Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16/06.3TBALJ.P1
Nº Convencional: JTRP00043614
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: POSSE
PROPRIEDADE
COMPROPRIEDADE
USUCAPIÃO
INVERSÃO DO TÍTULO DA POSSE
Nº do Documento: RP2010021816/06.3TBALJ.P1
Data do Acordão: 02/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO - LIVRO 829 - FLS 120.
Área Temática: .
Sumário: I – A posse não pode ser oposta, procedentemente, a quem alega e prova a aquisição da titularidade do direito correspondente:
- na perspectiva da posse, uma vez que tal corresponderia a presumir que a posse é causal, isto é, de que existe justo título, contra o que dispõe o art. 1259º, nº2 do CC – o título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca;
- na perspectiva do domínio, dado que, com toda a evidência, a titularidade do direito se sobrepõe à posse: o proprietário pode exigir de qualquer possuidor o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (art. 1311º do CC) e de que tem o gozo pleno e exclusivo (art. 1305º do CC);
II – Em situação de compropriedade, pode, mesmo assim, o uso da coisa comum constituir posse exclusiva e conduzir à usucapião, mas para tal tem de haver inversão do título, devendo o prazo, para tal necessário, ser contado a partir desta inversão (arts. 1406º, nº2 e 1290º, ambos do CC);
III – Para a inversão do título da posse não basta a prova de actos incompatíveis com a posse dos demais condóminos, ou seja, de actos de uso que privem os outros consortes do uso a que têm direito: é necessária uma verdadeira inversão do título da posse, ou seja, a prova da oposição do utente contra o uso que os outros pretendessem fazer da coisa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Proc. nº 16/06.3TBALJ.P1 – Tribunal Judicial de Alijó
Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1177)
Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.

B………. propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumária, contra C………. e D………. .

Pediu que se declare a Autora proprietária do prédio que identifica no art. 1º da petição inicial e comproprietária do caminho de consortes que descreve, e que se condenem os Réus a demolirem o muro que construíram, a retirarem as pedras e as oliveiras que plantaram e a reporem o local no estado em que estava antes de procederem à plantação.

Como fundamento, alegou que adquiriu o prédio que identifica por sucessão hereditária e que, sendo o mesmo delimitado pelo caminho de consortes que descreve, os Réus têm praticado actos susceptíveis não só de pôr em causa o seu direito de propriedade sobre o prédio, como o direito de compropriedade do referido caminho, designadamente, pela construção de um muro e pela plantação de oliveiras que invadem o prédio da Autora.

Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção e deduziram reconvenção pedindo que se declare que os Réus são proprietários da parcela de terreno correspondente ao caminho com as dimensões que descreve e à área onde plantaram 30 oliveiras, bem como do prédio rústico a que corresponde a descrição predial n.º 359 da freguesia de ………. .
Pediram ainda que os prédios sejam demarcados em conformidade com a linha divisória que descrevem.
Alegaram, para tanto, que o prédio em causa, foi adquirido por usucapião e, para além do mais, está registado a seu favor. Este prédio confina a Norte com o prédio da Autora e que o terreno correspondente ao caminho e às oliveiras plantadas foi pelos mesmos adquirido por usucapião.

A Autora apresentou resposta, tomando posição sobre a matéria de excepção e da reconvenção.

A reconvenção foi julgada parcialmente inadmissível quanto ao pedido de declaração do direito de propriedade dos Réus sob o prédio inscrito no n.º 359 da Conservatória do Registo Predial.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença em que se decidiu julgar a acção improcedente e a reconvenção procedente e, em consequência,
- Absolver dos Réus dos pedidos contra si formulados;
- Declarar os Réus proprietários da parcela de terreno correspondente ao caminho existente no extremo Norte da vinha destes, que se desenvolve no sentido Nascente/Poente e tem início na estrada nacional que liga ………. a ………. e termina a Poente na esquina do muro de sustentação de terras voltado para o rio ………. .
- Declarar que os prédios da Autora e dos Réus identificados nos autos são divididos por uma linha recta no sentido Nascente/Poente que parte da esquina do muro de pedra sobreposta construído pelos Réus face estrada nacional que liga ………. a ………. até ao rio ………. .

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a autora.
Apresentadas as alegações de recurso e as contra-alegações, foi proferido despacho a julgar extemporâneas estas contra-alegações, determinando-se o seu desentranhamento dos autos.
Inconformados, os réus interpuseram recurso de agravo deste despacho.

Nos recursos apresentados, foram apresentadas as seguintes conclusões:

Na apelação

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Nas contra-alegações apresentadas, os réus concluíram que a sentença deve ser mantida.
Subsidiariamente, pediram que seja declarada a aquisição por usucapião, pelos apelados, da parcela de terreno (caminho) em causa na presente lide, fundada em posse de boa fé, efectiva e presumida, titulada e registada, desde 1989 e 1991 (o registo) e a apelante condenada a reconhecê-la. Ou, ainda subsidiariamente, que seja determinado que os autos baixem à 1ª instância para julgamento da matéria constante dos arts. 51º, 56º e 57º da contestação à p.i. aperfeiçoada, a aditar à base instrutória.

No agravo

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Não foram apresentadas contra-alegações ao agravo.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

No agravo trata-se de decidir se as contra-alegações da apelação foram apresentadas no prazo legal.
Na apelação, no essencial, discute-se se a autora é comproprietária do caminho referido nos autos ou se, pelo contrário, os réus adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade exclusiva sobre tal caminho.

III.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1) O prédio denominado “E……….” foi objecto de divisão mediante escritura pública outorgada por F………., G………. e mulher H………., e I………. e mulher J………., em 18 de Agosto de 1939, conforme documento junto aos autos a fls. 22 a 27 cujo teor se dá aqui por reproduzido.
2) Na escritura referida em 1) ficou estabelecido que a G……… e mulher H………. ficava a pertencer o terreno do monte a poente de uma ………., que parte da estrada até ao ……….., pelo meio da mata.
3) Mais se deixou estabelecido que o referido caminho ou avenida ficaria em comum para G………. e I………. .
4) O prédio rústico, composto de pinhal e mato, sito em ………., encontra-se inscrito na matriz sob o art. n.º2869 da freguesia de ………., tem a área de 27320 m2 e confronta do Norte com K………., de Sul com C………., do Poente com rio e do Nascente com a estrada.
5) O prédio rústico composto de cultura de sequeiro, vinha, oliveiras, pinhal e mato, sito na freguesia de ………., inscrito na matriz sob o art. 2870º e descrito sob o n.º359 da Conservatória do Registo Predial de Alijó encontra-se registado a favor dos Réus.
6) Os prédios referidos em 4) e 5) constituíram parte integrante do prédio referido em 1).
7) A Autora é a única herdeira de G………. e de H………., conforme decorre da escritura de habilitação notarial outorgada em 25/9/1985 e junta aos autos a fls. 17 a 19.
8) Em 13 de Julho de 1989, L………. e outros e o Réu marido celebraram por escrito um acordo mediante o qual aqueles se comprometeram a vender e este se comprometeu a comprar os prédios identificados na cláusula 1ª., entre os quais o prédio rústico descrito em 5), conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 72 a 74 e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
9) No referido escrito ficou consignado que as partes acordaram que a partir da data da assinatura do escrito “o promitente comprador entre na posse efectiva dos prédios identificados na cláusula 1º, podendo fazer as alterações que entender, bem como as obras que achar convenientes”.
10) No dia 24 de Janeiro de 1991, L………. e outros e o Réu marido celebraram mediante escritura pública um acordo mediante o qual aqueles declararam vender e este comprar, entre outros, o prédio rústico identificado em 5), conforme resulta do documento junto aos autos a fls. 67 a 71 e cujo teor se dá aqui por reproduzido.
11) No Inverno de 1989/90, os Réus surribaram o prédio referido em 5)
12) Arrancaram vinha velha e nele plantaram vinha nova.
13) Entre o prédio identificado em 4) e o extremo Norte da vinha do prédio identificado em 5) existe um caminho.
14) Este caminho desenvolvendo-se no sentido Nascente/Poente e tem início na estrada nacional que liga ………. a ………. e termina a Poente na esquina do muro de sustentação de terras voltado para o rio ………. .
15) Tem 160 metros de cumprimento.
16) Os Réus edificaram um muro em pedra solta face à estrada nacional, tendo deixado uma abertura no mesmo da largura do caminho referido em 13), onde colocaram um portal em madeira.
17) Os Réus plantaram oliveiras ao longo do limite norte do caminho referido em 13), amparando-as em estacas de suporte.
18) O caminho referido em 13) é conhecido por avenida.
19) Tem cerca de 508m2.
20) Desde data não determinada, mas seguramente há mais de 20 anos e até 1989/1990, a Autora por si e pelos seus antecessores, passaram a pé e de carro pelo caminho referido em 13) para aceder ao prédio identificado em 4).
21) Entrando e saindo para carregar e descarregar madeira, lenha e resina.
22) Os compradores a quem eram vendidas as madeiras e resinas utilizavam o referido caminho para aceder ao prédio identificado em 4).
23) Usavam o caminho para aceder ao rio durante o período estival.
24) O que fazem à vista de todas as pessoas do lugar.
25) E nunca contestada por ninguém.
26) Os Réus edificaram o muro referido em 16) nos finais de 1994.
27) As oliveiras e os postes de pedra colocados pelos Réus ocupam uma parcela de cerca de 140m2.
28) As oliveiras referidas em 17) foram plantadas entre Janeiro e Março de 2003.
29) Há mais de 20 anos pelos seus antecessores L………. e outros e por si desde 13 de Julho de 1989, os Réus vêm utilizando a parcela de terreno correspondente à área do caminho referido em 13), inclusive a área da plantação das oliveiras referidas em 17);
30) De forma exclusiva a partir de 1989/90;
31) À vista e sem oposição da Autora.
32) O caminho tem uma largura variável entre cerca de 2,50m e pelo menos 4m.

IV.

1. Agravo

Na fundamentação da decisão recorrida afirma-se, designadamente, o seguinte:
(…) No caso dos autos, compulsadas as alegações de recurso da autora, não se vislumbra como pode considerar-se que é impugnada a matéria de facto. Na verdade, embora a recorrente transcreva algumas frases do depoimento de duas testemunhas, não invoca que foram incorrectamente julgados pontos da matéria de facto e, em consequência, não indica que meios de prova imporiam decisão diversa, resultando claramente das conclusões do recurso que este não teve por objecto tal matéria.
O mesmo pode dizer-se das contra-alegações de recurso apresentadas, em que é ampliado o âmbito de recurso mas também não é posta em causa a decisão relativa à matéria de facto.
Do que acaba de se expor resulta claramente que o prazo para apresentar as alegações de recurso e as contra-alegações era de 30 dias, contados, respectivamente, da notificação do despacho de recebimento do recurso e da notificação da apresentação das alegações da apelante.
Considerando que os réus, apelados, foram notificados das alegações de recurso no dia 20-10-2008, é manifesto que o prazo de 30 dias de que dispunham para contra-alegar se esgotou muito antes do dia 02-12-2008, data em que deram entrada das mesmas em juízo, via fax.
Subscreve-se, sem qualquer dúvida, esta fundamentação: a autora alegou dentro do prazo normal de 30 dias (art. 698º nº 2 do CPC) e, como se constata pelas suas conclusões de recurso, a decisão sobre a matéria de facto não foi, de modo nenhum, impugnada. A alusão que aí se faz à "dificuldade de prova da propriedade" tem a ver com o que, a tal respeito e ao recurso a presunções, se afirmou na sentença; não que se pretendesse impugnar aquela decisão.
Tanto é assim que a Recorrente afirma que a compropriedade sobre o caminho ficou amplamente provada logo no despacho saneador (concl. 10ª).

Não tendo a apelante impugnado a decisão de facto, nem visando também a ampliação do objecto do recurso (art. 684º-A do CPC), requerida pelos Recorridos, tal impugnação, as contra-alegações teriam de ser apresentadas no prazo de 30 dias a contar da notificação da apresentação das alegações da apelante, como determina o citado art. 698º nº 2, prazo que, no caso, não foi observado pelos Recorridos.
Daí que as conclusões deste recurso devam improceder.
2. Apelação

A fundamentação da sentença recorrida assenta, no essencial, neste raciocínio:
Autora e réus praticaram actos materiais de posse sobre o caminho discutido na acção, com o conhecimento e sem oposição recíprocos, posse essa titulada e de boa fé.
Todavia, esses actos exercidos pela autora ocorreram até 1989/90 e não se provou desde quando foram praticados, designadamente se o foram durante mais de 15 anos.
Assim, prevalece a presunção de titularidade do direito decorrente da posse (art. 1268º nº 1 do CC), que beneficia os réus, tendo em conta os actos de posse por estes exercidos desde 1989/90, com as características constantes dos factos indicados supra sob os nºs 29 a 31.

Afigura-se-nos que esta fundamentação não tem em conta um facto importante que está na génese do direito, quer da autora, quer dos réus. Por outro lado, atribui à presunção derivada da posse (citado art. 1268 nº 1) uma amplitude que ela não pode comportar
Expliquemos.

Decorre da factualidade provada que os direitos de propriedade da autora e dos réus, sobre os respectivos prédios identificados na acção, provêm de um transmitente comum.
Com efeito, a autora adquiriu o seu prédio por sucessão, como única herdeira de G………. (facto 7º); os réus adquiriram o seu prédio por compra efectuada a L………. e outros (facto 10º). Embora dos autos não conste quem foi o proprietário imediatamente anterior deste segundo prédio (tudo levando a crer, porém, como decorre da motivação da decisão de facto, que aquela L………. herdou este prédio de seu pai), está provado que os antecessores, quer da autora, quer dos réus, adquiriram os respectivos prédios através de inventário judicial e posterior escritura de divisão, certificada a fls. 22 e segs (cfr. factos 1º e 6º).
Dessa escritura resulta também que a separação dos dois prédios seria feita por um caminho que ficaria em comum para ambos os proprietários, G………. e I………. .
E, como se reconheceu na sentença, não subsistem dúvidas de que esse caminho foi o efectivamente utilizado pela autora e réus e seus antecessores, nos termos indicados supra – factos 20 a 25 e 29 a 31, respectivamente.

Afirma-se na sentença que resultando inequívoca a situação de composse do caminho pela Autora e pelos antecessores dos Réus, não logrou a Autora fazer a prova, que lhe competia, do necessário decurso do tempo, ou seja, resultou provado que os referidos actos materiais de posse ocorreram há mais de 20 anos mas não já após 1989/90 e que, desta forma, se prolongaram por um lapso de tempo, mas não se provou desde quando os mesmos foram praticados e, concretamente, se o foram durante os mais de 15 anos exigidos pelo art. 1296º do Código Civil.
Com o devido respeito, reside aqui um dos equívocos da fundamentação da sentença.
É que o título de que advém o direito, quer da autora, quer dos réus, é o mesmo, tendo os respectivos antecessores adquirido os seus direitos do mesmo transmitente, M……. .
Portanto, a situação inicial de compropriedade do prédio (E………. – facto 1º) e a propriedade exclusiva sobre cada um dos prédios em que aquele foi dividido (factos 4º, 5º e 6º), através da escritura certificada nos autos, não podem ser reciprocamente questionadas entre as partes, sob pena de porem em causa os seus próprios direitos.
Assim como não pode ser questionada a compropriedade constituída nessa escritura (facto 3º) sobre o caminho situado entre os prédios que ficaram a caber aos antecessores da autora e dos réus (cfr. art. 1316º do C).

Nesta situação, em que a origem do direito de cada uma das partes é comum, e no confronto entre esses direitos, parece desnecessária ou redundante a prova da aquisição originária. Há-de ter-se por pressuposta e assente essa origem comum, sob pena de só se poder pôr em causa, não um, mas os dois direitos.
Pelo que fica dito, deve, pois, ter-se por assente o direito da autora, de propriedade exclusiva sobre o prédio identificado supra (facto nº 4) e de compropriedade sobre o caminho também atrás referido (factos nºs 3, 13 e 14).
E será de recordar que o direito de propriedade é considerado um direito perpétuo: não prescreve, nem a lei prevê que possa extinguir-se pelo não uso[1] – cfr. art. 298º nº 3 do CC.

A questão que pode colocar-se é se os réus e seus antecessores adquiriram o direito de propriedade exclusiva sobre o caminho, por usucapião (arts. 1287º e segs. do CC).
No que respeita aos antecessores a resposta é negativa tendo em conta que se provou que a autora exerceu também actos materiais de posse até 1989/90. Por outro lado, os actos praticados pelos réus só o foram, igualmente de forma exclusiva, a partir dessa altura (cfr. factos 20, 29 e 30).
Mesmo assim, essa posse exclusiva dos réus foi considerada relevante na sentença para o reconhecimento do seu direito de propriedade exclusiva sobre o caminho, com fundamento na presunção estabelecida no art. 1268º do CC.
Afirma-se aí que:
(…) resulta dos factos provados – concretamente dos factos discriminados em 16), 17), 28) e 29) – que os Réus vêm exercendo sobre o caminho, inclusive sobre a área de terreno onde plantaram as oliveiras, actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
Desta forma, e não alegando a Autora quaisquer factos onde se extraia que o vêm fazendo sem um animus correspondente ao direito de propriedade, impõe-se considerar que os Réus são os possuidores do caminho, beneficiando, por isso, da presunção a que alude o art. 1268º, n.º1, do Código Civil.

Não era, porém, à autora que competia provar que os réus actuaram, do modo referido, sem o animus correspondente ao direito de propriedade. O ónus da prova desse elemento da posse, como constitutivo do direito, incumbia naturalmente aos réus (art. 342º nº 1 do CC).
Nem parece correcta a invocação da presunção prevista no art. 1268º nº 1, uma vez que, como é reconhecido, ela não é constitutiva do direito.

Como afirmámos noutro lugar[2], toda a posse faz presumir, até prova em contrário, que o possuidor é o titular do direito de que ela constitui a aparência, e isto porque, sendo os possuidores titulares a regra, o encargo da prova no processo deve onerar aquele que pretende a posse, ficando o possuidor na posição de defesa.
Numa discussão sobre a questão da propriedade é aquele que contesta o direito do possuidor que há-de fazer a prova do direito que invoca contrário à posse, sob pena de esta triunfar. A posse dispensa-o de demonstrar que é titular do direito que exerce de facto: in pari causa melior est conditio possidentis[3].
Mas não se trata de reconhecer eficácia constitutiva à posse já que aquela se circunscreve à usucapião[4].
Como adverte Durval Ferreira[5], a presunção da titularidade do direito, a cuja imagem se exerce a posse, como conteúdo e vantagem do ius possessionis do possuidor, não atinge o ius possidendi dum terceiro que alega e prova, por seu lado, a legítima aquisição da titularidade do direito a cuja imagem aquele possui.
Seria inconcebível que ao terceiro lhe caiba ter de alegar e provar os factos constitutivos da aquisição do seu direito e ainda os factos negativos de que não perdera ou transferira esse direito adquirido.
Assim, conclui o mesmo Autor, a extensão da presunção do art. 1268º deve circunscrever-se ao mero domínio de litígios entre um possuidor (formal) e um terceiro que, pelo seu lado, se mantém no âmbito de meras relações de facto com a coisa.
Também Carvalho Fernandes[6] afirma que a presunção possessória e a correspondente tutela, apesar do seu significativo alcance, cedem sempre que o possuidor seja convencido na questão de titularidade do direito a que respeita a posse (cfr. art. 1278º nº 1).
A posse não pode, pois, ser oposta procedentemente a quem alega e prova a aquisição da titularidade do direito correspondente:
- na perspectiva da posse, uma vez que tal corresponderia a presumir que a posse é causal, isto é, de que existe justo título, contra o que dispõe o art. 1259º nº 2 – o título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca;
- na perspectiva do domínio, dado que, com toda a evidência, a titularidade do direito se sobrepõe à posse: o proprietário pode exigir de qualquer possuidor o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (art. 1311º) e de que tem o gozo pleno e exclusivo (art. 1305º).

Admite-se que, provado o corpus – os actos materiais de uso e fruição do caminho exercidos pelos réus – se pudesse recorrer à presunção prevista no art. 1252º nº 2 do CC, para considerar verificado também o animus.
Todavia, enfrentamos aí um outro obstáculo derivado da situação de compropriedade a que acima se aludiu.
Nesta situação de compropriedade, pode, mesmo assim, o uso da coisa comum constituir posse exclusiva e conduzir à usucapião, mas para tal tem de haver inversão do título, devendo o prazo, para tal necessário, ser contado a partir desta inversão – art. 1406º nº 2 do CC; cfr. art. 1290º do mesmo diploma.

No caso, provaram-se dois factos que, à primeira vista, poderiam assumir relevo para esta questão: a edificação do muro de pedra solta e a colocação do portal em madeira (facto 16º) e a plantação de oliveiras ao longo do limite norte do caminho (facto 17º).
Esta plantação, contudo, só foi levada a cabo em 2003 e não releva face à proximidade da data da propositura da acção (Janeiro de 2006).

Afirmam Pires de Lima e Antunes Varela que, para a inversão do título não basta a prova de quaisquer actos capazes de destruírem a presunção de que o uso ou a posse do condómino, além do que competia à sua quota (ocupação do terreno em termos que privam os demais de ocupá-lo também; uso do veículo automóvel durante anos consecutivos, sem que os demais o utilizem, etc.) se exerce por mera tolerância dos restantes consortes. É indispensável, para que haja posse susceptível de conduzir à usucapião, que se dê a inversão do título da posse, nos precisos termos do art. 1265º.
Não basta, pois, a prova de actos incompatíveis com a posse dos restantes condóminos, ou seja, de actos de uso que privassem os outros consortes do uso a que tinham direito. É necessária uma verdadeira inversão do título da posse, ou seja, a prova da oposição do utente contra o uso que os outros pretendessem fazer da coisa[7].

No caso, no que respeita ao muro, construído em 1994 (facto 26º), e portal de madeira, deve notar-se que não se provou que esse facto fosse impeditivo do uso que a autora pretendesse fazer do caminho. E deve reconhecer-se que a obra não tem, na verdade, esse significado inequívoco, isto é, não revela que, através dela, os réus tenham tido a intenção de impedir o acesso da autora ao caminho ou que, de qualquer modo, tenha tido esse efeito.
Os próprios réus aludem mesmo a uma função de demarcação face à via pública e de sinalização da entrada no prédio (art. 41º da contestação).
As fotografias mostram, aliás, que o portal é constituído por cancela de madeira, algo tosca, onde não se divisa qualquer fechadura ou outro dispositivo para a manter fechada, aparecendo sempre aberta e, até, em parte destruída (faltando uma das metades) – cfr. fls. 81, 82 e 303 e também o que se consignou na inspecção ao local (fls. 361).
Assim, tem de concluir-se que os réus não lograram inverter o título da sua posse, não possibilitando esta a aquisição, por usucapião, da propriedade exclusiva sobre o caminho em questão.

Entende-se, por conseguinte, que a apelação deve proceder e, consequentemente, a acção, reconhecendo-se o direito de propriedade da autora sobre o prédio identificado no art. 1º da p.i. e de compropriedade sobre o caminho que separa os prédios da autora do dos réus, devendo estes demolir o muro e retirar as oliveiras plantadas do lado norte do caminho, repondo o local no estado em que estava antes de procederem à plantação.
Relativamente aos pedidos formulados em reconvenção, que foram admitidos (cfr. despacho de fls. 280), os mesmos devem improceder.

Importa ainda acrescentar o seguinte:
Ainda que, contra o que foi decidido no recurso de agravo, fosse de admitir a ampliação do objecto do recurso, nos termos pretendidos pelos réus, nem assim o pedido reconvencional lograria proceder ou teria utilidade a repetição do julgamento com ampliação da base instrutória.
Com efeito, a aquisição por usucapião do direito de propriedade exclusiva sobre o caminho estaria sempre dependente da inversão do título da posse que, no caso, não ficou demonstrada como se expôs.
A procedência do pedido formulado pelos réus não estava assim apenas condicionada à prova do animus, como elemento dos actos materiais por eles exercidos sobre o caminho, elemento que poderia, aliás, presumir-se nos termos do art. 1252º nº 2 do CC, como acima se referiu, não sendo para tal necessária a ampliação da matéria de facto.

V.

Em face do exposto, julga-se a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida, e, em consequência:
- Julga-se procedente a acção e improcedentes os pedidos admitidos da reconvenção, declarando-se que a autora é proprietária do prédio identificado no art. 1º da p.i. e comproprietária do caminho que separa esse prédio do prédio dos réus referido nos autos e condenando-se os réus a demolir o muro e a retirar as oliveiras plantadas do lado norte do caminho, repondo o local no estado anterior ao da plantação.
Custas em ambas as instâncias a cargo dos réus.

Porto, 18 de Fevereiro de 2010
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes

____________________________
[1] Com a ressalva prevista no art. 1397º do CC. cfr. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª ed., 267; sobre o carácter perpétuo do direito, C. Mota Pinto, Direitos Reais, 235.
[2] Acórdão de 03.03.2005, proferido na apelação 6869/04, desta Secção.
[3] Manuel Rodrigues, A Posse, 276.
[4] Carvalho Fernandes, Ob. Cit., 98
[5] Posse e Usucapião, 299.
[6] Ob. Cit., 95.
[7] CC Anotado, Vol. III, 2ª ed., 360. Cfr. também Menezes Cordeiro, Direitos Reais, Reprint, 462 e segs e Carvalho Fernandes, Ob. Cit., 313.