Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
29/23.0T8OVR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RORIGUES DE ALMEIDA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
NOTIFICAÇÃO
CESSÃO DE CRÉDITOS
PRESCRIÇÃO
PRAZO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
Nº do Documento: RP2024050929/23.0T8OVR-B.P1
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A notificação do executado para contestar a reclamação de créditos deduzida por apenso à execução deve ser feita por carta registada a enviar para o local onde o executado foi citado para a execução.
II - O Supremo Tribunal de Justiça entende, de modo consolidado, que a citação para a acção proposta pelo cessionário para obter o pagamento do crédito cedido produz o efeito jurídico da notificação prevista no art. 583º-1 CC, tornando a transmissão oponível ao devedor mesmo para efeitos dessa acção.
III - O n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil, ao mandar que, quando a interrupção da prescrição resulta de citação ou notificação, o novo prazo começa a correr quando passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, deve ser interpretado como reportando-se ao trânsito em julgado não da sentença de verificação e graduação dos créditos, onde a citação ou notificação teve lugar, mas da sentença que julgar extinta a execução no caso de esta terminar sem o crédito graduado ter obtido pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2024:29.23.0T8OVR.B.P1

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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


I. Relatório:
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa em que é exequente a A... STC, S.A., sociedade comercial com o número de contribuinte e de identificação de pessoa colectiva ...31 e sede em Lisboa, e são executados AA, contribuinte fiscal n.º ...73, BB, contribuinte fiscal n.º ...53, e CC, contribuinte fiscal n.º ...45, todos residentes no concelho de Aveiro, tendo por objecto a execução coerciva de dívida emergente de dois contratos de mútuo bancário garantidos por hipoteca, no montante total de €187.153,91, veio o executado AA deduzir embargos de executado, pedindo a extinção total da execução.
Para fundamentar os embargos arguiu a ilegitimidade da exequente, a prescrição da quantia exequenda pelo decurso do prazo de 5 anos sobre cada uma das prestações vencidas ou do prazo de 20 anos sobre o momento da verificação do incumprimento, o pagamento, a prescrição dos juros e a falta de título executivo relativo às despesas.
O embargado apresentou contestação, defendendo a improcedência dos embargos e alegando para o efeito que as várias cessões do crédito que permitiram a sua transmissão do banco mutuante até à exequente foram comunicadas ao embargante apesar de nos termos legais serem eficazes desde a celebração dos contratos de cessão; que a exequente reclamou o seu crédito num processo executivo iniciado em 2001 e onde se procedeu à penhora do bem hipotecado, o qual foi sendo sucessivamente suspenso por vários motivos legais até ser extinto, obrigando à instauração desta execução; que a quantia exequenda não está prescrita; que o encargo com as despesas está previsto em cláusulas dos contratos de mútuo.

Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo sido julgados prescritos os juros de mora que se venceram até 02-01-2018 e os embargos parcialmente procedentes, determinando-se o prosseguimento da execução para cobrança do capital e dos juros de mora não prescritos.
Do assim decidido, o embargante interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Juízo de Execução de Ovar – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, o qual decidiu julgar parcialmente improcedentes os embargos do executado.
2. Entende, o ora recorrente, que mal andou o tribunal a quo, quando decide improcedente, de forma parcial, os embargos, absolvendo apenas o ora recorrente dos juros prescritos.
3. Na verdade, parte esta sentença de diversas conclusões, as quais se subsumem, para o recorrente, nas seguintes: erro de factos dados como provados, nomeadamente j) e k); da não notificação de qualquer cessão de crédito ao executado, e qual a consequência jurídica para a cesso de créditos; da prescrição, não só dos juros, mas igualmente do capital; e da falta de título executivo para as despesas imputadas ao recorrente.
4. A sentença em causa enferma dum vício, porquanto parte da análise da reclamação de créditos e sentença de graduação de créditos proferida no âmbito do proc. nº 564/09.3T2OVR-B, partindo do pressuposto, errado de que tais actos foram citados/notificados, ao ora recorrente.
5. Entende o tribunal a quo, dar como provado que: “…j) A reclamação de créditos apresentada pela “B..., SARL”, por apenso àquela execução, apenas foi deduzida contra o referido AA, que nesses autos foi notificado para impugnar os créditos reclamados, por carta expedida no dia 18/12/2012 …” e “…l) Aquela sentença foi proferida em 6/02/2013 e transitou em julgado em 13/03/2013 ...”
6. Acontece, porém, que nem a reclamação nem a própria sentença foram, em momento algum notificadas ao ora recorrente, atento o facto das cartas que lhe forma remetidas, vieram a ser devolvidas, pelo que não poderá constar-se do facto provado que o mesmo foi notificado para impugnar os créditos reclamados, da mesma forma, não poderá constar que a sentença transitou em julgado a 13/03/2013.
7. Sendo que ocorre falta de citação quando o acto se omitiu (inexistência pura) ou, ainda que efectuado, tenha sido feito, com atropelo à lei tão grave e erro tão grosseiro, que lhe deva ser equiparado.
8. Neste caso, determina a lei, que a falta de citação integra uma nulidade absoluta, de conhecimento oficioso e determina a anulação de todo o processado, após a petição inicial, cf. art.º 187.º, al. a) do C.P.Civil e dela trata o art.º 188.º do C.P.Civil.
9. Nesse sentido, veja-se, por exemplo, Ac. TRP datado de 21-06-20222, no proc. nº 2000/20.5T8OVR-A.P1.
10. Nulidade, essa, nunca sanada, não só porque o réu nunca interveio naquele processo, art. 189º do CPC à contrário, mas porque a mesma, atenta a sua gravidade, pode ser arguida em qualquer altura do processo - Ac. STJ datado de 24/05/2022.
11. Como se sabe, as modalidades de citação estão previstas nos artigos 225.º a 245.º, todos do C.P.Civil, sendo a citação pessoal, por carta registada com aviso de recepção - citação postal -, ou por contacto pessoal do funcionário judicial com o citando, quando aquela se frustre, o procedimento regra (cf. artigos 228.º, e ss. do C.P.C.).
12. Donde resulta que nesta situação, se o citando não receber a carta, sendo a mesma devolvida ao tribunal deveria ter-se procedido seguidamente à citação por agente de execução ou funcionário judicial, mediante contacto pessoal com o citando (art. 231º).
13. Daqui decorre que se após a devolução, não foi tentada, como deveria ter sido, a citação pessoal do ali devedor, nos termos do art. 231º do C. P. Civil, não foi cumprido o formalismo prescrito na lei, logo a citação é nula.
14. Por outro lado, não poderia, jamais, ser entendido que nos termos do art. 249º, nº 2, e 3 do CPC, que o mesmo se consideraria notificado.
15. Determina, o disposto no art. 249º nº 2 do CPC que notificação efectuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte.
16. Contudo, e como se afere dos autos, a morada do mesmo não era a que consta do contrato celebrado pelas partes, na verdade o mesmo foi tentado a sua notificação para a Rua ..., em ..., quando a morada que o mesmo indicou no contrato celebrado (veja-se escrituras públicas juntas com o requerimento executivo), situa-se em ....
17. Da mesma forma, o nº 2 possui uma excepção prevista no nº 3, que determina que exceptua-se o réu que se haja constituído em situação de revelia absoluta, que naquele apenso se verifica.
18. Donde, se conclui, que atentos os factos, temos que a decisão recorrida ao decidir como decidiu errou e/ou fez errada interpretação dos artigos 3.º, nº 3, 187º, 191º, n.º 1, 228º, n.º 5, 231º nº 1 e 5 e artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e princípios processuais aplicáveis, não podendo, pois, manter-se.
19. Da mesma, forma, e como se verá, o tribunal a quo ao decidir que o recorrente foi efectivamente notificado de tais documentos, inquinou toda a decisão, pelo que importa refazer a mesma.
20. Desta forma, os factos dados como provados deveriam passar a ter a seguinte redacção: “…j) A reclamação de créditos apresentada pela “B..., SARL”, por apenso àquela execução, apenas foi deduzida contra o referido AA, que nesses autos não foi notificado para impugnar os créditos reclamados, por carta expedida no dia 18/12/2012, a qual veio a ser devolvida;…” e “…l) Aquela sentença foi proferida em 6/02/2013 e não transitou em julgado em 13/03/2013, atento o facto de não ter sido notificada ao ora recorrente ...”.
21. Por outro lado, entendeu ainda, o tribunal a quo, que o facto do recorrente não ter sido notificado de todas as cessões de crédito, mas apenas da última, nenhuma relevância teria para aqueles embargos.
22. Ora, não pode, o ora recorrente concordar com tal interpretação.
23. Como se afere, o tribunal a quo dá como provado que o mesmo foi em 20 de Junho de 2018, notificado de que teria existido uma cessão de créditos.
24. Dando, ainda, como provado que existiram cessões anteriores, como resulta dos factos n), o), p) e q) dados como provados, as quais não foram, em tempo algum, notificadas ao ora recorrente.
25. Não obstante esse facto, entendeu o tribunal a quo validar a última cessão de créditos, e dessa forma validar todas as restantes.
26. Ora, nos termos do artigo 577º, n.º 1 do CC o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor.
27. Porém, a cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite - artigo 583º, n.º 1 do CC.
28. Pois, só dessa forma, se encontra assegurada a finalidade da lei com a necessidade da notificação prevista no artigo 583.º, número 1 do Código Civil foi, isto é, a de assegurar que um facto de especial relevância – como seja a alteração do titular activo da relação obrigacional – chegasse ao conhecimento do devedor.
29. Aliás, facto já devidamente reconhecido na jurisprudência, quando se afirma que “… Na cessão de créditos, a notificação do devedor não é facto constitutivo do direito do cessionário nem condição necessária para assegurar a sua legitimidade activa, sendo mera condição de eficácia…” - Ac. TRG, datado de 30/03/2023, igualmente Ac. TRP datado de 29/09/2022, Ac. TRL datado de 15-09-2020.
30. De onde se conclui, que o que torna a cessão eficaz relativamente ao devedor é o facto da mesma lhe ser notificada.
31. Daqui decorre que, mesmo que a última cessão tenha efectivamente sido notificada ao ora executado, a verdade é que nenhuma das outras o foi, e como tal, esta última terá, forçosamente, que ser ineficaz/nula, ao abrigo do disposto no art. 583º nº1 do C.C.
32. Leia-se no Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.º 259/09.8YFLSB, proferido a 11 de Fevereiro de 2010: “3. A falta de prova da notificação da cessão de créditos impede a produção de efeitos em relação ao devedor que a não aceitou….” E ainda Ac. Supremo Tribunal de 24 de Janeiro de 2002, o devedor cedido – cujo consentimento não é necessário para a cessão – não pode ser prejudicado pela mudança subjectiva do lado do credor; (cfr. Acs. Supremo Tribunal de 24 de Junho de 2004, e de 8 de Março de 2007.
33. Ora, sendo assim, temos que as cessões anteriores, e que estiveram na génese da última cessão de créditos, têm-se por ineficazes em relação ao ora recorrente, não produzindo qualquer efeito em relação a si, pelo que a cessão que a ora exequente opera com a C..., que por sua vez opera com a B..., que por sua vez opera com a D..., terá, forçosamente, que ser ineficaz face ao ora recorrente, nos termos do art. 583º do C.C.
34. Pelo que, daqui decorrerá, que enquanto a cessão não for notificada ao devedor ou enquanto este a não aceitar, o cessionário não está legitimado a exigir o crédito ao devedor (Ac. TRL datado de 19/05/2020).
35. Desta forma, mal andou o tribunal a quo, ao considerar que tendo a última cessão sido notificada ao recorrente, legitimaria a eficácia de todas as anteriores, pelo que foi violado expressamente o disposto no art. 583º do C.C.
36. Por outro lado, entendeu o ora tribunal a quo, que efectivamente não seria de considerar a prescrição dos 5 anos, porquanto, teria existido uma reclamação de créditos, e consequentemente a sentença da sua graduação no processo n.º 564/09.3T2OVR-B, no qual figurou como parte o aqui Recorrente AA, assumindo, assim, tal decisão quanto a este executado a força de caso julgado, o que levaria à aplicação do prazo ordinário de 20 anos.
37. Ora, não entende, desde já, o ora recorrente dessa forma, porquanto como se viu, parte, o tribunal a quo, da premissa, errada, de que o ora recorrente fora notificado da reclamação de créditos, e da sentença de graduação dos mesmos, pelo que jamais poderia ter concluído o tribunal dessa forma, como aliás se disse.
38. Sendo que considera, erradamente, o tribunal a quo, que tal reclamação e sentença, preferida naqueles autos, teve a virtualidade de constituir caso julgado, pelo que fez retomar a prescrição mais longa, isto é, 20 anos.
39. Resulta provado, que o ora recorrente deixou de cumprir as suas obrigações em 23/02/1999, pelo que, sendo prestações amortizáveis, duvidas não nos restam de que ao abrigo do disposto no art. 310º aliena e) do C.C., encontram-se todas elas prescritas, porquanto decorreram, já, mais de 5 anos sobre cada uma das prestações em dívida.
40. Ao considerar existir caso julgado, considera o tribunal a quo, a aplicação do prazo ordinário de 20 anos, contudo, o caso julgado, na reclamação de créditos e consequentemente sentença, limita-se à graduação e não quanto à verificação do crédito, tido como mero pressuposto da decisão - Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6.ª edição, 2014, pág. 373, e M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, 1997, pág. 582.
41. No apenso de reclamação de créditos o caso julgado forma-se quanto à graduação dos créditos, produzindo-se quanto ao reconhecimento do direito real de garantia, mas não quanto à verificação dos créditos, razão pela qual a preclusão apreciada no aludido apenso de reclamação de créditos não se estende a estes autos de acção declarativa/embargos; trata-se de questão que não se reporta ao mérito da causa, à relação material controvertida, logo não tendo força obrigatória fora do processo, nos termos do art. 619º do CPC - Ac. TRL datado de 05/11/2020.
42. O objecto da acção de verificação e graduação não é tanto a pretensão de reconhecimento do direito de crédito como a de reconhecimento do direito real que o garante relega o reconhecimento do crédito para o campo dos pressupostos da decisão, como tal não abrangido pelo caso julgado.
43. Assim se explica que, apesar de expressamente reconhecer a força de caso julgado, nos termos gerais, às sentenças de mérito proferidas nos embargos de executado (art. 732º- 5) e nos embargos de terceiro (art. 349º), o Código nada diga sobre a sentença de verificação e graduação de créditos - Em «A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013», Gestlegal, 7ª edição, págs. 216-218, Lebre de Freitas.
44. Verificado o pressuposto da intervenção do executado na acção, o caso julgado forma-se quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos, donde se retira que a preclusão do caso julgado se refere apenas, e tão somente à reclamação de créditos e nunca ao dos presentes autos! 45. Donde se retira, que, efectivamente a reclamação de créditos e a sentença de graduação dos mesmos, não se reportando ao mérito da causa, não tem força obrigatória fora do processo, nos termos do art. 619º do CPC.
46. Aliás, sufragada pela jurisprudência, que decidiu que o objecto da acção de verificação e graduação de créditos não é propriamente o reconhecimento do direito de crédito, mas o reconhecimento do direito real que o garante - Ac. TRG datado de 27-04-2017, Ac. TRP datado de 15/12/2021.
47. Como nos diz José Lebre de Freitas - in “A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª edição, 2017, págs. 374 e 375 “ … Assim se explica que, apesar de expressamente reconhecer a força de caso julgado, nos termos gerais, às sentenças de mérito proferidas nos embargos de executado (art. 732-5) e nos embargos de terceiro (art. 349), o Código nada diga sobre a sentença de verificação e graduação de créditos”, acrescentando logo no parágrafo seguinte que “[o] caso julgado produz-se, pois, apenas quanto ao reconhecimento do direito real de garantia, ficando por ele reconhecido o crédito reclamado só na estrita medida em que funda a existência actual desse direito real. Verificado o pressuposto da intervenção do executado na acção, o caso julgado forma-se quanto à graduação, mas não quanto à verificação dos créditos…”.
48. Assim, ao decidir, o tribunal a quo como decidiu, considerando existir caso julgado, que legitimaria a aplicação do prazo ordinário de 20 anos, violou o disposto nos termos do art. 619º do CPC, não podendo o ora recorrente concordar com tal interpretação.
49. Por outro lado, na sua génese a reclamação de créditos, não é apta a interromper a prescrição nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do C. P. C.
50. Assim, ao reconhecer-se o seu crédito, no fundo, o que se reconhece é que há um valor que deve ser pago por força do bem objecto da garantia real e por uma determinada ordem mas não que o crédito esteja definitivamente reconhecido.
51. O que é definitivo é a conclusão de que tem uma garantia real sobre o bem penhorado e a posição em que deve ser pago, mas não se forma caso julgado quanto à verificação dos créditos.
52. Só quando a execução porventura passe a correr sob o impulso processual do credor reclamante para pagamento do seu crédito vencido é que se pode considerar que há o exercício de um acto que demonstra a intenção de exercer o direito, o que, aqui relembramos, se verifica com a apresentação do requerimento executivo, nos presentes autos, em Dezembro de 2022.
53. Daí que a apontada reclamação de créditos não teve, no nosso entender, o efeito de interromper o prazo de prescrição em curso em relação aos créditos ora exequendos vide nesse sentido Ac. STJ datado de 31-01-2023, Ac. TRL datado de 05/11/2020, Ac. STJ datado de 18-09-2018, e de 02/02/2022, Ac. TRL datado de 07/06/2023 e de 16-12-2020, Ac. TRP datado de 02-12-2019.
54. Mesmo que assim não se entenda, isto é, que se considere que a reclamação e a sentença tiveram a virtualidade de interromper a prescrição, teriam de ser as mesmas notificadas ao recorrente, o que como se viu, não sucedeu.
55. Como se sabe, a interrupção por acto judicial, da prescrição, supõe a regular e efectiva citação do réu artigoº 323 nº 1 do Código Civil enquanto «acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção…» artigo 228 do Código de Processo Civil. Não basta, para interromper a prescrição, a mera introdução do feito em juízo; é indispensável que a acção seja proposta de tal modo que o devedor venha a tomar efectivo conhecimento da reclamação do direito que é exercida, o que decorre do nº 4 do referido artigo 323º do Código Civil - Vide nesse sentido Ac. TRL datado de 30/11/2006, Ac. TRC datado de 08/03/2022, Ac STJ datado de 04/03/2010.
56. Daqui decorre que, mesmo que a reclamação e a sentença tivessem, como refere o tribunal a quo, a virtualidade de interromper a prescrição – atento a excepção do caso julgado – não tendo as mesmas sito notificadas/citadas ao ora recorrente, nenhuma relevância terão, e como tal, não poderá considerar-se que as mesmas interromperam a prescrição.
57. Daqui resulta, pois, que mesmo que tenha existido uma reclamação de créditos e uma sentença de graduação, conforme determina a lei, a mesma só terá efeitos interruptivos, a partir do momento da notificação/citação ao ora recorrente, pelo que, não tendo sido a mesma a si notificada, não poderá ter a mesma os efeitos que a sentença recorrida lhe atribui, sob pena de violação do disposto 323º do Código Civil, dos artigos 3.º, nº 3, 187º, 191º, n.º1, 228º, n.º 5, 231º do CPC e nº 1 e 5 e artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e princípios processuais aplicáveis.
58. Dito isto, entende o ora executado que a dívida que a exequente pretende ver-se ressarcida encontra-se, já, prescrita, porquanto sobre a data do seu incumprimento decorreram mais de 5 anos, nos termos do art. 310º do C.C., ou de 20 anos, nos termos do art. 309º do C.C., pelo que nos termos do art. 304º do C.C., é a mesma inexigível, não existindo, qualquer, causa de interrupção da sua prescrição.
59. Por outro lado, considerou, pela mesma razão, os juros vencidos antes da suposta formação de título executivo – sentença de graduação de créditos, encontram-se, igualmente, prescritos, não sendo os mesmos devidos.
60. Ora, a prescrição dos juros de mora encontra-se submetida ao regime geral estabelecido no artigo 310º alª d) e e) do Código Civil, segundo a qual aos juros legais prescrevem no prazo de cinco anos.
61. Nos termos do disposto no nº 1 do artº 304º, do C. Civil, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
62. Dito isto, temos que prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas - Ac. STJ datado de 30/11/2022, de igual forma o Ac. TRP datado de 08/06/2022.
63. Assim, e atento o exposto, entende o ora recorrente que os juros que ora se imputam, se encontram, há muito, prescritos porquanto a exigência de pagamento dos juros após o incumprimento, que data de 23/02/1999, ao abrigo do disposto no art. 310º alínea d) e e) do Código Civil, e consequentemente, terá o ora executado, de ser absolvido do pagamento dos mesmos.
64. Por outro lado, entendeu o tribunal a quo que inexiste falta de título executivo para as despesas imputadas ao ora recorrente em tal execução.
65. Entende o tribunal a quo, por se tratar de uma escritura, e na mesma se abarcarem além do capital e juros, as despesas com a cobrança do crédito, não deixaremos de referir que ainda que estas sejam estabelecidas ao abrigo do princípio da liberdade contratual, a verdade é que não se bastará com a mera inserção dos valores, para dessa forma se justificar todo e qualquer montante.
66. Como se afere, é imputado ao executado, aqui recorrente, o montante de €2.329,66, a título de “despesas”, não existindo documentos juntos com o título executivo, nem tão pouco a ora exequente se presta a explicar.
67. Dessa forma, parece-nos, salvo o devido respeito, o entendimento do tribunal a quo não poderá acolher-se, porquanto viola claramente o disposto no art. 10º nº5 do CPC, porquanto a da “essencialidade” do título executivo para as acções executivas uma vez que “toda a execução tem por base um título, pelo que se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
68. Para além de que à luz do art.º 703.º do CPC, exige-se a determinabilidade de montante por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas constantes do título/documento particular, o que no caso não se alcança, ocorre deficit do título quanto aos obrigados naquele contrato de abertura de crédito (onde o montante de honorários não está determinado nem é determinável) - Ac. TRC datado de 11/12/2018 69. Neste sentido, Ac. TRE datado de 28-03-2019, e Ac. STJ datado de 31-01-2023.
70. Assim, e no entendimento do ora recorrente, a mera indicação do valor de €2.329,66, a título de despesas, sem qualquer justificação, ou tão pouco forma de cálculo, não possui capacidade executiva, para dessa forma, poder ser o ora recorrente demandado, pelo que ao decidir dessa forma, violou o tribunal a quo o disposto no art. 10º nº5, 703º e 715º do C.P.C.
71. Da mesma forma, o simples facto de existir uma reclamação de créditos, e consequente sentença de graduação, não constitui, como se discorreu, caso julgado, pelo que nunca poderia ser aceite tal alegação, para dessa forma imputar ao ora recorrente tais valores.
72. De onde, decorre que a decisão recorrida, que julga verificado caso julgado, não pode subsistir, pelo que mal andou o tribunal a quo ao decidir que, a reclamação de créditos apresentada no processo anterior, ponto i) do facto provado, constitui, em relação aos presentes autos, caso julgado.
73. Assim, deverá ser proferida decisão, reconhecendo que o crédito que a ora recorrida pretende ver ressarcido, onde se incluem os juros, encontra-se há muito prescrita, e como tal não se torna, a mesma, exigível ao ora recorrente.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao recurso, e revogada a decisão recorrida, com as legais consequências, fazendo-se assim a tão acostumada e sã justiça.
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado. Com a resposta juntou 14 documentos.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se deve ser admitida a junção dos documentos que acompanham a resposta ao recurso
ii. Se deve ser alterada a fundamentação de facto da sentença.
iii. Qual o prazo de prescrição do crédito exequendo.
iv. Que interrupções teve esse prazo e qual o seu efeito sobre a respectiva contagem.
v. Se a execução pode prosseguir em relação à parcela das «despesas».



III. Da junção de documento com as alegações de recurso:
Com a resposta às alegações de recurso, a recorrida, desprezando por completo a lei processual, decidiu juntar 14 documentos (!), sem sequer tentar justificar a sua junção apenas nessa ocasião.
Ora a faculdade de juntar documentos com as alegações de recurso não constitui um direito potestativo de natureza processual, mas sim um acto que tem regras e cuja prática se encontra subordinada aos pressupostos definidos nos artigos 425.º e 651.º do Código de Processo Civil.
Nos termos da primeira destas disposições legais, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Nos termos da segunda, as partes apenas podem juntar documentos às alegações naquela situação e ainda o caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
A primeira situação que torna admissível a junção reporta-se aos documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes. São supervenientes os documentos produzidos depois do encerramento da discussão na primeira instância e, bem assim, aqueles cuja existência apenas foi conhecida pelo apresentante depois desse momento, apesar de terem sido produzidos anteriormente.
No caso, não foi sequer alegada a impossibilidade de junção dos documentos no momento aprazado, nem os mesmos são, objectiva ou subjectivamente, documentos supervenientes.
A segunda situação que poderia permitir a junção relaciona-se com os casos em que a 1.ª instância conhece oficiosamente de uma questão que não estava suscitada ou tratada pelas partes, toma em consideração meio de prova inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou se baseia em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
A necessidade do documento não pode ser preexistente à decisão da 1.ª instância, um dado com o qual a parte devesse contar antes da decisão e independentemente desta, mas antes algo resultante da própria decisão, no sentido de que é a abordagem feita nesta que torna indispensável o documento e justifica que a parte não devesse contar antecipadamente com essa exigência. Quando, pelo contrário, a junção do documento corresponde a um dever de diligência que já antes a parte sabia ou devia saber que a onerava e a decisão de 1.ª instância é uma das que a parte tinha a obrigação de contar que pudessem ser proferidas, por mais que esperasse que a decisão fosse diferente, a junção do documento não se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
No caso, o interesse dos documentos era perfeitamente evidente para as partes desde o início dos embargos porque estes têm por objecto entre outras coisas a cessão dos créditos e a reclamação dos créditos.
Por conseguinte, não está verificada nenhuma das situações excepcionais em que a lei processual consente a junção de documentos com as alegações de recurso.
Pelo exposto, decide-se não admitir a junção dos documentos, o qual não será atendido nos autos para qualquer efeito..



IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
O recorrente impugnou a decisão de julgar provado (pontos j- e l-) que foi notificado para contestar a reclamação de créditos deduzida por apenso ao processo executivo n.º 564/09.3T2OVR e que a sentença de verificação e graduação dos créditos aí proferida transitou em julgado, defendendo que não foi notificado da reclamação e, consequentemente, a sentença não transitou em julgado.
Uma vez que estão em causa factos de natureza processual praticados no âmbito de um processo de judicial de verificação e graduação de créditos, a sua prova tem de ser feita através de certidão judicial que comprove os factos em questão.
Sucede que apenas foi junta aos autos e só por iniciativa do tribunal a certidão judicial correspondente ao ficheiro de 10-05-2023, ref.ª 127324659, da qual não constam os envelopes remetidos para notificação do executado da reclamação e da sentença e alegadamente devolvidos, que permitiriam aferir o que o ora recorrente refere.
O que significa que esta Relação não possui à sua disposição a totalidade dos meios de prova levados em conta pelo tribunal recorrido para motivar a decisão impugnada, razão pela qual, em rigor, não poderia sequer conhecer da impugnação (artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Na motivação da decisão o tribunal a quo afirma que as decisões relativas aos pontos «h) a m) advêm do histórico electrónico dos autos com o n.º 564/09.3T2OVR e 564/09.3T2OVR-B (cf., ainda, certidão junta em 10/05/2023)». Ao fazer esta afirmação, o tribunal a quo desprezou a obrigação decorrente do n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Civil de ordenar a junção aos autos de documento (certidão judicial) que comprove os factos que o tribunal colheu pela consulta de outro processo judicial e de que se serviu para alcançar a sua motivação.
Não obstante isso, nas alegações de recurso o recorrente também não invocou a nulidade por falta de cumprimento desse dever de junção do documento comprovativos dos factos que o tribunal colheu através da consulta que fez. Daí que a irregularidade processual cometida se encontre sanada sem que esta Relação tenha acesso à totalidade dos meios de prova que lhe permitiriam verificar o acerto da decisão sobre a matéria de facto.
É certo que no requerimento de interposição de recurso o recorrente requereu «que sejam juntos ao presente recurso, os autos proferidos no âmbito do proc. nº 564/09.3T2OVR-B, ..., os quais são imprescindíveis para a análise do presente recurso». Ao fazê-lo, o recorrente incorre no mesmo erro do tribunal a quo, que é confundir a consulta do processo, com o meio de prova (documental: artigo 412.º, n.º 2) necessário ao julgamento dos factos processuais observados nessa consulta, razão pela qual o seu requerimento é imprestável, não substituindo o dever de produção de prova nem a necessidade de o tribunal de recurso de ter à sua disposição a totalidade dos meios de prova para poder reapreciar a decisão sobre a matéria de facto.
Apesar de tudo o que acaba de se expor, é possível dizer o seguinte sobre a impugnação.
Nos termos do artigo 866.º do Código de Processo Civil na redacção vigente à data (como hoje do artigo 789.º), uma vez apresentada reclamação de créditos, a secretaria do tribunal procedia à sua notificação, entre outros, ao executado, aplicando-se a essa notificação o artigo 235.º, devidamente adaptado, sem prejuízo de a notificação se fazer na pessoa do mandatário, quando constituído.
Portanto, o executado não era (é) citado, era (é) notificado. O que se compreende porque embora a reclamação abra a instância do incidente da verificação e graduação de créditos, este incidente é processado por apenso a uma execução na qual o executado já foi citado, bastando para o efeito proceder agora à sua notificação. A remissão, com as devidas adaptações, para o artigo 235.º (hoje 227.º), significava uma remissão para o conteúdo da notificação, para os elementos que deviam ser remetidos ao executado, não uma remissão para as modalidades da citação, para as formalidades a observar na sua execução.
E para que endereço devia a notificação ser feita? Naturalmente para o endereço conhecido na execução e para o qual o executado nesta foi citado e/ou notificado, independentemente do endereço que constasse dos documentos com que a reclamação de créditos fosse instruída, porque como se tratava de uma intervenção a ter lugar uns autos pendentes o que importava era o endereço conhecido nesses autos.
Aparentemente, segundo a certidão atrás mencionada, foi isso que foi feito porque na própria reclamação de créditos foi proferido o seguinte despacho que aquela certidão documenta: «Tendo em conta que o executado/reclamado AA foi notificado para efeitos do disposto no art. 866.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil na mesma morada onde foi efectuada a sua citação (cfr. fls. 14 dos autos principais), e atendendo, ainda, que a referida notificação foi devolvida com a menção “objecto não reclamado”, ao abrigo do disposto nos arts. 254.º, n.ºs 3 e 4 e 255.º ambos do mesmo código, considero aquele devidamente notificado para os referidos efeitos processuais».
Esta consequência está correcta. Tratava-se de uma notificação; esta devia ser feita para o endereço onde o executado foi citado para a execução (excepto se o próprio tivesse vindo posteriormente ao processo informar que tinha passado a ter outra residência, o que não foi sequer alegado); a devolução da carta para notificação com a menção «objecto não reclamado» não obstava a que a notificação se considerasse feita por aplicação do disposto no artigo 254.º, n.º 3 e 4, para que remete a parte final do n.º 1 do artigo 255.º (regime da notificação na pessoa dos mandatários aplicável à notificação das pessoas que não constituíram mandatário).
A interpretação que o recorrente faz do n.º 3 do artigo 249.º (de novo mal, as normas aplicáveis eram à data os artigos 254.º e 255.º que, no entanto, possuíam uma redacção equivalente) é totalmente incoerente.
O que a norma em causa dispensa é a notificação da pessoa que se constituiu em situação de revelia absoluta dos actos praticados no processo entre a sua constituição nessa situação (leia-se, após a sua citação/notificação inicial) e a sentença final, estabelecendo que essas notificações não são feitas, mas para efeitos legais tudo se passa como se os actos tivessem sido notificados no dia seguinte ao do facto que tivesse de ser notificado.
Por outras palavras, a norma em causa não tem absolutamente nada a ver com a notificação para contestar a reclamação porque essa está prevista, tem sempre de ter lugar e, no caso, teve mesmo lugar (independentemente do seu resultado), nem com a notificação da sentença de verificação e graduação que igualmente tem sempre de ter lugar sendo, como era, conhecida a residência do reclamado.
No que concerne à notificação da sentença, não existem elementos que permitam verificar o que sucedeu porque a certidão não contém esse acto, não obstante o teor da certidão mencione que a mesma transitou em julgado porque foi isso que o Mmo. Juiz que mandou certificar quando ordenou a junção.
De todo o modo, aceitemos em tese que tenha acontecido o que o recorrente refere, isto é, que a notificação da sentença tenha sido feita de novo por carta expedida para o endereço onde o executado tinha sido citado para a execução e devolvida com a menção «objecto não reclamado».
A ter acontecido assim, é forçoso concluir que a notificação produziu efeitos e a sentença transitou em julgado. De novo porque é de uma notificação que se trata, o endereço para o qual a carta devia ter sido enviada não podia deixar de corresponder ao endereço do executado conhecido no processo executivo (onde foi citado) e não o endereço que constava das escrituras de mútuo e hipoteca onde teve origem o crédito reclamado (celebradas quase 18 anos antes!), excepto se o executado tivesse informado na execução que tinha residência noutro local que não aquele onde foi citado (o que não foi alegado sequer), e a devolução da carta por não ter sido reclamada nos correios não impede que a notificação se considere feita de modo eficaz.
Por tudo isso, não há razões que permitam ou justifiquem a modificação da decisão sobre a matéria de facto.



V. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos:
a- Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgada em 23 de Agosto de 1995 e documento complementar a ela anexo e que dela faz parte integrante, nos termos do qual o Banco 1..., S.A. (ex- Banco 2...) mutuou ao executado AA, solteiro, maior, a quantia de Esc. 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) ao abrigo das normas para o crédito jovem bonificado, para aquisição de habitação própria permanente, pelo prazo de 25 anos, às taxas e demais condições constantes da escritura e do mencionado documento complementar, conforme doc. n.º 2 junto em anexo ao requerimento executivo, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos.
b- Por escritura pública de mútuo com hipoteca, outorgada em 23 de Agosto de 1995 e documento complementar a ela anexo e que dela faz parte integrante, nos termos do qual o Banco 1..., S.A., mutuou ao mesmo executado, a quantia de Esc. 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) para realização de obras de beneficiação, pelo prazo de 25 anos, às taxas e demais condições constantes da escritura e do mencionado documento complementar, conforme doc. n.º 3 junto em anexo ao requerimento executivo, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos.
c- Nos mesmos instrumentos de contrato, os executados CC e BB declararam constituir-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco 1..., S.A., em consequência do empréstimo, com expressa renúncia do benefício da excussão prévia.
d- Ainda para garantia das obrigações assumidas, foram constituídas duas hipotecas voluntárias sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o número ...14, da freguesia ..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...01.
e- Hipotecas estas que foram registadas na referida Conservatória do Registo Predial através das AP. ...8 de 1995/07/27 e AP. ...9 de 1995/07/27.
f- No documento complementar anexo a ambas as escrituras supramencionadas, ficou convencionado que o pagamento dos referidos mútuos seria efectuado em 25 anos, e seria pago em prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros.
g- Os executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, em 23/02/1999.
h- Em 18/08/2012, a sociedade “B..., SARL”, com o NIPC ...77, na qualidade de cessionária, apresentou-se a reclamar créditos por apenso à execução n.º 564/09.3T2OVR (apenso B desses autos), que corre termos no Juízo de Execução de Ovar, com base nas mesmas escrituras e documentos complementares, e invocando a mesma data de incumprimento (23/02/1999).
i- A execução n.º 564/09.3T2OVR foi instaurada, em 20/11/2001, pelo “Banco 2..., S.A.” contra a sociedade “E..., Lda.”, AA, e ainda os referidos CC e BB, tendo sido penhorado nessa execução o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro com o n.º ...14, da freguesia ..., mediante a Ap. ...9 de 2002/03/18.
j- A reclamação de créditos apresentada pela “B..., SARL”, por apenso àquela execução, apenas foi deduzida contra o referido AA, que nesses autos foi notificado para impugnar os créditos reclamados, por carta expedida no dia 18/12/2012.
k- Em 06/02/2013, nos autos n.º 564/09.3T2OVR-B (reclamação de créditos) foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, tendo sido decidido:
“(…) II - Nos termos do n.º 1 do artigo 865.º do Código de Processo Civil, só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados, pode reclamar pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos.
Decorre do disposto no n.º 4 do artigo 868.º do mesmo Código que se têm por reconhecidos os créditos e as respectivas garantias reais que não forem impugnados.
Os créditos reclamados não foram impugnados, pelo que, nos termos deste preceito legal, considero-os, desde já, reconhecidos. (…).
Pelos fundamentos referidos, e nos termos do n.º 2 do artigo 868.º do Código de Processo Civil, julgo verificados os créditos reclamados conforme exposto, decidindo a seguinte graduação a pagar pelo produto do bem penhorado na execução:
A - As custas da execução, incluindo os honorários e despesas suportadas pelo agente de execução, e deste apenso saem precípuas, (cf. art. 455.º do Cód. Proc. Civil).
B - A seguir, do remanescente, proceder-se-á aos pagamentos nestes termos:
1. Em primeiro lugar será pago o crédito reclamado pela Fazenda Nacional, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.
2. Só depois, e do remanescente, o crédito reclamado por “B... SARL”, acrescido de juros de mora, observado o limite temporal de três anos previsto no n.º 2 do art. 693.º do Código Civil, calculados sobre o capital em dívida, às taxas contratualizadas, e do respectivo imposto de selo, até efectivo e integral pagamento, respeitado o montante máximo garantido.
3. A seguir, se houver remanescente, será pago o crédito exequendo.
Custas pelo reclamado.
Valor: € 201.795,44 euros.
Notifique e registe.»
l- Aquela sentença foi proferida em 6/02/2013 e transitou em julgado em 13/03/2013.
m- O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro com o n.º ...14, da freguesia ..., não foi vendido na execução n.º 564/09.3T2OVR, e a credora reclamante “B..., SARL” não recebeu nessa execução qualquer pagamento.
n- A “D..., Compra e Venda de Imóveis Lda.” cedeu os seus créditos à “B... S.A.R.L.” por contrato de cessão de créditos celebrado em 28/10/2011, e que deu origem às inscrições AP. ...06 de 2011/11/09 e AP. ...07 de 2011/11/09.
o- A “B... S.A.R.L.” cedeu os seus créditos à “C... Limited”, por contrato de cessão de créditos celebrado em 23/02/2016, e que deu origem às inscrições AP. ...44 de 2016/04/05 e AP. ...45 de 2016/04/05.
p- A “C... Limited” conjuntamente com a “F... S.A.” cedeu os seus créditos à “A... STC, S.A.”, por contrato de cessão de créditos celebrado em 18/06/2018, e que deu origem às inscrições AP. ...62 de 2018/10/10 e AP. ...63 de 2018/10/10.
q- A cessionária “B... S.A.R.L.” expediu uma carta registada, na data de 24 de Fevereiro de 2016, para a morada indicada no contrato e na qual comunicava a aludida cessão de créditos, bem como informava sobre a transmissão dos créditos e inerentes garantias.
r- A A... STC, S.A. remeteu uma carta registada no dia 20 de Junho de 2018, na qual informava a operação de créditos celebrada ao abrigo do DL n.º 453/99 de 5 de Novembro.



VI. Matéria de Direito:
A] Da notificação do devedor das cessões do crédito exequendo:
O embargante defende que como antes da instauração da execução nunca foi notificado das diversas cessões do crédito exequendo referidas pela exequente para justificar a sua legitimidade activa, essas cessões não são eficazes em relação a si «com as inerentes consequências que daí advirão», ou seja, que o «cessionário não está legitimado a exigir o crédito ao devedor».
Na decisão recorrida manifestou-se o entendimento de que «no caso em apreço, resulta inequívoco que o embargado [é lapso, certamente pretendia-se dizer embargante] foi notificado da cessão de créditos» e ainda que «a notificação da cessão ao devedor pode ser feita por qualquer meio, inclusivamente pela citação do devedor cedido para a acção executiva ou para o incidente de habilitação enxertado nessa acção» e consequentemente julgou-se improcedente este fundamento dos embargos.
Vejamos.
Em primeiro lugar não se mostra acertada a afirmação de que no caso o embargante foi notificado das cessões por via extrajudicial e antes da instauração da execução.
Na verdade, apenas se encontra provada o envio ao executado embargante de duas cartas a transmitir-lhe a informação de ter havido uma cessão de créditos: uma enviada pela B... SARL (é o que diz a matéria de facto, mas a carta que se encontra junta com a contestação revela que foi enviada por essa pessoa colectiva e ainda pela C... Limited) em 24 de Fevereiro de 2016, e outra enviada pela ora exequente A... STC, S.A. (em rigor, segundo a carta, por outra pessoa colectiva que afirmava estar a actuar em representação desta mas não documentado os poderes de representação) em 20 de Junho de 2018.
Ora conforme foi alegado no requerimento executivo e transparece, aliás, do registo predial do imóvel hipotecado para garantia dos créditos (provenientes de dois contratos de mútuo), estes foram objecto não de 2, mas sim de 5 (!) cessões de crédito.
De acordo com o que ali consta, por escritura pública outorgada em 26 de Julho de 2005, os créditos foram cedidos pelo credor originário, o Banco 1... / Banco 2..., à sociedade G..., Ltd ; por escritura pública outorgada em 21-03-2006, foram cedidos pela G..., Ltd à D..., Compra e Venda de Imóveis, Lda.; por contrato de cessão de créditos outorgado em 28-10-2011, foram cedidos pela D..., Compra e Venda de imóveis, Lda. à B..., S.A.R.L.; por contrato de cessão de créditos outorgado em 23-02-2016, foram cedidos pela B..., S.A.R.L. à C... Limited, e finalmente por contrato de cessão de créditos outorgado em 18-06-2018 foram cedidos pela C... Limited à A... STC, S.A., ora exequente.
Dê-se nota que este último contrato foi celebrado conjuntamente pela C... e pela F... S.A., mas cedendo, naturalmente, cada uma os créditos de que era titular. Esse aspecto não deverá ter sido devidamente considerado e esse erro terá, porventura, estado na origem da habilitação de cessionário que a F... requereu e obteve na acção executiva n.º 564/09.3T2OVR quando do registo predial não consta a inscrição da transmissão da hipoteca a favor dessa sociedade.
Cada uma destas cessões tinha de ser objecto de notificação ao devedor, sob pena de, faltando uma das anteriores, não poderem as subsequentes produzir a eficácia das cessões em relação ao devedor. Admitimos que na mesma ocasião pudessem ser notificadas várias cessões, mas para o efeito estas tinham de ser devidamente explicitadas e descrever uma cadeia de transmissões ininterrupta.
No caso, verifica-se que a carta de 24-02-2016 só descreve uma cessão (certamente por ter presumido que haviam sido notificadas, o que não se provou), não fazendo qualquer menção às anteriores, pelo que não torna a cessão eficaz em relação ao destinatário porque este, não conhecendo as anteriores transmissões, não tem como saber se quem afirmava ser titular do crédito e tê-lo transmitido por essa altura era efectivamente o titular do crédito alegadamente transmitido.
O mesmo defeito ocorre na carta de 20-06-2018. Mas esta tem ainda mais duas deficiências que a tornam absolutamente inaproveitável para o fim visado.
Por um lado, menciona que o crédito foi cedido pela F..., S.A. à A... STC, S.A. quando aquela, como vimos da descrição no requerimento executivo, nunca foi titular destes créditos (quem os adquiriu por cessão foi a C...).
Por outro lado, ao contrário da carta anterior, nem sequer identifica os créditos por referência aos contratos de mútuo que lhe deram causa, usando apenas uma referência interna («Operação/Contrato Ref.: L-C0..-001/...) que destinatário algum poderá saber a que corresponde e, sobretudo, não tem como saber que corresponde à sua dívida proveniente dos aludidos contratos de mútuo.
Em segundo lugar, também não é correcta a tese que a recorrida sustenta na resposta às alegações de recurso de que a notificação das cessões é dispensada legalmente pelo n.º 4 do artigo 6º do Decreto-lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, o qual, enquanto norma especial, afasta o regime geral do artigo 583º do Código Civil.
Com efeito, o que o artigo 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 82/2002, de 5 de Abril, em vigor à data de qualquer das cessões alegadas, estabelece é que «quando a entidade cedente seja instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundo de pensões, a cessão de créditos para titularização produz efeitos em relação aos respectivos devedores no momento em que se tornar eficaz entre o cedente e o cessionário, não dependendo do conhecimento, aceitação ou notificação desses devedores».
Não é, por isso, toda a cessão de créditos para titularização que produz efeitos em relação ao devedor independentemente da sua notificação; isso só sucede quando a entidade cedente seja uma instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundo de pensões. Ora precisamente a alteração ao regime de titularização de créditos introduzida pelo Decreto-lei n.º 82/2002, de 5 de Abril, privou as sociedades de titularização de créditos da natureza de sociedades financeiras.
Como refere o preâmbulo do diploma, este «procede a alterações no regime jurídico da titularização de créditos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, em particular no que diz respeito à natureza e à supervisão de um dos tipos de entidades cessionárias de créditos previstos naquele diploma, a saber, o das sociedades de titularização de créditos. Com efeito, tendo estas sociedades a natureza de mero veículo de titularização de créditos, entendeu-se que as mesmas deveriam deixar de ser qualificadas como sociedades financeiras. (...) A alteração da natureza das sociedades de titularização de créditos foi também acompanhada por alterações do respectivo regime jurídico que visam evidenciar a sua natureza de mero veículo de titularização de créditos, como o sejam a restrição do respectivo objecto social e a supressão da possibilidade de aquelas financiarem a respectiva actividade através da emissão de obrigações clássicas».
No caso, a primeira cessão foi feita por um banco, logo por uma instituição de crédito, razão pela qual essa cessão podia ser abrangida pelo preceito. Todas as restantes já foram efectuadas entre sociedades de titularização de créditos, as quais, além de terem deixado de ser sociedades financeiras, não estão incluídas no rol das entidades mencionadas na norma em apreço, pelo que a respectiva disposição não se lhe aplica.
Acresce que nos termos do n.º 5 do mesmo artigo 6.º, que remete para o n.º 3 do artigo 5.º, ambos do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, essa dispensa da notificação ao devedor também não se aplica quando a gestão dos créditos cedidos é assegurada por entidade diferente do cedente.
Ora, pelo menos a fazer fé nas cartas que o exequente juntou para demonstrar a notificação do devedor, no caso a gestão dos créditos cedidos era ou foi assegurada por uma entidade diferente da sociedade de titularização de créditos e que surge mencionada com a aparência de um veículo criado precisamente para fazer essa gestão.
Por esse motivo, é impossível considerar que no caso, por aplicação das normas do referido regime jurídico, a notificação do devedor estivesse legalmente dispensada.
Alcançadas estas conclusões (que não foi demonstrada a notificação válida e eficaz do devedor de cada uma e de todas as cessões de créditos realizadas; que no caso tal notificação não estava legalmente dispensada de modo que as cessões produzissem efeitos independentemente dela), coloca-se a questão de saber se a notificação (válida e eficaz) do devedor tinha de ser prévia à instauração da execução destinada à cobrança do crédito pelo cessionário final ou pode considerar-se feita com a citação para a execução, sem que essa simultaneidade corporize um obstáculo à instauração da execução.
Trata-se, como é conhecido, de uma questão que motiva alguma controvérsia, pelo menos na jurisprudência. No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça parece seguir de forma consistente a posição de que a notificação não tem de anteceder necessariamente a acção destinado ao exercício do direito de crédito e pode considerar-se feita apenas com a citação para essa acção.
Lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-01-2021, proc. n.º 12414/14.4T8PRT-A.P2.S1, que «apesar de Menezes Leitão recusar que a citação para a acção em que é exigido o crédito determine, por si, a eficácia da cessão (ob. cit., p. 361), a jurisprudência deste Supremo vem seguindo uma linha divergente no sentido de que tal eficácia pode ser alcançada por via judicial, através da citação (ou da notificação) no âmbito do processo em que é exigido o direito de crédito pelo cessionário. Neste sentido cf. o Ac. do STJ, 10-3-16, 703/11, em que o ora relator interveio como adjunto, assim como os Acs. do STJ de 6-11-12, 314/2002 e de 20-10-03, 04B815, ou o Ac. d Rel. de Lisboa, de 12-5-09, 24988/05, relatado pelo ora relator, todos em www.dgsi.pt. Cf. ainda Assunção Cristas, em Transmissão Contratual do Direito de Crédito, pp. 133 e 134».
No Acórdão de 07-09-2021, proc. n.º 348/16.2T8BJA-A.E1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a decidir um recurso precisamente por haver oposição de Acórdãos do próprio Supremo Tribunal de Justiça, divididos entre a posição de que a notificação ao devedor da cessão do crédito é uma mera condição de eficácia desse negócio e pode considerar-se substituída pela citação para a acção e a posição de que a eficácia do direito de crédito do cessionário contra o devedor depende, em termos substantivos, da referida notificação do devedor ou da sua aceitação do contrato de cessão, pelo que deve integrar a causa de pedir na acção e preceder a propositura da acção intentada pelo cessionário contra o devedor.
Confrontado com essa oposição, o Supremo Tribunal de Justiça manifestou o seguinte: «a tese que exige que a notificação seja anterior à acção executiva surge como um corpo estranho no regime jurídico da cessão de créditos, que admite que a notificação da cessão pode ser extrajudicial e não está sujeita a forma. Conforme defendido por Vaz Serra, «Cessão de Créditos e de outros direitos», BMJ, n.º especial, 1955, p. 222, «(…) [a] notificação não é um negócio jurídico, pois por ela não se exprime uma vontade dirigida a efeitos jurídicos determinados: quer-se apenas informar terceiros do facto da cessão. Mas, isto não obsta a que lhe sejam aplicáveis, por analogia, (…) as normas relativas aos negócios, uma vez que é uma acção voluntária lícita com efeitos semelhantes aos dos negócios jurídicos». A notificação constitui, assim, uma declaração receptícia através da qual é dado a conhecer ao devedor cedido o facto da transmissão do crédito. Esta declaração não está sujeita a forma especial, podendo ser feita de forma expressa ou tácita (artigos 217.º e 219.º, ambos do Código Civil). A isto acresce que a lei se basta, para a eficácia da cessão em relação ao devedor, com o seu conhecimento, não exigindo a sua autorização (artigo 577.º, n.º 1, do Código Civil). Assim, não há motivos legais nem práticos que impeçam que o conhecimento do devedor se adquira ou concretize através de várias formas, entre as quais se conta a citação para a acção. Com efeito, apesar das diferenças normalmente apontadas entre a notificação e a citação, é inegável que ambas produzem o conhecimento da transmissão do crédito por parte do devedor, sendo o conhecimento o único elemento constitutivo da eficácia da cessão em relação ao devedor. A circunstância de o conhecimento da cessão só operar no momento da citação e não em momento prévio não afecta a confiança que o regime da cessão de créditos, consagrado nos artigos 577.º do Código Civil e seguintes, pretende tutelar: a confiança do devedor cedido que paga a um credor aparente, desconhecendo a cessão (Pestana Vasconcelos, A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência – Em particular da Posição do Cessionário na Insolvência do Cedente, Coimbra editora, Coimbra, 2007, p. 405). (...). Ademais, para protecção do devedor cedido, a lei faculta-lhe a possibilidade de na contestação impugnar a validade do acto ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, nos termos do artigo 356.º, n.º 1, al. a), do CPC. A jurisprudência reconhece, ainda, nos termos da lei, ao devedor cedido, o direito de “(…) invocar como meio de defesa geral contra o cessionário, a ineficácia em sentido amplo do negócio-acto de cessão de créditos (causa próxima) convencionado com a cedente, em adição à oponibilidade das vicissitudes (excepções) do negócio subjacente ao crédito cedido (causa remota), licitamente invocáveis contra o cedente nos termos do art. 585.º do CC.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-05-2021, proc. n.º 348/14.7T8STS-AV.P1.S1). Não vê, portanto, o devedor, os seus meios de protecção diminuídos, em virtude de ter conhecido a cessão através da citação».
O Supremo Tribunal de Justiça continua afirmando que passou a adoptar a tese da equiparação da notificação do devedor à sua citação para a acção interposta pelo cessionário «pelo menos a partir de 2012, com o Acórdão de 06-11-2012 (proc. n.º 314/2002.S1.L1), em cujo sumário se concluiu que «A citação para a acção de condenação no pagamento do crédito cedido, proposta pelo credor cessionário, pode produzir o mesmo efeito jurídico que a notificação prevista no art. 583º-1 C. Civil, cessando, com prática aquele acto judicial, a inoponibilidade da transmissão pelo cessionário ao devedor». Nesta sequência, o Acórdão de 10-03-2016 (703/11.4TBVRS-A.E1.S1), num caso em que estava em causa saber se a citação para a execução produz os mesmos efeitos jurídicos que a notificação, a que alude o artigo 583.º, nº1 do Código Civil, adoptou a seguinte orientação: «I - A notificação ao devedor, a que alude o art. 583.º, n.º 1, do CC, de que o seu credor cedeu o crédito a outrem, pode ser feita através da citação para a execução proposta pelo credor cessionário contra os oponentes executados. II- Com a citação para a execução cessa a inoponibilidade por parte do devedor da transmissão pelo cessionário».
A seguir o Supremo Tribunal de Justiça transcreve e acompanha a fundamentação aduzida no Acórdão de 10-03-2016, e que é a seguinte: «Na cessão de créditos o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito, nos termos do art. 577 do C. Civil. Como se refere no Ac. deste Supremo de 25.05.1999 acessível via www.dgsi.pt, o crédito transferido fica inalterado: apenas se verifica a substituição do credor originário para um novo credor. Cedente e cessionário têm intervenção activa e a terceira pessoa - o devedor -passiva, isto, porque não se exige o seu consentimento” A cessão opera entre as partes (cedente e cessionário), independentemente da sua notificação ao devedor. No entanto, em relação ao devedor é necessário que a cessão lhe seja notificada, nos termos preceituados do nº 1 do art. 583 do C. Civil. A razão de ser da exigência do conhecimento da cessão reside como bem nota o Ac. deste Supremo de 6.11.2012, acessível via www.dgsi.pt, “na necessidade da protecção do interesse do devedor pois, que, em princípio, não admite a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjectiva do contrato, frustrada pela omissão de informação do primitivo credor cedente”. Como aí se diz também “o desiderato da lei fundamentalmente que o devedor como terceiro relativamente ao contrato de cessão, não seja confrontado como uma situação alterada no sentido do agravamento, por via da transferência do direito de crédito”. Também no Ac deste Supremo de 3.06.2004 acessível via www.dgsi.pt: A lei faz depender a eficácia da cessão em relação ao devedor do conhecimento que este tenha de que o crédito foi cedido. O que torna a cessão eficaz relativamente ao devedor é o facto de este a conhecer podendo esse conhecimento revelar-se de várias formas, entre quais a notificação efectuada por um dos contraentes da cessão. Mas tal não significa que o conhecimento não possa chegar ao devedor por outra via, nomeadamente a citação para acção / execução. Se a eficácia da cessão está ligada ao conhecimento, não se pode dizer que com a citação para a acção / execução o devedor não passe a conhecer que o crédito foi cedido. Como bem nota o Acórdão de 6.11.2012 citando Assunção Cristas em anotação ao Acórdão de 3 de Junho de 2004 in Cadernos de Direito Privado nº 14 pag. 63 “mesmo que se conclua que a citação não é o mesmo que a notificação, ainda será necessário sustentar que ela não produz o conhecimento da transmissão por parte do devedor”. Também como bem nota o Acórdão que estamos a seguir de perto, se o conhecimento do devedor da cessão é o elemento constitutivo da eficácia da cessão relativamente a ele (devedor), é indiferente do ponto da vista do efeito jurídico, classificar a citação como notificação ou simples modo de conhecimento” sendo certo como aí se diz que não se vislumbra “como a citação não possa ser considerado um meio idóneo de transmissão ao devedor do pertinente e adequado “conhecimento”. “Com o “conhecimento” da transmissão, que se concretiza através da citação para a execução – ficando o cedido ciente da existência da cessão e da impossibilidade de invocar o seu desconhecimento (art. 583 nº 2) o direito do cessionário, que até então era inoponível ao devedor cedido, protegido pela ineficácia, passa a gozar da exigibilidade que antes daquele acto a ineficácia relativa condicionava”. No que concerne ao argumento do Acórdão fundamento no sentido de que a notificação da cessão de créditos ou a sua aceitação por parte do devedor como um dos elementos essenciais e integrantes da causa de pedir, deve fazer parte do elenco dos factos articulados antes da citação, não colhe porque como bem observa o citado Acórdão : “Admitir que o cessionário não poderá propor a acção contra a devedor sem o ter notificado previamente gera uma situação algo curiosa, pois também o antigo credor (cedente), no rigor técnico, o não poderá fazer, porquanto já não é credor, a este careceria legitimidade e àquele faltaria um elemento essencial da causa de pedir .“ Portanto, tal como o Acórdão recorrido por via da citação para a execução os opoentes/executados tiveram conhecimento da cessão de crédito, circunstância que fez com que a mesma se tornasse eficaz relativamente a eles e consequentemente com a possibilidade da cessionária poder exigir dos opoentes o pagamento da dívida».
A finalizar o Supremo Tribunal de Justiça indica como seguindo a posição que adopta ainda os seus Acórdãos de 03-10-2017, proc. n.º 71045/14.0YIPRT.L1.S1, e de 26-05-2021, proc. n.º 135/20.3T8CBA-A.E1.S1, e a jurisprudência maioritária das Relações de que são exemplo os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 06-07-2016, proc. n.º 467/11.1TBCNT-A.C1, de 22-11-2016, proc. n.º 3956/16.8T8CBR.C1, de 13-11-2018, proc. n.º 1703/18.9T8 CBR.C1, de 02-04-2019, proc. n.º 126696/17.0YIPRT.C1, de 16-03-2021, proc. n.º 132/12.2TBCNT-E.C1; da Relação de Porto de 13-05-2014, proc. n.º 678/13.5TBPFR-A.P1; da Relação de Lisboa de 12-05-2009, proc. n.º 29488/05.1YYLSB.L1-7; da Relação de Guimarães de 26-06-2014, proc. n.º 2180/13.6TBBRG.G1, relação a que acrescentamos o Acórdão da Relação de Lisboa de 15-09-2020, proc. n.º 29015/06.3YYLSB-B.L1-7, todos in www.dgsi.pt.
De referir que a posição da equiparação da citação do devedor à notificação prevista no artigo 583.º, n.º 1, do Código Civil, foi decidida pelo Supremo Tribunal de Justiça em situações em que a citação teve lugar numa acção de condenação (Acórdão de 06-11-2012), em que teve lugar numa acção executiva instaurada contra o devedor (Acórdão de 10-03-2016), em que teve lugar numa acção de declaração de insolvência do devedor instaurada pelo cessionário (Acórdão de 25-05-2021), ou em que teve lugar num incidente de habilitação de cessionário (Acórdão citado acima), o que denota que para o Supremo Tribunal de Justiça a solução não diverge consoante o contexto processual.
Não vemos motivos para nos afastarmos deste entendimento do Supremo Tribunal de Justiça até pelo papel determinante na fixação da jurisprudência que na nossa organização judiciária aquele tribunal assume e que, em regra, deve ser tido em conta na ponderação que os demais tribunais tiverem de fazer.
Por isso, e concluindo, entendemos que as cessões de créditos alegadas (cuja celebração em rigor o executado não impugnou ou lhes opôs qualquer invalidade) devem considerar-se eficazes em relação ao embargante seja por efeito da respectiva notificação para contestar a reclamação de créditos instaurada em 18-08-2012 pela cessionária B..., SARL por apenso à execução em que foi penhorado o imóvel hipotecado (notificação essa que por isso tornou eficazes as cessões realizadas anteriormente, em 2004, 2007 e 2011 e em resultado das quais o credor reclamante havia sucedido na titularidade do crédito), seja por efeito da citação para a execução (que tornou eficazes as cessões posteriores àquelas que tiveram lugar em 2016 e 2018).
Improcede assim este fundamento do recurso.


B] Do prazo de prescrição:
Qual é o prazo de prescrição do crédito exequendo: o prazo ordinário de prescrição de 20 anos [artigo 309.º do Código Civil] ou o prazo curto de prescrição de 5 anos [alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil]?
Seguindo de perto o que por várias vezes já escrevemos a este respeito, diremos:
O instituto da prescrição visa dar resposta à preocupação da estabilização das situações jurídicas, de modo a dar às pessoas a segurança e a paz de saberem com antecedência o conteúdo da respectiva esfera jurídica, dando-lhes a oportunidade de fazerem a suas opções de vida, sabendo de antemão quais os direitos que possuem e quais as vinculações jurídicas a que estão sujeitas.
Refere Ana Filipa Morais Antunes, in Estudos de Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia, vol. III, pág. 39 que a «prescrição justifica-se em homenagem ao valor da segurança jurídica e da certeza do direito, mas, também, em nome do interesse particular do devedor, funcionando como reacção à inércia do titular do direito, fundada num imperativo de justiça (.). Na verdade, a prescrição é um instituto que se funda em interesses multifacetados. Não existe, pois, uma só razão justificativa do instituto, nem tão-pouco consensos ao nível doutrinário (.). Os seus principais fundamentos são: i) a probabilidade de ter sido feito o pagamento; ii) a presunção de renúncia do credor; iii) a sanção da negligência do credor; iv) a consolidação de situações de facto; v) a protecção do devedor contra a dificuldade de prova do pagamento; vi) a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos; vii) o imperativo de sanear a vida jurídica de direitos praticamente caducos; viii) a exigência de promover o exercício oportuno dos direitos
Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, pág. 380, escreve que «a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição
O artigo 304.º do Código Civil estabelece que uma vez “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”. A prescrição é, portanto, uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cf. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição). A prescrição não extingue o direito de crédito, apenas permite ao devedor recusar o seu cumprimento.
Existem dois tipos de prescrição, cada um com as suas especificidades: a prescrição comum ou extintiva e a prescrição presuntiva.
Pais de Vasconcelos, in loc. cit., pág. 381 e seg., distingue-as deste modo: «Na prescrição comum, o beneficiário só precisa de invocar e demonstrar a inércia do titular do direito no seu exercício durante o tempo fixado na lei. O regime comum da prescrição é neutro em relação ao cumprimento ou incumprimento. A prescrição ocorre, quer o devedor tenha já cumprido, quer não. Se já tiver cumprido, o devedor deixa de ter de invocar e demonstrar o cumprimento, basta-lhe invocar a prescrição: se não tiver cumprido, também a invocação da prescrição lhe permite bloquear a pretensão do credor. A prescrição não extingue o direito nem a vinculação. Apenas confere ao obrigado o poder de recusar o cumprimento. No entanto, se após o decurso do prazo da prescrição houver cumprimento, este é válido e eficaz. O obrigado que, após o decurso do prazo da prescrição, tiver procedido ao cumprimento sem a invocar, não pode repetir a prestação, ainda que não tivesse consciência de que podia beneficiar da prescrição. (…) A natureza e o regime jurídico da prescrição presuntiva são diferentes. Como expressa o artigo 312.º do Código Civil, a prescrição presuntiva funda-se na presunção do cumprimento. Passados os prazos da lei, o devedor pode opor a prescrição à pretensão do credor. Mas esta presunção é ilidível e o credor pode ainda alegar e demonstrar que o devedor não cumpriu. A ratio legis é clara: passado certo tempo sem o credor exigir o cumprimento, presume-se que o devedor já cumpriu. É assim que sucede na normalidade da vida e é da natureza das coisas que assim seja. O credor, por outro lado, fica sujeito que lhe seja oposta a prescrição se tolerar a mora durante mais do que aquele tempo e convém-lhe, por isso, não manter a inércia para além desse limite de tempo
Também Calvão da Silva, in A prescrição presuntiva e a armadilha do ónus da prova, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 138.º, n.º 3956, pág. 267 e seg., acentua que «a prescrição presuntiva funda-se na presunção de cumprimento (art. 312.º do Código Civil). Trata-se de uma particular categoria de prescrição breve, a determinar a presunção de pagamento ou cumprimento e não a extinção da prestação debitória. Por isso mesmo, a presunção de cumprimento ou pagamento pelo decurso do prazo pode ser ilidida pelo credor mediante prova em contrário (leia-se, provando o não cumprimento ou não pagamento), embora nos termos restritos e limitados dos arts. 313.º e 314.º do Código Civil – confissão pelo devedor originário ou herdeiro, seja a confissão judicial, seja a confissão extrajudicial por escrito. O que mostra a natureza híbrida ou mista da prescrição presuntiva: não sendo apenas presunção relativa ou presunção iuris tantum, ilidível por todo e qualquer meio de prova em geral admitido em direito (art. 350.º, n.º 2, do Código Civil), não chega todavia a ser presunção absoluta ou presunção iuris et de iure já que ilidível por confissão judicial ou extrajudicial escrita do devedor, o único meio susceptível de provar o contrário, vale dizer, o único meio admitido ao credor para contrariar a presunção de cumprimento, demonstrando o não cumprimento. (…) pode dizer-se que a prescrição propriamente dita é só uma – a prescrição extintiva ou liberatória, a constituir a regra por razões de interesse e ordem pública com a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico. Já a chamada prescrição presuntiva não passa de excepção, sujeita ao regime especial dos arts. 312.º e segs. do Código Civil – prescrição presuntiva que, portanto, não terá aplicação fora dos casos expressamente indicados por normas específicas que a prevejam, a impor, em caso ele dúvida acerca da natureza da prescrição, a regra da prescrição liberatória ou extintiva
No âmbito da prescrição extintiva, a lei consagra essencialmente dois prazos de prescrição: o prazo ordinário, de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), e o prazo curto, de 5 anos (artigo 310.º do Código Civil). O prazo ordinário aplica-se em todas as situações às quais a lei não associe de modo expresso um prazo mais curto, pelo que o prazo ordinário é a regra e o prazo curto a excepção.
O artigo 310.º do Código Civil manda aplicar o prazo de prescrição de cinco anos a créditos de diversa natureza entre os quais se contam, no que interessa à economia dos autos, os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, [alínea d)] as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros [alínea e)] e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis [alínea g)].
Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil: parte geral / [coord. de Luís Carvalho Fernandes, José Brandão Proença] – Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014, página 755, escreve que «A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de Ana Filipa Morais Antunes (2008: 79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p. 79). Alguma doutrina italiana encontra outro fundamento para o regime das pensões alimentícias vencidas, a saber, urna “presunção do fim da situação de necessidade do alimentando negligente” (Costantini, 2009: 290)
O Acórdão desta Relação de 21-03-2022, proc. n.º 22083/20.7T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt, informa-nos que «O Sr. Professor Vaz Serra, em sede de trabalhos preparatórios do Código Civil vigente [..], referia que a teleologia do nº 1, do artigo 543º do Código de Seabra se destinava “a evitar a ruína do devedor, pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas”. Mais adiante, na obra que se acaba se citar [..], referia que com “os juros parece deverem prescrever as quotas de amortização, se deverem ser pagas como adjunção aos juros (Código alemão, § 197º), pois, se assim não fosse, poderia dar-se uma acumulação de quotas ruinosa para o devedor, apesar de, com a estipulação de quotas de amortização se ter pretendido suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros” [..].»
Em função da influência do tempo sobre o seu objecto, é costume distinguir, usando a terminologia de Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 85 e seguintes, entre as prestações instantâneas, as prestações duradouras e as prestações fraccionadas ou repartidas.
As prestações instantâneas são aquelas cujo objecto é realizado num único momento, ou seja, o comportamento exigível do devedor esgota-se num só momento (quae único actu perficiuntur). Ao invés, nas prestações duradouras a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação, ou seja, não só o devedor é chamado a efectuar diversos actos para satisfação do direito de crédito do credor, como a extensão desses actos depende decisivamente do factor tempo.
Dentro das obrigações duradouras distinguem-se ainda as prestações de execução continuada, que são aquelas cujo cumprimento é feito continuamente ao longo do tempo, e as prestações reiteradas, periódicas ou com tracto sucessivo que são aquelas que se renovam no fim de períodos temporais consecutivos, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos.
Existem ainda prestações fraccionadas ou repartidas que são aquelas cujo cumprimento se protela no tempo, mas em que o facto tempo não tem influência sobre o objecto da prestação mas apenas sobre o modo da sua execução, isto é, o objecto da prestação foi fixado previamente e permanece inalterado ainda que, por acordo das partes, o seu cumprimento deva ser feito ao longo de tempo, em momentos separados dividido em fracções ou parcelas.
A obrigação do mutuário de reembolso do capital mutuado, respectivos juros remuneratórios e encargos, devidos pela celebração de um contrato de mútuo no qual o cumprimento daquela obrigação foi fixado em prestações mensais distribuídas ao longo do prazo contratado para o mútuo, é uma prestação duradoura, fraccionada ou repartida.
Num contrato de mútuo bancário o valor de cada uma das prestações mensais do respectivo reembolso compreende parte do capital, juros e encargos, de modo a que a totalidade das prestações perfaça a totalidade do capital mutuado, dos respectivos juros remuneratórios e demais encargos. Por isso, parece não poder deixar de se entender que o crédito do banco mutuante correspondente a cada uma dessas prestações se encontra compreendido na previsão da alínea e) do artigo 310.º do Código Civil por se tratar de uma quota de amortização do capital pagável com os juros.
Conforme escreveu Ana Filipa Morais Antunes, in Algumas questões sobre prescrição e caducidade, Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, 2010, página 47:
«[…] o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios.
[…] na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.
[…] Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra.»
Esta posição constitui, alias, jurisprudência reiterada e predominante do Supremo Tribunal de Justiça e dos Tribunais da Relação, conforme dão conta com grande pormenor os Acórdãos da Relação de Lisboa de 09-09-2021, proc. n.º 139552/18.5YIPRT.L1-2, e desta Relação do Porto de 21-03-2022, já citado, ambos in www.dgsi.pt.
Actualizando as citações daqueles, podem citar-se mais recentemente, em linha e reafirmando aquela jurisprudência, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 22-03-2022, proc. n.º 15273/18.4T8SNT-B.L2-7, da Relação do Porto de 04-05-2022, proc. n.º 776/21.1T8LOU-A.P1, e do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2022, proc. n.º 1708/20.0T8GMR.G1.S1, todos in www.dgsi.pt.
Conforme se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-09-2016, proc. n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, www.dgsi.pt, «… no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações. Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.»
Por isso, as prestações fixadas no contrato de mútuo para reembolso do capital mutuado, juros remuneratórios e encargos encontram-se sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos consagrado na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
O Supremo Tribunal de Justiça tornou essa posição jurisprudência uniforme através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 30-06-2022, publicado no Diário da República de 22-09-2022, fixando o seguinte entendimento:
«I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
O prazo de prescrição de cinco anos é igualmente aplicável aos juros de mora.
Desde logo, porque a obrigação de juros está expressamente subordinada a esse prazo de prescrição na alínea d) do artigo 310.º do Código Civil, razão pela qual, no caso, quer a obrigação principal de pagamento de capital, juros remuneratórios e encargos, quer a obrigação acessória, sucedânea da mora no cumprimento, do pagamento de juros moratórios, se encontram subordinadas ao mesmo prazo de prescrição.
Idêntica conclusão se alcança partindo da ideia de que uma vez prescrita a obrigação principal a obrigação acessória deixa de poder operar: se o devedor pode recusar o pagamento do capital em dívida com fundamento na prescrição, não devem, naturalmente, poder ser-lhe exigidos juros de mora sobre esse mesmo capital.


C] Da contagem do prazo de prescrição:
Resulta da matéria de facto que as prestações dos contratos de mútuo deixaram de ser pagas a partir da que se venceu em 23-02-1999.
Podia colocar-se a questão do vencimento antecipado das restantes prestações e se por esse motivo o prazo de prescrição se manteve ou foi alterado.
Todavia, a perda do benefício do prazo fixado para as prestações subsequentes não é algo que ocorra de forma automática, ex lege, independentemente da vontade do credor, constituindo sim um direito decorrente do incumprimento do devedor (no caso é precisamente isso o que afirma a cláusula XXIV do contrato de mútuo) que o credor exercerá ou não consoante a sua vontade, e para o que, em regra, necessitará de informar o devedor desse vencimento antecipado.
Por esse motivo, não tendo sido alegado que esse vencimento antecipado tenha sido decidido e comunicado pelo credor, devemos entender que, apesar do não pagamento das prestações, elas continuaram subordinadas ao respectivo prazo de pagamento previsto no contrato.
Sendo assim, podemos concluir que em Agosto de 2012, quando a cessionária do credor deduziu espontaneamente a reclamação dos créditos ora exequendos num processo executivo no qual havia sido penhorado o imóvel hipotecado, estavam já prescritas todas as prestações cuja data de vencimento era anterior em mais de 5 anos em relação à data da apresentação da reclamação de créditos (ou seja, as prestações que se venceram sucessivamente entre Fevereiro de 1999 e Agosto de 2007, bem como os respectivos juros de mora vencidos até este limite temporal).
Essa prescrição das prestações vencidas mais de 5 anos antes dessa data é irreversível, independentemente do efeito interruptivo da reclamação de créditos na medida em que só se pode interromper um prazo que ainda se encontra a decorrer, não um prazo que já decorreu e por efeito do qual se consolidou a prescrição.
Nos termos do artigo 323.º do Código Civil a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
A reclamação de créditos no processo executivo onde fora penhorado o imóvel sobre o qual fora constituída hipoteca para garantia dos créditos é um acto que exprime directamente a intenção de exercer o direito de crédito, na medida em que a reclamação serve precisamente para o credor obter pagamento do seu crédito dotado de garantia real no processo onde a reclamação é deduzida.
Por isso, a notificação do executado reclamado para impugnar a reclamação produziu, nos termos do citado preceito, a interrupção do prazo de prescrição. Em rigor, aliás, esse efeito interruptivo ocorreu não quando a notificação foi concretizada, mas assim que decorreram 5 dias sobre a dedução da reclamação de créditos (artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil).
Nos termos do artigo 326.º do Código Civil a interrupção do prazo inutilizou para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, fazendo que começasse a correr novo prazo.
Uma vez que a sentença de verificação e graduação dos créditos foi proferida em 06-02-2013 e transitou em julgado em 13-03-2013 e a execução a que respeitam os presentes embargos foi instaurada em 05-01-2023 e o executado foi citado para os respectivos termos em 31-01-2023, cabe então determinar quando começou a correr o novo prazo de prescrição e qual é esse prazo.
Quando começou a correr?
Responde a isso o artigo 326.º, n.º 1, do Código Civil estabelecendo que o novo prazo começa a correr «a partir do acto interruptivo». Portanto, se o acto que causa a interrupção do prazo é a citação ou notificação, o novo prazo começa a correr do dia imediato ao da citação ou notificação.
A esta regra, no entanto, a própria norma ressalva as excepções dos n.ºs 1 e 3 do artigo 327.º. O n.º 1, estabelece que quando a interrupção resulta de citação ou notificação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. Já o n.º 3 consagra que se essa decisão for de absolvição do réu da instância, mas a absolvição resultar de motivo processual não imputável ao titular do direito de crédito, o prazo da prescrição (que começou a correr de novo a partir do acto interruptivo, nos termos do 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 2) não se completa sem que decorram dois meses sobre o trânsito em julgado da decisão.
Estas normas não resolvem totalmente o problema, porque se deve discutir se para o efeito releva o trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação dos créditos ou antes o trânsito em julgado da sentença que decretou a extinção da execução onde os créditos foram reclamados obrigando o credor a instaurar nova execução.
É óbvio que a notificação teve lugar na reclamação de créditos e não propriamente na execução. Todavia, a reclamação é um incidente declarativo da execução e através dela, em virtude de o seu crédito dever ser pago na própria execução, o reclamante passa a dispor de alguns direitos próprios do exequente, como o direito de em determinadas circunstâncias requerer o prosseguimento da execução, assumindo na execução o papel de verdadeira parte ainda que parte acessória (cf. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, página 164).
Ora não parece fazer sentido que o novo prazo se conte daquele trânsito quando, precisamente por efeito da sentença que julgou o crédito verificado e o graduou, o credor ficou em condições de ver o seu crédito pago na execução já pendente pelo produto do bem imóvel hipotecado e penhorado naquela execução.
Não é defensável que apesar de se encontrar pendente a execução na qual o crédito foi graduado, se iniciou um novo prazo de prescrição, quando, por um lado, a prescrição visa sancionar a inércia do credor e no caso o credor não apenas actuou judicialmente no sentido de ver o seu crédito pago como a sentença proferida lhe conferiu o direito de ser pago na execução, e, por outro lado, estando pendente a execução e nela penhorado o bem hipotecado e tendo o credor reclamado nela o seu crédito, não lhe era sequer possível instaurar outra execução com idêntica finalidade, quando o artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil estabelece que o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Daí que, neste contexto processual específico, se nos afigura que o disposto no n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil deve ser interpretado como reportando-se ao trânsito em julgado não da sentença de verificação e graduação dos créditos, mas verdadeiramente da sentença que julgar extinta a execução no caso de esta terminar sem o crédito graduado ter obtido pagamento.
No caso, não consta da matéria de facto a data em que ocorreu esse trânsito em julgado. Não obstante, parece resultar da certidão judicial da aludida execução junta aos autos (em 10-05-2023, ref.ª 127324883) por determinação do juiz que a presente execução é praticamente contemporânea da extinção da anterior execução (que se encontrou suspensa durante anos e que depois acabou por ser declarada extinta sem a venda do bem penhorado e, portanto, sem se dar pagamento aos créditos reclamados). De todo o modo, cabendo ao embargante fazer a prova da prescrição que invocou e não se tendo ele ocupado de alegar e demonstrar os factos que vimos referindo, as eventuais dúvidas sobre o momento em que a execução anterior foi declarada extinta acabam por ser irrelevantes para a decisão.
Esta conclusão prejudica o conhecimento da questão relativa à definição do novo prazo de prescrição aplicável ao crédito. Seja ele o prazo anteriormente aplicável de 5 anos ou agora já o prazo ordinário de 20 anos, em qualquer caso ele não se encontrava decorrido quando se atingiu o 5.º dia posterior à instauração da execução objecto dos presentes embargos.
A definição desse prazo já adquire relevância no caso se contarmos o início do novo prazo não da forma que acabámos de assinalar (da data da extinção da execução) mas sim da data do trânsito em julgado da sentença de verificação e graduação dos créditos. Tendo esse trânsito ocorrido em 13-03-2013, quando se atingiu aquele quinquídio já tinham passado mais de 5 anos, mas menos de 20 anos, o que já levaria a ter de analisar se o prazo aplicável é aquele ou este.
Podia discutir-se se esse prazo se manteve ou alterou em virtude de o contrato ter sido resolvido com fundamento no não pagamento das respectivas prestações e isso ter determinado o vencimento antecipado das prestações vincendas.
De novo a questão encontra-se decidida pela lei. O artigo 326.º, n.º 2, do Código Civil, estabelece que a nova prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º. E este preceito prescreve que se o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil: Parte Geral [coord. de Luís Carvalho Fernandes, José Brandão Proença], Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, página 757, anota que «concebida como uma espécie de excepção à excepção, o alargamento do prazo prescricional justifica-se “pela nova certeza e estabilidade do direito derivado da sentença, e porque o seu titular se sente mais à vontade para não o exercer com a prontidão com que o faria valer antes do reconhecimento judicial” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2004). A lei distingue entre as prestações já devidas (mesmo que a realizar no futuro) e as ainda não devidas, sendo que, quanto a estas últimas, ainda que referidas na sentença transitada em julgado ou outro título executivo, continuarão a estar sujeitas ao prazo curto de prescrição, não se verificando a mudança de prazo prescricional».
Ora, independentemente das considerações que se possam fazer sobre o âmbito ou a extensão do respectivo caso julgado, a sentença de verificação e graduação do crédito parece integrar o elenco das sentenças a que se refere a norma uma vez que ela ao julgar o crédito verificado, reconhece-o precisamente para ele possa ser pago na execução. Não parece curial defender que essa sentença não reconhece o crédito quando ela o julga verificado para efeitos de ser pago na execução. Logo, é defensável entender que os créditos passaram a estar sujeitos ao prazo ordinário de prescrição, que naturalmente não estava esgotado quando se atingiu o quinquídio posterior à instauração da execução a que respeitam os presentes embargos.


D] Aplicação das soluções jurídicas ao caso:
Em resultado da forma como acabam de ser apreciadas as questões jurídicas atinentes à prescrição, o recurso procede em parte.
Com efeito, devem ainda ser declaradas prescritas todas as prestações (e capital, juros remuneratórios e encargos) dos contratos de mútuo vencidas até Agosto de 2007 (até cinco anos antes à reclamação de créditos), bem como todos os juros de mora contados sobre as mesmas prestações e vencidos até à mesma data.
Todas as prestações que se venceram posteriormente (aqui há que distinguir as anteriores à notificação do devedor para contestar a reclamação e as posteriores, uma vez que ao reclamar a totalidade do crédito o credor transmitiu ao devedor a decisão de operar o vencimento antecipado de todas as prestações subsequentes, razão pela qual se as prestações anteriores continuaram a vencer-se na data de vencimento prevista no contrato, as posteriores venceram-se na totalidade aquando daquela notificação) não se encontram prescritas.
De todo o modo, na parte em que julgou «prescritos os juros de mora que se venceram depois do trânsito em julgado da sentença de verificação de créditos (13-03-2013) até 2 de Janeiro de 2018», a sentença recorrida não foi objecto de recurso, sequer recurso subordinado, pelo que esse segmento não pode ser alterado por esta Relação (proibição da reformatio in mellius).


E] Da existência de título executivo relativamente às «despesas»
A exequente inclui na quantia exequenda uma verba a título de «despesas», no montante de «€ 2.329,66» que associou ao primeiro dos contratos de mútuo.
As partes discutem se existe título executivo em relação a esta parcela da quantia exequenda.
A sentença recorrida decidiu que sim entendendo que resulta da escritura a responsabilidade do mutuário pelas despesas e que o respectivo montante se encontra coberto pela força de caso julgado da sentença de verificação e graduação de créditos.
O recorrente impugna este entendimento.
Consta da cláusula 21.º do documento anexo à escritura pública através da qual foi celebrado o contrato de mútuo referido que «ficam por conta do mutuário todas as despesas de segurança e cobrança do empréstimo ...». Desta cláusula resulta, portanto, que o mutuário é ainda responsável pelas despesas que o mutuante venha a suportar para obter o pagamento do seu crédito. Todavia, a cláusula não fixa o montante dessas despesas, naturalmente porque na data da celebração da escritura as mesmas eram futuras, meramente eventuais e desconhecidas.
No requerimento executivo, como vimos, o exequente adicionou ao capital, juros e encargos do mútuo, o montante de € 2.329,66 a título de despesas, não apresentando qualquer discriminação ou justificação desse valor, nem qualquer documento comprovativo do mesmo.
A acção executiva, como é conhecido, tem na base um título executivo, o qual determina o seu fim e os respectivos limites subjectivos e objectivos (artigo 10.º, n.º 5, do CPC).
No dizer de Lebre de Freitas, loc. cit., página 38, «para que possa ter lugar a realização coactiva duma prestação devida (ou do seu equivalente), há que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação: a) O dever de prestar deve constar dum título: o título executivo. Trata-se dum pressuposto de carácter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito (.), na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva. b) A prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida (.). Certeza exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coactiva da pretensão.»
A obrigação é ilíquida quando tem por objecto uma prestação cujo quantitativo ainda não está fixado. No seio do processo executivo a liquidação tem lugar nos termos do artigo 716.º do Código de Processo Civil que rege para todos os casos em que a obrigação exequenda não esteja liquidada no título executivo. A liquidação da obrigação tem lugar na fase liminar do processo executivo. Para o efeito, a lei processual distingue entre a liquidação que depende de simples cálculo aritmético e a que dele não depende.
Quando a liquidação depende de simples cálculo aritmético, no requerimento executivo o exequente deve fixar o seu quantitativo, especificando e calculando os respectivos valores (artigo 716.º, n.º 1), não se abrindo qualquer procedimento especial para tornar definitiva a liquidação, mas sem prejuízo de o executado poder, caso não concorde com a liquidação feita pelo exequente, opor-se à execução na sequência da citação para ela - artigo 729.º, alínea e) -.
As coisas são diferentes quando a liquidação não depende de simples cálculo aritmético. Nessa situação, o exequente também deve, no requerimento executivo, especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir por um pedido líquido. Porém, nessa situação procede-se logo à citação do executado, com a advertência de que, na fala de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo; a impugnação da liquidação tem lugar na oposição à execução (artigo 716.º, n.º 4).
Se a liquidação de obrigação ilíquida não for requerida nos termos descritos, o juiz deve proferir convidar a parte a aperfeiçoar o requerimento executivo; se o aperfeiçoamento não for promovido pelo juiz e/ou feito pelo exequente, o executado pode deduzir oposição à execução - artigo 729.º, alínea e) – uma vez que «nada disto afasta a possibilidade de o executado, em sede de embargos, invocar a incerteza, a inexigibilidade ou a iliquidez da obrigação exequenda, alegando que tais requisitos não se verificavam aquando da instauração da acção executiva ou não foram posteriormente supridos» (apud Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2024, 2ª edição).
Portanto, no nosso caso, uma vez que a obrigação de pagamento das despesas com a eventual cobrança do crédito não está liquidada no título executivo e o exequente não promoveu a sua liquidação no requerimento executivo, fazendo a alegação que permitiria a abertura do procedimento especial de liquidação da obrigação, o executado podia legitimamente opor-se à execução do valor reclamado no requerimento executivo com essa proveniência e para cuja cobrança coerciva por via da execução falta assim o pressuposto da liquidação.
Pode perguntar-se se isto se modificou, como entendeu o tribunal a quo, pela circunstância de no processo executivo onde o ora exequente começou por pretender o pagamento do seu crédito ele ter reclamado o seu crédito e este ter sido graduado.
É bom de ver que por várias razões a resposta tem de ser negativa.
Em primeiro lugar porque só por desatenção se pode ter afirmado que esse valor se encontra coberto pelo caso julgado da sentença de verificação de créditos. A fazer fé na certidão judicial junta, apenas foram incluídas na reclamação de créditos verbas relativas a capital e juros de mora, não havendo no requerimento inicial referência a quaisquer despesas que assim, naturalmente não podem estar compreendidas no dispositivo da sentença que julgou verificado o crédito por falta de impugnação.
Em segundo lugar, porque o título executivo que serve de base à presente execução e em função da qual cabe verificar o preenchimento dos pressupostos da acção executiva, entre os quais se conta, como vimos, a liquidação da obrigação, são as escrituras de mútuo com hipoteca, não é ... a sentença de verificação e graduação de créditos que qualquer outra execução!
Em terceiro lugar, porque tratando-se de uma obrigação que o contrato configurou como ilíquida, a sua liquidação para efeitos de obtenção do pagamento por via da acção executiva, tem de ser feita no requerimento executivo e nos termos prescritos na lei processual do processo executivo e não noutra qualquer sede ainda que judicial.
Em quarto e último lugar, porque a sentença de verificação e graduação dos créditos apenas tem eficácia no âmbito da execução onde foi proferida e para efeitos de reconhecimento do direito real de garantia que permite o pagamento na execução onde foram penhorados os bens onerados com esse direito real e de graduação dos créditos para efeitos de estabelecimento de uma ordem entre eles de pagamento pelo produto da venda desses bens (cf. Lebre de Freitas, loc. cit., página 370 e seguintes, ou na relação com o processo de insolvência o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2020, in www.dgsi.pt).
Nesta parte, portanto, também o recurso deve proceder.




VII. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, alteram a decisão recorrida no seguinte:
i) julgam igualmente prescrito o crédito na parte em que o mesmo inclui o valor das prestações cuja data de vencimento se situou entre Fevereiro de 1999 e Agosto de 2007;
ii) julgam extinta a execução na parte em que a mesma compreende a verba de € 2.329,66 a título de despesas.

Custas do recurso por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento.

A recorrida vai ainda condenada na multa de 1,5 UC pela apresentação ilegal dos documentos (artigos 443.º do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais)
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Porto, 9 de Maio de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 818)
1.º Adjunto: Isabel Rebelo Ferreira
2.º Adjunto: Paulo Dias da Silva






[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]