Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP00039568 | ||
| Relator: | DOMINGOS MORAIS | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO DECISÃO | ||
| Nº do Documento: | RP200610090611671 | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | LIVRO 87 - FLS 174. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Com a entrada em vigor do novo Código de Processo do Trabalho passou a ser recorrível a decisão sobre a fixação da natureza da incapacidade e do grau de desvalorização. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I – B………., sinistrado no acidente de trabalho, ocorrido no dia 30.09.2004, da responsabilidade da Companhia de Seguros X………., S.A., não se conformando com a sentença que lhe fixou o grau da IPP em 31,16%, veio da mesma interpor recurso de apelação, sob patrocínio do M. Público, concluindo, em síntese, que as lesões descritas no exame médico singular e aceites pelas partes determinam incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), com a consequente atribuição do subsídio por elevada incapacidade, ou, se assim não se entender, justificam a aplicação do factor 1.5. A ré seguradora respondeu pela confirmação da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - Os Factos No que concerne à fundamentação de facto, a sentença recorrida consignou apenas o seguinte: “[...]. Realizada esta (a Junta Médica), por unanimidade, os senhores peritos médicos consideraram o sinistrado afectado de uma IPP de 31,16%, mas sem incapacidade para o trabalho habitual. Deste modo, porque se não afiguram necessárias quaisquer outras diligências, visto o disposto no artigo 140.º, do Código de Processo de Trabalho, fixo definitivamente ao sinistrado B………. uma IPP de 31,16%, com efeitos a partir de 29.03.05”. E terminou com a parte decisória (montante da pensão anual, valor das despesas de transporte e custas) e a fixação do valor da acção. Mas estão ainda provados nos autos os seguintes factos: 1) O sinistrado foi vítima de acidente de trabalho, ocorrido em 30.09.2004, em consequência do qual sofreu as lesões descritas nos autos de exames médicos juntos a fls. 35-39 e 64-65 dos autos – cfr. auto de tentativa de conciliação de fls. 44 a 46. 2) No exame singular, o perito médico considerou que, das sequelas resultantes dessas lesões, o sinistrado é portador de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e de uma incapacidade permanente parcial para as restantes profissões de 31,16%, a partir de 29.03.2005. 3) No exame por junta médica, os peritos médicos consideraram que o sinistrado é apenas portador de uma incapacidade permanente parcial de 31,16%. 4) Aquando do acidente referido em 1), o sinistrado trabalhava para a sua entidade patronal como trolha, mediante a retribuição de € 469,90 x 14 meses + € 4,15 x 22 x 11 meses de subsídio de alimentação – cfr. auto de tentativa de conciliação de fls. 44 a 46. 5) O autor nasceu no dia 14 de Setembro de 1952 - cfr. certidão de fls. 27 dos autos. III - O Direito Questão prévia A Mma Juíza da 1.ª instância teve dúvidas sobre a espécie do recurso interposto a fls. 110 dos autos, mas admitiu-o como apelação. E bem, porque o artigo 138.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPT, estabelece que “ ... , o juiz profere decisão sobre o mérito, ...” (negrito nosso). Ora, como dispõe o artigo 691.º, n.º 1, do CPC, “O recurso de apelação compete da sentença final e do despacho saneador que decidam do mérito da causa” (negrito nosso). Além disso, a parte final do n.º 2, do artigo 138.º, remete expressamente para o artigo 73.º, n.º 3, do CPT, sob a epígrafe Sentença, “acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa” – artigo 156.º, n.º 2, do CPC. Do recurso Atento o disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões alegatórias do recorrente, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso. E, como tal, importa apreciar da alteração da natureza da incapacidade (de permanente absoluta para o trabalho habitual para permanente parcial) por parte da Junta Médica, ou, em alternativa, da aplicação do factor 1.5 sobre a IPP de 31,16%, dado que o sinistrado contava mais de 50 anos de idade à data da alta. O problema submetido a este Tribunal é, essencialmente, uma questão de facto, ou seja, o que o recorrente pretende é que a Relação altere a natureza da incapacidade, de permanente parcial para permanente absoluta para o trabalho habitual – IPATH – ou, em alternativa, que altere o grau de desvalorização por aplicação do factor 1.5. O conhecimento de facto pelo Tribunal da Relação só pode ocorrer nos estritos termos do artigo 712.º, n.º 1, do CPC, que dispõe: “A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) - Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida; b) - Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) - Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou”. Ora, com base nos elementos que constam do processo – exames médicos (singular e junta médica) – não é possível a este Tribunal de recurso satisfazer a pretensão do recorrente, dado que se trata de prova pericial, logo de livre apreciação pelo Tribunal da 1.ª instância (cfr. artigo 389.º do C. Civil) e, como tal, susceptível de ser destruída por outras provas, nomeadamente, exames complementares de diagnóstico. E, por outro lado, o laudo do exame por junta médica não especifica os fundamentos sobre a natureza da incapacidade atribuída ao sinistrado, nem sobre a eventual aplicação do factor 1.5, já que o sinistrado tinha mais de 50 anos de idade à data da alta - 29.03.2005. Em regra, nos processos de acidente de trabalho que passam à fase contenciosa por divergência das partes com o resultado do exame médico singular, o litígio circunscreve-se apenas ao grau de desvalorização. Mas casos há, como o dos autos, em que a discórdia é mais complexa, pois, abrange também a natureza da incapacidade e a aplicação do factor 1.5. Na verdade, como se encontra provado nos pontos 2) e 3) da matéria de facto, a Junta Médica considerou que o sinistrado é apenas portador de uma incapacidade permanente parcial - IPP - e não também de uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - IPATH -, como se entendera no exame médico singular. Acontece, porém, que a Junta Médica não fundamentou o seu parecer neste particular, limitando-se a responder “Não”, ao quesito 3.º formulado pela ré seguradora no requerimento para exame por junta médica, do seguinte teor: “Está (o sinistrado) totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual?”. E, além disso, também não se pronunciou sobre a eventual perda ou diminuição de função do posto de trabalho que o sinistrado ocupava com carácter permanente por causa de uma ou mais das sequelas de que é portador. Ora, dado que o exame por junta médica deve ser presidido pelo juiz do processo (cfr. artigo 139.º, n.º 1, do CPT), impunha-se que a Mma Juíza da 1.ª instância tivesse interpelado os Srs. Peritos médicos no decurso do exame médico, formulando novos quesitos ou pedindo esclarecimentos, os quais deviam constar do próprio laudo, sobre a razão de ser da resposta negativa ao quesito 3.º e sobre o requisito primeiro da alínea a), do n.º 5, das Instruções da TNI, ou, se necessário, determinasse a realização de exames e pareceres complementares ou requisitasse pareceres técnicos, conforme dispõe o artigo 139.º, n.º 7, do CPT, sob pena de no momento da elaboração da sentença não estarem reunidos, como não estavam, todos os elementos de facto necessários para a fixação da natureza e grau de desvalorização do sinistrado. Na verdade, com todo o respeito o dizemos, a sentença recorrida é escassa na fundamentação de facto e, anote-se, utiliza o advérbio de modo definitivamente, eliminado do texto do artigo 140.º, n.º 1, do CPT, em vigor desde 01.01.2000. E porque a decisão sobre a fixação da natureza da incapacidade e do grau de desvalorização passou a ser recorrível, com a entrada em vigor do novo Código de Processo do Trabalho, a mesma deve conter os elementos de facto mínimos indispensáveis para a sua apreciação em sede de recurso, tanto mais que, nestes casos, a prova é essencialmente pericial ou técnica. Assim, porque, no caso em apreço, a sentença recorrida não contem os elementos de facto mínimos indispensáveis para a apreciação do recurso, nomeadamente, os elementos que justifiquem a natureza da incapacidade atribuída com relação à profissão de trolha, impõe-se a necessidade de anular o julgamento, com fundamento no artigo 712.º, n.º 4 do C. P. Civil, de forma a que o Tribunal da 1.ª instância, em seu prudente critério, proceda às diligências que entender mais convenientes - novo exame por Junta Médica, pareceres técnicos ou outros - com vista à dilucidação da questão de saber se a incapacidade que o sinistrado apresenta deve ser ou não considerada como absoluta para o exercício da sua profissão habitual de trolha e não sendo absoluta, se se verifica ou não a perda ou diminuição de função do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente. IV – A Decisão Atento o exposto, acorda-se em conceder provimento à apelação, anulando-se o julgamento, de forma que o Tribunal da 1.ª instância proceda às diligências que entender mais convenientes com vista a determinar se a incapacidade que o sinistrado apresenta deve ser ou não considerada como absoluta para o exercício da sua profissão habitual de trolha e, não sendo absoluta, se se verifica ou não a perda ou diminuição de função do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, para eventual aplicação do factor 1,5. Custas pela parte vencida a final. Porto, 9 de Outubro de 2006 Domingos José de Morais António José Fernandes Isidoro Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira |