Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2517/23.0T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: IMPROCEDÊNCIA DE PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO
NOTA DE CULPA
DESCRIÇÃO CIRCUNSTANCIADA DOS FACTOS
OMISSÃO APENAS PARCIAL DESSE CIRCUNSTANCIALISMO
Nº do Documento: RP202401152517/23.0T8AVR.P1
Data do Acordão: 01/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A descrição circunstanciada, na nota de culpa, dos factos imputados ao trabalhador prende-se com o exercício do direito de defesa do trabalhador e com o princípio da vinculação temática (conforme arts. 353º e 357º, nº 4, do Código do Trabalho).
II - A omissão de tal circunstanciação em relação a alguns dos factos imputados não determina a invalidade total do procedimento disciplinar mas, tão-só, a inatendibilidade dessa concreta imputação para justificar a justa causa do despedimento.
III - Deve improceder a providência de suspensão despedimento, quando se provou que o trabalhador requerente desligou antes de tempo a centrifugadora contendo amostras de sangue para análise no laboratório de análises clínica para o qual trabalhava, de forma intencional, sem para tal estar autorizado ou habilitado, para além da prática de outros factos violadores dos seus deveres contratuais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2517/23.0T8AVR.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., patrocinado por mandatário judicial, intentou, o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento contra A..., Unipessoal, Lda., com sede na Av. ..., ....
Na sequência de despacho de aperfeiçoamento, formula os seguintes pedidos: “requer que seja decretada a suspensão do despedimento do Requerente, de harmonia com o disposto no citado art. 39º nº 1 do CPT, sendo o Requerente reintegrado no seu posto de trabalho, com pagamento das retribuições vencidas e vincendas que deixaram de ser pagas desde a data do despedimento. Mais se requer a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, nos termos do art. 34º nº 4 do CPT.”
Alega em síntese: O Requerente foi contratado pela Requerida para exercer as funções de Motorista a 25/11/2021; Auferia uma retribuição base de 675,00€; No dia 10 de Fevereiro foi suspenso preventivamente sendo impedido de prestar o seu trabalho; No dia 3 de Maio de 2023, recebeu a Nota de Culpa; Tendo apresentado a sua resposta a 16/05/2023; Decorrido o procedimento disciplinar recebeu a 29/06/2023 a decisão de despedimento por justa causa sem direito a indemnização. Invoca a caducidade do procedimento criminal relativamente a todos os factos que lhe são imputados e a falta de fundamentação da nota de culpa, mais impugnando os factos que lhe são imputados.
Citada a requerida, veio deduzir oposição, alegando, em síntese: não se verificarem as excepções invocadas pelo trabalhador requerente e terem-se provado os factos que lhe foram imputados na nota de culta.
Procedeu-se à realização das diligências de prova, tendo sido proferida decisão, na qual se concluiu não se verificar a prescrição do procedimento criminal invocada pelo requerente e, como questão prévia se considerou: “o tribunal não se pronunciará sobre factos alegados no requerimento inicial e na oposição que, não sendo favoráveis ao trabalhador, não constem da nota de culpa e respectiva resposta, na medida em que não podem ser levados em conta no juízo a fazer sobre a licitude ou ilicitude da sanção disciplinar aplicada.”, e ainda que: “os factos e comportamentos descritos sob os arts. 14º, 21º (na parte em que se alega que o A. esgotava “de forma reiterada” o plafond de combustível), 30º, 31º, 34º, 35º, 46º, 47º, 48º, 50º, 51º, 52º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º e 68º da nota de culpa, ou são genéricos e conclusivos, ou não estão suficientemente localizados no espaço e no tempo, razão pela qual não serão objecto de pronúncia por parte do tribunal, no sentido de os julgar provados ou não provados, por não poderem ser atendidos na apreciação a fazer acerca da ilicitude do despedimento.”
Mais se decidiu, a final: “julgar procedente o procedimento cautelar e, em consequência: - Determina-se a suspensão do despedimento do A., levado a cabo pela R., condenando-se esta a pagar ao A. as retribuições em dívida desde o despedimento, nos termos do disposto no art. 39º nº 1, al. b) do Cód. de Processo do Trabalho, devendo juntar comprovativo desse pagamento até ao último dia de cada mês subsequente à presente decisão.”
Fixou-se à providência o valor de € 30.000,01.
Inconformada interpôs a requerida o presente recurso de apelação, concluindo:
1. Vem o presente recurso interposto da Decisão de Suspensão do Despedimento do Trabalhador, aqui Recorrido, no presente Procedimento Cautelar instaurados contra a Recorrente.
2. Os mandatários da Recorrente não têm acesso no citius a este Processo Cautelar, nem às gravações da Audiência Final realizada, em 7 de Agosto de 2023, encontrando-se, assim, impedidos de exercer, plenamente, o direito de recurso da Recorrente da D. sentença recorrida até que lhes seja disponibilizado o acesso ao processo.
3. A Recorrente apresenta, assim, este recurso, por cautela e dever de patrocínio do mandatário, e reserva e reclama o direito de, quando for disponibilizado aos seus mandatários o acesso ao processo através do citius e às gravações da Audiência Final, vir a impugnar a decisão sobre a matéria de facto e/ou arguir a nulidade da Sentença recorrida, versando, assim, o presente recurso, por ora e apenas, sobre matéria de Direito.
4. O Tribunal a quo julgou incorrectamente procedente o presente Procedimento Cautelar e determinou a suspensão do despedimento do trabalhador aplicado pela aqui Recorrente, condenando-a a pagar ao Trabalhador Recorrido as retribuições em dívida desde o despedimento, ao abrigo do disposto no artigo 39º número 1, alínea b) do Código de Processo do Trabalho (adiante CPT) e, nas custas processuais devidas a juízo.
5. A Sentença proferida julgou correctamente o indeferimento da pretensa caducidade do direito da ora Recorrente a agir disciplinarmente contra o trabalhador aqui Recorrido, assim como, o indeferimento da suposta prescrição do procedimento disciplinar em relação a cada um dos factos que são imputados ao Recorrido na Nota de Culpa, sendo, portanto, de manter o decidido quanto às identificadas excepções processuais.
6. Salvo o devido respeito, não podia o Tribunal a quo ter concluído, como concluiu, pela probabilidade de inexistência de justa causa de despedimento do trabalhador e de impossibilidade de subsistência da relação laboral, tendo, em consequência, decidido como decidiu, pela incorrecta e indevida suspensão da Decisão disciplinar de despedimento do ora recorrido.
7. A decisão recorrida assenta numa incorrecta aplicação das normas previstas nos artigos 387º número 3, 357º, número 4, 353º, número 1 (parte final) e 382º, número 2 alínea a), todos do Código do Trabalho, que o Tribunal a quo faz logo em sede de Questão Prévia.
8. No que respeita à aplicação conjunta das normas previstas nos artigos 387º número 3 e 357º número 4, tais normas foram invocadas pelo Tribunal recorrido para não se pronunciar sobre determinados factos alegados no Requerimento Inicial e na Oposição apresentados pelas partes, que, alegadamente, não constam da Nota de Culpa e respectiva Resposta.
9. O Tribunal a quo não levou em conta no juízo que fez sobre a licitude ou ilicitude da sanção disciplinar aplicada, factos e acontecimentos que entendeu, erradamente, não constarem da Nota de Culpa e respectiva Resposta pelo Trabalhador.
10. A Recorrente não se conforma com o entendimento do Tribunal a quo, que considerou que os factos e comportamentos descritos sob os artigos 14º, 21º (na parte em que se alega que o Autora esgotava “de forma reiterada” o plafond de combustível) 30º, 31º, 34o, 35º, 46º, 47º, 48º, 50º, 51º, 52º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º e 68º da Nota de Culpa, ou são genéricos e conclusivos, ou não estão suficientemente localizados no espaço e no tempo.
11. O Tribunal a quo considerou, erradamente, invocando o incumprimento do estabelecido nos artigos 353º, número 1 (parte final) e 382º, número 2 alínea a) ambos do CT, que esses factos e comportamentos não poderiam ser atendidos na apreciação a fazer acerca da ilicitude do despedimento e, com esse fundamento, não os admitiu nem considerou na decisão tomada.
12. A Recorrente não se conforma, ainda, com o juízo de probabilidade séria de inexistência de justa causa para o despedimento, que foi feito pelo Tribunal a quo, requisito com base no qual (erradamente, porque o mesmo não se verifica), decretou a providência.
13. O Tribunal a quo não identificou nem concretizou, como deveria, quais foram os factos constantes da Oposição deduzida pela Recorrente que não constam da Nota de Culpa (e, consequentemente, da Decisão de Despedimento) comunicada ao Trabalhador, nem o poderia sequer ter feito, porquanto, a Recorrente invocou na Oposição que deduziu ao Processo cautelar, exclusivamente, os factos que constam da Nota de Culpa e da Decisão de Despedimento que comunicou ao Trabalhador, tendo este respondido à Nota de Culpa e requerido a produção de prova, que foi admitida, produzida e considerada na decisão final do processo disciplinar que lhe foi comunicada.
14. Pelo que, esta parte da decisão recorrida padece de falta da devida fundamentação legal, devendo ser revogada.
15. O art. 387º, nº 3 do CT tem aplicação na Acção principal que se encontra a correr termos sob o Apenso A aos presentes autos, sendo jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores que nessa Acção Judicial, é inclusivamente, permitido à entidade empregadora, no seu Articulado de Motivação do Despedimento, alegar factos que não constem da Nota de Culpa e da decisão de despedimento comunicada ao Trabalhador, que sejam complementares ou explicativos dos imputados ao Trabalhador na Nota de Culpa, na aferição sobre a existência de justa causa, a apreciar segundo os critérios definidos no número 3 do artigo 351o do Código do Trabalho.
16. No Procedimento Cautelar de Suspensão de Despedimento, que se caracteriza pela sumariedade, provisoriedade e instrumentalidade em face da Acção de Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento, o Juiz só tem de verificar, segundo os elementos fornecidos pelo processo, se os factos imputados ao Trabalhador no processo disciplinar, vistos sob o ponto de vista objectivo, são ou não susceptíveis de integrar justa causa de despedimento.
17. Sendo a existência dos Procedimentos Cautelares justificada pela urgência de intervenção do Tribunal, não é exequível que estes Procedimentos sigam uma tramitação que permita averiguar com certeza da existência do direito cuja tutela se pretende assegurar, a qual apenas é possível apurar na acção de Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento.
18. Salvo o devido respeito, andou mal o Mmo. Juiz do Tribunal recorrido ao aplicar ao Procedimento Cautelar de Suspensão da Decisão de Despedimento normas legais relativas à Acção de Impugnação do Despedimento Principal para justificar a exclusão de factos e comportamentos do Trabalhador que foram validamente carreados para o Processo Cautelar pela aqui Recorrente.
19. Com esta decisão, coarctou o direito da Recorrente de ver incidir sobre todos os factos ocorridos e imputações feitas ao Trabalhador um juízo de probabilidade séria da licitude ou ilicitude da sanção disciplinar aplicada.
20. Entendeu o Tribunal recorrido que os factos e comportamentos descritos sob os arts. 14º, 21º (na parte em que se alega que o A. esgotava “de forma reiterada” o plafond de combustível), 30º, 31º, 34º, 35º, 46º, 47º, 48º, 50º, 51º, 52º, 63º, 64o, 65º, 66º, 67º e 68º da nota de culpa, ou são genéricos e conclusivos, ou não estão suficientemente localizados no espaço e no tempo. Por esta razão, tais factos e comportamentos não foram objecto de pronúncia por parte do tribunal a quo, no sentido de os julgar provados ou não provados, e por essa razão não foram atendidos na apreciação a fazer acerca da ilicitude do despedimento.
21. Salvo o devido respeito, trata-se de incorrecta interpretação e aplicação do direito perfilhada pelo Tribunal a quo.
22. Ao apreciar-se a Resposta à Nota de Culpa apresentada pelo Trabalhador resulta evidente que o mesmo captou na essência as condutas que lhe eram imputadas, tendo-se defendido nos autos de forma tal que demonstrou ter cabalmente compreendido quais eram os factos e comportamentos violadores da relação laboral de que estava a ser acusado. Aliás, sem prejuízo de ter refutado a prática de alguns dos factos que lhe eram imputados, o Trabalhador até confessou ter praticado outros.
23. Dúvidas não existem de que o Trabalhador compreendeu cabalmente quais eram os factos e comportamentos violadores da relação laboral que lhe estavam a ser imputados, pelo que, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a aqui Recorrente deu cumprimento à exigência legal vertida nos artigos 353º, número 1 (parte final) e 382º número 2 alínea a) do CT, na medida em que não pôs em causa o exercício do direito de defesa pelo Trabalhador, sendo este o desiderato daquelas normas.
24. Pelas razões expostas, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, pois deveria ter admitido e considerado a factualidade vertida nos artigos 14º, 21º (na parte em que se alega que o A. esgotava “de forma reiterada” o plafond de combustível), 30º, 31º, 34º, 35º, 46º, 47º, 48º, 50º, 51º, 52º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º e 68º da Nota de Culpa e aplicado o direito aos factos. Deve, em conformidade, ser proferida decisão que substitua a recorrida, nesta matéria, e que admita e atenda a tais factos na apreciação da licitude ou ilicitude do despedimento.
25. De acordo com o disposto no artigo 39°, número 1 do CPT a suspensão do despedimento será decretada se o Tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela provável inexistência de justa causa para o despedimento (alínea b), ou seja, se sob o ponto de vista objectivo, as condutas assumidas pelo Trabalhador são ou não susceptíveis de integrar justa causa de despedimento. É sobre o Trabalhador que recai o ónus de demonstrar tal probabilidade séria, sem prejuízo de o Tribunal formar a sua convicção com base em todos os meios de prova apresentados nos autos, independentemente da identidade da parte que os promoveu. No entanto, o Recorrido não fez prova, como lhe competia, da provável inexistência de justa causa do seu despedimento, nem a prova apresentada pelas partes permitiu ao Tribunal a quo concluir, como concluiu, salvo o devido respeito erradamente, pela verificação do requisito da probabilidade de inexistência de justa causa de despedimento e, em consequência, pelo decretamento da providência.
26. Tendo o Contrato de Trabalho natureza eminentemente pessoal e assentando na indispensável confiança depositada no Trabalhador, para que o Contrato se pudesse manter, dúvidas não podiam ter subsistido ao Tribunal recorrido de que a conduta violadora dos deveres que sobre o Trabalhador recaíam – que foi amplamente demonstrada, fundamentada e localizada no tempo e no espaço pela Recorrente e reconhecida na sentença recorrida –, era susceptível de, objectivamente, determinar a quebra dessa confiança.
27. Dos factos apurados e que o Tribunal considerou provados, dúvidas não existem de que, resultou verificada a versão dos factos apresentada pela aqui Recorrente em sede de Nota de Culpa e Decisão de Despedimento, tendo o Tribunal a quo concluído pela prática das condutas descritas na Decisão de Despedimento.
28. De acordo com o que considerou provado, o Tribunal a quo deveria ter concluído, necessariamente, que o Trabalhador incumpriu de forma reiterada grave e grosseira os deveres a que se encontrava adstrito em violação do disposto no artigo 128º, número 1, alíneas c), e), g) e h) do Código do Trabalho, e não, apenas, do disposto nas alíneas c) e e).
29. Não se compreende nem aceita como pôde o Tribunal a quo entender perante a factualidade demonstrada que se tratou “de situações que ocorreram uma só vez e que não revestem particular gravidade, não se tendo apurado que delas tenha resultado efectivo prejuízo para a R..”?? - O trabalhador recorrido usou abusivamente e sem autorização a viatura de trabalho fora do seu horário de trabalho para fins pessoais, causando o inerente prejuízo patrimonial à entidade patronal com o consumo de combustível pago pela empresa.
30. O trabalhador fez abastecimentos consecutivos de combustível na viatura da empresa que lhe foi atribuída com o cartão da entidade patronal que não têm a mínima justificação face aos quilómetros necessários para o exclusivo desempenho da actividade profissional, nem equiparação com os consumos apresentados pelos outros motoristas, causando o inerente prejuízo patrimonial à entidade patronal com o consumo de combustível pago pela empresa.
31. O trabalhador parou a centrífuga das colheitas de produtos biológicos antes do término do ciclo, não tendo os motoristas da R. – nomeadamente o A. – formação nem autorização para intervir no processo de centrifugação. Com esta conduta, o recorrido pôs em causa a fiabilidade dos resultados das análises clínicas àquelas colheitas de produtos biológicos, pondo em causa o bom nome, o prestígio e a qualidade da actividade da empresa.
32. O trabalhador não entregou no Laboratório ... todas as amostras do posto “B...” que trazia consigo, que ficaram numa mala que não tinha sido retirada da carrinha. Com esta conduta, o recorrido pôs em causa a fiabilidade dos resultados das análises clínicas àquelas colheitas de produtos biológicos, que ficaram sujeitas a deterioração por deixarem de estar às temperaturas adequadas à realização das análises, pondo em causa o bom nome, o prestígio e a qualidade da actividade da empresa.
33. Encontra-se, assim, em limite, indiciariamente comprovado nos autos um conjunto de várias condutas graves perpetradas pelo trabalhador recorrido em absoluta violação dos deveres laborais inerentes à sua prestação de trabalho.
34. É impossível a subsistência da relação de trabalho por não ser exigível à Recorrente manter ao seu serviço um trabalhador que pautou o seu trabalho por uma total irresponsabilidade, displicência e desinteresse no desempenho das suas funções, mesmo depois de chamado à atenção, e assumiu comportamentos absolutamente violadores do zelo e diligência a que se encontrava adstrito, que perpetuou de forma reiterada e grosseira, e que resultaram, inevitavelmente, na perda total de confiança pela Recorrente.
35. No caso dos autos, é forçoso concluir que se encontram verificados todos os requisitos legais de existência de justa causa do despedimento.
36. Não é aceitável, em termos jurídico-laborais e independentemente da perspectiva que se assuma em tal matéria, não encarar como voluntárias, ilícitas, culposas e graves as várias condutas assumidas pelo Recorrido no seu tempo e local de trabalho.
37. Não pode ser exigível à Recorrente manter uma relação laboral com o Recorrido, atentas, não só as consequências que dos comportamentos que assumiu já advieram, bem como, o justo receio desses comportamentos se continuarem a repetir (e a extrapolar), dada a completa displicência do Trabalhador, a falta de consciência para a gravidade das suas condutas, a incapacidade de corrigir a sua atitude, e a frequência contínua e quase incessante com que as inúmeras infracções se sucederam durante a execução do contrato.
38. A sanção disciplinar aplicada foi, assim, proporcional e adequada ao comportamento do Trabalhador, pois perante a comprovada actuação deste, seria chocante e intolerável impor-se à Recorrente e aos demais trabalhadores desta, a continuação da relação laboral.
39. Face ao exposto e à factualidade comprovada, ao contrário do decidido, deveria o Tribunal a quo ter concluído pela probabilidade séria existência de justa causa de despedimento do A. e, em consequência, ter reconhecido como indiciariamente demonstrada a impossibilidade/inexigibilidade da manutenção da relação laboral.
40. Transigindo sem consentir, ainda que o Tribunal a quo tivesse ficado em situação de dúvida razoável, impunha-se que indeferisse a providência, relegando o julgamento da regularidade e licitude do despedimento para a decisão do processo principal.
41. Não o tendo feito, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por incorrecta interpretação e aplicação do direito, devendo, em consequência, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que indefira a providência cautelar requerida nos presentes autos.
O requerente alegou concluindo:
A. A Recorrente à semelhança do Recorrido, podia ter consultado o processo físico e podia ter requerido a gravação do julgamento, ter enviado um CD ou outro meio de suporte e requerido a sua remessa.
B. Não o tendo feito não deve ser reconhecida qualquer justo impedimento que lhe permita uma concessão de novo prazo para recurso da matéria de facto.
C. Refere o Recorrente que “o Tribunal a quo não se pronunciou sobre factos alegados no Requerimento Inicial e na Oposição apresentados pelo Trabalhador e pela entidade empregadora, respectivamente, por supostamente não constarem da Nota de Culpa e respectiva Resposta do trabalhador”
D. E que “(...) o Tribunal a quo não identificou nem concretizou, como deveria, quais foram os factos constantes da Oposição deduzida pela Recorrente que não constam da Nota de Culpa (e, consequentemente, da Decisão de Despedimento) comunicada ao Trabalhador”.
E. Ora para além de não se perceber como é que no recurso da matéria de direito se coloca em causa factos que deveriam ou não ter sido dados como provados, também o próprio Recorrente não indica que factos é que não foram atendidos e deveriam tê-lo sido por constarem da nota de culpa.
F. O Recorrente alega que todos os factos que estão na sua Oposição, estão na Nota de Culpa e que por isso o Tribunal a quo tinha de se pronunciar sobre eles, mas também não indica quais foram então aqueles factos que não foram atendidos pelo Tribunal a quo, e que deveriam ter sido por constarem da Nota de Culpa.
G. O Recorrente estará descontente por não terem sido atendidos os factos 4º, 21º (na parte em que se alega que o A. esgotava “de forma reiterada” o plafond de combustível), 30º, 31º, 34º, 35º, 46º, 47º, 48º, 50º, 51º, 52º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º e 68º da nota de culpa.
H. Mas estes factos não foram atendidos não por não constarem da Nota de Culpa, mas sim por serem genéricos e conclusivos, ou não estarem suficientemente localizados no espaço e no tempo.
I. Os factos constantes da nota de culpa e que são como bem admite a Recorrente, os mesmos da oposição, genéricos e conclusivos, ou não estarem suficientemente localizados no espaço e no tempo.
J. Não se indicam as datas em que se verificaram os factos, quem os verificou, como foi verificado, quem disse o quê, se o Recorrido repetiu ou não, referem que metem em causa a imagem da Recorrente, mas não dizem como, como melhor se demonstra nos artigos 21 a 38º das presentes alegações.
K. Apesar dos factos dados como não provados por genéricos ou conclusivos as condutas que a Recorrente pretendia que fossem tidas em consideração, na verdade foram e foram consideradas provadas.
L. Os factos desconsiderados não alterariam a decisão já que o que motivou a procedência do Procedimento Cautelar foi o facto de não haver repetição de condutas que torne impossível a manutenção do vínculo, nem prejuízo causado e provado pelas referidas condutas.
M. O Recorrente confunde o recurso da matéria de direito com a de facto, por pretender ver os factos desconsiderados como imprescindíveis para a decisão.
N. Porém, incumbe ao Recorrente, quando impugne a matéria de facto e sob pena de imediata rejeição, os ónus de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas e, ainda, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu pedido de alteração dessa matéria.
O. A Recorrente incorre no cumprimento do ónus do art. 640º do C.P.C..
P. Deve o Recurso ser rejeitado, por inobservância do ónus estabelecido no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, als. a) e b), do C.P.C., julgando-se o recurso improcedente, em conformidade.
Q. Alega a Recorrente que “(...) o Recorrido não fez prova, como lhe competia, da provável inexistência de justa causa do seu despedimento, nem a prova apresentada pelas partes permitiu ao Tribunal a quo concluir, como concluiu, salvo o devido respeito erradamente, pela verificação do requisito da probabilidade de inexistência de justa causa de despedimento e, em consequência, pelo decretamento da providência”.
R. Apesar dos factos dados como provados não se vislumbra que nenhuma conduta tenha sido repetida depois de avisado o Recorrido.
S. Se estes factos são tão graves ao ponto de haver uma perda de confiança no trabalhador e se todos ocorreram no verão do ano passado como é que não são comunicados mais cedo aos gerentes quando a Dra. BB tinha conhecimento dos mesmos desde o verão do ano de 2022?
T. E porque é que não se procedeu logo a um procedimento disciplinar com uma sanção menos gravosa?
U. Não se verificou qualquer prejuízo para a Recorrente, ou repetição da mesma conduta.
V. Crê-se que o comportamento do Recorrido não tem a gravidade nem teve consequências de tal forma relevantes que tenham a virtualidade de levar um empregador normal, um “bónus pater família”, a concluir que não há condições mínimas de manutenção da relação laboral.
W. Foi violado o princípio da proporcionalidade, consagrado no art. 330º nº 1 e, por isso, bem andou a decisão recorrida em dar procedência à pretensão do Recorrido de ver sancionado de ilícito, face ao estatuído no art. 381º al. b), o despedimento levado a cabo pela Recorrente.
X. A maioria das imputações nem circunstanciada está nem em relação à sua data concreta, nem muito menos à sua repetição.
Y. O Recorrido não repetiu nada de que tenha sido repreendido.
Z. Tanto é possível manter o vínculo laboral que o Recorrido esteve desde Julho/Agosto/Setembro (isto por não haver datas concretas do que lhe é imputável) sem que houvesse queixas.
AA. Deve manter-se a decisão de Direito, que pode não agradar à Recorrente, sem que isso signifique que tenha havido uma incorreta aplicação dos dispositivos.
O recurso foi admitido em primeira instância com efeito suspensivo, em virtude da recorrente ter procedido ao depósito a que se refere o art. 40º, nº 2, do CPT.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer no sentido da procedência parcial do recurso, referindo, em suma:
“(...) quanto à matéria de direito, salvo melhor opinião, entendemos que merece censura a decisão proferida, na esteira das 28ª a 34ª conclusões, designadamente tendo em conta os considerandos que nela são tecidos no item “DE DIREITO:” relativamente à apreciação de conduta parcelar do recorrido.
(...)
Com efeito, terá aqui de ser chamado à colação o conhecimento científico, tendo por base esta análise do texto da decisão e sem necessidade de quaisquer outros elementos. É pacífico que o recorrido procedeu ao transporte de produtos biodegradáveis que, em tempo útil e dentro se condições estritas, têm de ser entregues no laboratório para análise, sob pena de degradação das amostras de sangue a serem examinadas. A consequência podem ser falsos resultados a influenciar o estado de saúde dos pacientes, a serem clinicamente tratados em conformidade com o errado resultado clínico proveniente dessas análises obtido em divergência com os adequados procedimentos laboratoriais. Em causa pode estar um risco para a saúde dos pacientes visados, como consequência directa, necessária e suficiente da conduta do recorrido. Daí que a relação laboral não possa subsistir, por quebra dos supra apontados deveres funcionais, por comportamento culposo do requerido, que a torna de imediato insubsistente, por merecedora de censura. A sanção disciplinar de despedimento mostra-se justificada e lícita, conforme aos princípios da legalidade, da adequação e da proporcionalidade face à gravidade destes factos, por revestir uma probabilidade objectiva e séria de justa causa, nos termos combinados dos arts. 328º nº 1 al. f), 338º, 351º nºs 1, 2 al. a) e 3 e 381º al. b) do C. do Trabalho (cfr. Ac. TRLx. de 13-02- 2019, aplicável “mutatis mutandis"). A conclusão supra mencionada é inaceitável.
Evidencia-se, pois, um erro de julgamento que terá de determinar a revogação da decisão de mérito, por deficiente enunciação e interpretação da realidade factual e consequente aplicação do direito de forma a que o decidido corresponda à realidade normativa – cfr. Acs. do STJ de 02-07-2015 e 03-03-2021.
Daí que o Mmo, Juiz “a quo” estivesse apto, neste segmento, a julgar improcedente o presente procedimento cautelar de suspensão da decisão de despedimento do trabalhador recorrido, nos termos do art. 39º nº 1 al. a) do CPT, “a contrario sensu” – cfr. Ac. TRP de 10-07-2019 (todos consultáveis in www.dgsi.pt).
Procedem, parcialmente, as 28ª a 36ª conclusões. A decisão recorrida merece ser mantida na ordem jurídica na parte não expurgada.”
Parecer a que o recorrido respondeu, dele divergindo.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões em discussão:
I. Da desconsideração de matéria de facto constante da nota de culpa;
II. Da procedência da providência.

II. Fundamentação de facto
Na decisão recorrida considerou-se como indiciariamente demonstrada a seguinte matéria de facto:
1. O A. foi contratado pela R. em 25/11/2021, para exercer as funções de Motorista.
2. A R. é uma sociedade comercial que presta serviços de saúde na área dos meios auxiliares de diagnóstico, nomeadamente análises clínicas, sendo detentora de um laboratório de análises clínicas, integrando o “Grupo A...”.
3. O Laboratório de análises clínicas central do Grupo A... situa-se em ..., no concelho de Oeiras, onde se encontra a sua administração.
4. Os Administradores do Laboratório Central A... (Dr. CC e Dra. DD) são simultaneamente os legais representantes dos Laboratórios participados, como é o caso da sociedade ora R., e exercem a sua actividade profissional em ..., no concelho de Oeiras.
5. A competência disciplinar sobre os trabalhadores da R. cabe unicamente aos seus gerentes, Dr. CC e Dra. DD.
6. Os referidos gerentes da sociedade R. só tomaram conhecimento dos factos que vieram a ser imputados ao A. na nota de culpa, em reunião ocorrida no dia 6 de Fevereiro de 2023, data em que lhe foram comunicados pela directora técnica da R., Dra. BB.
7. Nesse mesmo dia, foi instaurado procedimento disciplinar ao A..
8. No dia 10/02/2023, a R. comunicou ao A., por email, a suspensão preventiva do trabalho, no âmbito de processo prévio de inquérito que lhe instaurou, nos termos que constam de fls. 116 dos autos – que aqui se dá por reproduzido.
9. No dia 15/03/2023, o A. remeteu email à instrutora do procedimento disciplinar, Dra. EE, questionando-a sobre se já existia uma data prevista para o seu regresso ao trabalho.
10. No dia 04/04/2023, o A. remeteu email para a instrutora do procedimento disciplinar e para os Recursos Humanos da R., informando que no dia 10 de Abril se apresentaria ao trabalho, visto terem decorrido mais de 30 dias desde a sua suspensão.
11. No dia 04/04/2023, a instrutora do procedimento disciplinar remeteu email ao A., comunicando-lhe que «(...) o processo ainda se encontra a correr os seus termos, motivo pelo qual não fará sentido apresentar-se ao trabalho».
12. No dia 03/05/2023 o A. recebeu a nota de culpa enviada pela R., cujo teor de seguida se transcreve, na parte que respeita aos factos imputados (ponto I):
«1. A Entidade Empregadora dedica a sua atividade à prestação de serviços médicos e clínicos, bem como à realização de atos e meios complementares de diagnóstico, incluindo análises clínicas.
2. O Trabalhador Arguido iniciou a sua atividade enquanto trabalhador da Entidade Empregadora em 25/11/2021, com a categoria profissional de Motorista.
3. De entre as funções inerentes à categoria profissional do Trabalhador Arguido, é de destacar o transporte de amostras biológicas, o que inclui a respetiva recolha nos postos e entrega para análise no laboratório do grupo A... sito na Avenida ..., ... ... (de ora em diante designado por “Laboratório”), numa base diária.
4. Para o efeito, é atribuída a cada trabalhador com as funções de motorista uma viatura para uso exclusivamente profissional, a qual tem associada a si um cartão de combustível – cartão ... –, competindo a cada motorista garantir os abastecimentos de combustível na viatura que estiver a si atribuída.
5. De notar, que compete também aos trabalhadores com as funções de motorista elaborar um modelo de registo diário, do qual consta o serviço realizado, bem como as respetivas horas, sendo este registo enviado todos os meses para o Responsável pela frota e motoristas do grupo A..., o Senhor FF, juntamente com os recibos de pagamento de cada depósito de combustível efectuado.
6. Sucede que, no dia 6 de Fevereiro de 2023, a Entidade Empregadora teve conhecimento da prática de alegados comportamentos praticados pelo Trabalhador Arguido, suscetíveis de consubstanciar a violação dos deveres laborais a que este se encontra adstrito.
7. Assim, no dia 10 de Fevereiro de 2023, foi dado início ao respectivo Processo Prévio de Inquérito, tendo sido nomeada para o efeito a instrutora Dra. EE.
8. No âmbito do Processo Prévio de Inquérito, que faz parte do presente processo disciplinar, procedeu-se, nomeadamente, nos dias 05/03/2023, 12/04/2023, 13/04/2023 e 20/04/2023, respectivamente, à inquirição dos trabalhadores FF, com as funções de Chefe de Equipa-Frota e Motoristas GG, com as funções de Motorista, HH, com as funções de Técnico de Colheitas, II, com as funções de Técnica de Análises Clínicas (S/C), e JJ, com as funções de Técnica de Análises Clínicas, tendo sido possível apurar o seguinte:
9. No dia 13 de julho de 2023, pelas 14:30 horas, o Trabalhador Arguido foi visto pela Diretora Técnica do Laboratório, a Dra. BB, e pelo Técnico de Colheitas HH, a conduzir a carrinha de serviço, transportando uma pessoa estranha ao serviço.
10. Acresce que o Trabalhador Arguido encontrava-se de folga nessa tarde, tendo saído do Laboratório pelas 13:00 horas.
11. Motivo pelo qual, não tendo existido qualquer pedido aos seus superiores hierárquicos, e consequentemente qualquer deferimento nesse sentido, para utilizar a viatura de serviço para fins pessoais, a carrinha não deveria ter sido utilizada com essa finalidade.
12. Muito menos, para transporte de pessoas não pertencentes à estrutura da Entidade Empregadora.
13. Com as evidentes consequências reputacionais, ao nível da imagem da Entidade Empregadora, e bem assim para além do maior desgaste da viatura, que se destina, apenas, ao uso profissional.
14. Na sequência do episódio supra referido, o trabalhador GG, comunicou à Diretora Técnica do Laboratório, a Dra. BB, que, em data não concretamente apurada mas certamente ocorrida no decurso do ano passado, o Trabalhador Arguido lhe tinha pedido emprestado o cartão ... atribuído à sua viatura, uma vez que, de acordo com o próprio, estaria a fazer mais quilómetros por causa das férias dos colegas e como tal tinha esgotado o saldo do cartão ... da viatura a si atribuída.
15. Do mesmo modo, em julho de 2022, também o Trabalhador Arguido pediu outro cartão ... emprestado à Dra. BB;
16. De acordo com o mesmo, já tinha atestado a sua viatura de serviço nessa manhã, mas encontrava-se novamente na bomba de combustível e não tinha plafond para fazer o pagamento;
17. Note-se que cada cartão ... tem um plafond diário atribuído de 90,00€ (noventa euros).
18. E que as rotas diárias atribuídas aos motoristas não justificam, de forma objetiva, o gasto integral do plafond diário.
19. Confrontado o Trabalhador Arguido sobre o facto de ter esgotado o respetivo plafond diário de combustível, este referiu que tinha feito muitos quilómetros, em virtude dos seus colegas se encontrarem de férias.
20. Contudo, ainda que alguns dos seus colegas se encontrassem efetivamente de férias, e ainda que o Trabalhador Arguido tivesse, naturalmente, de fazer mais quilómetros diariamente, a diferença não justifica, de forma objetiva, o gasto integral do plafond diário disponível no cartão ... atribuído à respetiva viatura.
21. Conforme apurado em sede de inquérito prévio, não é habitual que os motoristas esgotem o valor mensal disponível no cartão ..., sendo apenas ao Trabalhador Arguido que tal sucedia de forma reiterada.
22. Por esse mesmo motivo, foi solicitado à empresa que faz a gestão dos cartões de combustível um extrato do cartão ... atribuído à viatura do Trabalhador Arguido, que se junta como Documento 1, e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
23. Da análise do mesmo foi possível observar que o Trabalhador Arguido fez abastecimentos em dias seguidos, como é exemplo nos dias 29/06/2022 e 30/06/2022, tendo, em cada dia, atestado com 37,41 litros e 40,13 litros, respetivamente.
24. Igualmente, nos dias 06/07/2022 e 07/07/2022, o Trabalhador Arguido atestou, respetivamente, com 36,76 litros e 41,46 litros.
25. Por último, nos dias 02/09/2022 e 03/09/2022, o Trabalhador Arguido atestou, respetivamente, com 43,44 litros e 32,68 litros.
26. Acresce ainda que, de acordo com o procedimento instituído, e que é do perfeito conhecimento do Trabalhador Arguido, na eventualidade de os motoristas esgotarem o plafond disponível no cartão ... atribuído à respetiva viatura, devem dar conhecimento imediato desse facto aos seus superiores hierárquicos.
27. O que não sucedeu, tendo o Trabalhador Arguido procurado obter outro cartão para abastecer, sem expor tal situação às suas chefias.
28. De acordo com o apurado em sede de inquérito prévio, concluiu-se que os quilómetros efetuados pelo Trabalhador Arguido não eram compagináveis com os abastecimentos de combustível verificados, os quais não poderiam ser feitos numa mesma viatura, neste caso, na viatura de serviço atribuído ao Trabalhador Arguido.
29. O que consubstancia uma violação grosseira dos deveres a qua o Trabalhador Arguido se encontra adstrito, uma vez que o Trabalhador Arguido não só fez uso de uma viatura de serviço para fins pessoais, como utilizou valores da empresa, também para fins pessoais.
30. Sucede ainda que, conforme apurado em sede de inquérito prévio, o Trabalhador Arguido incumpriu ainda diversos outros procedimentos em vigor na Entidade Empregadora, cujo conhecimento não podia, de todo, ignorar.
31. Nomeadamente, verificou-se uma violação ao procedimento de recolha de amostras biológicas nos postos – função essa nuclear na atividade desempenhada pelo Trabalhador Arguido – uma vez que o Trabalhador Arguido, de forma sistemática, saía dos postos de colheitas antes do término das mesmas.
32. Ora, tal é manifestamente contrário às instruções que os motoristas têm acerca do desempenho das suas funções, na medida em que, naturalmente, apenas podem sair dos postos de colheitas após o encerramento desse mesmo serviço, sob pena de I) não levarem todas as colheitas realizadas nesse dia, comprometendo os prazos de análise e processamento das amostras, e II) terem que voltar a esse mesmo posto para recolher as amostras biológicas em falta, com o consequente atraso na análise e processamento das mesmas.
33. Refira-se que a instrução que todos os motoristas têm é a de terem que aguardar pelo encerramento do serviço de colheitas para, só depois, procederem à respetiva recolha nos postos e entrega no Laboratório.
34. Com a sua conduta, o Trabalhador Arguido não só incumpriu as rotas que lhe são atribuídas – definidas de acordo com aquela que se crê ser a estratégia que melhor garante a agilização e eficácia do serviço –, como compromete igualmente os prazos de análise das amostras biológicas.
35. Também a Técnica de Análises Clínicas II, referiu que o Trabalhador Arguido a pressionava para levar as amostras antes de encerrado o serviço de colheitas, ainda que mencionasse que no caso de entretanto surgirem mais colheitas, voltaria ao posto para as recolher.
36. Do mesmo modo, no dia 29 de agosto de 2022, no posto designado por “B...”, sito na Avenida ..., ..., ... Águeda, o Trabalhador Arguido adotou outra conduta inaceitável ao parar a centrífuga antes do término do ciclo.
37. Confrontado pela Técnica de Análises Clínicas JJ, o Trabalhador Arguido referiu que “era para ser mais rápido”.
38. Ora, tal representa uma violação dolosa e grosseira dos deveres a que o Trabalhador Arguido se encontra adstrito, na medida em que é por demais do seu conhecimento não ter formação nem autorização para intervir nesse processo.
39. Processo esse que é técnico e apenas da competência de pessoas com formação específica para o efeito. 40. Sendo o cumprimento desse procedimento crucial e essencial para a própria certificação do Laboratório.
41. Assim, com a sua conduta, o Trabalhador Arguido não só colocou em causa a viabilidade daquelas amostras – na medida em que, estando o processo de centrifugação a ocorrer, o mesmo não poderia ter sido interrompido –, como prejudicou o regular funcionamento do Laboratório, na medida em que em virtude dessa conduta, as amostras em causa tiveram que ser novamente submetidas ao processo de centrifugação para que se garantisse o seu correto processamento, causando um atraso no processo de análise e bem assim causando entropia no trabalho dos restantes colegas que tiveram que trabalhar mais tempo para garantir a qualidade do procedimento.
42. Para além do exposto, foi ainda reportada uma outra situação, também ela demonstrativa da falta de zelo e diligência com que o Trabalhador Arguido desempenha as suas funções. Se não veja-se que,
43. No posto de colheitas designado por “B...”, é suposto os motoristas passarem duas vezes por dia: por volta das 09:30 horas e pelas 12:00 horas.
44. Na primeira volta, além do malote destinado a esse posto, o motorista leva também um malote refrigerado destinado a recolher produtos de postos terceiros.
45. Esses malotes refrigerados são especificamente preparados pelos Técnicos de Análises Clínicas, que colocam termoacumuladores, por forma a que, quando os motoristas procedam à recolha das amostras, o malote esteja à temperatura ideal para receber as mesmas.
46. Sucede que a Técnica de Análises Clínicas JJ, verificou que, durante um certo período, o malote que preparava não saía do posto.
47. Ou seja, as amostras eram recolhidas para outro malote que não o que estava previamente preparado e destinado àquele posto.
48. Em face de tal situação, tendo-se apercebido que todos os dias tirava e punha termoacumuladores num malote que não saia do posto, a Técnica de Análises Clínicas questionou o Responsável da Qualidade do Laboratório, o trabalhador KK, sobre as temperaturas a que o malote daquele posto estaria a chegar ao Laboratório, as quais constataram estarem superiores ao pretendido e suposto.
49. O procedimento definido passa pela utilização da mala refrigerada, de modo a salvaguardar a temperatura das colheitas.
50. Constatou-se que esta situação se estava a passar com o Trabalhador Arguido que, depois de devidamente chamado à atenção, voltou a repetir o mesmo comportamento, com total incúria e desrespeito pelas respetivas funções.
51. Sendo que o incumprimento deste procedimento pelo Trabalhador Arguido é susceptível de alterar o estado das colheitas, e, consequentemente, levar à sua inutilização.
52. O que acarreta graves prejuízos não só para quem depende dos resultados em causa, bem como para a Entidade Empregadora que desde a sua constituição tem assumido um compromisso sério para com a Saúde daqueles que a procuram.
53. Também no dia 25/08/2022, existiu outra situação inaceitável, na medida em que o Trabalhador Arguido não entregou todas as amostras do posto “B...” que trazia consigo.
54. A falta das amostras acabou por ser identificada pela equipa do Laboratório, que detetou que se encontravam em falta algumas colheitas realizadas nesse dia.
55. Tendo vindo posteriormente a constatar-se que se encontravam numa mala que não tinha sido retirada da carrinha.
56. Esta situação levou a que a equipa da ... tivesse que se deslocar a Águeda, num trajeto de, aproximadamente, 40 km, para proceder à recolha das colheitas deixadas pelo Trabalhador Arguido na carrinha.
57. Assim, mais uma vez, constatou-se uma situação de negligência reiterada e atentatória dos deveres a que o Trabalhador Arguido se encontra adstrito, com uma repercussão direta no cumprimento dos prazos de entrega de resultados com os quais a Entidade Empregadora se compromete, com as demais consequências já mencionadas nos pontos antecedentes da nota de culpa.
58. Também no dia 3 de outubro de 2022, o Trabalhador Arguido informou a substituta da Dra. BB, a Dra. LL, de que a partir daquele dia estaria de licença de paternidade e que não se apresentaria ao trabalho nos próximos vinte dias.
59. Note-se, que a Entidade Empregadora não tinha qualquer conhecimento quanto à verificação de tal evento.
60. Acresce que, para além de incumprir o procedimento relativo à comunicação das ausências e apresentação do respetivo comprovativo da situação alegada,
61. O motorista que substituiu o Trabalhador Arguido na sua ausência, verificou que, não só a carrinha utilizada pelo mesmo se encontrava num grave estado de sujidade, como continha uma caixa de cartão e um cobertor na parte de trás da mesma.
62. Objetos esses completamente alheios às funções desempenhadas e aos procedimentos instituídos, nomeadamente aos relativos à segurança e saúde no trabalho, tanto ou mais prementes quando se trabalha numa área tão sensível como a saúde, nomeadamente, na realização de atos e meios complementares de diagnóstico, incluindo análises clínicas.
63. Inclusivamente, foi ainda reportado por alguns motoristas que tinham visto a carrinha de serviço utilizada pelo Trabalhador Arguido parada numa estrada junto a um pinhal, numa zona deserta e como tal sem qualquer justificação para aí estar, conhecida por ser um local habitual de prostituição.
64. Confrontado com esta situação, o Trabalhador Arguido referiu que tinha ido beber café.
65. O que não é possível, uma vez que não existe qualquer café naquela zona, por se tratar de uma zona completamente remota.
66. Por último, a Entidade Empregadora recebeu ainda uma denúncia, a qual recaiu sobre a má conduta de condução do Trabalhador Arguido, por alegadamente ter o mesmo realizado uma manobra extremamente perigosa com a carrinha de serviço.
67. Colocando em causa, com a sua conduta, quer a segurança dos demais utilizadores da via pública, quer a reputação e imagem da Entidade Empregadora.
68. O facto de o Trabalhador Arguido desenvolver a sua atividade profissional num sector especialmente sensível – o setor da saúde –, deposita em si uma responsabilidade adicional além da profissional, como cidadão, pelo que lhe deve ser exigida uma conduta exímia e exemplar;
69. Assim, as condutas adotadas pelo Trabalhador Arguido consubstanciam comportamentos graves, traduzindo-se na manifesta violação dos deveres a que o Trabalhador Arguido se encontra adstrito (...).
70. Pelo exposto, no dia 6 de fevereiro de 2023, ao tomar conhecimento da factualidade descrita, a Entidade Empregadora não teve outra opção que não a de instaurar o competente processo disciplinar, tendo em conta a gravidade, e respectivas consequências, dos comportamentos em causa.».
13. O A. respondeu à nota de culpa em 16/05/2023, nos termos que constam de fls. 134 vº a 150 – que aqui se dão por reproduzidos.
14. Decorrido o procedimento disciplinar, o A. recebeu em 29/06/2023 a decisão de despedimento por justa causa sem direito a indemnização, com o teor que consta de fls. 158 a 170 – que aqui se dá por reproduzido.
15. Faz parte das funções do A. o transporte de amostras biológicas, o que inclui a respectiva recolha nos postos e entrega para análise no laboratório do grupo A..., sito na Avenida ..., ... ..., numa base diária.
16. Para o efeito, é atribuída a cada trabalhador com as funções de motorista uma viatura para uso exclusivamente profissional.
17. A cada viatura está associada um cartão de combustível – cartão ... –, competindo a cada motorista garantir os abastecimentos de combustível na viatura que lhe estiver atribuída.
18. No dia 10 ou 11 de Julho de 2022, por volta das 14:30 horas, o A. foi visto pela Directora Técnica do Laboratório, Dra. BB, a conduzir a carrinha de serviço, transportando uma pessoa estranha ao serviço.
19. No dia em causa, o A. encontrava-se de folga da parte da tarde, tendo saído do Laboratório pelas 13:00 horas.
20. O A. não pediu aos seus superiores hierárquicos para no dia em questão utilizar a viatura de serviço para fins pessoais, nem para transportar pessoas não pertencentes à estrutura da R..
21. Em meados de Junho de 2022, o A. pediu à Dra. BB o cartão ... desta, dizendo que já tinha atestado a sua viatura de serviço nessa manhã e não tinha plafond no seu próprio cartão para efectuar o pagamento de novo abastecimento que precisava de fazer.
22. Cada cartão ... tem um plafond diário atribuído de € 90,00.
23. Não é habitual que os motoristas da R. esgotem o valor mensal disponível no cartão ....
24. O A. fez abastecimentos nos seguintes dias seguidos:
- 29/06/2022 e 30/06/2022, em que abasteceu com 37,41 litros e 40,13 litros, respectivamente.
- 06/07/2022 e 07/07/2022, em que abasteceu com 36,76 litros e 41,46 litros, respectivamente.
- 02/09/2022 e 03/09/2022, em que abasteceu com 43,44 litros e 32,68 litros, respectivamente.
25. De acordo com o procedimento instituído, na eventualidade de os motoristas esgotarem o plafond disponível no cartão ... atribuído à respectiva viatura, devem dar conhecimento desse facto aos seus superiores hierárquicos.
26. Os motoristas da R. têm instruções para apenas saírem dos postos de colheitas após o encerramento dos respectivos serviços, sob pena de não levarem todas as colheitas realizadas nesse dia, comprometendo os prazos de análise e processamento das amostras; e terem que voltar a esse mesmo posto para recolher as amostras biológicas em falta, com o consequente atraso na análise e processamento das mesmas.
27. No dia 29/08/2023, no posto designado por “B...”, sito em Águeda, o A. parou a centrífuga antes do término do ciclo.
28. Os motoristas da R. – nomeadamente o A. – não tem formação nem autorização para intervir no processo de centrifugação.
29. No posto de colheitas designado por “B...”, é suposto os motoristas passarem duas vezes por dia: por volta das 09:30 horas e pelas 12:00 horas.
30. Na primeira volta, além do malote destinado a esse posto, o motorista leva também um malote refrigerado destinado a recolher produtos de postos terceiros.
31. Esses malotes refrigerados são especificamente preparados pelos Técnicos de Análises Clínicas, que colocam termoacumuladores, por forma a que, quando os motoristas procedam à recolha das amostras, o malote esteja à temperatura ideal para receber as mesmas, de modo a salvaguardar a temperatura das colheitas.
32. Em dia não concretamente apurado de Julho ou Agosto de 2022, o A. não entregou no Laboratório ... todas as amostras do posto “B...” que trazia consigo, que ficaram numa mala que não tinha sido retirada da carrinha.
33. Em data não concretamente apurada do mês de Setembro de 2022, o A. comunicou na R. que iria ser pai e que por isso entraria de licença de paternidade.

III. Fundamentação de direito
1. Da desconsideração de matéria de facto
Alega a recorrente:
Da incorrecta aplicação ao caso sub judice das normas conjugadas previstas nos artigos 387º número 3 e 357º número 4, ambos do CT
Ao abrigo dos normativos legais supra citados, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre factos alegados no Requerimento Inicial e na Oposição apresentados pelo Trabalhador e pela entidade empregadora, respectivamente, por supostamente não constarem da Nota de Culpa e respectiva Resposta do trabalhador.
E, com esse fundamento, não levou em conta esses factos no juízo que fez sobre a licitude ou ilicitude da sanção disciplinar aplicada.
No entanto, o Tribunal a quo não identificou nem concretizou, como deveria, quais foram os factos constantes da Oposição deduzida pela Recorrente que não constam da Nota de Culpa (e, consequentemente, da Decisão de Despedimento) comunicada ao Trabalhador.
Na verdade, não o poderia sequer ter feito, porquanto, a Recorrente invocou na Oposição que deduziu ao Processo cautelar, exclusivamente, os factos que constam da Nota de Culpa e da Decisão de Despedimento que comunicou ao Trabalhador, tendo este respondido à Nota de Culpa e requerido a produção de prova, que foi admitida, produzida e considerada na decisão final do processo disciplinar que lhe foi comunicada.
Pelo que, esta parte da decisão recorrida padece de falta da devida fundamentação legal, devendo ser revogada.
Ao exposto acresce que, conforme resulta do estabelecido no invocado artigo 387º número 3 do CT, que prevê que, “Na acção de apreciação judicial do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento comunicada ao trabalhador”, o aqui estatuído é aplicável à acção de apreciação judicial do despedimento, e não ao Procedimento Cautelar de suspensão da decisão de despedimento, no qual, o que se pretende assegurar com carácter provisório a decisão de suspensão do despedimento, mediante um juízo meramente hipotético feito pelo Tribunal.”
O recorrido alegou: “o próprio Recorrente não indica que factos é que não foram atendidos e deveriam tê-lo sido por constarem da nota de culpa.”
Relativamente à falta de fundamentação, importa referir que não invoca a recorrente nulidade da decisão nos termos do art. 615º, nº, al. c), do CPC. De todo o modo sempre se dirá que não se verifica a aludida nulidade, uma vez que a decisão está fundamentada, ainda que se possa argumentar ser tal fundamentação exígua, a verdade é que só a absoluta ausência de fundamentação gera a nulidade referida. A não indicação de factos que se tenham desconsiderado, por não constarem da nota de culpa não consubstancia falta de fundamentação da decisão, uma vez que tal desconsideração é determinável pelas partes, sendo certo que a própria recorrente não indica qualquer facto que tenha sido desconsiderado com tal fundamento, conforme salienta o recorrido.
Mais alega a recorrente que o preceito invocado na decisão, do art. 387º, nº 3, do Código do Trabalho, não é aplicável às providências cautelares, dado que o preceito “é aplicável à acção de apreciação judicial do despedimento, e não ao Procedimento Cautelar de suspensão da decisão de despedimento”. Sem razão, porém. Não só a norma em causa deve ser interpretada no sentido de ser aplicável ao presente procedimento cautelar, como o mesmo constitui já uma fase preliminar do próprio processo de apreciação judicial do despedimento, conforme resulta do disposto no art. 34º, nº 4, do CPT (veja-se Susana Cristina Mendes Santos Martins da Silveira, A Nova Acção de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, na Revista Julgar, nº 15, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pág. 99, igualmente acessível em julgar.pt).
Alega ainda a recorrente:
Do alegado incumprimento pela Recorrente da exigência legal de descrição circunstanciada dos factos imputados ao Trabalhador na Nota de Culpa
Entendeu o Tribunal recorrido que os factos e comportamentos descritos sob os arts. 14º, 21º (na parte em que se alega que o A. esgotava “de forma reiterada” o plafond de combustível), 30º, 31º, 34º, 35º, 46o, 47º, 48º, 50º, 51º, 52º, 63º, 64º, 65º, 66º, 67º e 68º da nota de culpa, ou são genéricos e conclusivos, ou não estão suficientemente localizados no espaço e no tempo.
Por esta razão, tais factos e comportamentos não foram objecto de pronúncia por parte do tribunal a quo, no sentido de os julgar provados ou não provados, e por essa razão não foram atendidos na apreciação a fazer acerca da ilicitude do despedimento.
Salvo o devido respeito, trata-se de incorrecta interpretação e aplicação do direito perfilhada pelo Tribunal a quo.
Com efeito, ao apreciar-se a Resposta à Nota de Culpa apresentada pelo Trabalhador resulta evidente que o mesmo captou na essência as condutas que lhe eram imputadas, tendo-se defendido nos autos de forma tal que demonstrou ter cabalmente compreendido quais eram os factos e comportamentos violadores da relação laboral de que estava a ser acusado.
Aliás, sem prejuízo de ter refutado a prática de alguns dos factos que lhe eram imputados, o Trabalhador até confessou ter praticado outros.
Sem prejuízo do exposto e sem conceder, sempre se dirá que a descrição e circunstanciação espacial e temporal dos factos e comportamentos imputáveis aos trabalhadores na Nota de Culpa, não tem de ser absoluta, podendo não ter necessariamente que ocorrer se a restante factualidade constante da Nota de Culpa e da Decisão de Despedimento permitir ao Trabalhador, de forma segura, conhecer e situar no espaço e tempo o concreto (e não genérico) comportamento que lhe é imputado e, assim, defender-se adequadamente.
Dúvidas não existem de que o Trabalhador compreendeu cabalmente quais eram os factos e comportamentos violadores da relação laboral que lhe estavam a ser imputados, pelo que, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, a aqui Recorrente deu cumprimento à exigência legal vertida nos artigos 353º, número 1 (parte final) e 382º número 2 alínea a) do CT, na medida em que não pôs em causa o exercício do direito de defesa pelo Trabalhador, sendo este o desiderato daquelas normas.”
Respondeu o recorrido:
“(...) pelo confronto entre os factos constantes da Nota de Culpa e desconsiderados pela sua falta de circunstancialismo e definição e os factos dados como provados, verifica-se que no fundo as condutas que a Recorrente pretendia que fossem tidas em consideração, na verdade foram e foram consideradas provadas.
Só não o foram com tanto dramatismo e generalidade, o que em bom rigor não altera nada já que o que motivou a procedência do Procedimento Cautelar foi o facto de não haver repetição de condutas que torne impossível a manutenção do vínculo.
E se o Tribunal a quo não deu como provada a repetição foi porque a Recorrente não conseguiu sequer identificar as datas concretas dos factos, muito menos das suas alegadas repetições.
Acresce que,
O Recorrente parece não distinguir o recurso da matéria de direito com o recurso da matéria de facto, porque alega que há uma incorreta aplicação de dispositivos legais para depois alegar que deviam ter sido dados como provados aqueles factos que foram desconsiderados
Ora quanto a isto, teremos de dizer que V. Exas., Venerandos Senhores Doutores Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação do Porto, não deverão, sequer, admitir tal recurso.
É que – como decorre expressamente do art. 640º, nº 1, als. a), b) e c), e 2, als. a) e b), do C.P.C.. – incumbe ao Recorrente, quando impugne a matéria de facto e sob pena de imediata rejeição, os ónus de especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas e, ainda, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu pedido de alteração dessa matéria.”
Quanto à questão prévia da inadmissibilidade do recurso, a mesma improcede.
Nos termos do art. 640º, nº 1, do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Sucede que, no caso, a recorrente não pretende que se altere a decisão tomada relativamente a qualquer facto, mas sim que se reaprecie a decisão de não se considerar na sentença os factos que foram desconsiderados com fundamento de serem “genéricos e conclusivos, ou não estão suficientemente localizados no espaço e no tempo”. Sendo assim, não se pode falar em discordância e impugnação da decisão relativa à matéria de facto, não sendo exigível que se tivesse dado cumprimento ao disposto no aludido art. 640º, nº 1, do CPC.
Assim, nada obsta à apreciação deste fundamento do recurso.
Nos termos do disposto no art. 353º, nº 1, do Código do Trabalho, no caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.
Segundo Jorge Leite, em Direito do Trabalho, Da Cessação do Contrato de Trabalho, Revista Electrónica de Direito, FDUP, Porto, 2017, acessível em sigarra.up.pt, pág.
87, “A nota de culpa reveste-se de grande importância porque, além do que se disse, delimita o âmbito fáctico de apreciação da adequação da sanção. A entidade patronal não pode invocar outros factos, posteriores ou anteriores, para justificar o despedimento nem o tribunal pode atender a factos nela não descritos. Mesmo no silêncio da lei, compreende-se que não possa ser de outro modo, sob pena de se tornar praticamente inútil o processo disciplinar e de se frustrarem as normas sobre o direito de defesa do acusado”. Acrescentando: “A nota de culpa, peça essencial do processo, deve conter a descrição fundamentada dos factos imputados ao trabalhador, não podendo, sob pena de nulidade, limitar-se a uma acusação genérica. Os factos devem ser descritos de forma minimamente circunstanciada em termos de o trabalhador os poder “localizar”.”
No mesmo sentido acrescenta Maria do Rosário Palma Ramalho, no Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 4ª edição, Coimbra: Almedina, 2012, pág. 835, “A nota de culpa é a peça essencial do processo disciplinar para despedimento, uma vez que estabelece o fundamento do mesmo, em moldes que condicionam a actuação do empregador até ao final do processo – neste sentido, o art. 357º nº 4 in fine estabelece que, na decisão disciplinar do despedimento, não podem ser invocados factos que não tenham constado da nota de culpa.” Acrescentando na pág. 836: “Da nota de culpa tem que constar a descrição dos factos imputáveis ao trabalhador, susceptíveis de integrar o conceito geral de justa causa, constantes do art. 351º nº 1, e das infracções disciplinares a que tais factos correspondam (art. 353º nº 1, parte final), o que se justifica para assegurar a efectividade do direito de defesa do trabalhador. Deste preceito resulta que a estrutura da nota de culpa deve obrigatoriamente integrar as seguintes indicações:
- a descrição completa e detalhada (i.e., circunstanciada) dos factos concretos que consubstanciam a violação do dever do trabalhador, não bastando, pois, uma simples referência ao dever violado pelo trabalhador, nem, muito menos, a remissão para a norma legal que comina tal dever;
- a referência à infracção a que corresponde o comportamento faltoso do trabalhador; tendo em conta que o comportamento do trabalhador pode ser um comportamento extra-laboral (nos termos acima indicados), é, nestes casos especialmente importante o estabelecimento, na nota de culpa, do nexo entre aquele comportamento e o dever laboral relevante para efeitos do despedimento;
- a aferição da gravidade e da culpa do trabalhador na prática de tal infracção, de acordo com os critérios gerais da justa causa para despedimento enunciados no art. 353º nº 1 e nº 3.”
A falta de cumprimento de tal exigência de descrição circunstanciada gera a nulidade do processo e a consequente ilicitude do despedimento, se tal tiver ocorrido (Luís Menezes Leitão, em Direito do Trabalho, 3ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, pág. 404). Conforme disposto no art. 382º, nº 2, al. a) do Código do Trabalho, o procedimento é inválido se faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador.
Compete, porém, à jurisprudência a densificação do conceito de descrição circunstanciada, em função das situações concretas que lhe são colocadas.
João Leal Amado, em Contrato de Trabalho, À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, pág. 381, acrescenta: “no plano procedimental, trata-se, afinal, de dar adequada expressão ao princípio do contraditório, autêntica chave-mestra do direito disciplinar.” Conforme consta do sumário do acórdão do STJ de 14 de Novembro de 2018, processo 94/17.0T8BCL-A.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt, “A nota de culpa deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, em termos de modo, tempo ainda que aproximado, e de lugar, de forma a permitir que aquele organize, de forma adequada, a sua defesa, sob pena de invalidade do procedimento disciplinar.” Daí que igualmente “Se a resposta à nota de culpa revelar que o arguido compreendeu a acusação e exercitou o seu direito de defesa, mostrando pleno conhecimento do circunstancialismo da infracção disciplinar e opondo argumentos idóneos a contrariar a inculpação, a finalidade da referida exigência legal apresenta-se cumprida e a nota de culpa não enferma do vício de insuficiência que, a existir, determinaria a invalidade do processo disciplinar”, conforme sumário do acórdão do STJ de 27 de Fevereiro de 2008, processo 3523/07, acessível em www.stj.pt.
A propósito considerou-se no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 10 de Setembro de 2012, processo 448/11.5TTVFR-A.P1, ainda acessível em www.dgsi.pt: “A necessidade de descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador prende-se com o exercício do direito de defesa, sendo que tal descrição deverá ser apta a dar a conhecer ao trabalhador os concretos comportamentos que justificam, segundo o empregador, a justa causa invocada. E, por isso e conquanto não exista uma fórmula “sagrada” para tal circunstanciação, se tem entendido que ela envolve, por regra, a necessidade de indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar dos factos. Não obstante, a imposição da circunstanciação temporal não é, todavia, absoluta, podendo não ter necessariamente que ocorrer se a restante factualidade constante da nota de culpa permitir ao trabalhador, de forma segura, conhecer e situar no tempo o concreto (e não genérico) comportamento que lhe é imputado e, assim, defender-se adequadamente, como por exemplo demonstrando que a prática dos factos, na data da sua ocorrência, não seria possível ou invocando a caducidade do exercício da ação disciplinar ou prescrição da infração disciplinar. Se a acusação imputada estiver, em termos concretos e não genéricos, circunstanciada de modo a que permita ao trabalhador saber a que concreta situação se reporta o empregador, dá este cumprimento à exigência legal na medida em que não é posto em causa o exercício do direito de defesa, este o desiderato da norma.”
Ou seja, a descrição circunstanciada, na nota de culpa, dos factos imputados ao trabalhador prende-se com o exercício do direito de defesa do trabalhador e com o princípio da vinculação temática, conforme arts. 353º e 357º, nº 4, do Código do Trabalho.
Daí que, conforme salienta a recorrente, não se verifica a nulidade da nota de culpa em relação aos factos genéricos se o trabalhador revelar, na resposta à mesma, se entendeu perfeitamente a que factos se refere a nota de culpa e as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram os mesmos (conforme Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. cit., pág. 836, e nota 297.
É este entendimento pelo trabalhador, demonstrado na resposta à nota de culpa, que a recorrente vem invocar em sede de recurso da parte da sentença em questão, para impugnar a mesma.
Analisando em concreto:
A primeira constatação, que cumpre salientar, consiste na circunstância de a recorrente não especificar nas suas alegações as partes relevantes da resposta à nota de culpa, que permitam concluir, como conclui, que o recorrido, em tal resposta, revelou conhecer com precisão os factos que ali lhe são imputados, relativamente aos que foram desconsiderados na sentença sob recurso, nomeadamente a sua localização no espaço e no tempo, como lhe competia fazer.
De todo o modo,
Consta da nota de culpa, quanto aos factos em questão:
14. Na sequência do episódio supra referido, o trabalhador GG, comunicou à Diretora Técnica do Laboratório, a Dra. BB, que, em data não concretamente apurada mas certamente ocorrida no decurso do ano passado, o Trabalhador Arguido lhe tinha pedido emprestado o cartão ... atribuído à sua viatura, uma vez que, de acordo com o próprio, estaria a fazer mais quilómetros por causa das férias dos colegas e como tal tinha esgotado o saldo do cartão ... da viatura a si atribuída.
21. (...) apenas ao Trabalhador Arguido que tal sucedia de forma reiterada [não é habitual que os motoristas esgotem o valor mensal disponível no cartão ...].
30. Sucede ainda que, conforme apurado em sede de inquérito prévio, o Trabalhador Arguido incumpriu ainda diversos outros procedimentos em vigor na Entidade Empregadora, cujo conhecimento não podia, de todo, ignorar.
31. Nomeadamente, verificou-se uma violação ao procedimento de recolha de amostras biológicas nos postos – função essa nuclear na atividade desempenhada pelo Trabalhador Arguido – uma vez que o Trabalhador Arguido, de forma sistemática, saía dos postos de colheitas antes do término das mesmas.
34. Com a sua conduta, o Trabalhador Arguido não só incumpriu as rotas que lhe são atribuídas – definidas de acordo com aquela que se crê ser a estratégia que melhor garante a agilização e eficácia do serviço –, como compromete igualmente os prazos de análise das amostras biológicas.
35. Também a Técnica de Análises Clínicas II, referiu que o Trabalhador Arguido a pressionava para levar as amostras antes de encerrado o serviço de colheitas, ainda que mencionasse que no caso de entretanto surgirem mais colheitas, voltaria ao posto para as recolher.
46. Sucede que a Técnica de Análises Clínicas JJ, verificou que, durante um certo período, o malote que preparava não saía do posto.
47. Ou seja, as amostras eram recolhidas para outro malote que não o que estava previamente preparado e destinado àquele posto.
48. Em face de tal situação, tendo-se apercebido que todos os dias tirava e punha termoacumuladores num malote que não saia do posto, a Técnica de Análises Clínicas questionou o Responsável da Qualidade do Laboratório, o trabalhador KK, sobre as temperaturas a que o malote daquele posto estaria a chegar ao Laboratório, as quais constataram estarem superiores ao pretendido e suposto.
50. Constatou-se que esta situação se estava a passar com o Trabalhador Arguido que, depois de devidamente chamado à atenção, voltou a repetir o mesmo comportamento, com total incúria e desrespeito pelas respetivas funções.
51. Sendo que o incumprimento deste procedimento pelo Trabalhador Arguido é susceptível de alterar o estado das colheitas, e, consequentemente, levar à sua inutilização.
52. O que acarreta graves prejuízos não só para quem depende dos resultados em causa, bem como para a Entidade Empregadora que desde a sua constituição tem assumido um compromisso sério para com a Saúde daqueles que a procuram.
63. Inclusivamente, foi ainda reportado por alguns motoristas que tinham visto a carrinha de serviço utilizada pelo Trabalhador Arguido parada numa estrada junto a um pinhal, numa zona deserta e como tal sem qualquer justificação para aí estar, conhecida por ser um local habitual de prostituição.
64. Confrontado com esta situação, o Trabalhador Arguido referiu que tinha ido beber café.
65. O que não é possível, uma vez que não existe qualquer café naquela zona, por se tratar de uma zona completamente remota.
66. Por último, a Entidade Empregadora recebeu ainda uma denúncia, a qual recaiu sobre a má conduta de condução do Trabalhador Arguido, por alegadamente ter o mesmo realizado uma manobra extremamente perigosa com a carrinha de serviço.
67. Colocando em causa, com a sua conduta, quer a segurança dos demais utilizadores da via pública, quer a reputação e imagem da Entidade Empregadora.
68. O facto de o Trabalhador Arguido desenvolver a sua atividade profissional num sector especialmente sensível – o setor da saúde –, deposita em si uma responsabilidade adicional além da profissional, como cidadão, pelo que lhe deve ser exigida uma conduta exímia e exemplar;
Na sua resposta a tal nota de culpa, no que aqui releva, sustenta o recorrido “Não se aceitam os factos imputados ao trabalhador, na nota, pois o Arguido não praticou os factos dos quais vem acusado”:
14. Refere o recorrido: “esta alegada conduta nem data identificada tem” (art. 24º), acrescentando “No art. 14 e 15 é referido que o trabalhador pediu emprestado o cartão ... por ter esgotado o saldo do seu” (art. 91º), e “Quantos quilómetros fez nesses dias? Qual o preço do combustível nesse período? Que trabalhadores estavam de férias? Qual a capacidade do tanque do automóvel? Qual a média de consumo do referido veículo?” (art. 92º). É certo que o recorrido reconhece, no art. 117º da resposta, que esgotou o plafond do seu cartão, podendo argumentar-se que o art. 92º contém alguma aceitação da prática dos factos do art. 14º da nota de culpa, o que seria reforçado nos arts. 116º a 120º. Contudo, e lado algum o recorrido admite ter solicitado cartões a colegas;
21. Nenhuma referência se faz na resposta à nota de culpa, pelo que a mesma ilação não pode ser retirada;
30. O facto é conclusivo, para além de genérico, nenhuma referência tendo sido feita na resposta.
31. e 32. Refere o recorrido: “No art. 31º da nota de culpa é mais uma vez identificado um facto abstrato quanto à sua data de ocorrência” (art. 43º), acrescentando “Em que postos? Em que datas? Qual a justificação do Arguido? Quem é que teve de regressar aos postos de colheitas? Qual o atraso efetivamente causado pelo Arguido?” – Mais uma vez não se vislumbra que o recorrido tenha revelado conhecimento dos factos em causa. Embora tenha admitido que não recebera formação sobre o comportamento adoptar e não tenha repetido tal conduta depois de ser repreendido (arts. 121º a 123º da resposta), o facto é de tal forma genérico que não permite a sua concretização, sendo a referência do recorrido igualmente genérica. Como se referiu, a concretização terá que permitir também ao tribunal a apreciação da verificação do facto.
34. Refere o recorrido “Em que data incumpriu? E de que forma?” (art. 45º) – De novo não procede o argumento da recorrente.
35. Diz o recorrido “Em que dia e mês pressionou o Arguido a Técnica de Análises Clínicas II?” – Idem.
46. a 48. Diz o recorrido “Não era o Arguido que preparava o malote pelo que não sabe o procedimento de refrigeração foi bem realizado, ou se o malote teria algum defeito sendo que apenas o apanhava e seguia para o posto seguinte”. “O Arguido não tinha permissão para abrir os malotes e verificar a sua temperatura.” – Ou seja, também aqui não procede o argumento da recorrente.
50. a 52. O recorrido nada referiu na resposta à nota de culpa que pudesse permitir a conclusão pretendida pela recorrente, sendo os factos manifestamente conclusivos e indefinidos.
63. a 65. Refere o recorrido “o Arguido foi informado pelo seu antecessor que poderia fazer as suas refeições, e que tal seria preferível a fazê-lo durante a condução precisamente para não comprometer a sua segurança” – Desde logo, como se verifica, nada é reconhecido, sendo certo que os factos são genéricos e sem imputação concreta de qualquer matéria de relevo em termos disciplinares.
66. a 68. Refere o recorrido “o que aconteceu foi um desentendimento entre o arguido e uma condutora que não respeitou a sinalização” – O recorrido revela ter conhecimento da situação referida na nota de culpas, mas isso não permite ultrapassar a generalidade das imputações de “má conduta de condução”, ou “manobra extremamente perigosa”, “colocando em causa, (...) quer a segurança dos demais utilizadores da via pública, quer a reputação e imagem da Entidade Empregadora”.
Assim, não merece censura a decisão quanto a este aspecto, pelo que improcede tal fundamento do recurso.

2. Enquadramento legal
Foi exarado na decisão sob recurso o seguinte:
“De acordo com o art. 386º, o trabalhador pode, mediante providência cautelar, requerer a suspensão preventiva do seu despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da recepção da respectiva comunicação.
O exercício desse direito é regulado nos arts. 34º e segs. do Cód. de Processo de Trabalho, sendo a providência decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua: “a) Pela provável inexistência de processo disciplinar ou pela sua provável nulidade; b) Pela provável inexistência de justa causa; ou c) Nos casos de despedimento colectivo, pela provável inobservância das formalidades constantes do artigo 383º do Código do Trabalho;” – cfr. art. 39º nº 1 do mesmo código.
(...)
Isto posto, trata-se de saber se, sob o ponto de vista substantivo e no confronto com os requisitos legalmente previstos para essa específica forma de despedimento, se pode concluir pela sua provável ilicitude.
Em termos gerais, o despedimento é ilícito se o motivo justificativo invocado para o efectuar for declarado improcedente – cfr. art. 381º, al. b).
De acordo com o art. 351º nº 1, constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador (nomeadamente, qualquer um dos exemplificativamente descritos no nº 2 do mesmo normativo) que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
O preenchimento do conceito de justa causa pressupõe desse modo a verificação dos seguintes requisitos cumulativos:
I - Um comportamento culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências;
II - A impossibilidade de subsistência da relação laboral;
III - O nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. No que respeita ao primeiro dos enunciados requisitos, a ponderação sobre a culpa e a gravidade do comportamento do trabalhador e suas consequências deve ser feita segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto e tendo em conta a diligência média exigível a um trabalhador daquele tipo, devendo ainda atender-se, nos termos do nº 3 do art. 351º, “(...) no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”. Só se justificando o recurso ao despedimento quando outras medidas ou sanções disciplinares de menor gravidade se mostrem inadequadas ao sancionamento ou correcção da conduta do trabalhador.
Quanto ao segundo e terceiro requisitos, exige-se uma “impossibilidade prática”, como necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato. Ou seja, é preciso que se possa concluir que o comportamento culposo do trabalhador é de tal forma grave que não é razoável, a partir daí, exigir do empregador a subsistência da relação contratual.
Depois de no nº 1 do art. 351º o legislador ter enunciado o critério geral que deve presidir à determinação da justa causa do despedimento, vem no nº 2 do mesmo preceito indicar, de modo exemplificativo, comportamentos ilícitos do trabalhador que podem constituir justa causa de despedimento, nomeadamente «a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; (...) d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto; e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa».
A mera verificação objectiva de qualquer uma das situações exemplificativamente enunciadas não basta, porém, para justificar o despedimento, sendo igualmente necessário que o comportamento do A., reconduzindo-se ao conceito definido no nº 1, determine a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral.
No caso em apreciação, dos factos imputados ao A. que integraram a nota de culpa (excluídos os que não podem aqui ser atendidos, pelas razões já acima explicitadas), provou-se apenas, com potencial relevo na matéria, que:
- Ao A. e aos demais colegas de motoristas é atribuída pela R. uma viatura para uso exclusivamente profissional.
- No dia 10 ou 11 de Julho de 2022, o A. encontrava-se de folga da parte da tarde, tendo saído do Laboratório pelas 13:00 horas, e por volta das 14:30 horas conduzia a carrinha de trabalho, transportando uma pessoa estranha ao serviço, sem para tal ter pedido autorização;
- A cada viatura está associada um cartão de combustível (cartão ...), competindo a cada motorista garantir os abastecimentos na viatura que lhe estiver atribuída.
- Em meados de Junho de 2022, o A. pediu à Directora Técnica da R., Dra. BB, o cartão ... desta, dizendo que já tinha atestado a sua viatura de serviço nessa manhã e não tinha plafond no seu próprio cartão para efectuar o pagamento de novo abastecimento que precisava de fazer.
- Cada cartão ... tem um plafond diário atribuído de € 90,00, não sendo habitual os motoristas esgotarem o valor mensal disponível no cartão.
- De acordo com o procedimento instituído, na eventualidade de os motoristas esgotarem o plafond disponível no cartão ... atribuído à respectiva viatura, devem dar conhecimento imediato desse facto aos seus superiores hierárquicos.
- O A. fez abastecimentos nos seguintes dias seguidos: 29/06/2022 e 30/06/2022, em que abasteceu com 37,41 litros e 40,13 litros, respectivamente; 06/07/2022 e 07/07/2022, em que abasteceu com 36,76 litros e 41,46 litros, respectivamente; 02/09/2022 e 03/09/2022, em que abasteceu com 43,44 litros e 32,68 litros, respectivamente.
- No dia 29/08/2023, no posto designado por “B...”, sito em Águeda, o A. parou a centrífuga antes do término do ciclo, não tendo os motoristas da R. – nomeadamente o A. – formação nem autorização para intervir no processo de centrifugação.
- Em dia não concretamente apurado de Julho ou Agosto de 2022, o A. não entregou no Laboratório ... todas as amostras do posto “B...” que trazia consigo, que ficaram numa mala que não tinha sido retirada da carrinha.
- Em data não concretamente apurada de Setembro de 2022, o A. comunicou na R. que iria ser pai e que por isso entraria nesse dia de licença de paternidade.
Deste conjunto de factos resulta a violação, pelo A., dos deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência e de cumprir as ordens da empregadora respeitantes à execução do trabalho, a que se reportam as als. e) e c), respectivamente, do art. 128º, ao parar a centrífuga antes de terminar o ciclo; ao não entregar no Laboratório todas as amostras do posto “B...”; e ao utilizar a carrinha de serviço em período de folga e transportando uma pessoa alheia ao serviço, sem para tal ter pedido autorização.
Porém, tratam-se de situações que ocorreram uma só vez e que não revestem particular gravidade, não se tendo apurado que delas tenha resultado efectivo prejuízo para a R..
Quanto à questão do plafond diário de combustível ter sido ultrapassado pelo A., pelo menos numa ocasião, provou-se efectivamente que não era habitual tal suceder com a generalidade dos motoristas, mas não que o A. não tenha dado conhecimento de tal facto aos seus superiores hierárquicos, porque na verdade, não só transmitiu isso à Directora Técnica da R., Dra. BB, como inclusivamente lhe pediu o cartão ... dela, para efectuar o pagamento de novo abastecimento que precisava de fazer - pedido esse que foi, de resto, concedido. Não se vendo relevo disciplinar em tais factos.
Também se não vislumbra o cometimento de infracção disciplinar no que se refere aos abastecimentos que o A. fez em dias seguidos, não constando que tal fosse proibido pela R., nem se tendo apurado que com isso o A. ultrapassou o plafond máximo de que dispunha, que tais abastecimentos não eram necessários para a realização do trabalho ou que o A. os efectuou em proveito pessoal ou em viatura que não a de serviço.
Por fim, no que se refere à comunicação do A. à R. de que iria ser pai e que por isso entraria nesse mesmo dia de licença de paternidade, apesar de não se ter demonstrado a justificação apresentada pelo A. para não ter comunicado tal facto com maior antecedência, também não nos parece que tal falha revista particular gravidade, tanto mais que não se apurou que daí tenha resultado em concreto qualquer prejuízo para a R.. Sendo de notar que o gozo de licença parental de 28 dias pelo pai é obrigatória, dentro dos 42 dias seguintes ao nascimento do filho, com resulta do disposto no art. 43º nº 1.
Em suma, ponderados em conjunto os comportamentos em questão, não nos parece que esteja em causa um incumprimento pelo A. dos seus deveres laborais de tal forma grave, culposo e danoso para a R., que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral, nos termos exigidos pelo art. 351º nº 1.
Não se justificando, por conseguinte, a aplicação da sanção disciplinar máxima, de entre as várias que a lei prevê, tanto mais que não há notícia nos autos de que o A. tenha sido alvo de anterior punição disciplinar.
Estando em causa, como tal, uma sanção desproporcionada e, em consequência, um despedimento sem justa causa, nos termos do art. 381º, al. b).
Face a todo o exposto e evidenciando os factos apurados uma probabilidade séria de inexistência de justa causa e do despedimento ser ilícito, é de concluir que estão em concreto reunidos os pressupostos necessário à procedência do procedimento cautelar, em conformidade com o disposto no art. 39º nº 1, al. b) do Cód. de Processo do Trabalho.”
Insurge-se a recorrente alegando:
“(...) o Recorrido não fez prova, como lhe competia, da provável inexistência de justa causa do seu despedimento, nem a prova apresentada pelas partes permitiu ao Tribunal a quo concluir, como concluiu, salvo o devido respeito erradamente, pela verificação do requisito da probabilidade de inexistência de justa causa de despedimento e, em consequência, pelo decretamento da providência.
Ora, tendo o Contrato de Trabalho natureza eminentemente pessoal e assentando na indispensável confiança depositada no Trabalhador, para que o Contrato se pudesse manter, dúvidas não podiam ter subsistido ao Tribunal recorrido de que a conduta violadora dos deveres que sobre o Trabalhador recaíam – que foi amplamente demonstrada, fundamentada e localizada no tempo e no espaço pela Recorrente e reconhecida na sentença recorrida –, era susceptível de, objectivamente, determinar a quebra dessa confiança.
Aliás, dos factos apurados e que o Tribunal considerou provados - sem prejuízo dos que, indevidamente, não considerou, conforme referido em 1 e 2 supra, e de a Recorrente reclamar e reservar o direito de vir a impugnar a matéria de facto depois de ter acesso à gravações da Audiência Final (conforme referido em Questão Prévia supra) – dúvidas não existem de que, resultou verificada a versão dos factos apresentada pela aqui Recorrente em sede de Nota de Culpa e Decisão de Despedimento, tendo o Tribunal a quo concluído pela prática das condutas descritas na Decisão de Despedimento, (...)
(...)
O trabalhador recorrido usou abusivamente e sem autorização a viatura de trabalho fora do seu horário de trabalho para fins pessoais, causando o inerente prejuízo patrimonial à entidade patronal com o consumo de combustível pago pela empresa.
O trabalhador fez abastecimentos consecutivos de combustível na viatura da empresa que lhe foi atribuída com o cartão da entidade patronal que não têm a mínima justificação face aos quilómetros necessários para o exclusivo desempenho da actividade profissional, nem equiparação com os consumos apresentados pelos outros motoristas, causando o inerente prejuízo patrimonial à entidade patronal com o consumo de combustível pago pela empresa.
O trabalhador parou a centrífuga das colheitas de produtos biológicos antes do término do ciclo, não tendo os motoristas da R. – nomeadamente o A. – formação nem autorização para intervir no processo de centrifugação. Com esta conduta, o recorrido pôs em causa a fiabilidade dos resultados das análises clínicas àquelas colheitas de produtos biológicos, pondo em causa o bom nome, o prestígio e a qualidade da actividade da empresa.
O trabalhador não entregou no Laboratório ... todas as amostras do posto “B...” que trazia consigo, que ficaram numa mala que não tinha sido retirada da carrinha. Com esta conduta, o recorrido pôs em causa a fiabilidade dos resultados das análises clínicas àquelas colheitas de produtos biológicos, que ficaram sujeitas a deterioração por deixarem de estar às temperaturas adequadas à realização das análises, pondo em causa o bom nome, o prestígio e a qualidade da actividade da empresa.
Encontra-se, assim, em limite, indiciariamente comprovado nos autos um conjunto de várias condutas graves perpetradas pelo trabalhador recorrido em absoluta violação dos deveres laborais inerentes à sua prestação de trabalho.
É impossível a subsistência da relação de trabalho por não ser exigível à Recorrente manter ao seu serviço um trabalhador que pautou o seu trabalho por uma total irresponsabilidade, displicência e desinteresse no desempenho das suas funções, mesmo depois de chamado à atenção, e assumiu comportamentos absolutamente violadores do zelo e diligência a que se encontrava adstrito, que perpetuou de forma reiterada e grosseira, e que resultaram, inevitavelmente, na perda total de confiança pela Recorrente.
Com efeito, constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador foi grave, voluntário, intencional, culposo e (presumivelmente) causador de prejuízos imediatos de imagem para a empresa, para mais utilizando, para desempenho da sua actividade de profissional de motorista, uma viatura que tem a identificação do Grupo A... a ocupar todas as faces e que é inconfundível, e numa zona do país em que toda a gente se conhece, não era exigível à Recorrente a manutenção do vínculo laboral após ter conhecimento dos comportamentos assumidos, sendo perfeitamente adequada e proporcional a aplicação da sanção disciplinar máxima e não conservatória do vínculo laboral.
(...)
Não pode ser exigível à Recorrente manter uma relação laboral com o Recorrido, atentas, não só as consequências que dos comportamentos que assumiu já advieram, bem como, o justo receio desses comportamentos se continuarem a repetir (e a extrapolar), dada a completa displicência do Trabalhador, a falta de consciência para a gravidade das suas condutas, a incapacidade de corrigir a sua atitude, e a frequência contínua e quase incessante com que as inúmeras infracções se sucederam durante a execução do contrato.
A sanção disciplinar aplicada foi, assim, proporcional e adequada ao comportamento do Trabalhador, pois perante a comprovada actuação deste, seria chocante e intolerável impor-se à Recorrente e aos demais trabalhadores desta, a continuação da relação laboral.”
No mesmo sentido se pronunciou o Ilustre Procurador Geral Adjunto, referindo no seu douto parecer: “terá aqui de ser chamado à colação o conhecimento científico, tendo por base esta análise do texto da decisão e sem necessidade de quaisquer outros elementos. É pacífico que o recorrido procedeu ao transporte de produtos biodegradáveis que, em tempo útil e dentro se condições estritas, têm de ser entregues no laboratório para análise, sob pena de degradação das amostras de sangue a serem examinadas. A consequência podem ser falsos resultados a influenciar o estado de saúde dos pacientes, a serem clinicamente tratados em conformidade com o errado resultado clínico proveniente dessas análises obtido em divergência com os adequados procedimentos laboratoriais. Em causa pode estar um risco para a saúde dos pacientes visados, como consequência directa, necessária e suficiente da conduta do recorrido. Daí que a relação laboral não possa subsistir, por quebra dos supra apontados deveres funcionais, por comportamento culposo do requerido, que a torna de imediato insubsistente, por merecedora de censura. A sanção disciplinar de despedimento mostra-se justificada e lícita, conforme aos princípios da legalidade, da adequação e da proporcionalidade face à gravidade destes factos, por revestir uma probabilidade objectiva e séria de justa causa, nos termos combinados dos arts. 328º nº 1 al. f), 338º, 351º nºs 1, 2 al. a) e 3 e 381º al. b) do C. do Trabalho.”
Respondeu o recorrido:
“58º Apesar dos factos dados como provados não se vislumbra que nenhuma conduta tenha sido repetida depois de avisado o Recorrido.
59º Quanto à pretensa impossibilidade de manutenção do vínculo laboral o Recorrente parece esquecer de alguns pontos.
60º Se estes factos são tão graves ao ponto de haver uma perda de confiança no trabalhador e se todos ocorreram no verão do ano passado como é que não são comunicados mais cedo aos gerentes?
61º É que a Diretora Técnica tinha conhecimento dos mesmos, e tanto quanto se entende não parece impossível da mesma os comunicar aos gerentes antes do dia 6 de janeiro de 2023.
62º Como é que se admite então que o Recorrido continue a prestar as suas funções sem que nada se faça?
63º Ao que tudo indica tanto é possível manter a relação de confiança que o mesmo continuou a trabalhar por vários meses.”
Nos termos do art. 39º, nº 1, al. b), do CPT, a suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua pela provável inexistência de justa causa.
Considera Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 3ª edição, 2006, Coimbra: Almedina, pág. 1268, “Por via da suspensão do despedimento individual pretende-se que o trabalhador, não obstante a decisão tomada pelo empregador, se mantenha em funções na empresa enquanto decorre o processo judicial de impugnação do despedimento, na medida em que se admita prima facie a inexistência de justa causa de despedimento.”
Conforme refere Paulo Sousa Pinheiro, em Curso Breve de Direito Processual do Trabalho, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, pág. 104, “Como qualquer procedimento cautelar, a suspensão de despedimento visa assegurar a protecção e a efectividade da aparência do direito invocado (fumus boni iuris), que, no caso concreto, se traduz no direito à segurança no emprego (artigo 53º da CRP) e no direito à retribuição pelo trabalho prestado, e, de igual modo, visa remover um perigo especial (o periculum in mora), ou seja, o perigo que resulta da demora a que está sujeito o processo principal de que depende (acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, acção de impugnação do despedimento, sob a forma de processo comum, ou acção de impugnação de despedimento colectivo), e onde será decidido, já não de forma perfunctória ou indiciária, mas com grau de certeza e com base em toda a prova produzida, a ilicitude do despedimento de que o trabalhador foi alvo.”
Ora, analisando a situação dos autos e a prova elencada na decisão sob recurso e acima transcrita, não se nos afigura que o recorrido tenha demonstrado, ainda que de forma perfunctória a ilicitude do despedimento de que foi alvo.
Conforme refere o Ilustre Magistrado do Ministério Público, mesmo desconsiderando-se a matéria que se aceita ser genérica ou conclusiva, ainda assim, restam factos suficientes que permitem o eventual despedimento do trabalhador recorrido com justa causa, com os fundamentos constantes da decisão disciplinar, ou seja, por violação dos deveres de zelo e diligência, lealdade, conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho, previstos no art. 128º, nº 1, als. c), f) e g), do Código do Trabalho.
Efectivamente, o facto de o recorrido ter parado a centrífuga antes do término do ciclo, sem que tivesse qualquer autorização para isso, pode constituir, por si só, facto com gravidade suficiente para eventual despedimento do mesmo, já que procedeu de forma intencional, não se tratou de qualquer acto inadvertido, sabendo o mesmo, ou devendo saber, que com tal atitude existia, pelo menos, o risco sério de danificar as amostras para análise, com relevantes e graves prejuízos daí resultantes. Mas existem outros factos também graves a considerar, como seja a falta de entrega de amostras que recolhera, mas deixou no veículo, embora aqui se presuma por negligência, e o uso da viatura para fins pessoais, não autorizados, em período em que não estava a trabalhar.
Argumenta-se que se trata de factos isolados e que o recorrido não repetiu. Porém, entendemos que, na sua globalidade, os factos provados permitem concluir pela inexigibilidade de a entidade empregadora manter a relação contratual com o trabalhador, por quebra da relação de confiança indispensável à manutenção da mesma, sobretudo em consideração da actividade concreta aqui em causa.
Ou seja, conclui-se do exposto que o recorrido não logrou demonstrar a probabilidade séria de se demonstrar no processo principal a ilicitude do despedimento levado a efeito pela recorrente, pelo que não pode subsistir a providência.
Conforme referem Bernardo da Gama Lobo Xavier, Pedro Furtado Martins e Ana Salvador, no Manual de Direito do Trabalho, Lisboa: Verbo, 2011, p. 758, o deferimento da suspensão do despedimento pressupõe uma situação em que a ilicitude do mesmo seja óbvia.
Assim, procedendo o recurso, deve revogar-se a decisão da primeira instância, e substituir-se a mesma pelo presente acórdão, indeferindo a providência requerida de suspensão do despedimento do recorrido.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, a qual é substituída pelo presente acórdão indeferindo a providência requerida.
Custas pelo recorrido.

Porto, 15 de Janeiro de 2024
Rui Penha
Eugénia Pedro
Nelson Fernandes