Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DEOLINDA DIONÍSIO | ||
Descritores: | DOENÇA MENTAL LEI DE SAÚDE MENTAL TRATAMENTO COMPULSIVO EM REGIME AMBULATÓRIO REQUISITOS CUMULATIVOS ABANDONO RECUSA INTERNAMENTO DE URGÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RP202502192415/24.0T8VNG.P2 | ||
Data do Acordão: | 02/19/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTOS PELAS REQUERENTES/RECORRENTES | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – No âmbito da política de saúde mental gizada pela Lei n.º 35/2023, de 21/07, o tratamento involuntário é, nos termos do seu art. 14º, orientado para a recuperação integral da pessoa, mediante intervenção terapêutica e reabilitação psicossocial”, estando dependente da verificação dos requisitos cumulativos constantes do art. 15º, n.ºs 1 e 2, da mesma Lei. II – O tratamento é preferencialmente realizado em ambulatório estando o internamento reservado para os casos em que essa seja a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito devendo, ainda assim, cessar logo que o tratamento possa ser retomado em ambulatório, estando as restrições aos direitos, vontade e preferências da pessoa necessitada de tratamento involuntário sujeitas aos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade. III - Estando a doença mental carecida de tratamento associada ao consumo excessivo de estupefacientes não se confunde com esta condição, sendo ilegal o tratamento involuntário em internamento hospitalar de médio ou longo prazo, quando apenas destinado a implementar programa de desintoxicação, estando a doença mental já estabilizada. IV - O juízo de ponderação relativo à aceitação do tratamento por parte do requerido, pressuposto no n.º 4, do art. 22º, da mesma Lei, tem que ser actual e baseado quer na audição do requerido, quer nas informações que resultam da audição do psiquiatra assistente ou do que interveio na avaliação clínico-psiquiátrica, e não em hipotéticos abandonos do tratamento passados ou futuros e muito menos na medida de acompanhamento na modalidade de representação geral já que esta não é meio próprio de estabelecer a aptidão mental do requerido na matéria em causa, tanto assim que a possibilidade de internamento está excluída do seu âmbito, por força do disposto nos arts. 145º, n.º 1 e 148º, n.º 1, do Cód. Civil. V - Para acautelar o abandono ou recusa de tratamento, com perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais do requerido ou de terceiros, designadamente por deterioração aguda do seu estado de saúde, existem mecanismos legais apropriados, designadamente o internamento de urgência, previsto no art. 28º e segs., da citada Lei 35/2003. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | RECURSO PENAL n.º 2415/24.0TBVNG.P2 2ª Secção Criminal CONFERÊNCIA RELATORA: Maria Deolinda Dionísio ADJUNTOS: Jorge Langweg Rodrigues da Cunha
Comarca: Porto Tribunal: Vila Nova de Gaia/Juízo Local Criminal-J2 Processo: Processo Comum de Tratamento Involuntário n.º 2415/24.0TBVNG
Requerentes/Recorrentes AA BB
Requerido CC
Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO 1. No âmbito do processo supra referenciado, por decisão proferida e devidamente depositada a 31 de Outubro de 2024, considerando-se não estarem verificados os pressupostos de que depende o tratamento involuntário do Requerido CC, com os demais sinais dos autos, foi determinado o arquivamento dos autos. 2. Inconformadas, as requerentes AA e BB interpuseram recurso cuja motivação remataram com as seguintes conclusões: (transcrição sem destaques) A. A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 14º e 15º da Lei da Saúde Mental, aprovada pela Lei n.º 35/2023, de 21 de julho (LSM). B. O Requerido é beneficiário de uma medida de acompanhamento, de representação geral, decretada no âmbito do processo n.º 6933/19.3T8PRT, que correu termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Porquanto, é toxicodependente, há vários anos, incapaz de tomar quaisquer decisões, sobre a sua pessoa e/ou o seu património, sem sobrepor sempre, em primeira linha, os seus consumos de heroína e cocaína, o que o levou, entre outros, a solicitar alta contra parecer médico em todos os internamentos que frequentou no passado e que, por sua própria decisão, abandonou e nunca concluiu. C. O Requerido é portador de doença mental compatível com Síndrome de dependência de Opiáceos e Cocaína (F11.2 e F14.2) de acordo com a 10ª revisão da Classificação Internacional das Doenças (CID-10) – cfr. Factos Provados 3 e 6. D. O Requerido esteve internado em várias instituições, das quais saiu por “alta contra parecer médico a pedido do doente” – cfr. página 2 do documento 4 da PI e Facto Provado 5. Isto é, o Requerido nunca concluiu voluntariamente um tratamento de internamento para a sua doença, recusando-se a cumprir/terminar o tratamento. E. Foi erradamente dado como não provado (facto A dos factos não provados) que o requerido recusa a submissão a qualquer tratamento contínuo, por forma a prevenir ou eliminar o perigo atual que resulta do comportamento que tem vindo a adotar e se traduz num perigo iminente para a sua própria vida e para a de terceiros e foi ainda erradamente dado como provado (facto 7 dos factos provados) que o Requerido detém juízo crítico quanto à necessidade de se sujeitar a tratamento e (facto 8 dos factos provados) aceita sujeitar-se a tratamento voluntário em regime de ambulatório, o que resulta da prova documental junta aos autos e ainda do depoimento prestado pelas Recorrentes na sessão conjunta realizada em 10.10.2024. F. O internamento involuntário é a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito, o único adequado a eliminar as situações de perigo referidas na PI e revela-se proporcional à gravidade da doença mental, ao grau de perigo e à relevância do bem jurídico em causa: a própria vida do Requerido/Beneficiário. G. A decisão de internamento involuntário requerida mostra-se assim necessária, adequada e proporcional. H. Não obstante o Requerido alegar que aceita o tratamento voluntário em ambulatório, tal não corresponde à verdade e, perante tudo quanto foi alegado e provado nos autos, não devia ter sido atendido na decisão proferida nestes autos. I. O Requerido “aceita” submeter-se a um tratamento, mas, pouco tempo depois, abandona o mesmo, volta às ruas, ao consumo de droga em grupo no seu apartamento, aos ataques de dependência e de irritabilidade, o que constitui um enorme perigo para a sua própria vida e para a dos seus familiares e terceiros. J. Pelo que se encontram preenchidos os pressupostos legais para ser decretado o internamento involuntário do Requerido, nos termos do disposto no artigo 15º da LSM, tendo o Tribunal a quo decidido erradamente ao determinar o arquivamento dos autos por não estarem reunidos os pressupostos do tratamento involuntário em regime de internamento. 3. Admitido o recurso por despacho proferido a 28/11/2024, responderam o Ministério Público e o requerido CC sufragando a sua improcedência e manutenção do decidido, o primeiro sem alinhar conclusões e este último com os fundamentos que resumiu nos moldes seguintes: (transcrição) I. O Tribunal atendeu adequadamente aos concretos fatores relevantes para o arquivamento do tratamento involuntário respeitando o disposto nos artigos 15.º e 22.º, n.º 4 da LSM. II. De acordo com a LSM o tratamento involuntário só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento do internado e finda logo que cessem os fundamentos que lhe deram causa. III. São pressupostos CUMULATIVOS para o tratamento involuntário a existência de doença mental, o facto de o portador de anomalia psíquica grave criar, por força dela, uma situação de perigo para os bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e a recusa a submeter-se ao necessário tratamento médico. IV. De acordo com o relatório de Avaliação Clínico-Psiquiátrica realizado pelo Serviço de Psiquiatria do CH..., o doente necessita, de tratamento em ambulatório, que aceitou, inclusive já se encontrando a frequentar. V. Tal aceitação resultou escorreita e coerente das declarações prestadas pelo Requerido em sede de sessão conjunta, logrando, ainda, ser corroboradas pelo médico-psiquiatra e pela psicóloga que acompanham o Requerido e, por isso, detém melhor conhecimento da sua realidade. VI. Perante tal aceitação, não se vislumbra qualquer fundamento para que fosse decretado o tratamento involuntário, uma vez que este não é a única forma de garantir a submissão ao tratamento. VII. Aliás, o aduzido processo porque contende com direitos fundamentais do visado, impõe uma cautela acrescida e terá de ser restringido apenas na medida do estritamente necessário. VIII. Note-se que, o internamento configura uma restrição excecional de direitos fundamentais que apenas é legal, proporcional, necessário e adequado, num Estado de Direito Democrático, cujo primado é a liberdade e dignidade da pessoa, mediante a verificação dos supracitados pressupostos, os quais são cumulativos. IX. A palavra “cumulativo/a” implica precisamente a verificação de todos os pressupostos impostos, e não apenas de alguns, X. Os quais, nos presentes autos não se encontram verificados, uma vez que falha desde logo o requisito previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 15.º da LSM, qual seja “A recusa do tratamento medicamente prescrito, necessário para prevenir ou eliminar o perigo previsto na alínea seguinte”. XI. Ora, decidir-se decretar o internamento do Requerido, quando o tratamento em ambulatório se afigura suficiente para acautelar o fim pretendido, seria um atropelo flagrante dos direitos fundamentais do mesmo, o que não se pode conceber. XII. Por tudo isto, a decisão de arquivamento proferida nos autos não merece qualquer censura, devendo, assim, o recurso IMPROCEDER!” 4. Neste Tribunal da Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido da revogação da decisão e substituição por outra que determine a obrigatoriedade do requerido ser sujeito a tratamento involuntário em regime de ambulatório, invocando que o tribunal a quo não devia ter valorado a aceitação do tratamento declarada pelo requerido em face da medida de acompanhamento na modalidade de representação geral que lhe foi aplicada, devendo transitar para a matéria não provada os pontos 7 e 8 e para a factualidade provada o teor da alínea A. 5. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, responderam as requerentes insistindo na sua tese de que o tratamento em ambulatório é insuficiente, devendo ser aplicada a medida de internamento. 6. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão. *** II – FUNDAMENTAÇÃO 1. É consabido que, para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença ou vícios do art. 410º n.º 2, do citado diploma legal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt]. Deste modo, na hipótese sub judicio, a única questão suscitada é a da verificação dos requisitos do tratamento involuntário por ser inatendível a declaração de aceitação do tratamento por parte do requerido. *** 2. A fundamentação de facto realizada pelo tribunal a quo, no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição) A) Factos Provados - Do requerimento inicial com interesse para a boa decisão da causa: 1. O Requerido é beneficiário de uma medida de acompanhamento, decretada no âmbito do processo n.° 6933/19.3T8PRT, que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. 2. As Requerentes AA e BB são Acompanhantes do requerido desde 2019. 3. O Requerido apresenta um quadro compatível com Síndrome de dependência de Opiáceos e Cocaína (F11.2 e F14.2), de acordo com a 10.ª Revisão da Classificação Internacional das Doenças (CID-10). 4. O Requerente pede às requerentes quantias em dinheiro para as suas despesas diárias, nomeadamente consumos, sendo que, por vezes, dirige-se à porta de casa destas para que lhe entreguem mais dinheiro. 5. O Requerido regista um histórico de internamentos para combater a adição, os quais, pelo menos em parte, abandonou sem alta médica. 6. O Requerido é portador de doença mental e tem vindo a criar situações de perigo para os bens jurídicos de relevante valor, próprios e alheios, de natureza pessoal e patrimonial. 7. O Requerido detém juízo crítico quanto à necessidade de se sujeitar a tratamento. 8. O Requerido aceita sujeitar-se a tratamento voluntário em regime de ambulatório. 9. Atualmente o Requerido frequenta a Sala de Consumo Assistida – ..., onde é submetido a tratamento de substituição de Metadona. 10. O Requerido realiza curativos à perna, pelo menos uma vez por semana na sala de Consumo Assistida – ..., para tratar a lesão causada pela Úlcera Varicosa crónica de que padece. * B) Factos Não Provados - Do requerimento inicial com interesse para a boa decisão da causa: A. O requerido recusa a submissão a qualquer tratamento contínuo, por forma a prevenir ou eliminar o perigo atual que resulta do comportamento que tem vindo a adotar e se traduz num perigo iminente para a sua própria vida e para a de terceiros. Os restantes factos, não especificamente dados como provados ou não provados, ou apenas a negação ou afirmação repetida de outros especificamente considerados provados ou não provados, ou são conclusivos - em termos factuais ou por encerrarem questões de direito ou adjetivação -, ou contém matéria irrelevante para a decisão da causa. * C) Motivação O Tribunal alicerçou a convicção sobre factos no conjunto da prova produzida em sede de sessão conjunta, destacando-se a prova testemunhal conjugada com a prova documental e pericial junta aos autos. Em concreto, no que respeita à factualidade provada nos factos 1 e 2, o Tribunal valorou a certidão da sentença, junta aos autos a 11.10.2024, proferida no âmbito da ação de maior acompanhado, processo n.° 6933/19.3T8PRT, que correu termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 5, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Relativamente aos factos 3 e 5, o Tribunal alicerçou a sua convicção, em primeiro lugar, no teor da avaliação clínica-psiquiátrica realizada a 15 de janeiro de 2020, constante do doc. 4 do requerimento inicial, conjugada ainda com o teor da avaliação clínica-psiquiátrica realizada no âmbito dos presentes autos, a 17.05.2024, dando conta que o Requerido apresenta antecedentes de Perturbação de Uso de Múltiplas Substâncias. Adicionalmente, valoraram-se as declarações do próprio requerido que afirmou consumir diariamente, à data da sessão conjunta, 1 grama de cocaína e 0,5 grama de heroína, além do tratamento de substituição de Metadona, confirmando, igualmente, que já esteve em várias comunidades terapêuticas. O facto 4 resultou provado diretamente pelas declarações do Requerido e também pelo depoimento das Requerentes, que confirmaram a transferência diária de cerca de 60,00€ a 80,00€, através de MBway, para a conta do Requerido, às quais o Tribunal atribuiu credibilidade por não ter razões para duvidar. Em relação à factualidade provada no ponto 6, em particular quanto ao facto de ser portador de doença mental, o Tribunal alicerçou a sua convicção, uma vez mais, no teor da avaliação clínica-psiquiátrica realizada no âmbito dos presentes autos, a 17.05.2024. Relativamente às situações de perigo por este criadas, para os bens jurídicos de relevante valor, próprios e alheios, de natureza pessoal e patrimonial, o Tribunal baseou-se nos depoimentos prestados pelas Requerentes AA e BB que, de forma coerente, relataram que os consumos de estupefacientes por parte do Requerido aumentaram e, consequentemente, os valores monetários diários que lhe têm que disponibilizar, de outro modo, este adota comportamentos agressivos até obter os valores que pretende para fazer face aos consumos. Já no que respeita aos factos 7 e 8, a convicção do Tribunal para dar estes factos como provados, assentou essencialmente no teor da avaliação clínica-psiquiátrica realizada no âmbito dos presentes autos, a 17.05.2024, concatenada com o depoimento de DD, médico psiquiatra subscritor da referida avaliação e, ainda, nas declarações do Requerido em sede de sessão conjunta, que afirmou necessitar de ajuda e anuiu sujeitar-se a tratamento ambulatório, o que foi corroborado por EE, psicóloga que acompanha há cerca de dois anos o requerido no programa de consumo vigiado, que explicou os motivos pelos quais considera que as anteriores não almejaram os resultados pretendidos, bem como avançou com a proposta de tratamento giza, que está a ser gizada com o requerido e familiares, composto por uma tríade concomitante, primeiro psicoterapia consistente, com psicólogo, por forma a compensá-lo da depressão de que padece, em segundo lugar, internamento para desintoxicação da adição e um terceiro lugar, a presença de um acompanhante para regular a rotina do requerido. Explicou, ainda, que o psicoterapeuta já está a atribuído, iniciando a breve trecho, o acompanhante também já está definido, um psicólogo, que terminará o estágio profissional, em janeiro, altura em que iniciará as funções com o requerido, concomitantemente com o internamento para a cura e desintoxicação. Referiu, ainda, que se lhe afigura que o requerido tem um interesse genuíno em aderir ao plano, sendo um consentimento consciente, tendente a recuperar o relacionamento com os filhos, assim como a sua própria vida… Por último, esclareceu que, a seu ver, em face da falência dos anteriores internamentos e tratamentos, não tem qualquer interesse no tratamento involuntário do requerido, se que se verifique a aludida tríade, sem olvidar a motivação e vontade do requerido para aderir ao tratamento, que para o plano proposto manifesta. Os factos 9 e 10 assentaram, por um lado, nas declarações do requerido, e por outro nos esclarecimentos prestados pela Coordenadora do programa de consumo vigiado EE, psicóloga e coordenadora da sala de consumos vigiados que acompanha o requerido há cerca de dois anos, que os asseverou, mais esclarecendo que o tratamento à ferida, apesar de ser semanal, verifica que existe por parte do arguido, mudança de ligadura, o que faz de modo próprio, pelo que apresenta franca melhoria. Por fim, quanto à factualidade não provada constante do ponto A. resulta infirmada pelas declarações do Requerido no sentido de aceitar sujeitar-se a tratamento ambulatório, ficando as dúvidas da sua aceitação absolutamente afastadas pelo depoimento prestado por EE, psicóloga que acompanha há cerca de dois anos o requerido no programa de consumo vigiado, assim como do depoimento do médico psiquiátrica subscritor do relatório junto aos autos DD, no sentido de asseverar que inexistem dúvidas da aceitação do requerido, que mantem preservado o juízo critico e discernimento para tomar decisões, estando perfeitamente capaz de dar o seu consentimento, considerando, até que da perturbação, por consumo e dependência de múltiplas substâncias, inexiste perigo de overdose, mostrando os indicadores de saúde melhoria, nomeadamente ao nível das feridas crónicas de que padece. *** 3. Por seu turno, do teor da fundamentação jurídica, importa ponderar o seguinte: «A Lei de Saúde Mental, aprovada pela Lei n.º 35/2023, de 21 de julho, estabelece, no seu artigo 5.º, os objetivos da política de saúde mental: a) Promover a titularidade efetiva dos direitos fundamentais das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e combater o estigma face à doença mental; b) Melhorar a saúde mental das populações, nomeadamente através da implementação efetiva e sustentável de medidas que contribuam para a promoção da saúde mental, para a prevenção e tratamento das doenças mentais e para a reabilitação e inclusão das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental; c) Concluir a transição para a prestação de cuidados de saúde mental na comunidade, tendo em vista melhorar a qualidade desses cuidados e garantir a proteção dos direitos nos serviços e entidades com intervenção na área da saúde mental; d) Assegurar a integração da saúde mental nas políticas públicas e garantir uma cooperação efetiva entre as áreas governativas com intervenção direta ou indireta na área da saúde mental; e) Garantir a participação efetiva das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e respetivos familiares na definição das políticas e planos de saúde mental, bem como no seu acompanhamento e avaliação; f) Fortalecer o conhecimento baseado na evidência científica e promover a implementação de boas práticas em saúde mental. Na prossecução desse desígnio, estabelece como princípios gerais, entre outros, que a prestação de cuidados de saúde mental seja promovida prioritariamente a nível da comunidade, por forma a evitar o afastamento dos doentes do seu meio habitual e a facilitar a sua reabilitação e inserção social e que os cuidados de saúde mental sejam prestados no meio menos restritivo possível, - cfr. artigo 4.º n.º 1 alíneas a) e b) - impondo a aplicação dos princípios da necessidade e da proporcionalidade do internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica. Prevê o artigo 2.º do sobredito normativo, aquilo que deve entende-se por: a) «Doença mental», a condição caracterizada por perturbação significativa das esferas cognitiva, emocional ou comportamental, incluída num conjunto de entidades clínicas categorizadas segundo os critérios de diagnóstico da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde; b) «Tratamento involuntário», o tratamento decretado ou confirmado por autoridade judicial, em ambulatório ou em internamento. O tratamento involuntário é orientado para a recuperação integral da pessoa, mediante intervenção terapêutica e reabilitação psicossocial, - cfr. artigo 14.º, sendo, para tanto, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º, seus pressupostos cumulativos: a) A existência de doença mental; b) A recusa do tratamento medicamente prescrito, necessário para prevenir ou eliminar o perigo previsto na alínea seguinte; c) A existência de perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais: i. De terceiros, em razão da doença mental e da recusa de tratamento; ou ii. Do próprio, em razão da doença mental e da recusa de tratamento, quando a pessoa não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento; d) A finalidade do tratamento, conforme previsto no artigo anterior. Nos termos do referido preceito, o portador de anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico pode ser internado em estabelecimento médico adequado. Requisito essencial do internamento compulsivo é, portanto, a recusa de submissão do portador de anomalia psíquica ao necessário tratamento médico. Preceitua, por outro lado, o n.º 2 do artigo 15.º, que o internamento compulsivo só pode ser determinado quando for a única forma de garantir a submissão a tratamento medicamente prescrito, adequado para prevenir os fundamentos que lhe deram causa e proporcional à gravidade da doença mental, ao grau do perigo e à relevância do bem jurídico. O tratamento involuntário tem lugar em ambulatório, assegurado por equipas comunitárias de saúde mental, exceto se o internamento for a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito, cessando logo que o tratamento possa ser retomado em ambulatório – cfr. n.º 3 do artigo 15.º. Sendo que o tratamento involuntário em internamento é substituído por tratamento em ambulatório logo que aquele deixe de ser a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito, sem prejuízo do disposto nos artigos 25.º e 26.º - cfr. artigo 27.º, n.º 1 da Lei da Saúde Mental. Tais disposições devem ser harmonizadas com o disposto no n.º 4 do artigo 22.º do mesmo normativo legal, de acordo com o qual “se o requerido aceitar o tratamento e não houver razões para duvidar da aceitação, depois de ouvido para o efeito um dos psiquiatras subscritores do relatório de avaliação clínico-psiquiátrica ou o psiquiatra assistente, o juiz toma as providências necessárias à apresentação daquele no serviço de saúde mental mais próximo e determina o arquivamento do processo.”. Da conjugação de todas as normas expostas resulta evidente que o internamento compulsivo, enquanto restrição a direitos, liberdades e garantias fundamentais, se encontra submetido a um estrito princípio de necessidade – artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa e n.º 4 do artigo 15.º da Lei da Saúde Mental. Segundo o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, [a] lei só pode restringir (...) nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. O preceito do artigo 27.º prevê que [t]odos têm direito à liberdade e à segurança. 3. Excetua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente. Face à luz do disposto, importa apreciar e decidir o caso sub judice. Compulsados todos os elementos colhidos nos autos, verifica-se que o internando padece de doença mental compatível com Síndrome de dependência de Opiáceos e Cocaína (F11.2 e F14.2), de acordo com a 10ª revisão da Classificação Internacional das Doenças (CID-10). Em sede da avaliação clínico-psiquiátrica, a 17.05.2024, realizada nos termos do artigo 20.º da Lei de Saúde Mental, o Requerido apresentava postura calma, adequada e colaborante, com discurso espontâneo, lógico e coerente, sem alterações do curso, forma, conteúdo ou posse. Não apresentava evidência de sintomas psicóticos ou alterações de sensopercepção nem ideação auto ou hétero lesiva. Detinha consciência mórbida preservada, com juízo crítico para a necessidade de tratamento. Foi consultado o Registo de Saúde Eletrónico do doente onde constava o CRI ... com emissão de três receitas três dias antes da avaliação, assim como prescrições prévias de psicofármacos ao longo das semanas anteriores. Concluindo-se que o mesmo estaria carecido de intervenção terapêutica em regime de tratamento em ambulatório, que declarou aceitar. O que foi confirmado pelo médico psiquiátrica subscritor da referida avaliação, Dr. DD, em sede de sessão conjunta. De sublinhar a presença de juízo crítico para a necessidade de tratamento, e a aceitação para se sujeitar a tratamento em regime ambulatório. Coloca-se, assim, a questão de se saber se há fundamento legal para o internamento compulsivo de quem, padecendo de uma qualquer doença mental, aceita tratamento por deter discernimento e juízo crítico dessa necessidade. Como se pode constatar da análise da Lei da Saúde Mental, é nítido o propósito legal de exigir um consenso entre médicos e juízes, fazendo depender o internamento da junção de dois poderes e de dois juízos. Por um lado, de uma decisão médica especializada, fundada em conhecimentos técnicos, subtraída à livre apreciação do juiz, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e, portanto, vinculante, por outro lado, uma decisão judicial, fundada em conhecimentos jurídicos e garantindo a aplicação correta da Constituição e da lei, que deverá avaliar a proporcionalidade do tratamento com a restrição dos direitos fundamentais que lhe está inerente, decidindo, conforme os pressupostos legais – neste sentido, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, O Internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica na perspetiva dos direitos fundamentais, in “A lei de saúde mental e o internamento compulsivo” - Centro de Direito Biomédico, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp. 71-91. Desta forma, o processo que leva ao tratamento involuntário seja ele ambulatório, de internamento, ou de internamento de urgência é um processo que se qualifica de modelo misto de decisão médica e judicial - vide, neste sentido, VANESSA PELERIGO, em “Direito Penal da Loucura: o internamento Compulsivo no Ordenamento Jurídico Português, à Luz da Saúde Mental”, Anatomia do Crime, n.º 8, 2018, p.130-148. A função do tribunal não é, assim, substituir-se aos médicos para ajuizar da necessidade de tratamento dos doentes, mas antes legitimar a privação de liberdade e o tratamento sem consentimento. Ora, sendo certo que o Requerido padece de Síndrome de dependência de Opiáceos e Cocaína (F11.2 e F14.2), (CID-10), e que tem antecedentes de vários internamentos incompletos em diferentes Comunidades Terapêuticas e nesse sequência, um acompanhamento irregular no CRI ..., certo é também que, neste momento, não há qualquer recusa por parte deste de se sujeitar a tratamento. Face a esta realidade, daqui se depreende que o Tribunal não pode preterir um dos pressupostos cumulativos dos quais depende o internamento involuntário, designadamente, a recusa de tratamento medicamente prescrito, necessário para prevenir ou eliminar perigo causado pelo facto de padecer de uma doença mental – cfr. al. b) do n.º 2 do artigo 15.º da Lei da Saúde Mental -, com base apenas no comportamento pretérito do Requerido, de abandono de outros tratamentos a que esteve sujeito. Adicionalmente, cumpre referir que a psicóloga EE, coordenadora da Sala de Consumo Assistido e que tem acompanhado o requerido, esclareceu que foi possível, com o conhecimento das Requerentes AA e BB, delinear um plano que considera ser adequado à recuperação do Requerido. A abordagem sugerida pressupõe o início imediato de psicoterapia pelo Requerido para tratamento da depressão diagnosticada, com psicoterapeuta já designado, seguida de tratamento de desintoxicação. Além disso, prevê que, a partir de fevereiro, o Requerido possa contar com uma pessoa de apoio para assistência na sua vida quotidiana, ajudando-o a restabelecer uma rotina normativa e a melhorar a sua relação com os filhos. Referiu, também, que o Requerido demonstra genuíno interesse no plano e na sua recuperação, afirmando perentoriamente que não vislumbra nenhuma vantagem para o Requerido em ser sujeito a tratamento involuntário neste momento, considerando que tal medida não produziria o efeito desejado sem que, previamente, se trate de outras questões, nomeadamente a depressão de que padece. Ora, o internamento involuntário configura uma restrição excecional de direitos fundamentais que apenas é legal, proporcional, necessária e adequada, num Estado de Direito Democrático, cujo primado é a liberdade e dignidade da pessoa, mediante a verificação dos supracitados pressupostos, os quais são cumulativos. O princípio da subsidiariedade, previsto no n.º 2 do supracitado artigo 15.º da Lei da Saúde Mental, impõe que o tratamento involuntário seja imposto apenas se não for possível o tratamento voluntário, bem como do princípio da atualidade do tratamento acolhido no aludido artigo 26.º, n.º 1, daquela Lei. Desta forma, não pode o Tribunal determinar o tratamento involuntário atento a aceitação do tratamento por parte do Requerido e na possibilidade deste se sujeitar a tratamento voluntariamente. Ou seja, face ao disposto nos preceitos supracitados, o tratamento involuntário só pode ser determinado quando for a única medida que acautela e proteja e saúde mental do doente, contribuindo para assegurara ou restabelecer o equilíbrio psíquico do indivíduo e para promover a sua integração crítica no meio social em que vive. Face à aceitação do tratamento de internamento, e atento o princípio da subsidiariedade do internamento involuntário acolhido no artigo 15.º, n.º 2, da Lei da Saúde Mental, bem como do princípio da atualidade do tratamento acolhido no aludido artigo 26.º, n.º 1, daquela Lei, não se verificam «os pressupostos do tratamento involuntário, concretamente não ser o tratamento involuntário a única forma de garantir a submissão ao tratamento, face à aceitação do mesmo pela internando, pelo que se determina o arquivamento dos autos, nos termos e para os efeitos do supracitado n.º 4 do artigo 22.º da Lei da Saúde Mental.». *** 4.1 Dos requisitos do tratamento involuntário De harmonia com a previsão da Lei da Saúde Mental em vigor, aprovada pela Lei n.º 35/2023, de 21/07, são fundamentos da política de saúde mental, entre outros, a prestação de cuidados centrados na pessoa, reconhecendo a sua individualidade e subjectividade, necessidades específicas e nível de autonomia, devendo ser concretizada em ambiente o menos restritivo possível e devendo o internamento hospitalar ter lugar como medida de último recurso, acrescendo o direito das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental não serem submetidas a medidas coercivas, incluindo isolamento e meios de contenção físicos e químicos, excepto nos casos legalmente previstos – v. arts. 4º, n.º 1, als. a) e b) e 8º, n.º 1, al. a), do diploma aludido. Por seu turno, consagra o art. 14º, que o tratamento involuntário é “orientado para a recuperação integral da pessoa, mediante intervenção terapêutica e reabilitação psicossocial”, estando dependente da verificação dos requisitos cumulativos constantes do art. 15º, n.ºs 1 e 2, da mesma Lei. Acresce que, sempre de acordo com a política de saúde mental ali gizada, o legislador estabeleceu como forma preferencial deste tratamento aquela que é realizada em ambulatório, relegando o internamento para os casos em que essa seja a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito, sendo certo que o mesmo deve cessar logo que o tratamento possa ser retomado em ambulatório, estatuindo ainda que “as restrições aos direitos, vontade e preferência de pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental decorrentes do tratamento involuntário são as estritamente necessárias e adequadas à efectividade do tratamento, à segurança e à normalidade do funcionamento da unidade de internamento do serviço local ou regional de saúde mental, nos termos do respectivo regulamento interno.” – v., n.ºs 3 e 4, do citado art. 15º. Delimitado o quadro em que nos movemos cumpre descer ao caso concreto. * 4.2 Do internamento involuntário In casu, pese embora a factualidade apurada e descrita seja, essencialmente, vaga e conclusiva, não foi questionada a verificação dos requisitos que devem presidir ao tratamento involuntário, excepto no que diz respeito à verificação da recusa de tratamento pelo que a análise incidirá nesse preciso aspecto. Com efeito, enquanto o tribunal a quo aceitou e validou a aceitação de submissão a tratamento verbalizada pelo requerido CC, amparado nos esclarecimentos de DD, um dos médicos psiquiatras que subscrevem a avaliação clínica-psiquiátrica realizada nos autos, e depoimento de EE, psicóloga que acompanha o requerido há cerca de dois anos, afirmam as recorrentes AA e BB que tal aceitação não é verdadeira e que o internamento involuntário é a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito, sendo proporcional à gravidade da doença e o único adequado a eliminar o perigo para a própria vida do «Requerido, que “aceita” submeter-se a um tratamento, mas, pouco tempo depois, abandona o mesmo, volta às ruas, ao consumo de droga em grupo no seu apartamento, aos ataques de dependência e de irritabilidade, o que constitui um enorme perigo para a sua própria vida e para a dos seus familiares e terceiros». Considerando o contexto e diferentes perspectivas assinaladas, importa desde já anotar que embora a doença mental do requerido esteja associada ao consumo abusivo de estupefacientes [doença mental compatível com Síndrome de dependência de Opiáceos e Cocaína] com ele não se confunde. Assim, o internamento de médio/longo prazo almejado pelas aqui Recorrentes, visando a desintoxicação do Requerido, escapa completamente ao âmbito do diploma legal invocado que tutela exclusivamente o tratamento de doença mental e onde tal medida tem carácter excepcional, transitório e muito restrito, como resulta das normas anteriormente transcritas e bem assim das invocadas na decisão recorrida. Aliás, o internamento pretendido, a ser decretado nesses moldes, constituiria uma privação de liberdade ilegal e sujeita à providência de habeas corpus prevista no art. 45º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 35/2023. Por outro lado, o histórico de internamentos para combater a adição que o requerido terá abandonado sem alta médica, não estando estes devidamente especificados, são irrelevantes para o caso em apreço, por se desconhecerem as concretas circunstâncias em que se verificaram – e se também atinentes ao tratamento da doença mental estabelecida em avaliação clínico-psiquiátrica e, por conseguinte, subtraída da livre apreciação do juiz, nos termos do n.º 6, do art. 20º -, sendo certo que se ocorressem ou subsistissem os perigos previstos no já mencionado art. 15º, certamente teria sido imediatamente providenciado o tratamento involuntário ou o internamento de urgência previsto no art. 28º e segs, da Lei n.º 35/2023[1], o que não sucedeu. Depois, o juízo de ponderação sobre a aceitação do tratamento por parte do requerido, pressuposto no n.º 4, do art. 22º, da mesma Lei, tem que ser actual e baseado quer na audição do requerido, quer nas informações que resultam da audição do psiquiatra assistente ou do que interveio na avaliação clínico-psiquiátrica e não em hipotéticos abandonos do tratamento passados ou futuros e muito menos na medida de acompanhamento na modalidade de representação geral decretada já que esta não é meio próprio de estabelecer a aptidão mental do requerido na matéria em causa, tanto mais que deve restringir-se ao necessário e a possibilidade de internamento está excluída do seu âmbito, por força do disposto nos arts. 145º, n.º 1 e 148º, n.º 1, do Cód. Civil. Ora, como decorre do exposto, ao contrário das afirmações das Recorrentes, tanto o psiquiatra como a psicóloga, ouvidos nos autos, reconhecem ao requerido juízo crítico quanto à necessidade de se sujeitar a tratamento, além de que “mantém preservado o juízo crítico e discernimento para tomar decisões, estando perfeitamente capaz de dar o seu consentimento” pelo que não se vislumbra que circunstâncias poderiam sustentar a formulação de um juízo negativo a tal propósito, ainda mais quando o requerido não só não recusa intervenção terapêutica como a ela se submeteu já voluntariamente. Aliás, como assinala a decisão recorrida, o tratamento involuntário foi até considerado contraproducente e sem interesse pela psicóloga ouvida, precisamente pela falência dos anteriores internamentos e tratamentos, por ausência de motivação e vontade do requerido para a eles aderir, ao contrário do que sucede com o plano que lhe foi proposto e aceitou e assente numa tripla vertente: —● Psicoterapia consistente, com psicólogo, por forma a compensá-lo da depressão de que padece; ——● Internamento para desintoxicação da adição; e ——● Presença de um acompanhante para regular a rotina do requerido. Claro que não é possível formular um juízo de certeza sobre o êxito do tratamento ou sequer sobre se a adesão do requerido vai subsistir mas, para acautelar o seu abandono, com perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais do requerido ou de terceiros, designadamente por deterioração aguda do seu estado de saúde, existem mecanismos legais apropriados que devem, então, ser accionados, de harmonia com a previsão do art. 28º e segs., da Lei n.º 35/2023 (internamento de urgência)[2], normativos que visam uma actuação rápida e eficiente em situações de imediação, de autoridades de polícia ou de saúde pública, com o perigo iminente, resultante de um estado crítico ou agudo de descontrolo por parte de portador de doença mental que, por isso, esteja a ameaçar bens jurídicos próprios ou de terceiros. Consequentemente, por falta de fundamento legal tem que improceder a pretensão das recorrentes, no sentido do requerido ser sujeito a tratamento involuntário consistente em internamento hospitalar, uma vez que não se verificam os requisitos legais necessários para o efeito. *** III – DISPOSITIVO Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto negar provimento ao recurso das Requerentes AA e BB e manter a decisão recorrida nos precisos termos. * Sem tributação – art. 4º, al. e), do Reg. Custas Processuais Notifique. * [Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, n.º 2, do CPP[3]] |