussões entre ambos.
9. Desde o início da relação que o arguido tentou controlar os movimentos e a vida da ofendida, adotando uma postura de desconfiança em relação ao que esta lhe dizia e fazia, manifestando ciúmes excessivos e sentimento de posse em relação à mesma, acusando-a de ser infiel e manter relações amorosas com outras pessoas (vulgo amantes).
10. Desde o início da relação e com frequência praticamente diária, o arguido encetou discussões com a vítima a propósito de questões como alimentação, educação dos filhos, horários de trabalho e economias do casal.
11. Nesta senda, em data não concretamente apurada, mas numa das primeiras vezes em que a vítima preparou uma refeição para ambos, de frango no forno, o arguido provou a mesma e questionou a vítima se havia temperado com limão e, após esta responder que havia colocado metade, pegou bruscamente no tabuleiro e atirou-o ao chão, ao mesmo tempo que lhe disse que para um frango inteiro tinha que colocar um limão inteiro.
12. Também em datas não concretamente apuradas, mas quando ainda residiam no ..., ..., o arguido por diversas vezes saía à noite para ir ao A..., nesta cidade, e obrigou a vítima a ficar em casa.
13. Nessas ocasiões, a vítima, pelo menos por seis vezes, pediu e tentou impedir que o arguido saísse de casa, tendo este, numa das vezes, mediante o uso das suas mãos, a agarrado no pescoço.
14. Após, o arguido saiu de casa e trancou a porta da residência.
15. Ao longo de todo o relacionamento, o arguido dirigiu-se frequentemente à vítima apelidando-a de “Gorda”, dizendo-lhe ainda “Nunca mais ninguém te vai querer, és desequilibrada psicologicamente como a tua mãe, és uma fraca!”
16. Quando a vítima ia às compras, o arguido exigia que esta justificasse as despesas que tinha feito, bem como consultava os movimentos da conta bancária, exigindo-lhe que explicasse o motivo de algumas despesas.
17. Quando a vítima queria comprar alguma peça de roupa para si, tinha de previamente telefonar ao arguido a comunicar o preço e, somente após autorização deste, podia comprar.
18. Quando a vítima não tinha o jantar pronto às horas a que o arguido chegava a casa, este encetava discussão com a mesma de forma exaltada e saía de casa.
19. Por diversas vezes o arguido disse à vítima que uma mulher não podia faltar com três coisas: roupa, cama e comida.
20. De forma reiterada, quando a vítima manifestava que queria comer alguma coisa em especial, ou repetir a refeição, o arguido impedia-a de comer e dizia-lhe que já estava gorda, que ninguém lhe pegava e que não queria uma mulher gorda.
21. Quando já se encontravam a residir em Inglaterra, o arguido, com uma frequência praticamente diária, acusava a vítima de dedicar muitas horas ao trabalho.
22. Ainda durante o período em que viveram em Inglaterra, a vítima sofreu dois abortos, tendo o arguido responsabilizado a mesma, acusando-a de tal ter acontecido por causa das horas que trabalhava e disse-lhe que se voltasse a engravidar e a perder o bebé que a deixava.
23. Quando se encontravam em Inglaterra e vinham a Portugal, o arguido e a vítima ficavam hospedados na casa de EE, amiga do casal.
24. Numa dessas ocasiões, em data não concretamente apurada, mas situada em 2013, após a vítima acabar de tomar banho, o arguido chamou EE ao quarto e, já na presença desta, retirou a toalha em que a vítima estava embrulhada e disse “olha EE, olha como ela está gorda”.
25. Mesmo após EE repudiar tal ato e pedir que não o voltasse a repetir, o arguido disse-lhe “isto é mesmo para ela ter vergonha”.
26. Ainda durante a estadia em Inglaterra, o arguido, com uma frequência praticamente diária, dizia à vítima que ela era gorda.
27. Já após regressarem de Inglaterra, o arguido manteve as suas condutas.
28. Na passagem de ano 2019/2020, no dia 31-12-2019, cerca das 19h00, no interior da residência sita na Rua ..., em ..., Aveiro, e na presença do filho BB, a vítima e o arguido entraram em discussão, por este pretender deixá-la com os filhos em casa para passar aquela época festiva com uns amigos seus, pese embora houvessem sido convidados para jantar em casa de EE.
29. No decurso deste desentendimento, o arguido empurrou a vítima para o chão da sala e, de seguida, torceu-lhe o braço direito e empurrou-a com força novamente contra o chão, imobilizando-a, causando-lhe dores e hematomas nesse braço direito, que perduraram durante cerca três meses, nomeadamente até ao mês março de 2020.
30. Em data não concretamente apurada do ano 2021, na residência de ambos, na Rua ..., ..., Aveiro, após a vítima manifestar ao arguido a vontade de se divorciar, este, de forma exaltada, empurrou-a contra a parede, apertou-lhe o pescoço com as duas mãos e disse-lhe “Tenho vontade de te matar!”.
31. Em data não concretamente apurada, mas após o dia 02-10-2021, o arguido discutiu com a vítima, apertou-lhe o pescoço e empurrou-a contra a parede, ao mesmo tempo que lhe disse: “estou com muita raiva e tenho vontade de te matar.”
32. Após estes factos, a vítima e o arguido continuaram a residir na Rua ..., em ..., Aveiro, durante alguns meses, pese embora dormissem em camas diferentes e não mantivessem relações sexuais ou de cariz mais íntimo, por ser essa a vontade da vítima.
33. O arguido por diversas vezes disse à vítima que a matava e chegou a dizer-lhe que matava também os filhos.
34. Na época festiva do Natal do ano de 2021, a vítima reconciliou-se com o arguido.
35. No final de março de 2022 venderam a casa da Rua ..., em ... e mudaram-se para uma casa sita na Avenida ..., Sector ..., lote ..., ... – Aveiro.
36. Em abril de 2022, a vítima colocou novamente termo à relação, tendo continuado ambos, contudo, a partilhar a mesma residência até ao mês de julho de 2022.
37. Ao longo do período decorrido entre abril de 2022 e julho de 2022, não obstante a relação entre ambos ter terminado, o arguido, por diversas vezes tentou obrigar a vítima a manter relações sexuais contra a vontade da mesma.
38. Por diversas vezes o arguido disse à vítima que ela tinha obrigações por cumprir e que quem não tinha em casa procurava fora.
39. Numa dessas ocasiões, nomeadamente na infra descrita em 43, o arguido, fazendo uso da força, agarrou a ofendida com vista a relacionar-se sexualmente com a mesma, tendo apenas parado quando esta anunciou que iria ao hospital e que apresentaria queixa na Polícia.
40. Perante aquelas recusas da vítima em relacionar-se intimamente com o mesmo, o arguido dizia-lhe que enquanto a mesma vivesse com ele teria que o servir sexualmente.
41. Em data não concretamente apurada, a vitima foi ao quarto buscar roupa e o arguido disse-lhe “faz-me um broxe”, tendo esta recusado, o que o levou a encetar discussão.
42. Noutra ocasião, já após o divórcio, a vítima estava deitada na cama e o arguido entrou no quarto e exigiu que a vítima se despisse dizendo que enquanto ali estivesse teria de pagar a estadia de alguma forma.
43. Após, o arguido despiu-se da cintura para baixo e deitou-se por cima daquela com o pénis ereto, somente não o tendo introduzido na vagina da vítima, porquanto ela disse que se o fizesse chamaria a polícia, o que o levou a abandonar os seus intentos.
44. A partir dessa ocasião, o arguido pressionou por diversas vezes a vítima para que tivessem relações sexuais, dizendo-lhe que enquanto ali residisse teria de pagar a estadia com o corpo.
45. Noutra ocasião, em data não concretamente apurada, o arguido exigiu novamente à vítima que mantivessem relações sexuais, tendo esta cedido e lhe efetuado sexo oral e deixado que ele a penetrasse na vagina para que acabasse com o ato sexual o mais rápido possível.
46. Também em data não concretamente apurada, o arguido exigiu novamente à vítima que tivessem relações sexuais, tendo-lhe efetuado sexo oral e a penetrado vaginalmente, o que a vítima cedeu por forma a que o arguido não mais a importunasse.
47. Em 19-07-2022, o arguido compareceu em casa com umas cuecas sujas e, no momento em que a vítima estava no banho, exibiu-lhe as ditas cuecas e disse-lhe: “Fui à casa de banho fazer xixi e a minha urina saiu cheia de esperma, por isso hoje vais dar a bem ou a mal, nem que tu chores sangue”, pretendendo significar com aquela expressão que a iria forçar a manter relações sexuais.
48. Nessa altura, a vítima deixou a casa que partilhava com o arguido, levando consigo os filhos de ambos, passando a residir com os mesmo na casa da sua mãe.
49. Nos últimos tempos que residiram juntos, o arguido, com uma frequência praticamente diária, apodou a vítima de puta, gorda e disse-lhe que era uma merda.
50. Após a vítima ter saído de casa, o arguido passou a enviar mensagens à mesma onde a apodou de “puta, vaca do caralho, tu és uma merda”, bem como: “vou dar-te festa; vais ter uma surpresa; vou destruir-te a vida; vou enviar africanos ao teu trabalho”, “vou enviar a FF ao teu trabalho”.
51. O arguido passou igualmente a anunciar à vítima que lhe iria retirar os filhos, levá-los para São Tomé e escondê-los em zona de mato, mais concretamente em ....
52. No dia 08-09-2022, pelas 14h00, o arguido deslocou-se ao ATL onde se encontrava o filho CC e quis forçar a entrada no mesmo para o levar consigo, tendo a escola telefonado para a vítima.
53. A vítima viu-se obrigada a ausentar-se do seu local de trabalho e a deslocar-se imediatamente para o referido ATL e, aí chegada, o arguido dirigiu-se à mesma, de forma exaltada, dizendo que esta não o deixava ver os filhos.
54. A vítima disse ao arguido que podia ver os filhos sempre que quisesse, mas deveria avisar antes e não ir interromper as atividades da criança, o que levou este a intensificar a altercação.
55. Nesse momento, perante o conflito gerado, a vítima pegou no seu telemóvel, de marca e modelo Samsung Galaxy ..., com o valor de € 200 (duzentos euros), e ensaiou tentativa de ligar à PSP a pedir ajuda.
56. Ato contínuo, o arguido empurrou a vítima contra a parede da escola e, mediante o uso da força, retirou-lhe o telemóvel da mão direita e encetou fuga, levando-o consigo contra a vontade daquela.
57. Em consequência de o arguido ter ficado na posse do telemóvel da vítima, esta ficou privada de comunicar e ser contactada por esse meio, tendo ainda ficado privada de utilizar as aplicações eletrónicas contidas no mesmo, bem como ficou ansiosa e preocupada com a possibilidade de o arguido usar as informações ali contidas e apagar registos existentes no dito telemóvel.
58. Em data não concretamente apurada, na presença de GG, o arguido colocou um cartão que havia retirado do telemóvel da vítima referido em 55. num telemóvel por si usado e acedeu ao mesmo e às mensagens de telemóvel da vítima com outras pessoas, tendo-as exibido e dado a conhecer àquela.
59. No dia 09-12-2022, o arguido telefonou a HH, à época colega de trabalho da vítima, e disse-lhe que a vítima “anda a dormir com outros homens e quem paga o hotel é ela, tenho documentos que comprovam isso”, “eu tenho vídeos e fotografias dela com outros homens, eu já fui aos pais dela e eles ficaram chocados”, “eu quero contactar todos os colegas de trabalho dela para saberem o que ela é”, “eu vou-lhe estragar a vida”, “o carro que ela tem fui eu que o paguei”, “eu fui corno muito tempo eu sou corno”.
60. Ainda durante o telefonema referido em 59., o arguido exigiu a HH que lhe fornecesse os números dos colegas de trabalho, sob pena de se deslocar ao trabalho e expor tudo o que havia dito em público.
61. Com igual propósito referido ao referido em 59. e 60., o arguido contactou no mesmo dia II e JJ, ambos colegas de trabalho da vítima.
62. No dia 17-02-2023, entre as 09h00m e as 10h00m, o arguido detinha no interior da sua residência, sita na Avenida ..., ..., ..., ... Aveiro, o telemóvel da vítima identificado em 55..
63. Como consequência direta e necessária da conduta levada a cabo pelo arguido ao longo de todo o período descrito, a vítima sofreu dores nas partes do corpo atingidas e ainda lesões cuja extensão e gravidade não foi possível apurar, porquanto a ofendida não recebeu assistência médica, à exceção da conduta do arguido referida em 56., em que se apurou que a vítima sofreu dores nos dedos da mão direita e um ferimento no dedo anelar da mesma mão, que lhe causaram uma escoriação infracentimétrica na face póstero-medial do 4.º dedo, na região da articulação interfalângica proximal, que lhe determinaram 3 (três) dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
64. Ao atuar das formas descritas, quer na fase de namoro, quer durante, quer após o fim do casamento, agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com intenção de menosprezar a sua namorada, cônjuge e, após o fim da relação, sua ex-cônjuge, e de a ofender na honra e consideração que lhe são devidas, atentando repetidamente contra o seu bom nome, de a molestar física e psiquicamente e de a inibir de agir livremente, como pretendia e conseguiu, assim agindo de molde a atingir a dignidade humana e a integridade física e psíquica e a liberdade sexual desta, bem como o corpo e saúde desta, resultados estes que representou, procurou e logrou alcançar.
65. Mais sabia o arguido que alguns dos seus atos eram praticados na residência comum do casal, bem como que devia especial respeito e consideração à vítima por ser sua cônjuge, e, após o fim da relação, sua ex-cônjuge, mas sempre mãe dos seus filhos, e que tais atuações eram suscetíveis de causar nesta, como causaram, dores, profundo desgosto, mal-estar, tensão, inquietação e pânico, bem como um acentuado desgaste psicológico e emocional, tendo a mesma passado a viver entristecida, humilhada, ansiosa, amedrontada, afetada na sua autoestima, na sua dignidade e limitada na sua liberdade de movimentos e de decisão, fragilizando-a psiquicamente e diminuindo-a, temendo a todo o momento que o arguido atentasse uma vez mais contra a sua paz e sossego, contra a sua integridade física e vida e contra a sua liberdade sexual, bem como que levasse os filhos de ambos para parte incerta e que nunca mais voltasse a ver os mesmos.
66. Ao proferir, de forma séria e agressiva, aquelas expressões, bem como enviando aquelas mensagens à vítima, agiu ainda o arguido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito concretizado de a perturbar e de lhe fazer crer que a iria molestar fisicamente e atentar contra a sua vida e dos seus filhos, de forma a incutir-lhe receio pela sua segurança e bem-estar e a afetar a sua tranquilidade, paz individual, autonomia, decisão e que a inibiram de se movimentar livremente, consequência esta que igualmente previu, procurou e logrou atingir.
67. O arguido atuou ainda bem sabendo que a vítima era sua cônjuge e, após o fim da relação, sua ex-cônjuge, mas sempre mãe dos seus filhos, e que, devido à sua inferior força física, estava impossibilitada de se defender das suas investidas, encontrando-se à sua mercê, sendo incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz.
68. Ao atuar das formas descritas, bem sabia o arguido que nalgumas das ocasiões se encontrava na presença dos seus filhos,
69. Por outro lado, ao praticar os factos acima descritos em 56., o arguido agiu com o propósito alcançado de, através da força física, se apropriar do telemóvel acima referido, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que atuava contra a vontade da vítima, sua legítima proprietária.
70. Ao atuar do modo descrito em 58., ao aceder ao cartão que a vítima tinha aposto no seu telemóvel e às mensagens e conversações que esta havia trocado, o arguido tomou conhecimento do seu conteúdo e divulgou-o sem autorização e contra a vontade da vítima e dos remetentes e destinatários dessas mensagens, pretendendo assim que terceiros tivessem acesso ao conteúdo das mesmas, lesando a intimidade e privacidade da vítima, agindo ciente de que ao atuar da forma descrita punha em causa o sigilo das telecomunicações e a privacidade que as mesmas continham e que visavam proteger os seus remetentes e destinatários.
71. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente em todas as suas condutas.
72. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
*
Das condições pessoais e certificado de registo criminal do arguido
73. Do relatório social do arguido consta:
«I – Dados relevantes do processo de socialização
AA é natural de São Tomé e Príncipe, país onde decorreu o seu processo de desenvolvimento, integrado em agregado constituído pelos pais, o próprio e dois irmãos.
A organização das rotinas familiares recaía sobre a progenitora, que era doméstica, sendo que o pai, funcionário público, passava muito tempo ausente, uma vez que mantinha outro núcleo familiar, com outra companheira e filhos comuns.
Este contexto acarretava escassez de recursos económicos e condições de vida sofríveis para o agregado do arguido, com níveis de pobreza que incluíram várias situações em que passaram fome, pelo que, com pouca idade, o mesmo começou a trabalhar nos tempos livres, para minorar tal situação.
Não obstante e ao nível da sua formação, AA frequentou a escola até ao 11º ano, e dedicou-se à prática desportiva, enquanto jogador de futebol. Esta atividade, que vinha desenvolvendo com algum destaque na sua terra natal, levou a que emigrasse para Portugal, na senda por melhores condições de vida, onde pretendia dar prossecução ao futebol, mas já numa vertente profissional.
Assim, chegou a Portugal por volta dos dezassete anos, tendo sido apontado, inicialmente, para o clube B.... Posteriormente, jogou em clubes de menor dimensão, como o C..., o D..., E..., estes em Paredes, zona do Porto e mais tarde, a partir de 2006, em clubes na região de Aveiro, como o F... e o G... (G...).
Ao longo desses anos, moveu-se geograficamente pelo país, na medida em que integrava os referidos clubes, tendo mantido relações afetivas de forma descomprometida. É com a sua permanência em Aveiro que vem a conhecer a alegada vítima, contraindo matrimónio após algum tempo de namoro.
Por volta do ano 2010/2011, decidem emigrar, tendo obtido emprego num aeroporto em Inglaterra, país onde permaneceram até ao ano de 2018, e onde nasceram os dois filhos do casal.
AA havia, entretanto, interrompido a prática profissional do futebol, sendo que para além daquele trabalho em Inglaterra, empregou-se em diversas outras ocupações, ora como pedreiro na construção civil, ora também como operário fabril.
A perceção que arguido e vítima apresentam, atualmente, quanto ao conflito subjacente à separação e divórcio, e também ao presente processo-crime, é diferente. Enquanto o arguido coloca os desentendimentos na fase final da relação conjugal, em resultado de horários de trabalho desencontrados e alegada infidelidade da esposa, esta, menciona ter sido vítima de abuso desde o início do relacionamento, numa evolução crescente de gravidade, interrompida somente após a apresentação de queixa do crime, altura da sua vida em que deixou de ter vergonha em assumir tal realidade.
II - Condições sociais e pessoais
Arguido e ofendida divorciaram-se no final de junho de 2022, ainda que, por dificuldades económicas, apenas deixassem de viver juntos cerca de dois meses depois. Encontrar-se-á pendente, no presente, a respetiva regulação das responsabilidades parentais, uma vez que o progenitor pretende ver-lhe concedida a guarda conjunta dos filhos.
Conforme ambos informaram, não têm ocorrido contactos entre os mesmos, nem sequer entre o arguido e os filhos, o que o próprio justifica por não pretender agudizar a sua situação jurídico-penal, preferindo aguardar o desfecho do processo no Juízo de Família e Menores.
Informa que, para acomodar tal regime, de guarda conjunta, mudou de emprego, de forma a trabalhar somente em horário diurno, ao contrário do que vinha sucedendo, para acompanhar os filhos nas suas rotinas diárias.
Atualmente, efetua trabalho como distribuidor de botijas de gás, auferindo aproximadamente 800 euros líquidos por mês. Paga de renda de casa, na morada indicada nas peças, 500 euros, já incluindo os encargos correspondentes à eletricidade e água.
Vive com uma nova companheira, desde há cerca de dois meses, encontrando-se a mesma desempregada, pelo que se mostra difícil satisfazer as necessidades do agregado, o que vai conseguindo mediante recurso a algumas poupanças.
Nos seus tempos livres, continua a jogar futebol, mas de forma recreativa, dedicando-se com regularidade a exercitar-se num ginásio, ocupações das quais resulta, também, convívio com colegas.
No que concerne ao relacionamento afetivo com a ofendida, o arguido refere não pretender o reatamento do mesmo, procurando, somente, entendimento, quanto aos assuntos dos filhos.
III - Impacto da situação jurídico-penal
Em contexto de entrevista e abordado no que concerne ao seu posicionamento relativamente à tipologia criminal da violência doméstica, em abstrato, o arguido expressou juízo de censura e consciência da sua ilicitude, ainda que tenha evidenciado dificuldades de descentração, para se colocar no lugar da vítima.
Relativamente à sua situação processual, AA detém uma visão diferente do ocorrido, tendo a expetativa de a conseguir demonstrar em julgamento e assim, de conseguir manter o seu atual quotidiano, sem significativas alterações.
No contacto estabelecido com a ofendida, a mesma verbalizou sentir menor receio relativamente a eventual futura atitude ofensiva por parte do arguido.
IV – Conclusão
Face ao anteriormente referido, poder-se-á dizer que AA valoriza um quotidiano de tendência normativa, tendo-se esforçado por melhorar a sua condição de vida e realizar-se na dimensão familiar, mediante constituição de núcleo autónomo, e na vertente profissional, na prossecução de atividade laboral de forma regular.
No presente, mantém uma vivência socialmente integrada, com responsabilidades profissionais e nova relação afetiva, ainda que numa situação expectante, aguardando o desfecho do presente processo judicial e a regulação das responsabilidades parentais, fatores causadores de alguma indefinição futura.
Face ao exposto, em caso de condenação, e salvo opinião contrária, consideramos que o arguido deve ser sujeito a medida penal que vise a sua sensibilização para a tipologia criminal subjacente e o debelar de comportamentos agressivos ou desajustados nas relações de intimidade, com eventual sujeição à frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica, desta DGRSP.»
74. Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.
*
Do pedido de indemnização civil
75. Em virtude da conduta do arguido a assistente ficou fragilizada psicologicamente, tendo tido perda de amor próprio e sentimento de medo.
76. Em consequência da conduta do arguido a assistente sentiu dores, vergonha, tristeza e humilhação.
77. Em virtude da conduta do arguido a assistente tem pesadelos.
*
Da contestação
78. No decurso do casamento com o arguido, a assistente manteve uma relação extraconjugal.

2.2. São os seguintes os factos dados como não provados pelo Tribunal de 1.ª Instância:
Nenhum outro facto com relevância para a causa resultou como provado, nomeadamente:
A. O descrito em 4 ocorreu algures entre 2015 e 2016.
B. Aquando do descrito em 13, o arguido empurrou a ofendida contra a parede
C. O arguido agiu do modo descrito em 14 por forma a impedir a vitima de sair.
D Aquando do descrito em 26 o arguido dizia à ofendida que só estava com ela por ser trabalhadora.
E. Aquando do descrito em 49 o arguido disse à ofendida que aquela era uma merda.
F. Além do descrito em 68, o arguido sabia que tais atuações eram suscetíveis de causar nestes, como causaram, profundo desgosto, mal-estar, tensão, inquietação e pânico, bem como um acentuado desgaste psicológico e emocional, tendo os mesmos passado a viver entristecidos, humilhados, ansiosos, amedrontados, afetados na sua autoestima e desenvolvimento enquanto crianças, na sua dignidade e limitados na sua liberdade de movimentos e de decisão, fragilizando-os psiquicamente e diminuindo-os, temendo a todo o momento que o arguido atentasse uma vez mais contra a paz e sossego de sua mãe, bem como contra a integridade física e vida destes.

2.3. É a seguinte a motivação da matéria de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
O tribunal fundou a sua convicção na totalidade da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, ponderando as declarações do arguido, a prova testemunhal, documental e pericial junta, tudo analisado também com base nas regras de experiência comum.
Antes de mais, importa salientar que estamos aqui perante factos que poderão consubstanciar a prática, pelo arguido, de crime de violência doméstica. Ora, no que a estas situações concerne, é do conhecimento comum ser muito raro haver testemunhas diretas dos factos, pois tudo se passa maioritariamente no seio familiar, em que os mesmos são perpetrados pelos arguidos justamente no pressuposto de não serem testemunhados por terceiros. Com efeito, é certo que muitas vezes o único elemento de prova existente nestas situações resume-se às declarações da própria ofendida, por vezes conjugados com elementos instrumentais, que conjugados entre si e com as regras da experiência comum, permitem ao julgador formar a sua convicção sobre a verdade dos factos nos termos relatados pela própria vítima.
Importa aqui referir os ensinamentos do plasmados no Acórdão do STJ de 20.09.2005 (apud Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08-04-2015, in www.dgsi.pt) de acordo com o qual «A convicção do tribunal é construída dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos».
Ora foi precisamente analisando, essencialmente, as declarações do arguido e depoimento da ofendida, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, pela forma com que os mesmos foram prestados, pelas inflexões na voz e a própria movimentação corporal dos depoentes que a ofendida logrou convencer o tribunal da ocorrência dos factos como por si descritos em sede de audiência de discussão e julgamento, ao contrario do arguido.
Com efeito e iniciando pelas declarações do arguido, importa antes de mais referir que o mesmo, na fase inicial da audiência de discussão e julgamento, optou por se remeter ao silêncio de acordo com prerrogativa legal que lhe assiste. No entanto, após as declarações da testemunha EE, pediu a palavra para dizer que a relação de amizade que existia entre as famílias esvaneceu por causa do dinheiro, já que a testemunha ia às compras com a mulher (ofendida dos autos) e queria que esta pagasse as compras das duas, ao que o próprio (arguido) não dava autorização. Mais referiu que teve uma relação amorosa com a testemunha em causa. Importa referir que o arguido, ao longo do depoimento da testemunha EE foi demonstrando o seu desagrado pelo que ouvia abanando a cabeça em sinal de discordar do por aquela relatado. A final, quando lhe foi dada a palavra nos moldes descritos, dentou grande animosidade para com a mesma, e demonstrou a sua personalidade autoritária também no que respeita à autorização que, em seu entender, tinha de dar à ofendida para pagar o que esta bem entendesse.
Prosseguindo, após a produção de toda a prova testemunhal indicada pela acusação, o arguido quis prestar declarações, fazendo-o de modo assertivo, mas demonstrando sempre uma atitude desculpabilizante das ações que acabou por admitir ter praticado, encarando-as com aparente naturalidade face às vivências familiares. Deste modo iniciou as suas declarações afiançando a sua inocência e realçando o facto de a ofendida ter mantido uma relação extraconjugal. Denotador da sua personalidade autoritária foi o facto de o arguido afirmar, por diversas vezes, que expulsou a ofendida de casa (que admite ser de morada do casal), e que não concordava com o modo como a mesma gastava o dinheiro (recebido pelo trabalho de ambos). Para além do mais, o arguido confirmou que sabia que as questões com o corpo sempre foram problemáticas para a ofendida, confirmando que tecia comentários acerca da sua gordura, mas sempre com caracter preocupado e para tentar que a mesma se sentisse bem consigo própria, embora admita que tecia considerações acerca do corpo da ofendida à frente de terceiros. Mais realça sempre o facto de ter pago cirurgia, consultas a nutricionistas e ginásio à ofendida.
Mais, o arguido admitiu ter proferido as expressões descritas em 15 dos factos dados como provados. Denotador da personalidade do arguido é o facto de o mesmo admitir estas expressões com toda a naturalidade, aparentemente não lhes reconhecendo qualquer tipo de problema, já que a ofendida chorava muitas vezes e o próprio passou fome, começou a trabalhar com 10 anos e nunca chorou. Assim, como a ofendida se queixava muito, parece para o arguido natural que dissesse que ela era fraca mentalmente porque ela se vitimizava e “o mundo é feito para os fortes e não para os fracos”. Acresce que o arguido mostrou saber dos problemas psicológicos da mãe da ofendida.
Mais uma vez, o arguido confirmou o descrito em 16, contextualizando o mesmo pelo facto de a ofendida comprar coisas “sem pensar”.
Para além do mais, o arguido reforçou, por diversas vezes, que a ofendida não fazia nada em casa, sendo sempre ele quem tratava da mesma, quem engomava, quem cozinhava e fazia tudo.
Quanto aos demais factos que lhe são imputados ocorridos até à saída de casa da ofendida, o arguido negou perentoriamente os mesmos, esclarecendo que, a partir de maio de 2022, altura em que soube do caso extraconjugal da ofendida, não mais teve qualquer tipo de contactos sexuais com ela, reforçando sempre que tal aconteceu por sua iniciativa. Uma vez mais denotador da postura de domínio e autoridade do arguido é o facto de o mesmo afirmar e reforçar que foi o próprio quem “expulsou” a ofendida de casa, descrevendo que no inicio da semana lhe tinha mandado uma mensagem a dizer que tinha de sair de casa até ao fim de semana e que, na quinta feira, foi ao ginásio e quando voltou a casa estava vazia. Demonstrativo é igualmente o facto de o arguido afirmar que fez o ultimato à ofendia porque o próprio tinha já uma outra relação e não queria que a ofendida permanecesse na casa de família. No entanto, e pese embora esta relação com terceira pessoa, o arguido confessa que, após a saída da ofendida, contou a diversas pessoas que a mesma o tinha traído
Não se recordando o descrito em 49, admite o mesmo como possível, face à relação extraconjugal da ofendida (uma vez mais).
Quanto ao descrito em 52-57, o arguido admite parte dos factos que lhe são imputados, nomeadamente o ter ficado com o telemóvel que estava na posse da ofendida, mas reforçando, incessantemente, que o mesmo lhe pertencia. Instado a esclarecer porque dizia que o telemóvel lhe pertencia, o arguido refere que comprou o mesmo com pontos e, quando o telemóvel da ofendida avariou lho emprestou para que a mesma o usasse. Mais afirma que comprou especificamente aquele telemóvel porque sabia que “era o ela queria, mas não o deu de propósito, porque um dia ela ia tê-lo”. Reforça sempre que foi o próprio quem comprou o telemóvel, embora na vivência comum do casal e sendo sempre utlizado pela ofendida. Uma vez mais denotador da personalidade do arguido, e arrogância pelo mesmo demonstrada, é o facto de o mesmo afirmar que quando a policia lhe perguntou se tinha o telemóvel ter respondido que não, “porque o tinha ido guardar”, apresentando um sorriso irónico enquanto o referia.
Ainda com relevância para os autos, e para além do mais, o arguido confirmou que viu mensagens de SMS, whatsapp, Messenger, tudo e “ainda bem que viu” pois ficou a saber que “ela enviava dinheiro para homens”, reafirmando que não usou o telemóvel para si, pois não precisava dele.
Com frieza e sem denotar qualquer tipo de arrependimento, refere que contou a terceiros da relação extraconjugal da ofendida “por raiva”, já que se sentiu ofendido, referindo que o fez “por vingança, para mostrar quem era o mau da fita” – relevante para o descrito em 58-60.
Aqui chegados importa referir que as declarações do arguido não foram relevantes para a fixação dos factos dados como provados, uma vez que não logrou convencer o tribunal de não ter praticado os factos que negou (face à restante prova produzida e que infra se analisará), sendo que, os factos que confessou, se encontravam já provados face à demais prova produzida e momento da prestação das declarações pelo arguido. No entanto, o modo nervoso, altivo, assertivo e desculpabilizante com que prestou as suas declarações foram relevantes para perceber a personalidade autoritária e dominadora do mesmo.
No que concerne a DD, em sede de declarações para memória futura, prestou um depoimento claro, sério e objetivo, descrevendo os factos de forma espontânea e vivencial, denotando nas suas palavras e silêncios, laivos de desgosto e mágoa, mas não de retorsão. O esquisso traçado pela mesma mostrou-se credível quanto à forma e ao modo como descreveu os factos por si vividos, precisando as circunstâncias de tempo e lugar - tanto quanto possível a quem os vivenciou na primeira pessoa e face ao sofrimento pelos mesmos provocado.
Deste modo, a assistente DD confirmou, na sua globalidade, os factos tais como fixados supra, bem como as mudanças de residência do casal ao longo dos anos de vida em comum, períodos de afastamento e reconciliação, situando as mesmas temporalmente nos moldes fixados supra.
Assim, para além do mais, a assistente confirmou o descrito em 11, esclarecendo que foi a primeira vez que o arguido teve uma atitude agressiva, tendo visto a mesma como um sinal de alerta.
A titulo exemplificativo e porque denotador da objetividade demonstrada pela assistente as suas declarações, refira-se que, a assistente referiu que no ano que viveram em ... tiveram discussões, mas sem insultos ou ofensas físicas. Mais, no tocante aos factos descritos em 12-14 esclareceu que o arguido trancava a porta da frente, mas havia a porta da cozinha que ele não trancava, pelo que não ficava impedida de sair de casa, e afirmando: “Era uma questão de atitude”. O mesmo se diga quanto ao apertar do pescoço que a assistente afirma ter ocorrido apenas uma vez, tendo ficado vermelha, mas referindo que em sua opinião, o arguido não queria fazer nada de grave, “era para marcar posição”.
De forma emotiva, própria de quem vivenciou o descrito na primeira pessoa, a assistente repetiu por diversas vezes que as expressões descritas em 19 eram o que ouviu ao longo de 13 anos da relação, descrevendo as mesmas como “as suas obrigações”.
No que concerne às vivências do casal em Inglaterra, a assistente descreveu as mesmas e confirmou o ínsito em 21-22, esclarecendo que sempre trabalhou muito, o que causava problemas no casal porque o arguido queria passar mais tempo com ela, mas ela fazia muitas horas extra para fazer valer a pena, situação com a qual o arguido não concordava. Mesmo nas folgas ia substituir quem faltava. Em Inglaterra e antes do nascimento do CC, perdeu um bebé, em resultado de um descolamento da placenta que implicava ficar quieta e sossegada, mas que a mesma não obedeceu aos conselhos médicos e foi trabalhar porque não havia ninguém para fazer o lugar dela e achou que o restaurante ia fechar. Assim, acabou por perder o bebe e o arguido disse-lhe que se voltasse a perder um bebe se separavam. De modo emotivo refere que na verdade o arguido responsabilizou-a, mas ela mesma se sentiu culpada.
De modo claro contextualizado e, como tal, credível, confirmou, além do mais, o descrito em 16-17, 23-25, 28-29, 30-31, 36-46, 47, 49, 50, 51, 52-57. No que se refere aos contactos de natureza sexual, a assistente demonstrou emotividade na descrição do ocorrido, nos moldes fixados supra, o que não retirou credibilidade ao seu depoimento, antes denotando sentimentos naturais face ao ocorrido. Assim, a descrição da assistente foi acompanhada de movimentos e expressões que transmitiam sensações, de modo credível e habitual a quem está a fazer um esforço por descrever, com exatidão o por si vivenciado na primeira pessoa. A titulo de exemplo, refira-se que a assistente, a dada altura das suas declarações, referiu que o arguido, quando já se encontravam separados, andava de bóxeres pela casa e era notório que, muitas vezes, andava excitado, tendo, neste momento chorado, e, ao invés, no mesmo momento e face ao descrito pela assistente, o arguido sorriu com notória ironia. Mais, a assistente ao descrever o constante de 46, referiu que foi a última vez em que mantiveram contacto de cariz sexual porque disse que não ia ceder mais. De modo claro, descreveu como se sentia culpada por ter atingido um orgasmo, disse ao arguido que tinha nojo dele e ele ainda se riu a dizer que estava contente porque lhe tinha dado prazer e que “ia pagar com o corpo enquanto ali estivesse”.
Sem necessidade de maiores delongas, e como já referido, a assistente descreveu e confirmou tudo o mais constante dos factos supra dados como provados, sendo de realçar a emoção demonstrada pela mesma, com choro e expressões faciais de sofrimento, ao descrever os factos atinentes ao arguido a apelidar de gorda, de fazer referência à sua fraqueza psicológica, e ameaçar matá-la e aos filhos. Finalmente, apenas uma referência ao facto de a assistente confirmar ter tido uma relação extraconjugal, sendo notório pela postura corporal, choro e vergonha demonstrada, que a mesma se recrimina por esse facto.
Para além da credibilidade que foi conferida ao descrito pela assistente, o por si relatado foi confirmado pela restante prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
Assim, prosseguindo com a prova testemunhal produzida, EE, prestou um depoimento claro e objetivo, denotando ser conhecedora dos factos acerca dos quais depôs, não deixando que a relação de amizade que mantém com a assistente (sendo mesmo madrinha do filho mais novo do casal) retirasse credibilidade ao por si descrito.
Assim, esclareceu que conheceu primeiro o arguido e depois é que conheceu a ofendida como sua companheira/namorada, convivendo com o casal no ambiente familiar ao longo destes anos, ainda antes de haver crianças. Deste modo, confirmou que a ofendida chorava e se queixava que não tinha autonomia em usar dinheiro, sentindo-se a frustrada. De modo claro e assertivo, confirmou também o descrito em 23-25, ocorrido em sua casa, assegurando que, antes e após esta situação o arguido tecia, muitas vezes, comentários ao aspeto físico da ofendida, sendo para si claro que o arguido sabia que o peso era um assunto que incomodava a assistente.
Mais, confirma que o arguido controlava as despesas e gastos da assistente, bem como o facto de o arguido ter acesso ao telemóvel da mesma (tendo percebido isso porque o arguido chegou a ligar ao marido da testemunha para o confrontar com o facto de a testemunha apoiar a assistente no pedido de divorcio, o que tinha sabido pelas mensagens que tinha lido no telefone desta).
Para além do mais, e no que concerne ao descrito em 28-29 esta testemunha confirmou que o casal confirmou que iam a sua casa na passagem de ano e, à ultima da hora, a assistente ligou, a chorar, a dizer que não ia porque o arguido não queria e que iam estar sozinhos. Mais tarde, a assistente ter-lhe-á mandou mensagem dizer que já estava na cama e tinha “uma vida triste”. Já no dia 1, foi a casa do casal tomar o pequeno almoço e viu-a arranhada e pisada no braço. Mais confirmou que no telefonema do dia anterior a assistente lhe tinha dito que o arguido lhe tinha torcido o braço. No dia seguinte viu arranhões na cara, braço pisado e ela queixava-se com dores no braço.
Denotando objetividade a testemunha afiançou que não presenciou as agressões descritas, mas que as mesmas lhe foram relatadas no próprio dia e no dia seguinte. Mais confirmou o que lhe foi relatado pela assistente relativamente ao facto de o arguido querer manter relações sexuais contra a sua vontade (o que soube já depois de aquela ter saído de casa) dizendo “tens de pagar a tua estadia com o corpo”; o facto de o arguido ter ficado com o telemóvel da assistente e feito chantagem no trabalho da mesma com o conteúdo de mensagens e imagens que do mesmo constavam; ameaças de tirar os filhos desde as primeiras “tentativas de divorcio”.
Mais relevante, porque presenciado pela própria testemunha é o facto de a mesma confirmar que o arguido dizia que a assistente era frágil, que chorava com muita facilidade e tecer comentários acerca do excesso de peso, alturas em que a mesma se mostrava triste e retraída. De modo impressivo refere que o arguido dizia isto, também, em tom de brincadeira, mas com nítido sentido de tocar em pontos sensíveis da ofendida.
Denotando objetividade, a testemunha afiançou que nunca assistiu a troca de insultos. No entanto assegurou que, quando o arguido dizia que a ofendida era frágil psicologicamente, era como crítica não com preocupação; confirmando igualmente que a mãe da ofendida tem depressão de há muitos anos e ele dizia muitas vezes que ela era como a mãe, fraca psicologicamente (“sais à tua mãe, és desequilibrada”).
De modo espontâneo descreve o descrito em 31, contextualizando o descrito e admitindo que não presenciou o ocorrido, mas tal lhe foi relatado pela assistente, quase de imediato, uma vez que a sua filha estava na casa do arguido e assistente, tendo confirmado que houve uma grande discussão e tendo a assistente relatado o ocorrido tendo a própria sinais vermelhos, de marcas, no pescoço desta.
Aqui chegados, apenas uma referência ao facto de esta testemunha referir que conheceu a testemunha GG quando esta ficou com a sua família na casa do casal (arguido e assistente) na altura dos fogos de outubro, tendo, a própria ido levar lençóis para ajudar a acolher mais 4 pessoas. Assim, afiançou que GG, sendo prima da assistente, não tinha relação próxima com a mesma, não indo a festas de aniversários, Natal, casamento…
Prosseguindo já com o depoimento de GG, testemunha comum à defesa do arguido, e prima da assistente, prestou um depoimento pouco claro, apresentando uma postura de critica à assistente e denotando tentativa de desculpabilizar o comportamento do arguido, o que retirou credibilidade ao por si relatado. Assim, de forma contrária ao referido pela testemunha EE, referiu que convivia e falava frequentemente com a assistente nunca tendo visto nada que lhe fizesse prever que houvesse ali qualquer tipo de violência doméstica, nem física nem psicológica. Nunca suspeitou de rigorosamente nada. De qualquer modo refere que ouviu o arguido dizer à ofendida que estava gorda, tendo-o ouvido por diversas vezes, mas num sentido que sempre interpretou como de alerta, de preocupação e com intuito positivo confirmado ter ouvido expressões como “devias fazer dieta; estás mais gorda; devias ir ao ginásio…”, mas sempre num sentido positivo.
De modo pouco credível, refere que contactou a ofendida, já depois da separação e de ter falado com o arguido por preocupação para com a mesma. Ora esta versão é, em entender do tribunal desmentida pelo teor das mensagens de fls. 515 e seguintes, com as quais a testemunha foi confrontada. Assim, e de modo incompreensível para o tribunal, a testemunha confirma que foram estas as mensagens que enviou à assistente, mas refere que nas mesmas não toma partido nem de um, nem de outro, vendo as mesmas como uma chamada de atenção e preocupação sobre se a prima está bem e se precisa de ajuda…
Apesar de tudo e com relevância para os autos confirmou o descrito em 58 dos factos dados como provados supra, esclarecendo que ficou chocada com o que ouviu do arguido e viu. Afiançou que viu mensagens, tendo lido umas 10-15 porque não quis ler mais, tendo percebido que eram mensagens da DD para um homem (que desconhece quem) de teor muito sexual e intimo.
De modo tido pelo tribunal como um pouco arrogante refere que estranhava o facto de a assistente ir para o ginásio e os filhos ficarem com o pai, porque não é o comum no seu (da testemunha) quotidiano dela, referindo que não acredita que a prima tenha sido vitima de violência doméstica porque não ouviu nem viu nada e até por a própria já ter sido vitima desse crime, o que era do conhecimento da assistente, acha que ela lhe teria contado. Refira-se que, pese embora a relação de grande proximidade que refere ter com a prima, contrariada pela testemunha EE como supra descrito, esta testemunha não sabia quando tinha ido para Inglaterra, ou quanto tempo lá tinha passado.
Por seu turno, KK, dono de restaurante “H...”, que fica a 50 metro do ATL, prestou um depoimento sério e credível, próprio de quem nada tem a ver com os factos em causa nos presentes autos, nem tem qualquer tipo de ligação com os intervenientes. Assim, o seu depoimento circunscreveu-.se ao ocorrido a 08.09.2022 (factos 52-57), referindo que ouviu uma senhora a dizer “acudam socorro” e viu um senhor a tirar o telemóvel e a senhora que não deixava. Depois, o senhor saiu, levou o telemóvel e voltou depois com uma fatura a dizer que o telemóvel era dele. Mais refere que a senhora chamou o INEM através do restaurante (fixo ou telemóvel), mas eles responderam que se quisesse que fosse ela ao hospital. Finalmente afirma que quem levou o telemóvel podia ser o arguido, mas não o reconhece sem qualquer dúvida, afirmando que tal individuo tinha características semelhantes ao arguido.
Prosseguindo, HH prestou declarações de modo claro e credível, confirmando as expressões descritas em 59 nos moldes fixados supra. Assim esclareceu que foi colega de trabalho da ofendida, tendo sido contactado por telefone que seria da ofendida numa altura em que já nem trabalhava no mesmo sitio que aquela. O arguido (dizendo que era o marido da DD) dizia que ela andava envolvida com homens, sexo, e que ela pagava para isso que os levava a hotéis e que seria ela a pagar e acha que ele dizia que ela fazia isso com o dinheiro dele. Mais confirmou que lhe disseram que os pais da assistente já sabiam de tudo; pediu o número de outro colega, do II (que ainda lá esta a trabalhar), o que recusou. e disse que ia à gerência da I... e que ia contar toda a gente.
II, colega de trabalho da assistente, não deixou que tal facto retirasse credibilidade ao seu depoimento, confirmando o descrito em 61 dos factos supra dados como provados e a mensagem constante de fls. 664. Assim referiu que primeiro recebeu uma mensagem do whatsapp do telemóvel da DD e depois uma chamada telefónica de um número que não conhecia e que não atendeu, mas foi o mesmo de onde foi enviada a mensagem de fls. 664. Mais esclareceu que a testemunha HH lhe tinha dito que o marido da DD queria o seu número, por isso é que percebeu que era arguido e por isso é que não atendeu.
De modo claro, referiu que ao longo deste tempo, viu a assistente muitas vezes a chorar, chegando ao trabalho emocionalmente em baixo, dizendo que o relacionamento estava mal. Lesões nunca viu e depois de se divorciar notou-a mais tranquila, mais descontraída.
Finalmente, no que concerne às testemunhas de acusação, JJ, também colega de trabalho da assistente que confirmou que o arguido lhe ligou para falar sobre a DD, numa altura em que esta já falava do ex marido (cfr. ponto 61 dos factos supra dados como provados). Nesse momento o arguido identificou-se como ex marido da assistente e disse que queria falar sobre ela, tendo-lhe respondido que não tinha nada a ver com o assunto deles, e pousado o telemóvel em cima da mesa, ficando ele a falar sozinho.

Quanto às testemunhas de defesa ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, importa, antes de mais, referir que as mesmas se mostraram, na sua grande parte, desconhecedoras dos factos em discussão nos presentes autos. Assim, FF, tendo conhecido o arguido porque era colega de trabalho da sua irmã, conviveu com o casal. Assim, referiu que nunca viu nada de mal entre o casal, já que ele tratava a ofendida muito bem e era cobiçado pelos amigos por isso; e ela sempre foi muito fechada em demonstrar sentimentos.
Aqui chegados importa referir que esta testemunha foi companheira da testemunha LL, com a qual a ofendida teve uma relação extraconjugal. Assim, FF descreveu como ficou a saber da traição do seu companheiro e o facto de, quando o confrontou com a mesma, aquele lhe ter batido, facto que, estranhamento para o tribunal, atribuiu a culpa à assistente, referindo que o arguido lhe bateu muito e muitas vezes, por causa da DD.
Quanto a MM, pai da assistente iniciou o seu depoimento afirmando “dizem que sou”, denotando de imediato animosidade para com a mesma. De qualquer modo, referiu que conviviam com o casal apenas esporadicamente, referindo, sem credibilidade face ao descrito, que os garotos eram mais pai do que mãe, adoravam-no.
Além do mais, e demonstrativo da pouca credibilidade merecida a esta testemunha referiu: “O filme que ela esta a fazer eu já o vi com a mãe dela” e “se fosse uma mulherzinha, quando pediu a separação saía de casa e não ficava ali ainda a gozar com ele, para mim foi o que ela fez” referindo ainda que a filha sempre teve liberdade, até demais, foi fazer formação de cabeleireira e tudo e sempre fez o que queria… Demostrativo do pouco contacto existente entre a testemunha e o casal é o facto de não saber quanto tempo estes estiveram em Inglaterra, nem se esteve com a filha durante esses anos.
Por seu turno, NN, mãe da ofendida acabou por confirmar que não conviva muito com o casal, mas chegou a ir 3 semanas a Inglaterra para assistir ao nascimento do neto e depois do regresso do casal visitavam-se mais esporadicamente. De qualquer modo, com relevância para os autos, referiu que quando se encontravam, o arguido dizia sempre que a ofendida estava gorda e não a deixava “petiscar nada”, referindo mesmo: ”era um martírio, não gostei”.
Já OO, amigo de arguido e assistente, manteve uma relação com a mãe da ofendida cerca de 6-7 anos até há cerca de 5-6 anos atrás. Desse modo, referiu que o casal frequentava a casa e sempre viu uma relação normal, nada acrescentando aos autos.
Quanto a LL, confirmou ter tido um relacionamento com a ofendida enquanto esta ainda era casada com o arguido, nada acrescentando aos autos a não ser que a ofendida por vezes ia triste e a chorar para o curso.
Por seu turno, PP e QQ, vizinhos do casal referiram nunca ter assistido a discussões do casal, nunca visto o arguido a ser agressivo ou a ofender a assistente. Mais referiram que era o arguido quem mais tratava das crianças e da casa e tentaram perpassar a ideia que a ofendida era má mãe e esposa.
RR, amigo do casal já que com ambos frequentava o ginásio, referiu que nunca viu nada de estranho, embora tenha percebido que havia discussões, mas nada lhe pareceu demasiado ou preocupante. Do que percebeu, ambos queriam que ela continuasse no ginásio, mas ela tinha horário tardio e não conseguia ir, foi o que percebeu.
Finalmente, no que à prova testemunhal concerne, SS, vizinha do arguido em S. Tomé e depois de ela vir também para Portugal passaram a conviver aqui também em ..., descreveu o arguido como bom pai, presente e carinhoso. Afirmando que nunca viu nada de violência, nem de um lado nem de outro.
A acrescer às declarações do arguido, declarações para memória futura da ofendia e prova testemunhal supra descrita, o tribunal atendeu também à prova pericial, nomeadamente, ao relatório pericial de avaliação de dano corporal de fls. 322-323 - que denota a força e violência empregue pelo arguido aquando do descrito em 56 dos factos supra dados como provados, corroborando a versão da ofendida (a acrescer à testemunha já supra referida) e ditou a fixação do constante de 63 - e exame e extração de dados dos objetos apreendidos (telemóveis e computador) de fls. 794 e ss e relatório de extração nº 1 junto a fls. 901-906.
Foi também devidamente analisada e ponderada toda a prova documental junta aos autos, oportunamente sujeita a contraditório, nomeadamente:
- Fls. 73-77 – auto de noticia;
- Aditamentos de fls. 104 (a ofendida pede teleassistência e apoio psicossocial), fls. 252 (situação descrita de 52-57 em que o arguido terá ficado com o telemóvel da ofendida; porta da escola do filho e diz que não sabe dele), fls. 304-305 (aditamento 16 - referente a troca de mensagens com a testemunha FF, das quais foi extraída certidão para instauração de procedimento criminal); fls. 514-526 (aditamento 27 - mensagens enviadas à ofendida pela sua prima GG e informação que o telemóvel perdido estará com o arguido);
- Assentos de nascimento de fls. 56 (ofendida DD), fls. 62 (BB) e fls. 63 (CC);
- Fls. 114-118 - Reportagem fotográfica referente a mensagens constantes do telefone;
- Fls. 257-259- reportagem fotográfica referente à mão da ofendida relativa à situação descrita em 52;
- Fls. 474-475 – certidão da decisão de divórcio e acordo referente às responsabilidades parentais dos filhos menores (13.06.2022);
- Fls. 629-632- Informação do tribunal de família referente a conferências de pais levadas a cabo a 15.11.2022 e 14.12.2022;
- Fls. 664 – cópia de mensagem recebida por um colega da ofendida que terá sido enviada pelo arguido – test. II;
- Relatórios de incidentes: fls. 684 e ss, 736 e ss, 785 e ss, 818 e ss, 922 e ss;
- Relatório de busca de fls. 699 (ao veiculo ..-SX-.. e residência do arguido) e relatório fotográfico da mesma fls. 701 e Autos de apreensão de fls. 705 (telemóvel do arguido), fls. 706 (telemóvel da vitima) e fls. 707 (computador do arguido) – cfr. ponto 62 dos factos supra dados como provados.
No que se refere aos factos atinentes ao elemento subjetivo dos tipos de crime em causa, resultam os mesmos da apreciação conjugada de todos os elementos de prova supra descritos, apreciados de acordo com as regras de experiência comum, sendo certo que a intenção com que o arguido agiu e as consequências da sua conduta emergem, também, da materialidade objetiva dos demais factos que se deram como provados, a acrescer à própria postura do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo claro e indubitável que o mesmo é pessoa capaz de distinguir o bem e o mal, tem plena consciência da gravidade dos factos em causa nos presentes autos, da ilicitude e punibilidade dos mesmos.
Aqui chegados importa referir que os factos atinentes ao pedido de indemnização civil formulado nos autos - factos 75-77, resultaram provados face ao depoimento, que se teve como claro e credível também no que a tais factos concerne, da ofendida e demais testemunhas de acusação tudo analisado também de acordo com as regras de experiência comum.
A matéria relativa às condições pessoais, familiares, profissionais, económicas e sociais do arguido (factos 73) resultou do teor do relatório social junto aos autos sob ref. 15394353 (29.11.2023), oportunamente sujeito a contraditório.
Finalmente, a ausência de antecedentes criminais conhecidos ao arguido (facto 74) resulta da análise do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos sob ref. 15230053 (26.10.2023).
A total ausência de prova e o supra exposto, nomeadamente os esclarecimentos prestados pela assistente, ditou que se desse como não provada a restante factualidade – pontos A a F dos factos supra dados como não provados. Neste particular apenas um breve apontamento no que se refere ao descrito em F, já que entendeu o tribunal que os factos perpetrados pelo arguido visavam, essencialmente, a ofendida DD, não existindo prova suficiente do aí descrito.

Fundamentos do recurso:
Questões a decidir no recurso:
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).

As questões que importam conhecer:
- Da extinção do procedimento criminal por prescrição;
- Da violação do princípio do contraditório;
- Da medida das penas parcelares e da medida da pena única;
- Da fiscalização da pena acessória de proibição de contactos por meios técnicos de controlo à distância.
- Da (im)possibilidade deste Tribunal conhecer do recurso no que concerne ao pedido de indemnização civil.

Vejamos.
No presente recurso alega o recorrente que o Tribunal a quo não deveria ter considerado como provados os factos descritos sob os pontos 9. a 14. do acórdão recorrido, porque referidos a condutas atinentes ao período de 2009 a 2011, pelo que, em 2022, data da apresentação de queixa, o procedimento criminal relativamente aos mesmos estava prescrito por força do disposto no artigo 118.º, n.º 1, al. b), do Código Penal. Mais alega, a este propósito, que não poderá entender-se que o prazo de prescrição apenas começou a contar da data da prática do último ato, porquanto não resultou provado que a conduta do recorrente se vinha manifestando diariamente, ou mesmo frequentemente, tratando-se efetivamente de situações ocasionais, esporádicas e, como se verifica da factualidade dada como assente em sede de primeira instância, os factos remontam inicialmente ao ano de 2009, verificando-se um salto temporal para o ano de 2013 e depois um novo salto para 2019.
Estipula o artigo 119.º do Código Penal, sob a epígrafe «Início do prazo», que “O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado”, sendo que nos crimes permanentes o prazo de prescrição só corre desde o dia em que cessar a consumação (cf. artigo 119.º, n.º 2, do Código Penal).
Nos presentes autos, e para o que agora importa, ao arguido, ora recorrente, foi imputada a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, als. a), b) e c) e n.ºs 2, al. a), 4, 5 e 6, do Código Penal, perpetrado sobre DD, crime pelo qual veio a ser condenado na pena de três anos e quatro meses, tal como consta do acórdão recorrido.
Ora, o crime de violência doméstica é um crime de execução permanente, cuja execução se prolonga enquanto durar a manutenção da situação antijurídica voluntária do agente, pelo que o prazo de prescrição inicia-se, apenas, a partir da prática do último facto que integra a reiteração dos atos criminosos, não sendo relevantes os hiatos temporais verificados entre determinados atos, desde que que a prática desses sucessivos atos radique numa única resolução criminosa.
O crime de violência doméstica é punido com pena de prisão até cinco anos, pelo que, por força do disposto no artigo 118.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, é de dez anos o prazo de prescrição do procedimento criminal.
Considerando a matéria de facto provada, verificamos que a data da prática dos últimos atos integradores daquele crime de violência doméstica é dezembro de 2022 (cf. facto provado n.º 59), razão pela qual é manifesto que o prazo de 10 anos previsto no art.º 118.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, contado em conformidade com o disposto no art.º 119.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, não se mostra decorrido.
Contudo, e tal como acima já deixámos exarado, o recorrente para fundamentar o seu recurso, defendendo a extinção do procedimento criminal por prescrição, refere-se especificamente aos factos descritos sob os pontos 9. a 14. do acórdão recorrido, referidos a condutas atinentes ao período de 2009 a 2011, não podendo entender-se que o prazo de prescrição apenas começou a contar da data da prática do último ato, por não ter resultado provado que a conduta do recorrente se vinha manifestando diariamente, ou mesmo frequentemente, tratando-se efetivamente de situações ocasionais, esporádicas e, como se verifica da factualidade dada como assente em sede de primeira instância, os factos remontam inicialmente ao ano de 2009, verificando-se um salto temporal para o ano de 2013 e depois um novo salto para 2019.
Não poderemos acompanhar a posição do recorrente.
Tal como refere, e bem, o Ministério Público na sua resposta ao recurso, “As referências, nos pontos 9. e 10., ao ‘início da relação’ reportam-se ao ano de 2009, por referência ao ponto 1. dos factos provados –sendo que, quando nos mesmos pontos 9. e 10. se usa a expressão ‘desde o início da relação’ e nos demais pontos da matéria de facto provada se vai localizando temporalmente os factos por referência a marcos da vida do casal (o local onde residiam, o tempo que estiveram emigrados, o divórcio de ambos, o período de coabitação após o divórcio, a época após a cessação da coabitação), há que compaginar tais referências, além do mais, com o descrito nos pontos 1., 2., 4., 5., 6., 7.. Assim, nos pontos 12. a 14., quando se refere que os factos ocorreram numa altura em que residiam no ..., ..., tal situa-se temporalmente no período de 2009 a 2010 – por referência aos pontos 1. e 4.. Quanto se refere no ponto 15. ‘ao longo de todo o relacionamento’, tal reporta-se ao período de 2009 até pelo menos à data do divórcio – que ocorreu em 30/06/2022, como descrito no ponto 2. – na mesma situação se encontrando os factos descritos sob os pontos 16. a 20.. Nos pontos 21., 22., 23. e 26, ao referir-se à época em que ambos viviam em Inglaterra, reporta-se o acórdão recorrido ao período em que ambos residiam juntos naquele país, ou seja, no período de julho de 2012 a 2017, por referência ao descrito sob os pontos 5. a 7..
De tais referências, que se mencionam a título exemplificativo, resulta que a factualidade dada como provada retrata uma sequência de condutas maltratantes, sejam de violência verbal, psicológica, física e sexual que se foi repetindo, com uma cadência e frequência constantes – nomeadamente, quase diária no que se refere a expressões vexatórias, insultuosas e ameaçadoras dirigidas à ofendida – desde o início do relacionamento no ano de 2009 e pelo menos até 08/09/2022.
Não se encontram, pois, nos factos dados como provados, hiatos temporais que permitam decompor em dois momentos históricos os factos que fundamentam a condenação do arguido pelo referido crime de violência doméstica.
Nessa senda, o Tribunal a quo veio a considerar, acertadamente, que a factualidade dada como provada, além do mais, sob os pontos 1. a 51., 63., 64. a 68., 71. e 72. integram um único crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, als. a) e c), e nº 2, al. a), do Código Penal.
Na sua conformação típica, o crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal, não se cinge a cada um dos atos ilícitos que o preenchem, bem como não se esgota na sua soma, devendo os comportamentos que o integram ser objeto de uma valoração global que permita revelar uma conduta, reiterada ou não, integradora do conceito de maus-tratos, ou seja, revelador de um tratamento degradante ou humilhante de uma pessoa, negador da sua dignidade humana. (…)”.
Este Tribunal de recurso concorda inteiramente com a supramencionada análise efetuada pelo Ministério Público na sua resposta ao recurso. Da matéria factual provada constante do acórdão recorrido, que abrange um período temporal de 2009 a 2022, resulta, por um lado, que nunca houve uma quebra de proximidade e de ligação entre o arguido e a ofendida, mesmo quando estiveram afastados temporária e geograficamente um do outro, sendo a dinâmica entre eles a dinâmica própria de um casal, e mesmo quando separados, e até mesmo divorciados, prevalecendo o factor da exconjugalidade, para além da circunstância de serem progenitores de filhos menores em comum. Por outro lado, o comportamento assumido pelo arguido desde o início da sua relação com a ofendida- de ascendente sobre a mesma, de domínio sobre a sua autonomia, de controlo e limitação da sua liberdade pessoal e sexual, de desprezo pela sua dignidade, de intimidação, de violência psicológica e física- é manifesto em toda a factualidade dada como provada, havendo um elo de ligação causa/efeito de todos os comportamentos concretos descritos e imputados ao arguido e que se foram repetindo e agravando ao longo do tempo com a postura assumida e constante do arguido no sentido da desconsideração da ofendida como mulher e como ser humano.
Tal como refere a Sra. Procuradora-Geral Adjunta no parecer emitido, todos os factos concretos que são imputados ao arguido têm que ser avaliados dessa forma, como consequência direta de uma resolução inicial e única de desprezo, objetivação e violação dos direitos da ofendida como mulher, concretamente, no que diz respeito à sua liberdade pessoal e sexual, à sua integridade física e emocional e à sua dignidade.
Considerando tudo quanto se deixa exposto, não poderemos deixar de concluir, de igual modo, que não existe qualquer quebra comportamental por parte do arguido durante o período temporal balizado no acórdão recorrido que coloque em causa a unidade criminosa respeitante ao crime de violência doméstica por ele cometido, pelo que a sua consumação se verifica no último ato de violência cometido, sendo esse o início do prazo de prescrição, razão pela qual, e tal como acima já deixámos exposto, tal prazo ainda não se mostra decorrido.
Improcede, deste modo e nesta parte, o recurso apresentado pelo recorrente.
Para fundamentar o seu recurso o recorrente alega que os factos provados sob os pontos 10., 11., 16. a 21., 31., 33., 38., 39. a 46. do acórdão recorrido contêm meras imputações genéricas, sem uma precisa especificação das condutas, não se indicando o lugar, nem se precisando cabalmente as datas concretas, nem a motivação, nem as circunstâncias relevantes em que ocorreram, o que inviabiliza o direito de defesa, constitucionalmente consagrado, do arguido, razão pela qual não poderão tais factos relevar para sustentar a condenação final que recaiu sobre o arguido relativamente ao crime de violência doméstica, devendo, por isso, considerar-se os mesmos como não escritos.
Sem dúvida que, e nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21.02.2007, o princípio ou cláusula geral estabelecido no n.º 1 do art.º 32.º da CRP significa, ao aludir a todas as garantias de defesa, que ao arguido, como sujeito processual, devem ser assegurados todos os direitos, mecanismos e instrumentos necessários e adequados para que possa, em plena liberdade da vontade, defender-se, designadamente para que possa contrariar a acusação ou a pronúncia, através de um julgamento imparcial, realizado com total independência do juiz, em procedimento leal e justo, sendo certo que a individualização e clareza dos factos objeto do processo são indispensáveis para que o arguido possa válida e eficazmente contraditar a acusação ou a pronúncia, única forma de se poder defender.
Tal como resulta, desde há muito, da jurisprudência do STJ– v.g. acórdãos de 2007.02.21, 2008.04.02 e 2004.05.06 – as afirmações genéricas, não individualizadas, nomeadamente por falta de indicação do lugar, tempo, modo e motivação da prática de factos concretos e determinados que possam integrar a prática de um crime, violam os direitos de defesa do arguido, em especial o seu direito ao contraditório. Constituem, assim, imputações genéricas insuscetíveis de suportar uma condenação penal, o que tem levado à revogação de decisões condenatórias das instâncias com a consequente absolvição dos arguidos por falta de factos que integrem os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal em causa.
Assim, os factos a constar de uma acusação e posteriormente de uma decisão judicial devem ser tais que pela sua concretização permitam o exercício do direito de defesa. Daí que a jurisprudência tenha vindo a afirmar que a inclusão de factos genéricos e sem concretização devem ser considerados como não escritos e a considerar que, em casos de imputação genérica como os decididos naqueles acórdãos do STJ, estejamos perante erro de julgamento em matéria de direito que se traduz na condenação sem factos que integrem a prática do crime.
Contudo, não se pretende com isto afirmar a absoluta necessidade de todos os factos imputados serem definidos ao pormenor, em todos e cada um dos seus aspetos naturalísticos, mas haverá que aceitar um mínimo de concretização normativamente relevante e relativos ao tempo, local, modo e circunstâncias do facto.
No caso dos autos, o acórdão condenatório, tal como se encontra estruturado, não contém meras imputações genéricas ao arguido recorrente.
Tal como acima já se deixou expresso, através da análise efetuada aos factos provados sob os pontos 9. a 14. do acórdão recorrido, é, a nosso ver, feito um enquadramento temporal dos comportamentos do arguido dados como provados, por vezes por referência a períodos de tempo balizados por eventos da vida do arguido e da ofendida, igualmente dados como provados – situação em que se encontram os factos descritos sob os pontos 10., 11., 16. a 21.. Quanto ao ponto 31. resulta da própria factualidade descrita que os factos ocorreram depois do dia 02.10.2021 e, por confronto com os pontos 32. e 35., antes do final de março 2022. Relativamente ao ponto 33., igualmente resulta da descrição fáctica constante do acórdão recorrido, pela sua inserção na mesma, que ocorreram após aquela data de 02.10.2021 e enquanto residiam na Rua ..., ou seja, antes do final de março de 2022 – cf. ponto 35.. No que respeita os pontos 38. e 39., na sequência do descrito sob o ponto 37. e face ao descrito nos pontos 47. e 49., constata-se que os factos ali descritos ocorreram no período entre abril e 19.07.2022. O mesmo se verifica quanto ao ponto 46., que surge na sequência do descrito nos pontos 37. a 48., ali sendo descrita mais uma das situações em que, entre abril de 2022 e 19.07.2022 o arguido tentou obrigar a vítima a manter relações sexuais contra a sua vontade.
Verifica-se, pois, que, tal como a acusação deduzida já fazia, também o acórdão condenatório baliza os limites temporais das diversas ações empreendidas pelo arguido e integradoras do crime de violência doméstica por que veio a ser condenado.
Concordando, mais uma vez, com o Ministério Público na resposta efetuada ao recurso, entende este Tribunal de recurso que se mostram tais factos suficientemente demarcados, com referências temporais concretas, não apenas dentro de um concreto período de tempo, mas igualmente com a indicação de algumas das concretas ocasiões em que ocorreram parte de tais atos. Mais se verifica que ali é feita uma descrição suficientemente precisa dos atos reiterados integrantes do crime imputados. Tal descrição factual não conduz a uma compressão intolerável do exercício dos direitos de defesa do arguido ou da sua posição processual, na medida em que é percetível para o mesmo que concretos factos lhe vinham imputados – ou seja, os eventos submetidos a julgamento mostram-se suficientemente caracterizados, nas suas diferentes vertentes, de modo a permitir a sua perceção pela defesa e, consequentemente, a reação à imputação feita.
Estamos, assim, longe das formulações genéricas desacompanhadas da narração de factos concretos e contextualizados que têm levado a condenações sem que o arguido pudesse defender-se devidamente de imputações concretas e suscetíveis de ser contraditadas.
Assim, ao contrário do pretendido pelo recorrente, o Tribunal a quo, ao condenar o arguido pela prática do crime de violência doméstica sobre a ofendida, não aplicou norma relativamente à qual se possa fazer um juízo de inconstitucionalidade, nomeadamente por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição, não se verificando, por isso, violação ao princípio do contraditório do arguido ou de qualquer outro seu direito de defesa.
Improcede também, deste modo e nesta parte, o recurso apresentado pelo recorrente.
No seu recurso o recorrente põe em causa as penas parcelares que lhe foram aplicadas pelo Tribunal a quo, ao condená-lo pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, als. a), e c) e n.ºs 2, al. a), do Código Penal, perpetrado sobre DD na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão; e pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, previsto e punido pelo art.º 194.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, e bem assim, a pena única que, em cúmulo jurídico, lhe foi aplicada de 4 (quatro) anos de prisão.
De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.07.2017, no processo 17/16.3PAAMD.L1-9, in www.dgsi.pt, “O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. A intervenção corretiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”.
Importa recordar que no artigo 71.º do Código Penal se encontra consagrado o critério geral para a determinação da medida da pena que deve fazer-se «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção», concretizando-se, no seu número 2, que na determinação concreta da pena o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Circunstâncias que se reconduzem a três grupos ou núcleos fundamentais:
- fatores relativos à execução do facto [alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpa sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta];
- fatores relativos à personalidade do agente [alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto]; e
- fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto (alínea e).
Deverá a pena a aplicar permitir alcançar o desiderato contido no número 1 do artigo 40.º do Cód. Penal – a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – sem olvidar que, como consta do número 2 desse preceito, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Considerando o que se deixa exposto, analisemos, agora, cada uma das penas parcelares.
Alega o recorrente que a pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão a que foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, als. a), e c) e n.ºs 2, al. a), do Código Penal, porque superior ao limite mínimo da moldura penal prevista para este tipo de ilícito, é excessiva e desproporcional à gravidade e ilicitude dos factos, pugnando pelaa sua redução ao mínimo legal aplicável.
Para fundamentar a sua pretensão o recorrente começa por alegar que, por estarem prescritos os factos considerados provados sob os pontos 9. a 14. e por deverem considerar-se como não escritos os factos considerados provados sob os pontos 10., 11., 16. a 21., 31., 33., 38., 39. a 46., a pena que lhe foi aplicada pela prática do crime de violência doméstica deverá, necessariamente, ser reduzida.
O pressuposto nuclear da alegação do arguido neste ponto era a procedência da invocada prescrição do procedimento criminal e da invocada violação dos seus direitos de defesa propugnadas no recurso que apresentou, as quais foram julgadas improcedentes, mantendo-se incólume a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo.
Perde, assim, pertinência esta parcela do recurso.
A este propósito alega, ainda, o recorrente que, com exceção de dois episódios em que, alegadamente terá agredido a ofendida, todo o enquadramento fáctico que sustenta a incriminação do arguido se sustenta em meros comentários atinentes à aparência física e à resistência psicológica e emocional da ofendida, que nem sequer se poderão considerar como insultuosos, impondo considerar ficarem a dever-se, os segundos, às diferenças culturais existentes entre arguido e ofendida e, os primeiros, ao intuito com que foram proferidos de incentivo para melhorar a aparência e a saúde da ofendida.
O arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, als. a), e c) e n.ºs 2, al. a), do Código Penal, perpetrado sobre DD, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, sendo que este crime prevê uma moldura penal abstrata de 2 a 5 anos de prisão.
Analisando o presente caso, o Tribunal a quo considerou, e bem a nosso ver, que “(…). Transpondo para o caso concreto, e no que ao crime de violência doméstica concerne, há, além do mais, que atender:
- às necessidades de prevenção geral que se entendem ser elevadíssimas, face ao vivenciado no nosso país e, em especial na área desta comarca, existindo um enorme alarme social ligado à prática de crimes de violência doméstica;
- ao modo como os factos foram praticados que denotam uma elevada ilicitude da conduta do arguido, nomeadamente pelo tempo pelo qual se prolongaram os factos, sendo a violência exercida sobre a ofendida essencialmente psicológica, com ofensas constantes e perseguições e controle da mesma, mas também física e sexual o que denota um elevadíssimo grau de ilicitude;
- ao dolo direto da conduta do arguido;
- às consequências, da conduta do arguido, essencialmente psicológicas provocadas na ofendida; (…).
- às condições pessoais, familiares, profissionais e sociais do arguido;
- ao desconhecimento de antecedentes criminais ao mesmo;
- à postura do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, negando grande parte dos factos que se vieram a ter como provados, e confessando -, sem relevância para a descoberta da verdade material (face à prova então já produzida nos autos)- parte dos mesmos, mas sempre com uma postura absolutamente desculpabilizante e denotadora de total falta de arrependimento, demonstrando maior preocupação em denegrir a ofendida do que em auxiliar o tribunal na descoberta da verdade material;
- ao contexto em que os factos foram praticados, no âmbito de discussões entre casal, sendo que, atualmente o casal se encontra separado e o arguido demonstrou que se encontra conformado com a rotura da vida em comum.
Assim, e face a tudo o exposto tem-se por proporcional, adequada e suficiente aplicar ao arguido AA as seguintes penas:
- pela prática, como autor material, e de forma consumada de um crime de violência doméstica (na pessoa de DD), p.p. no artigo 152º, nºs 1 alínea a) e 2, do Código Penal, a pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; (…)”.
Atendendo à matéria factual provada no acórdão recorrido, e ao contrário do referido pelo recorrente nas suas alegações, a conduta do arguido não se resumiu a meros comentários atinentes à aparência física e à resistência psicológica e emocional da ofendida retirados do contexto cultural e do objetivo de incentivo.
Tal como acima já deixámos expresso, o comportamento assumido pelo arguido desde o início da sua relação com a ofendida- de ascendente sobre a mesma, de domínio sobre a sua autonomia, de controlo e limitação da sua liberdade pessoal e sexual, de desprezo pela sua dignidade, de intimidação, de violência psicológica e física- é manifesto em toda a factualidade dada como provada, e foram-se repetindo e agravando ao longo do tempo com a postura assumida e constante do arguido no sentido da desconsideração da ofendida como mulher e como ser humano. É manifesto o desprezo, objetivação e violação dos direitos da ofendida como mulher, concretamente, no que diz respeito à sua liberdade pessoal e sexual, à sua integridade física e emocional e à sua dignidade, com que o arguido atuou ao longo de vários anos.
Assim, e ao contrário do pretendido pelo recorrente nas suas alegações, o Tribunal a quo fez, a nosso ver, a ponderação correta, no que às exigências de prevenção geral e especial diz respeito, à ilicitude dos factos, à culpa do arguido.
Ainda que as exigências de prevenção especial sejam baixas, uma vez que não se encontram registados ao arguido antecedentes criminais, a verdade é que as exigências de prevenção geral fazem-se sentir com grande intensidade e a medida concreta da pena tem, pois, de ser fixada de modo a permitir a satisfação das exigências de prevenção geral, salvaguardando as expectativas da comunidade na validade e manutenção/reforço da norma violada – o que constitui o seu limite mínimo, abaixo do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição, e bem assim é de elevada expressão a ilicitude dos factos e a culpa do arguido, tal como referiu o Tribunal a quo, que constitui o limite máximo, acima do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição.
Considerando o que se deixa exposto, a decisão recorrida no que concerne à medida concreta da pena aplicada ao arguido pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152.º, n.º 1, als. a), e c) e n.ºs 2, al. a), do Código Penal, perpetrado sobre DD, de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, quando este crime prevê uma moldura penal abstrata de 2 a 5 anos de prisão, é correta, equilibrada e ajustada aos níveis da culpa e da ilicitude refletidas na conduta do arguido, bem como das exigências de prevenção especial e de prevenção geral, não havendo violação do preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º, e n.ºs 1 e 2 do art.º 71.º, todos do Código Penal.
Improcede também nesta parte o recurso apresentado pelo arguido.
Alega o recorrente que a pena em que foi condenado pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, é excessiva, por o Tribunal a quo não ter ponderado os motivos que levaram à prática dos factos, a confissão efetuada e o arrependimento demonstrado pelo arguido, pugnando pela sua redução ao mínimo legal aplicável.
O arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, sendo que este crime prevê uma moldura penal abstrata de 1 a 8 anos de prisão.
Analisando o presente caso, o Tribunal a quo considerou, e bem a nosso ver, que “(…). No que se refere ao crime de roubo, há, além do mais, que atender:
- à atitude antissocial acentuada do arguido que resulta dos factos perpetrados;
- aos concretos factos perpetrados pelo arguido e o contexto em que os mesmos ocorreram;
- às consequências da conduta do arguido que englobam o prejuízo causado, mas igualmente a ofensa à integridade física da ofendida, embora não com danos especialmente graves para a mesma, nos moldes fixados supra
- às elevadas necessidades de prevenção geral aliadas a este tipo de crimes, em especial quando perpetrado em contexto de ex casal, exigindo cada vez mais a nossa sociedade, e face ao próprio quadro social atual do país, penas ditas de exemplares no que se refere a crimes praticados entre pessoas que partilharam o mesmo teto e têm relações como as em causa nos presentes autos entre arguido e ofendida;
- à modalidade de dolo atinente à conduta do arguido, in casu dolo direto; (…).
- às condições pessoais, familiares, profissionais e sociais do arguido;
- ao desconhecimento de antecedentes criminais ao mesmo;
- à postura do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, negando grande parte dos factos que se vieram a ter como provados, e confessando -, sem relevância para a descoberta da verdade material (face à prova então já produzida nos autos)- parte dos mesmos, mas sempre com uma postura absolutamente desculpabilizante e denotadora de total falta de arrependimento, demonstrando maior preocupação em denegrir a ofendida do que em auxiliar o tribunal na descoberta da verdade material;
- ao contexto em que os factos foram praticados, no âmbito de discussões entre casal, sendo que, atualmente o casal se encontra separado e o arguido demonstrou que se encontra conformado com a rotura da vida em comum.
Assim, e face a tudo o exposto tem-se por proporcional, adequada e suficiente aplicar ao arguido AA as seguintes penas: (…)
- pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de roubo p.p. no artigo 210º, nº 1 do Código Penal, a pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão; (…)”.
Ao contrário do pretendido pelo recorrente nas suas alegações, o Tribunal a quo fez, a nosso ver, a ponderação correta, no que às exigências de prevenção geral e especial diz respeito, e bem assim à ilicitude dos factos, à culpa do arguido.
O Tribunal a quo ponderou, e bem a nosso ver, a falta de relevância para a descoberta da verdade material, face à prova produzida nos autos, da confissão efetuada pelo arguido e, simultaneamente, a pouca, ou nenhuma relevância, do invocado arrependimento do arguido, por o mesmo ter tido uma postura absolutamente desculpabilizante, postura, aliás, que assume também nas suas alegações, pretendendo justificá-la com a rutura da relação conjugal e familiar e com o caso extraconjugal da ofendida, quando estas circunstância não têm valor sequer para mitigar a ilicitude dos factos. Acresce que a conduta ilícita do arguido não pode ser considerada um ato irrefletido do arguido, pois, como resultou provado, este não procedeu voluntariamente à entrega do telemóvel (cf. pontos 52 e 62 da matéria de facto provada).
Por último, cumpre referir, ao contrário do alegado pelo recorrente, que o Tribunal a quo ponderou na fixação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido pela prática do crime agora em análise “o contexto em que os factos foram praticados, no âmbito de discussões entre casal, sendo que, atualmente o casal se encontra separado e o arguido demonstrou que se encontra conformado com a rotura da vida em comum”.
Assim, ainda que as exigências de prevenção especial não pareçam significativas, uma vez que não se encontram registados ao arguido antecedentes criminais, a verdade é que as exigências de prevenção geral são elevadas e a medida concreta da pena tem, pois, de ser fixada de modo a permitir a satisfação das exigências de prevenção geral, salvaguardando as expectativas da comunidade na validade e manutenção/reforço da norma violada – o que constitui o seu limite mínimo, abaixo do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição, e bem assim é algo expressiva a ilicitude dos factos e a culpa do arguido, que constitui o limite máximo, acima do qual não estão a ser cumpridas as finalidades da punição.
Considerando o que se deixa exposto, a decisão recorrida no que concerne à medida concreta da pena aplicada ao arguido pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, quando este crime prevê uma moldura penal abstrata de 1 a 8 anos de prisão, é correta, equilibrada e ajustada aos níveis da culpa e da ilicitude refletidas na conduta do arguido, bem como das exigências de prevenção especial e de prevenção geral, não havendo violação do preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º, e n.ºs 1 e 2 do art.º 71.º, todos do Código Penal.
Improcede também nesta parte o recurso apresentado pelo arguido.
Alega o recorrente que a pena em que foi condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, previsto e punido pelo art.º 194.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Penal, é excessiva, por o Tribunal a quo não ter ponderado os motivos que levaram à prática dos factos, a confissão efetuada e o arrependimento demonstrado pelo arguido, pugnando pela sua redução ao mínimo legal aplicável.
O arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p.p. no artigo 194.º, nº 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, sendo que este crime é punível com pena de prisão até 1 ano ou multa até 240 dias.
Analisando o presente caso, o Tribunal a quo considerou, e bem a nosso ver, que “(…), quanto ao crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, há, além do mais, que atender:
- à atitude antissocial acentuada do arguido que resulta dos factos perpetrados;
- ao contexto em que os factos foram perpetrados pelo arguido (após a rutura da vida em comum o casal e traição da ofendida);
- ao dolo direto da sua conduta;
- ao facto de o mesmo ter mostrado o teor das conversações da ofendida a familiares da mesma e colegas de trabalho desta tendo em vista também denegrir a sua imagem e bom nome;
- às necessidades de prevenção geral que se têm por elevadas principalmente quando os factos são perpetrados entre pessoas que partilharam vida em comum, parecendo que, para alguns, a rutura de uma relação justifica que se aceda e divulgue o conteúdo das telecomunicações privadas e restritas a emissor e destinatário; (…);
- às condições pessoais, familiares, profissionais e sociais do arguido;
- ao desconhecimento de antecedentes criminais ao mesmo;
- à postura do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, negando grande parte dos factos que se vieram a ter como provados, e confessando -, sem relevância para a descoberta da verdade material (face à prova então já produzida nos autos)- parte dos mesmos, mas sempre com uma postura absolutamente desculpabilizante e denotadora de total falta de arrependimento, demonstrando maior preocupação em denegrir a ofendida do que em auxiliar o tribunal na descoberta da verdade material;
- ao contexto em que os factos foram praticados, no âmbito de discussões entre casal, sendo que, atualmente o casal se encontra separado e o arguido demonstrou que se encontra conformado com a rotura da vida em comum.
Assim, e face a tudo o exposto tem-se por proporcional, adequada e suficiente aplicar ao arguido AA as seguintes penas: (…)
- pela prática, como autor material e de forma consumada, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p.p. no artigo 194º, nº 1, 2 e 3 do Código Penal, a pena de 4 (quatro) meses de prisão. (…)”.
Ao contrário do pretendido pelo recorrente nas suas alegações, o Tribunal a quo fez, a nosso ver, a ponderação correta, no que às exigências de prevenção geral e especial diz respeito, e bem assim à ilicitude dos factos, à culpa do arguido.
O Tribunal a quo ponderou, e bem a nosso ver, a falta de relevância para a descoberta da verdade material, face à prova produzida nos autos, da confissão efetuada pelo arguido e, simultaneamente, a pouca, ou nenhuma relevância, do invocado arrependimento do arguido, por o mesmo ter tido uma postura absolutamente desculpabilizante, postura, aliás, que assume também nas suas alegações, pretendendo justificá-la com a rutura da relação conjugal e familiar e com o caso extraconjugal da ofendida, quando estas circunstância não têm valor sequer para mitigar a elevada ilicitude dos factos. Acresce que a conduta ilícita do arguido não pode ser considerada um ato irrefletido do mesmo, pois, como resultou provado, não se limitou a ler e ver as fotos, o que é já de si grave, como mostrou o teor das conversações da ofendida a familiares da mesma e colegas de trabalho desta tendo em vista também denegrir a sua imagem e bom nome.
Por último, cumpre referir, ao contrário do alegado pelo recorrente, que o Tribunal a quo ponderou na fixação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido pela prática do crime agora em análise “o contexto em que os factos foram praticados, no âmbito de discussões entre casal, sendo que, atualmente o casal se encontra separado e o arguido demonstrou que se encontra conformado com a rotura da vida em comum”.
Considerando o que se deixa exposto, a decisão recorrida no que concerne à medida concreta da pena aplicada ao arguido pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p.p. no artigo 194.º, nº 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, quando este crime é punível com pena de prisão até 1 ano ou multa até 240 dias, é correta, equilibrada e ajustada aos níveis da culpa e da ilicitude refletidas na conduta do arguido, bem como das exigências de prevenção especial e de prevenção geral, não havendo violação do preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 40.º, e n.ºs 1 e 2 do art.º 71.º, todos do Código Penal.
Improcede também nesta parte o recurso apresentado pelo arguido.
Alega, ainda, o recorrente que a pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 5 (cinco) anos, que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico é excessiva, por o Tribunal a quo não ter ponderado e valorizado todos os circunstancialismos anteriores e posteriores à conduta ilícita em causa e bem assim os motivos que levaram à prática dos factos, pugnando pela sua redução ao mínimo legal das penas concretamente aplicadas a cada um dos tipos de crime em causa.
Defende, desde logo, o arguido que a pena única deverá reduzir-se ao mínimo legal das penas concretamente aplicadas a cada um dos tipos de crime em causa.
O pressuposto nuclear da alegação do arguido neste ponto era a procedência da invocada redução das penas de prisão que lhe foram aplicadas pelos crimes de violência doméstica, de roubo e de violação de correspondência ou de telecomunicações, pedido de redução esse que foi julgado improcedente, mantendo-se incólume as penas parcelares por cada um dos referidos crimes aplicadas pelo Tribunal a quo.
Perde, assim, pertinência esta parcela do recurso.
A este propósito alega, ainda, o recorrente que na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por um período de 5 (cinco) anos, que lhe foi aplicada em cúmulo jurídico é excessiva, por o Tribunal a quo não ter ponderado e valorizado todos os circunstancialismos anteriores e posteriores à conduta ilícita em causa e bem assim os motivos que levaram à prática dos factos.
Analisando o presente caso, o Tribunal a quo considerou, e bem a nosso ver, que “(…). Assim, dúvidas não restam de que na situação em apreço – (…) - se poderá e deverá operar o cúmulo jurídico das mesmas, (…).
Atendendo aos critérios legais impostos, temos que, in casu, a pena abstratamente aplicável ao arguido será de 3 anos e 4 meses a 5 anos e 5 meses de prisão (cf. nº 2 do artigo 77º supracitado).
Ora, tendo em conta todas as circunstâncias concretas já amplamente expostas, atendendo igualmente à personalidade do arguido demonstrada pelos factos concretos perpetrados, aos antecedentes criminais do arguido, aos bens jurídicos violados com a conduta do arguido e ao facto de já não residir com a ofendida, tem-se por proporcional e adequada a aplicação ao arguido de uma pena única de 4 (quatro) anos de prisão. (…)”.
Prescreve o art.º 77.º n.º 1 “na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
“Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade” (in Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências do Crime, pág. 291).
Face ao exposto, e tendo em conta os factos acima descritos e já subsumidos, bem como a prática de três crimes, punidos com penas da mesma natureza, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, resta concluir que os mesmos estão interligados, conexionados, formando uma ilicitude global, assumindo o conjunto dos mesmos uma gravidade média/alta.
Verificamos, in casu, que as necessidades de prevenção geral revelam-se altas, sendo necessário reforçar a validade das normas violadas na comunidade, uma vez que temos de evitar a frequência de cometimento deste tipo de crimes.
Não obstante no presente caso as necessidades de prevenção especial não parecerem significativas atendendo ao facto de o arguido não ter antecedentes criminais, a verdade é que, - ainda que a ilicitude dos factos seja elevada demonstrada pelo comportamento assumido pelo arguido desde o início da sua relação com a ofendida (de ascendente sobre a mesma, de domínio sobre a sua autonomia, de controlo e limitação da sua liberdade pessoal e sexual, de desprezo pela sua dignidade, de intimidação, de violência psicológica e física-, o arguido manteve sempre uma postura absolutamente desculpabilizante e denotadora de total falta de arrependimento, demonstrando preocupação em denegrir a ofendida, o que revela uma personalidade pouco consentânea com o Direito e manifestamente centrada em si próprio.
Por último, acresce referir neste âmbito que, ao contrário do referido pelo recorrente, o Tribunal a quo na fixação da medida concreta da pena única atendeu a todas as circunstâncias relativas à prática dos factos, nomeadamente ao contexto em que os factos foram praticados, fazendo expressa referência às discussões entre casal, e ao facto de, à data da prolação da decisão, o casal já se encontrar separado e o arguido ter demonstrado que se encontra conformado com a rotura da vida em comum.
Por todo o exposto, entende este Tribunal de recurso que, ao contrário do pretendido pelo recorrente nas suas alegações, o Tribunal a quo fez a ponderação correta, e em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, pelo que não merece censura a pena única aplicada ao arguido, improcedendo, por isso e nesta parte, o recurso apresentado pelo recorrente.
No seu recurso, o recorrente pugna por que seja revogada a decisão recorrida na parte em que determina que a pena acessória de proibição de contactos aplicada seja fiscalizada no seu cumprimento por meios tecnológicos de controlo à distância, alegando ser tal determinação carecida de fundamentação, injustificada e desproporcional.
Não acompanhamos a alegação do recorrente.
Nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal, em caso de condenação por crime de violência doméstica, pode ser aplicada ao arguido, além do mais, a pena acessória de proibição de contacto com a vítima, pelo período de seis meses a cinco anos.
Por seu turno, dispõe o n.º 5 do mesmo artigo que, sendo aplicada tal pena acessória, esta deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho da vítima e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
A conjugação da presente versão do normativo do n.º 5 do mencionado art.º 152.º, do Código Penal, resultante da alteração introduzida pela Lei 19/2013, de 21 de fevereiro, com a sua anterior versão, nomeadamente no que se refere à substituição da expressão “pode” pela expressão “deve”, é demonstrativa da intenção do legislador de, havendo necessidade de aplicação da pena acessória de proibição de contactos, a mesma deve ser fiscalizada no seu cumprimento por meios técnicos de controlo à distância. Concretizando: salvo circunstâncias que revelem a manifesta desnecessidade de fiscalização por tais meios, os mesmos devem ser implementados.
Assim, os juízos de necessidade e de proporcionalidade devem ser efetuados pelo Tribunal para a aplicação da identificada pena acessória, porquanto a sua aplicação não resulta como efeito automático da condenação na pena principal, mas quando aplicada a implementação dos meios de controlo à distância é obrigatória, salvo circunstâncias que revelem a manifesta desnecessidade de fiscalização por tais meios.
A este propósito da aplicação da pena acessória, o Tribunal a quo refere, “(…). Face a tudo o supra exposto, a conduta reiterada no tempo do arguido, o grau de ilicitude dos factos concretamente imputados ao mesmo, justificam a conclusão da necessidade de imposição de pena acessória ao arguido nos termos do supra citado preceito legal. Assim entende-se adequado e necessário à reintegração do arguido aplicar ao mesmo a pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, ao longo do período de suspensão da pena (5 anos), incluindo o afastamento da residência e local de trabalho devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios tecnológicos de controlo à distância.
De acordo com o preceituado no artigo 36º, nº7, da Lei 112/2009 de 16/09 dispensa-se o consentimento do Arguido previstos para a fiscalização eletrónica do cumprimento da referida medida, porquanto o Arguido desenvolveu a sua conduta durante um lapso de tempo alargado. Por tal facto, entende-se que a aplicação de tais meios é imprescindível à proteção do direito da Vítima, razão pela qual se posterga o respetivo consentimento. (…)”.
Tal como refere o Ministério Público na sua resposta ao recurso, num caso como o dos autos, como bem se fundamenta no acórdão recorrido, em que os factos integradores do crime de violência doméstica ocorreram ao longo de um lapso temporal alargado (de mais de doze anos), tendo perdurado mesmo após o divórcio e a cessação da coabitação, a aplicação de tais meios de fiscalização configura-se como imprescindível à proteção da vítima.
Mais cabe notar que a duração de tal fiscalização coincide, como não poderia deixar de ser, com a duração da pena acessória aplicada e não com o período de suspensão a execução da pena principal de prisão (como o parece ter entendido o arguido-recorrente).
Conclui-se, pois, que bem andou o Tribunal a quo ao determinar que a pena acessória de proibição de contactos seja fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância.
Assim sendo, também nesta parte não merece o acórdão recorrido qualquer reparo, improcedendo o recurso apresentado pelo arguido.
Por último, o recorrente insurge-se contra o valor da indemnização atribuída no âmbito do pedido de indemnização civil formulado pela demandante, alegando que o mesmo é infundado e excessivo.
O pedido de indemnização civil, formulado pela ofendida em 31.07.2023, tem o valor de €4.000,00 (quatro mil euros).
Ora, à luz do disposto no artigo 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não só o pedido de indemnização civil é inferior à alçada do Tribunal, como o valor da sucumbência é inferior a metade dessa alçada, motivo pelo qual a pretensão formulada pelo recorrente no que concerne à matéria cível, por ser irrecorrível, não será apreciada por este Tribunal de recurso.
Considerando tudo quanto se deixa exposto, é totalmente improcedente o recurso apresentado pelo arguido, ora recorrente.

III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, fixando em 4 (quatro) Uc’s a taxa de justiça.

Porto, 09 de outubro de 2024
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelas suas signatárias)
Paula Natércia Rocha
Maria Joana Grácio
Maria Luísa Arantes