Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1162/22.1T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO
FUNDAMENTOS DE OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RP202401111162/22.1T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O incidente de habilitação de adquirente ou cessionário visa, apenas, produzir modificação nos sujeitos da lide, produzindo efeitos de natureza meramente processual, sem interferir com a discussão do mérito quanto ao objecto da causa.
II - A admissibilidade da habilitação do adquirente depende da verificação dos seguintes pressupostos: pendência de uma acção; existência de uma coisa ou de um direito litigioso; transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção, por acto entre vivos e conhecimento da transmissão durante a acção.
III - Neste incidente, a parte contrária, apenas pode deduzir os seguintes fundamentos de oposição ao incidente: a) qualquer fundamento de nulidade ou de anulabilidade ou inexistência da transmissão que vicie o negócio de transmissão; b) que a transmissão foi realizada com o propósito malicioso de tonar mais difícil a posição processual do contestante; e/ou c) que não se encontra feita a prova legal da transmissão pelo requerente do incidente.
IV - No incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, sendo deduzida contestação com o fundamento de que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, não basta que em consequência da substituição se agrave a posição da parte contrária, é necessário que se alegue e prove que a transmissão foi feita para atingir esse resultado.
V - No incidente de habilitação de cessionário não se pode concluir, sem suporte factual, que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a posição da parte contrária no processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1162/22.1T8AVR-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro - JC Cível - Juiz 2,
Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Desembargadora Dr. Isabel Rebelo Ferreira
2º Adjunto Desembargador Dr. Ernesto Nascimento
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

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I - RELATÓRIO

AA e mulher BB, instauraram acçaõ declarativa de condenação com processo comum contra: Ré: 1.ª Farmácia A..., Lda., sociedade comercial por quotas, 2.º CC, DD, e, EE, todos na qualidade de herdeiros do Dr. FF.
A “Farmácia A..., Lda.” com sede na Rua ..., ... Coimbra, Ré nos autos, deduziu por apenso ao Proc. nº 1162/22.1T8AVR o presente INCIDENTE DE HABILITAÇÃO ao abrigo do artigo 356.º do CPC, contra
1. AA e sua mulher
BB,
, que são AA. no processo principal;
2. “FARMÁCIA B..., LDA”,
3. CC, Ré no processo principal;
4. DD, também Ré; e
5. EE, também Réu;
Peticionando: Nestes termos, visto o disposto no supracitado artigo 356º, n.º1, alínea a) do CPC, deve a Requerida FARMÁCIA B..., LDA. Ser habilitada para, no processo principal, assumir a posição de Ré e Reconvinte no lugar da aqui Requerente/Ré Farmácia A..., Lda.
Alega para o efeito em resumo que: 1º: Por deliberação de 28 de março de 2022 a aqui Requerente aprovou, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 246.º e do n.º 1 do artigo 194.º, ambos do CSC, um projeto que titulou a operação de cisão simples consubstanciada no destaque do ramo de atividade da Requerente, correspondente ao negócio de exploração da Farmácia C... (O Projeto de Cisão foi depositado na Conservatória do Registo Comercial no dia 29 de março de 2022, e foi, no mesmo dia, publicado na íntegra no sítio da internet de acesso público). Mais refere que durante o prazo legal de 1 (um) mês tanto o Projeto de Cisão, bem como a sua documentação anexa, puderam ainda ser consultados na sede Requerente, não tendo sido, durante o prazo legal aplicável e até hoje, deduzida qualquer oposição à referida cisão.
No fim do prazo legal referido, o Projeto de Cisão foi, novamente, submetido a deliberação da Requerente, desta feita no dia 3 de maio de 2022, tendo-se concluído que, desde a elaboração do Projeto de Cisão, não ocorrera mudança relevante nos elementos de facto em que o Projeto de Cisão se baseara e no mesmo dia 3 de maio de 2022, teve lugar a Escritura de Cisão da Requerente. Mais refere que, em consonância com a Escritura de Cisão, foi constituída uma nova sociedade comercial por quotas com a firma “FARMÁCIA B..., LDA.” – a Segunda Requerida – a qual nos termos da cisão sucedeu legalmente à Requerente nas posições contratuais emergentes do Complexo Contratual respeitante à Farmácia C..., em discussão nos presentes autos. Mais alega que no dia 5 de maio de 2022, foi registada na Conservatória do Registo Comercial a referida Escritura de Cisão, tendo a cisão sido publicada em 18 de maio de 2022, e que na sequência da publicação da cisão foi requerido junto do Infarmed o averbamento da cessão de exploração no alvará da Farmácia C... a favor da requerida FARMÁCIA B..., LDA., o qual foi concedido no dia 16 de Setembro de 2022, e que tais factos que já foram comunicados aos primeiros Requeridos.
AA e Outros, Requeridos nos autos, tendo sido notificados do incidente de habilitação deduzido pela Requerente “Farmácia A..., Lda.”, vieram contestar, em resumo, nos seguintes termos:«…3.ºO projeto de cisão - que a Requerente propositadamente não junta aos autos - foi elaborado em 28 de março de 2022. 4.º No projeto de cisão é referida a pendência da presente ação judicial instaurada pelos aqui Requeridos contra a aqui Requerente e contra CC, DD e EE, na qualidade de herdeiros de FF.5.º A leitura atenta do projeto de cisão permite-nos concluir sem margem para grandes dúvidas que a real intenção dos sócios da aqui Requerente com a cisão é, na verdade, tornar mais difícil a posição dos ora Requeridos no processo. 6.º Razão pela qual decidiram simular uma cisão. …10.º O projeto de cisão teve como única motivação o litígio com os aqui Requeridos. 11.º Tanto assim é que a presente ação judicial deu entrada em juízo em 24 de março de 2022 e, “por coincidência”, o projeto de cisão foi elaborado 4 dias depois, em 28 de março de 2022.12.º A aqui Requerida foi citada para contestar a ação a que faz referência no projeto de cisão em 29 de março de 2022, ou seja, 1 dia depois!13.º É manifesto que a aqui Requerida, sabendo da propositura da ação judicial pela consulta às pautas públicas de distribuição e estando ciente da frustração das negociações, decidiu fabricar um processo de cisão…15.º E, “Por coincidência”, após tal informação, a 1.ª Ré elabora um projeto de cisão que, repetidamente, faz menção à pendência da presente ação judicial como motivação para a operação.16.º Mais,A aqui Requerida deu entrada da sua contestação em 17 de maio de 2022….22.º Concluindo: A aqui Requerida, no prazo de 30 dias que lhe foi concedido para apresentar contestação, fabricou o projeto de cisão, deliberou e outorgou a escritura respetiva e constituiu outra sociedade. 23.º E, Só depois de concretizar todas as operações, é que submeteu a contestação. 24.º Mas, Nada disse a esse respeito na sua contestação.
Acresce que, 27.º De acordo com a documentação junta aos autos pela Requerente, estamos perante uma cisão simples. 30.º No caso em apreço, é manifesta a verificação da hipótese legal prevista no artigo 123.º, n.º 1, alínea a) do CSC, o que determina a inadmissibilidade da cisão. Mais, 31.º A nova sociedade que foi constituída, “Farmácia B..., LDA”, tem o capital social de apenas €110,10 e não tem quaisquer reservas legais. 32.º Esta nova sociedade, aquando da constituição, em 5 de maio de 2022, tinha o capital social dividido em 2 quotas, com o valor nominal de €100,00 e 10,10, pertencentes às sócias “D..., Unipessoal, Lda.” GG, respetivamente. 33.º Em 27 de maio de 2022, ou seja, dias depois da constituição da nova sociedade, as referidas sócias declararam ceder as mencionadas quotas a E..., Unipessoal, Lda. e a EE, Réu na presente ação. 34.º Nessa data, a referida GG renunciou à gerência, tendo sido nomeados gerentes EE e HH. 35.º Por sua vez, a sociedade E..., Unipessoal, Lda. tem como único sócio e gerente o referido Réu, EE.36.º Sendo que o referido Réu EE é familiar do mandatário da Requerida e de todos os Réus na ação.
37.º Concluindo, A cisão foi, na verdade, um negócio jurídico simulado, celebrado com o intuito de prejudicar os Requeridos, com vista a tornar mais difícil a sua posição no processo. 38.º A Requerida e demais Réus “fabricaram” a cisão para constituir uma nova sociedade, sem qualquer património, com o capital social de €110,10 e sem reservas legais. 39.º Dito de outro modo, em caso de procedência da ação, a Requerida não tem património para pagar o que quer que seja. 40.º Contudo, ainda que tal suceda, a Ré “Farmácia A..., Lda.” continuará a ser solidariamente responsável por todas as dívidas, atendendo ao disposto no artigo 122.º do CSC. 41.ºMantendo-se os avales prestados pelos Réus a todas as obrigações em causa nestes autos, atendendo ao disposto no artigo 121.º do CSC segundo o qual “a atribuição de dívidas da sociedade cindida à sociedade incorporante ou à nova sociedade não importa a novação.”42.º A Requerida impugna expressamente não só tudo o alegado no requerimento inicial de habilitação, como também os documentos juntos com a mesma.
43.º No que respeita ao Alvará n.º ...48, emitido pelo Infarmed em 16/09/2022, cumpre referir que o seu teor não corresponde à verdade, não sendo sequer coerente com as datas apostas nos documentos juntos com o requerimento inicial. 44.º Efetivamente, consta do alvará que a Farmácia C...:
- se encontra “em cessão de exploração, desde 20-03-2013, a favor da sociedade “Farmácia B..., LDA”; - “por contrato de cessão de exploração, datado de 19-02-2013, e contrato de cessão de quotas, datado de 19-05-2022.” 45.º Ora, Como consta da própria documentação junta pela Requerida, a Farmácia B..., LDA apenas foi constituída em maio de 2022. 46.º Logo, como pode ter a cessão da exploração da farmácia desde 2013, quando nessa data ainda nem sequer estava constituída? 47.º Além disso, a Farmácia B..., LDA nunca celebrou qualquer contrato de cessão de exploração com os Requeridos, que, conforme resulta do seu teor, foram celebrados com a Farmácia A..., Lda. 48.º Por fim, cumpre ainda referir que é inteiramente falso que os Réus tenham tido conhecimento da cisão.49.º Os Réus apenas tomaram conhecimento da cisão em 12 de outubro de 2022,
Concluem, que o presente incidente deve ser julgado improcedente, e mais requerem a condenação da Requerida como litigante de má-fé, bem como que seja oficiada a Ordem dos Advogados, em cumprimento do disposto no artigo 545.º do CPC.
Com a contestação foi referida prova documental.
Foi junta resposta á contestação na qual se conclui nos seguintes termos: « Nestes termos, reitera-se integralmente o pedido formulado no Requerimento de Habilitação, devendo a Segunda Requerida FARMÁCIA B..., LDA. Ser habilitada para, no processo principal, assumir a posição de Ré e Reconvinte no lugar da aqui Requerente/Ré Farmácia A..., Lda., com as legais consequências, atento o disposto no artigo 356º, n.º1, alínea a) do CPC.
Nos termos supra, julgando V. Ex.ª a matéria de exceção concernente à simulação totalmente não provada e, por isso, improcedente, deverá absolver-se a Requerente, Requerida, Réus e Anterior Mandatário daquela alegada exceção.
Nos mesmos termos antecedentes, julgando V. Ex.ª a matéria invocada no âmbito da litigância de má-fé totalmente não provada, e por isso, improcedente, deverá absolver-se a Requerente, Requerida, Réus e Anterior Mandatário daquela alegada litigância.
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Nestes autos foi proferida a decisão recorrida, nos seguintes termos: «.. Por requerimento de 17-10-2022 veio a requerente, “Farmácia A..., Lda.” com sede na Rua ..., ... Coimbra, NIPC: ...04 e igualmente ré no processo principal, por apenso ao processo principal, deduzir INCIDENTE DE HABILITAÇÃO ao abrigo do artigo 356.º do CPC, Contra:
1.º AA e sua mulher BB, autores no processo principal
2. “FARMÁCIA B..., LDA”, com sede em Rua ..., UNIÃO DAS FREGUESIAS DE ... Ovar e com o NIPC: ...64;
3. CC viúva Ré no processo principal;
4. DD, solteira, maior, Ré no processo principal; e
5. EE, solteiro, maior Réu no processo principal
Peticionando:
“Nestes termos, visto o disposto no supracitado artigo 356º, n.º 1, alínea a) do CPC, deve a Requerida FARMÁCIA B..., LDA. ser habilitada para, no processo principal, assumir a posição de Ré e Reconvinte no lugar da aqui Requerente/Ré Farmácia A..., Lda., com as legais consequências.
Alega que:
- Por deliberação de 28 de março de 2022 a Requerente e ré, pessoa colectiva, no processo principal, aprovou, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 246.º e do n.º 1 do artigo 194.º, ambos do CSC, um projeto que titulou a operação de cisão simples consubstanciada no destaque do ramo de atividade da Requerente, correspondente ao negócio de exploração da Farmácia C...;
- O Projeto de Cisão foi depositado na Conservatória do Registo Comercial no dia 29 de março de 2022 e foi, no mesmo dia, publicado nos termos do n.º 1 do artigo 100º, aplicável ex vi artigo 120º, ambos do CSC.
- Durante o prazo legal de 1 (um) mês previsto no n.º 2 do artigo 100.º, aplicável ex vi artigo 120.º, ambos do CSC, tanto o Projeto de Cisão, como a sua documentação anexa, estiveram disponíveis para consulta na sede da Requerente, não tendo sido, durante o prazo legal aplicável e até hoje, deduzida qualquer oposição à referida cisão.
- No fim do prazo legal referido, o Projeto de Cisão foi, novamente, submetido a deliberação da Requerente, no dia 3 de maio de 2022, nos termos dos ns.º 2 e 6 do artigo 100.º, bem como dos artigos 102.º e 103.º, todos aplicáveis ex vi artigo 120.º, todos do CSC
- No mesmo dia 3 de maio de 2022, teve lugar a Escritura de Cisão da Requerente e, em consonância com a Escritura de Cisão, foi constituída uma nova sociedade comercial por quotas com a firma “FARMÁCIA B..., LDA.”, a qual nos termos da cisão sucedeu legalmente à Requerente nas posições contratuais emergentes do Complexo Contratual respeitante à Farmácia C..., em discussão nos autos principais.
- No dia 5 de maio de 2022, foi registada na Conservatória do Registo Comercial a Escritura de Cisão publicada em 18 de maio de 2022;
- Na sequência da publicação da cisão foi requerido junto do Infarmed o averbamento da cessão de exploração no alvará da Farmácia C... a favor da requerida FARMÁCIA B..., LDA., o qual foi concedido no dia 16 de Setembro de 2022, factos comunicados aos primeiros Requeridos (autores no processo principal).
A autora juntou prova documental dos factos alegados.
Cumprido o contraditório, os requeridos e autores no processo principal, deduziram oposição ao incidente.
Alegam que:
- O projecto de cisão foi elaborado em 28 de março de 2022, documento que os requeridos juntam;
- No projecto é mencionada a pendência da presente ação judicial instaurada pelos aqui Requeridos contra a aqui Requerente, pessoa colectiva e contra CC, DD e EE, na qualidade de herdeiros de FF;
- Do projecto pode concluir-se que a real intenção dos sócios da aqui Requerente com a cisão foi, na verdade, tornar mais difícil a posição dos ora Requeridos no processo, sendo a cisão uma simulação.
- Um dos motivos expressos no projecto é o facto de com a cisão passam a existir duas entidades jurídicas distintas, que detêm ou exercem a exploração, propriedade e/ou gestão da Farmácia A..., Lda. e da Farmácia C... (ambas exploradas pela 1ª ré) de forma separada, conferirem à sociedade cindida – nova sociedade - e às suas sócias, maior flexibilidade para transacionarem (em particular, para alienarem, cederem, etc,) cada uma das referidas farmácias de oficina.
- Nos autos principais é identificado um “contrato promessa de trespasse” celebrado, inicialmente, pela Sociedade a Cindida (Farmácia A..., Lda.”) com a Herança aberta de II, representada pelo Cabeça de Casal e demais herdeiros, em 19.02.2013, nos termos da qual foi prometido trespassar, de modo definitivo, à sociedade Cindida, a propriedade da Farmácia C..., mantendo-se o Contrato de Cessão de Exploração em vigor até à data da outorga do contrato definitivo de trespasse da Farmácia C... (o “Contrato Promessa de Trespasse”).
-Neste âmbito, a constituição de uma nova entidade jurídica – a Nova Sociedade – que suceda, por força da Cisão, nas posições contratuais da Sociedade Cindida ao abrigo do Complexo Contratual (em particular, do Contrato Promessa de Trespasse) – confere tanto à Sociedade Cindida, bem como à Nova Sociedade a devida autonomia jurídica para que possam prosseguir, de forma independente, o desenvolvimento das atividades e das respetivas unidades económicas.
- A constituição da Nova Sociedade (diz-se no projecto) e a subsequente entrada de novos sócios na gestão da Unidade Económica Destacada em específico (e não na unidade económica principal) – situação que se encontra atualmente em análise – poderão contribuir de forma significativa para a aceleração do desenvolvimento da Farmácia C... e para o reforço do seu posicionamento no mercado das farmácias de oficina em Ovar;
- O projeto de cisão teve como única motivação o litígio com os aqui Requeridos e dificultar a sua posição no processo.
- A aqui requerente, no prazo de 30 dias que lhe foi concedido para apresentar contestação, fabricou o projeto de cisão, deliberou e outorgou a escritura respetiva e constituiu outra sociedade só depois de concretizar todas as operações, é que submeteu a contestação.
Acresce que,
- De acordo com a documentação junta aos autos pela Requerente, estamos perante uma cisão simples e nos previstos pelo artigo 123.º, n.º 1, alínea a) do CSC a cisão simples não é possível “se o valor do património da sociedade cindida se tornar inferior à soma das importâncias do capital social e da reserva legal e não se proceder, antes da cisão ou juntamente com ela, à correspondente redução do capital social.”
- Estatuindo o n.º 2 do mesmo preceito legal que “nas sociedades por quotas adicionar-se-á, para efeitos da alínea a) do número anterior, a importância das prestações suplementares efetuadas pelos sócios e ainda não reembolsadas.”
- No caso em apreço, verifica-se a hipótese legal prevista no artigo 123.º, n.º 1, alínea a) do CSC, o que determina a inadmissibilidade da cisão.
- A nova sociedade que foi constituída, “Farmácia B..., LDA”, tem o capital social de apenas € 110,10 e não tem quaisquer reservas legais.
- Esta nova sociedade, aquando da constituição, em 5 de maio de 2022, tinha o capital social dividido em 2 quotas, com o valor nominal de €100,00 e 10,10, pertencentes às sócias “D..., Unipessoal, Lda.” GG, respetivamente.
- Em 27 de maio de 2022, ou seja, dias depois da constituição da nova sociedade, as referidas sócias declararam ceder as mencionadas quotas a E..., Unipessoal, Lda. e a EE, Réu na ação principal, tendo nessa data GG renunciado à gerência, tendo sido nomeados gerentes EE e HH.
- Por sua vez, a sociedade E..., Unipessoal, Lda. tem como único sócio e gerente o referido Réu, EE, o que é contrário às alegadas finalidades plasmadas no projecto;
- Concluem que a cisão foi um negócio jurídico simulado, celebrado com o intuito de prejudicar os Requeridos, com vista a tornar mais difícil a sua posição no processo, “fabricando” a cisão para constituir uma nova sociedade, sem qualquer património, com o capital social de € 110,10 e sem reservas legais.
- O que significa que em caso de procedência da ação, a Requerida não tem património para pagar o que quer que seja, sem prejuízo de a Ré “Farmácia A..., Lda.” continuar a ser solidariamente responsável por todas as dívidas, atendendo ao disposto no artigo 122.º do CSC, mantendo-se os avales prestados pelos Réus a todas as obrigações em causa nestes autos, atendendo ao disposto no artigo 121.º do CSC segundo o qual “a atribuição de dívidas da sociedade cindida à sociedade incorporante ou à nova sociedade não importa a novação.”
- Acrescentam que os requeridos não tiveram conhecimento da cisão, mas apenas em 12 de outubro de 2022, data em que rececionaram as cartas juntas com o requerimento inicial.
- Requerem a condenação da autora como litigante de má-fé.
A requerente respondeu à contestação apresentada impugnando a versão dos requeridos e concluindo como no requerimento inicial.
No dia 25-01-2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Na sua contestação os requeridos impugnam a validade do acto de cisão que fundamenta a dedução do incidente de habilitação, assim como alegam que a transmissão ocorrida foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo principal – artigo 356º, n.º 1, al. a) do CPC.
Ao abrigo do disposto no citado normativo, alínea b), notifique a autora/requerente do incidente para, em 10 dias, juntar os documentos requeridos na contestação, requerendo-se, ainda, ao INFARMED, a prestação da informação solicitada no mesmo articulado.”
O Infarmed juntou o Alvará n.º ...48.
Por requerimento de 9-2-2023 a requerente, depois de tecer considerações sobre a competência material deste tribunal para conhecer sobre a validade/invalidade da cisão, por ser matéria da competência dos tribunais de comércio, juntou 4 documentos: o IES da requerente relativo aos anos de 2020, 2021; as declarações de IRC dos mesmos anos (2020 e 2021)
Os requeridos foram notificados e nada disseram.
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O tribunal é competente, o processo é o próprio.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídicas e judiciárias e são legítimas.
Nada obsta à decisão do mérito da causa, reunindo os autos matéria de facto, provada por documento que nos permite decidir sem necessidade de produção ulterior de prova
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Factos provados (por documento e com interesse para a causa):
1º O presente incidente foi instaurado no dia 15 de Outubro de 2023, por apenso ao processo principal, processo esse instaurado no dia 25 de Março de 2022, em que são autores: AA e mulher BB e são réus: 1ª Farmácia A..., Lda.; 2.º CC; DD e EE, todos na qualidade de herdeiros do Dr. FF;
2.º No processo principal os autores peticionam o seguinte:
“Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e consequentemente:
1. Ser declarada a nulidade dos contratos celebrados em 19 de fevereiro de 2013, ou seja, dos contratos de cessão de exploração, promessa de trespasse, arrendamento e assunção de dívidas e exoneração de responsabilidades, por violação do disposto no artigo 2091.º ex vi artigo 294.º ambos do C.C., e, por não terem sido ratificados pela legal representante da 1.ª Ré.
2. Consequentemente, deverão os Réus ser condenados solidariamente a:
a) Entregar, de imediato, o estabelecimento “Farmácia C...”, em perfeitas condições de funcionamento.
b) Pagar aos Autores a quantia mensal de €1.000,00 (mil euros), a título de renda, desde a data da celebração do contrato de arrendamento até à data da efetiva entrega do imóvel;
c) Pagar aos Autores a quantia mensal de €1.000,00 (mil euros), pelo contrato de cessão de exploração, desde a data da celebração do contrato de arrendamento até à data da efetiva entrega do imóvel;
d) Pagar aos Autores os créditos, até 19 de fevereiro de 2013, decorrentes da exploração da farmácia C..., designadamente sobre a Administração Regional de Saúde (ou entidade por esta designada) e sobre a F..., S.A. pertencentes à proprietária da farmácia.
e) Pagar aos Autores todos “os valores creditados à sociedade pelos fornecedores G..., S.A., H..., S.A. e I..., CRL correspondentes às devoluções” efetuadas até 19 de fevereiro de 2013.
f) Pagar aos Autores a quantia que estes receberiam caso tivessem explorado a “Farmácia C...”, desde 2013 até à data, cujo valor por não ser ainda determinável se relega para execução de sentença.
g) Pagar aos Autores a quantia de €50.000,00 (cinco mil euros) a título de danos morais.
h) Pagar aos Autores a quantia de €25.000,00 (vinte cinco mil euros), por cada mês de atraso na entrega da farmácia, a título de sanção pecuniária compulsória.
SUBSIDIARIAMENTE
1. Ser declarada a resolução com justa causa dos referidos contratos, por incumprimento dos Réus.
2. Consequentemente, serem os Réus condenados, solidariamente:
a) Entregar, de imediato, o estabelecimento “Farmácia C...”, em perfeitas condições de funcionamento.
b) Pagar aos Autores a quantia de €378.235,65 (trezentos e setenta e oito mil duzentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), referente à assunção das dívidas da “Farmácia C...” o que corresponde ao sinal e antecipação de pagamento.
c) Pagar aos Autores a quantia mensal de €1.000,00 (mil euros), a título de renda, desde a data da celebração do contrato de arrendamento até à data da efetiva entrega do imóvel;
d) Pagar aos Autores a quantia mensal de €1.000,00 (mil euros), pelo contrato de cessão de exploração, desde a data da celebração do contrato de arrendamento até à data da efetiva entrega do imóvel;
e) Pagar aos Autores os créditos, até 19 de fevereiro de 2013, decorrentes da exploração da farmácia C..., designadamente sobre a Administração Regional de Saúde (ou entidade por esta designada) e sobre a F..., S.A. pertencem à proprietária da farmácia.
f) Pagar aos Autores todos “os valores creditados à sociedade pelos fornecedores G..., S.A., H..., S.A. e I..., CRL correspondentes às devoluções” efetuadas até 19 de fevereiro de 2013.
g) Pagar aos Autores a quantia que estes receberiam caso tivessem explorado a “Farmácia C...”, desde 2013 até à data, cujo valor por não ser ainda determinável se relega para execução de sentença.
h) Pagar aos Autores a quantia de €50.000,00 (cinco mil euros) a título de danos morais.
i) Pagar aos Autores a quantia de €25.000,00 (vinte cinco mil euros), por cada mês de atraso na entrega da farmácia, a título de sanção pecuniária compulsória.
A estas quantias acrescerão juros de mora, às sucessivas taxas legais aplicáveis, contados desde janeiro de 2015 até integral e efetivo pagamento.”
3.º De uma forma sucinta, alegam que:
- No dia 19 de Fevereiro de 2013 foram outorgados 4 contratos relativos à denominada “Farmácia C...” e ao prédio onde o estabelecimento em causa funcionava:
a) contrato de cessão de exploração comercial;
b) contrato de arrendamento;
c) contrato promessa de trespasse tendo por objecto a “Farmácia C...”;
d) contrato de assunção de dívida e exoneração de responsabilidades;
- Os contratos foram outorgados entre os autores e outros herdeiros de AA e o Dr. FF (já falecido), sendo que de todos os documentos juntos pela autora resulta que os contratos foram outorgados entre a 1ª ré, como segunda outorgante, intervindo o Dr. EE, na qualidade de fiador, com renuncia ao beneficio da excussão prévia e terceiro outorgante, resultando, ainda, que o Dr. EE interveio também também em representação da segunda outorgante (na pessoa da sua gerente), em gestão de negócios;
- Nenhum dos contratos foram ratificados pela gerente da primeira ré (pessoa colectiva), GG, sendo que, em todas as negociações as legais representantes da 1ª ré nunca apareceram, nem na formalização dos 4 contratos, nem posteriormente.
- Com o óbito do Dr. FF, a sua intervenção foi substituída pelo Dr. JJ e a partir de 2020 também pelo Dr. EE filho do Dr. FF;
- Defendem os autores que os 4 contratos são nulos porque não foram celebrados por todos os herdeiros, invocando o disposto nos artigos 2091º e 294º do C. Civil, vícios que, defendem, eram consensuais com os próprios réus, tendo sido encetadas negociações entre 2015 a 2017 para a celebração de novos contratos, que não se concretizou;
- Alegam ainda que os contratos, para além de nulo e sem prescindir desse vício, foram todos incumpridos e resolvidos;
- Em relação ao contrato de cessão de exploração, por carta de 5 de Agosto de 2021, denunciaram-no, cessando o contrato em 19 de Fevereiro de 2023;
- Em relação ao contrato de Arrendamento por carta de 5 de Agosto de 2021, comunicaram à 1ª ré a oposição à renovação, cessando o contrato em 19 de Fevereiro de 2023
- Em relação ao contrato promessa de trespasse é nulo pelos vícios referidos;
- Em relação ao contrato de assunção de dívida e exoneração de responsabilidades, a 1ª ré declarou assumir todo os montantes em dívida que eram da responsabilidade da herança aberta por óbito de II relacionadas com a exploração da Farmácia C.... No entanto, como no contrato não intervieram todas as herdeiras, o contrato é nulo - artigos 2094º e 291º C. Civil.
- Quando os contratos foram outorgados o gestor de negócios sabia que estava pendente um processo de inventário (que identifica) tendo alguns dos herdeiros (e identificados nos contratos) assinado os contratos porque estavam com várias dívidas e pressão de credores, tendo os réus assumido celebrar acordos de reestruturação, o que fizeram em relação ao Banco 1..., mas apenas parcialmente e até 2015, o que motivou a instauração por esta entidade bancária de uma acção executiva, tendo os autores procedido a um acordo de pagamento da quantia em dívida, apesar de terem interpelado os réus que não pagaram aos credores;
- Após a outorga dos 4 contratos a 1ª ré passou a assumir a exploração da Farmácia C..., o que se mantém, mas não cumpriram várias das suas cláusulas, que os autores identificam;
- Não informaram os autores da insolvência da sociedade que anteriormente tinha explorado a Farmácia C... – J... Unipessoal Lda.” – tendo os autores instaurado por apenso ao processo de insolvência uma acção de restituição e separação de bens, no âmbito do qual conseguiram a restituição dos bens da Farmácia;
- Perante os sucessivos incumprimentos os representantes da herança, em 2017, deram conhecimento ao Mandatários dos réus da indisponibilidade para procederem ao trespasse, para além da nulidade já mencionada, o que os réus aceitaram, mas não chegaram a um acordo;
- Nessa medida mesmo que se entenda que os contratos são válidos, subsidiariamente sempre se deve considerar que foram todos incumpridos;
- Por transação outorgada no processo de inventário, de 15-11-2017, transitada em julgado, a propriedade do imóvel onde a Farmácia funciona foi, no processo de inventário, adjudicada à herdeira KK e a Farmácia C... ao ora autor, factos que deram a conhecer aos réus;
- Posteriormente em maio de 2018 os autores solicitaram à 1ª ré informações sobre a actividade económica e financeira da Farmácia, sem resposta;
- Interpelaram, os réus para deixarem livre e desocupado o local e entregaram a Farmácia, em relação à qual, nunca liquidaram qualquer valor pela sua exploração, tendo ocorrido mais uma vez negociações, sem sucesso.
- Sabendo da nulidade dos contratos e das cartas de denúncia/resolução por parte dos autores, os réus agendaram uma escritura para o dia 16 de Março, sobre contratos incumpridos, comunicação em que também invocam a realização de grandes investimentos.
4.º Os réus foram citados e apresentaram contestação à acção, contestações separadas, nos dia 17-05-2022, tendo sido citados para a acção em 29 de março de 2022;
5.º Em síntese alega a 1ª ré sociedade, que:
- Aceita os termos em que os 4 contratos foram assinados, quer a qualidade de gestor de negócios da segunda outorgante e pelos 1ºs outorgantes na qualidade de herdeiros da herança aberta e indivisa por óbito de Rui Quadros Lamy;
- Os contratos foram outorgados na mesma data, no mesmo local, pelos mesmos intervenientes e com uma finalidade que era o trespasse para a 1ª ré da Farmácia C..., finalidade desdobrada em 4 contratos, nomeadamente para ser solicitada autorização judicial em relação às herdeiras menores de idade;
- O contexto em que os contratos foram outorgados prende-se, como os autores referem, com uma situação económica e financeira grave da farmácia C..., pretendendo evitar-se o encerramento do estabelecimento e viabilizar o seu futuro;
- Ao contrário do alegado, a 1ª ré ratificou toda a actuação do seu gestor de negócios, ratificação de forma tácita, tendo a gerente da ré conhecimento e dado consentimento a todos os actos praticados pelo gestor de negócios;
- Desde a data da outorga dos contratos que é a 1ª ré quem tem vindo a explorar a farmácia, pagando a prestação mensal pelo contrato de cessão de exploração, o que é do conhecimento dos autores, que assim o aceitaram;
- Sobre a nulidade invocada, não assiste razão aos autores, na medida em que a sanção é a ineficácia em relação às então menores e não a nulidade, nulidade que apenas as próprias poderiam invocar, através dos seus legais representantes, o que não ocorreu durante a menoridade, nem depois com a maioridade;
- Mesmo que assim não se entendesse a atribuição da propriedade da farmácia ao autor sem que antes a nulidade tivesse sido invocada, sanou quaisquer vícios que a esse título pudessem existir;
- Nega que alguma vez tenha reconhecido quaisquer vícios dos alegados pelos autores;
- Sobre cada um dos 4 contratos outorgados, apresenta uma diferente versão da alegada pelos autores e referindo que responderam a cada uma das cartas que os autores lhes enviaram, contratos que, ao contrário do alegado pelos autores, se mantêm válidos e têm vindo a ser cumpridos pela ré;
- Confirma a existência de negociações entres as partes e a sua não concretização, por motivos diversos dos alegados pelos autores;
- Excepcionam a actuação dos autores em abuso de direito.
- A ré deduziu ainda pedido reconvencional nos seguintes termos:
“2.: Julgada provada e procedente a reconvenção e por via dela declarar-se:
Que os AA. AA (…) e sua mulher BB, trespassaram para a Ré “Farmácia A..., Lda.”, o seguinte estabelecimento comercial:
“Farmácia C...” sedada na Rua ..., ... Ovar, e que funciona a coberto do alvará nº ...48 emitido pelo Infarmed, com todos os bens que a recheiam e que fazem parte do respectivo imobilizado e do aviamento, pelo preço de 450.000,00€ dos quais ainda estão em dívida quatrocentos e dois mil euros, a pagar da seguinte forma:
- pagamento de créditos sobre a farmácia: 262.434,04€, com a descriminação que consta do artº 155º deste articulado,
- pagamento ao “Banco 1...”, agora “Banco 2...”, ou por reembolso aos AA. e conforme se venha a apurar: 67.801,61€ (115.801,61-48.000,00),
- pagamento aos AA./trespassantes: 71.764,35€
4.: Mas se a acção for julgada procedente quanto aos seus pedidos:
Os AA. serão condenados a: restituírem à Ré as quantias que esta pagou em cumprimento do complexo contratual, sendo, pelo menos 48.000,00 € pagos ao Banco 1... e 24.000,00 € pagos a LL,
6.º Os outros co-réus apresentaram contestação, alegando, em síntese, que os autores não alegam qualquer factos que lhes digam respeito, para além da qualidade de herdeiros do outorgante inicial dos contratos, ausência de factos que deve conduzir à sua absolvição dos pedidos. Sem prejuízo, aderem à contestação apresentada pela ré pessoa colectiva.
7.º Os autores apresentaram articulado de réplica em que impugnam os factos alegados na constestação/reconvenção da 1ª ré, concluindo como na PI;
8.º Por apenso à acção principal e por requerimento de 17-10-2022 a 1ª ré deduziu o presente incidente de habilitação de adquirente/cessionário nos termos previstos pelo artigo 356º do CPC;
9.º Dos factos alegados e provados por documento resulta que:
10.º Por deliberação de 28 de março de 2022 a 1ª ré e aqui Requerente aprovou um projeto que titulou a operação de cisão simples consubstanciada no destaque do ramo de atividade da Requerente, correspondente ao negócio de exploração da Farmácia C... 11.ºO Projeto de Cisão foi depositado na Conservatória do Registo Comercial no dia 29 de março de 2022, nos termos do n.º 1 do artigo 101.º, aplicável ex vi artigo 120, ambos do CSC 3º: e foi, no mesmo dia, publicado na íntegra no sítio da internet de acesso público com o endereço eletrónico “https:www.publicacoes.mj.pt” nos termos do n.º 1 do artigo 100º, aplicável ex vi artigo 120º, ambos do CSC
12.ºDurante o prazo legal de 1 (um) mês previsto no n.º 2 do artigo 100.º, aplicável ex vi artigo 120.º, ambos do CSC, tanto o Projeto de Cisão, bem como a sua documentação anexa, puderam ainda ser consultados na sede Requerente, nos termos legais previstos no artigo 101º, aplicável ex vi artigo 120º, ambos do CSC.
13.ºNão tendo sido, durante o prazo legal aplicável deduzida qualquer oposição à referida cisão.
14.º No fim do prazo legal referido, o Projeto de Cisão foi, novamente, submetido a deliberação da Requerente, desta feita no dia 3 de maio de 2022, nos termos dos n.º 2 e n.º 6 do artigo 100.º, bem como dos artigos 102.º e 103.º, todos aplicáveis ex vi artigo 120.º, todos do CSC, tendo-se concluído, pela requerente que, desde a elaboração do Projeto de Cisão, não ocorrera mudança relevante nos elementos de facto em que o Projeto de Cisão se baseara;
15º: No mesmo dia 3 de maio de 2022, teve lugar a Escritura de Cisão da Requerente e foi constituída uma nova sociedade comercial por quotas com a firma “FARMÁCIA B..., LDA.” a qual, de acordo com o teor do texto da cisão termos da cisão sucedeu à Requerente nas posições contratuais emergentes do Complexo Contratual respeitante à Farmácia C..., em discussão nos autos principais
16.ºNo dia 5 de maio de 2022, foi registada na Conservatória do Registo Comercial a referida Escritura de Cisão, tendo a cisão sido publicada em 18 de maio de 2022;
17º: Na sequência da publicação da cisão foi requerido junto do Infarmed o averbamento da cessão de exploração no alvará da Farmácia C... a favor da requerida FARMÁCIA B..., LDA., o qual foi concedido no dia 16 de Setembro de 2022
18.º O projecto de cisão não foi referido pelos réus no processo principal nas contestações que aí apresentaram;
19.º O projecto de cisão foi elaborado em 28 de março de 2022, e nele é mencionada a existência dos vários contratos em discussão no processo principal;
20.º Resulta do projeto de cisão e de entre outros motivos:“Motivos Setoriais”, o seguinte:
“(…)
2.1.2.1. Motivos setoriais
(…)
“Efetivamente, âmbito, a constituição de uma nova entidade jurídica – a Nova Sociedade – que suceda, por força da Cisão, nas posições contratuais da Sociedade Condida ao abrigo do Complexo Contratual (em particular do contrato promessa de trespasse), confere tanto á sociedade cindida, bem como à nova Sociedade a devida autonomia jurídica para que possam prosseguir, de forma independente, o desenvolvimento das atividades das suas respectivas atividades económicas. A existência de entidades jurídicas distintas que detenham ou exerçam exploração, propriedade e/ou gestão da Farmácia A..., Lda. e da Farmácia C... – confere à sociedade cindida e às suas sócias, maior flexibilidade para transacionar (em particular para alienar, ceder, etc,) cada uma das referidas farmácias de oficina. A este propósito, importa assinalar que, por força do complexo contratual atualmente em vigor, a unidade económica destacada é promitente transmissária da Farmácia C... ao abrigo de um “contrato promessa de trespasse” celebrado, inicialmente, pela Sociedade Cindida com a Herança aberta de II, representada pelo Cabeça de Casal e demais herdeiros, em 19.02.2013, nos termos da qual foi prometido trespassar, de modo definitivo, à sociedade Cindida, a propriedade da Farmácia C..., mantendo-se o Contrato de Cessão de Exploração em vigor até à data da outorga do contrato definitivo de trespasse da Farmácia C... (o “Contrato Promessa de Trespasse”). Ora, neste âmbito, a constituição de uma nova entidade jurídica – a Nova Sociedade – que suceda, por força da Cisão, nas posições contratuais da Sociedade Cindida ao abrigo do Complexo Contratual (em particular, do Contrato Promessa de Trespasse) – confere tanto à Sociedade Cindida, bem como à Nova Sociedade a devida autonomia jurídica para que possam prosseguir, de forma independente, o desenvolvimento das atividades e das respetivas unidades económicas. Nas secções infra, nomeadamente as secções 2.1.2.2. (Motivos Operacionais), 2.1.2.3. (Motivos Económicos) e, em particular, na secção 2.1.2.4 (Motivos Estruturais) irá aprofundar- se este tema.”
21.º Por sua vez, nas seções 2.1.2.2. (Motivos Operacionais), 2.1.2.3. (Motivos Económicos) e, em particular, na secção 2.1.2.4 (Motivos Estruturais) é referido:
(…) Afinal, por força de diferentes motivos não imputáveis à Sociedade Cindida e/ou às Sócias da Sociedade Cindida – em particular, a dificuldade em efetivar o contrato definitivo de trespasse ao abrigo do contrato promessa de trespasse -, têm-se gerado dificuldades de implementar uma gestão estruturada e de longo prazo da Farmácia C..., limitando a maioria dos seus resultados operacionais. Em particular, o proprietário e cônjuge foram notificados (por cartas registadas com aviso de receção datadas de 16.03.2022 enviadas pela Sociedade Cindida) da marcação da celebração do contrato de trespasse definitivo da Farmácia C..., para o dia 23 de março (…) não tendo comparecido, bem tão pouco respondido. Posteriormente, a Sociedade Cindida teve conhecimento que o Proprietário e Cônjuge vieram, posteriormente, a propor um litígio de natureza judicial contra a Sociedade Cindida (entre Outros) com o n.º 1162/22.1T8AVR a correr termos no 2.º Juízo Central Cível do Tribunal de Aveiro.
Neste âmbito, a constituição da Nova Sociedade e a subsequente entrada de novos sócios na gestão da Unidade Económica Destacada em específico (e não na unidade económica principal) – situação que se encontra atualmente em análise – poderão contribuir de forma significativa para a aceleração do desenvolvimento da Farmácia C... e para o reforço do seu posicionamento no mercado das farmácias de oficina em Ovar (…).”
22.º A nova sociedade, aquando da constituição, em 5 de maio de 2022, tinha o capital social dividido em 2 quotas, com o valor nominal de €100,00 e 10,10, pertencentes às sócias “D..., Unipessoal, Lda.” GG, respetivamente.
23.º Em 27 de maio de 2022, ou seja, dias depois da constituição da nova sociedade, as referidas sócias declararam ceder as mencionadas quotas a E..., Unipessoal, Lda. e a EE, Réu na acção principal.
24.º Nessa data, a referida GG renunciou à gerência, tendo sido nomeados gerentes EE e HH.
26.º Por sua vez, a sociedade E..., Unipessoal, Lda. tem como único sócio e gerente o referido Réu, EE.
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Não existem outros factos a considerar, com relevo, para o conhecimento e decisão a proferir no presente apenso.
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Fundamentação de direito:
A habilitação é uma modificação subjectiva da instância após a instauração do processo e citação da ré – artigo 262º do CPC -, uma excepção ao princípio da estabilidade prevista pelo artigo 260º do CPC.
Por força da habilitação procede-se a uma substituição das partes, garantindo-se a legitimidade processual, substituição que, na falta de acordo, só deve ser recusada (no pressuposto de que está provada a transmissão da coisa ou do direito litigioso por acto entre vivos) quando se entenda que a transmissão foi efectuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária – artigo 263º do CPC.
Não cuidaremos de conhecer sobre a validade da cisão, apesar de a lei de forma expressa prever que o notificado a pode impugnar, atribuindo-se no artigo 356º do CPC uma competência material por conexão (sendo irrelevante o alegado pela requerente no sei requerimento de 09-02-2023 quanto à competência material, na medida em que a competência aqui em causa é por conexão, à semelhança do que se passa no âmbito dos processos de verificação de créditos instaurados por apenso aos processos de insolvência, sendo o juiz do processo competente, por conexão, para conhecer de todas as matérias invocadas nesses apensos)
Enquanto a habilitação com fundamento em morte ou extinção da parte é obrigatória e daí que, inclusivamente, se confira legitimidade para promover o incidente de habilitação a qualquer parte sobreviva da causa pendente ou a qualquer sucessor da parte falecida ou extinta (n.º 1 do art. 351º do CPC), já a habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou do direito em litígio é facultativa, e apenas dispõem de legitimidade para deduzir o incidente de habilitação o transmitente ou cedente, o adquirente ou cessionário ou a parte contrária (n.º 2 do art. 356º).
Essas pessoas que dispõem de legitimidade para promover o incidente de habilitação do adquirente ou cessionário podem naturalmente promover ou não essa habilitação, conforme os seus interesses.
Do que nos cumpre conhecer neste incidente de habilitação é se a “nova sociedade” criada por cisão, pode ou não assumir no processo, a posição processual da parte primitiva, ou seja, da requerente e 1ª ré no processo principal.
Não compete decidir quaisquer questões de mérito sobre os pedidos formulados, mas se, por via da cisão a “nova sociedade” pode passar a assumir no processo a qualidade de ré, em substituição da 1ª ré, o que o mesmo é dizer se o interesse em contradizer e que era da 1ª ré (vertido na sua contestação/reconvenção) passou a ser agora da nova sociedade pela cisão operada pela 1ª ré, ou seja, se a sociedade criada pela 1ª ré pode assumir no processo a sua posição nos direitos litigiosos em discussão ou se a cisão, como alegam os autores foi criada apenas para dificultar a sua posição no processo, para tornar mais difícil a sua posição processual.
Ora e sempre salvo melhor entendimento, afigura-se-nos que assiste razão aos autores.
Não podemos ficar alheios à cronologia dos factos, em concreto ao facto de o projecto de cisão ter sido preparado e elaborado quando a ré já sabia da pendência desta acção, porque esse conhecimento está expressamente mencionado no projecto de cisão.
Não podemos ficar alheios que do projeto consta que um dos objectivos com a criação da nova sociedade é separar as duas farmácias exploradas pela 1ª ré, para permitir que a Farmácia C... (em litígio nos autos principais) possa mais facilmente ser transacionada.
Resulta de forma clara que o projecto foi elaborado anos após a outorga dos contratos e numa fase em que as posições das partes se extremaram e que a 1ª ré sabia que os autores iriam recorrer á via judicial.
Resulta também claro que um dos objectivos da cisão e exarados no projecto de cisão foi a de libertar a 1ª ré do contencioso que tem com os autores no processo principal.
No entanto, quer os factos alegados na PI, quer os factos alegados na contestação/reconvenção, apenas fazem sentido no contexto negocial entre os autores e os réus, em concreto a 1ª ré, o que se concluiu do próprio pedido reconvencional, na medida em que são discutidos factos com a intervenção pessoal dos autores e da 1ª ré, pessoalidade de intervenção que não são transmissíveis.
Com efeito, discutem-se nos autos principais reuniões/negociações/incumprimentos contratuais (por ambas as partes) factos em relação aos quais a nova sociedade é totalmente alheia e não poderá contribuir para o apuramento dos factos pela simples razão de não ter tido qualquer intervenção na negociação, elaboração e outorga dos 4 contratos, o que constituiu uma notória dificuldade probatória para os autores.
Devemos ainda ter presente que estamos perante quatro contratos, em litígio, conexionados entre si e que a 1ª ré promove a cisão quando sabe que foi instaurada a acção judicial.
Do complexo contratual faz parte um contrato de assunção de dívida, contrato pessoal, do qual consta que os 1º outorgantes declararam aceitar que essa assunção fosse assumida por terceiro (contrato junto com o processo principal), condicionada, por sua vez à aceitação dos credores. Por via da cisão não se opera a assunção da dívida pela nova sociedade sem que os credores também aceitem essa substituição (veja-se a cláusula segunda desse contrato) – artigo 595º do C. Civil –, matéria sobre a qual a requerente nada alega.
Constituindo os 4 contratos uma unidade, também por essa via a cisão operada pela 1ª ré traduzir-se-ia na fragilização da posição e dos pedidos formulados pelos autores no processo principal
As pessoas com legitimidade para deduzirem o incidente e que possam ter interesse na substituição processual do anterior titular da coisa ou do direito em litígio (que figura na causa) pelo atual titular dessa coisa ou direito, podem ver o seu interesse desconsiderado, no confronto com os interesses da parte contrária que figura no processo, isto é, quem na lide está em posição contrária ao cedente ou transmitente ou ao adquirente ou cessionário, daí o disposto no citado artigo 356º, n.º 1, al. a) do CPC.
Cremos ser essa a situação do processo, na medida em que quer a cronologia dos factos – elaboração do projecto de cisão e sua concretização – quer parte da sua motivação (com expressa referência à pendência destes autos) evidenciam uma intenção clara da 1ª requerente em tornar mais difícil a posição dos autores na causa principal, o que nos leva a concluir pela improcedência do incidente.
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Decisão:
Pelo exposto, julgo improcedente a habilitação deduzida e não admito a substituição processual, nos autos principais, da requerente, Farmácia A..., Lda. pela Farmácia B..., LDA Lda.
Custas pela requerente por ter ficado vencida (artigo 527º, n.º 1 do CPC) Valor do incidente: o da acção (304º do CPC)
Registe e notifique. » (sic).
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Inconformada com a predita decisão veio “Farmácia A..., Lda.”, Requerente no âmbito do presente apenso interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
A apelante com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES,
1. A SENTENÇA ENCONTRA-SE FERIDA DE NULIDADE, O QUE DEVE SER DECLARADO, NOS TERMOS DA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA POR PARTE DA MERITÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA A QUO, DADO QUE, EM MOMENTO ALGUM, SE VISLUMBRA NO CORPO DA SENTENÇA QUALQUER REFERÊNCIA À EXTENSA ARGUMENTAÇÃO SUBMETIDA PELA RECORRENTE NA SUA RESPOSTA À CONTESTAÇÃO.
2. A CRONOLOGIA DOS FACTOS – ELABORAÇÃO DO PROJETO DE CISÃO E SUA CONCRETIZAÇÃO – QUER PARTE DA SUA MOTIVAÇÃO (COM EXPRESSA REFERÊNCIA À PENDÊNCIA DESTES AUTOS) NÃO EVIDENCIAM UMA INTENÇÃO CLARA DA RECORRENTE EM TORNAR MAIS DIFÍCIL A POSIÇÃO DOS RECORRIDOS NA CAUSA PRINCIPAL, BEM PELO CONTRÁRIO, POIS QUE DEU-SE A DEVIDA PUBLICIDADE DE QUE SE CONHECIA, NA SEQUÊNCIA DA COMUNICAÇÃO PELA CONTRAPARTE, DA ENTRADA EM JUÍZO (E APENAS ISSO!!) DE UM QUALQUER PROCESSO JUDICIAL QUE DERA ENTRADA EM JUÍZO, O QUE, E BEM, CONSTOU SEMPRE DO PROJETO DE CISÃO, DEVIDAMENTE MOTIVADO E FUNDAMENTADO – PELO QUE, A MERITÍSSIMA SENHORA JUÍZA A QUO, AO DECIDIR PELA IMPROCEDÊNCIA DA REQUERIDA HABILITAÇÃO, COM BASE NA CRONOLOGIA DOS FACTOS (ENTENDA-SE UNICAMENTE “CONHECIMENTO DE ENTRADA EM JUÍZO DE AÇÃO”) – NESTES TERMOS A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA VIOLA O N.º 2 DO ARTIGO 263º DO CPC, NA MEDIDA EM QUE A HABILITAÇÃO NÃO DEVERIA TER SIDO RECUSADA, PORQUE NÃO OCORREU FACTUALIDADE QUE COLOQUE OS RECORRIDOS NUMA POSIÇÃO PROCESSUAL MAIS DIFÍCIL.
3. A CRONOLOGIA DOS FACTOS – O CONHECIMENTO DA ENTRADA EM JUÍZO DE UM QUALQUER PROCESSO JUDICIAL ERA DO DOMÍNIO PÚBLICO E FOI MOTIVADO PELA PARTE CONTRÁRIA, NÃO SE PODENDO CONCLUIR, PELA MERA REFERÊNCIA AO PROCESSO JUDICIAL PRINCIPAL NO TEXTO DO PROJETO DE CISÃO, QUE A REQUERENTE “CONHECESSE” A AÇÃO JUDICIAL (CAUSA DE PEDIR, PEDIDO, MEIOS DE PROVA, ETC.)
AQUANDO DA ELABORAÇÃO DA MESMA, JÁ QUE O CONHECIMENTO DA AÇÃO (POR OPOSIÇÃO AO CONHECIMENTO DA ENTRADA EM JUÍZO DA AÇÃO) SÓ OCORREU AQUANDO DA CITAÇÃO, NOS TERMOS DO N.º 1 DO ARTIGO 219.º DO CPC, QUE OCORREU EM DATA POSTERIOR (29.03.2022) À DATA DE ELABORAÇÃO DO PROJETO DE CISÃO (28.03.2022) PELO QUE NÃO É ACEITÁVEL A TESE DE QUE A REQUERENTE TENHA TIDO A INTENÇÃO DE TORNAR MAIS DIFÍCIL A POSIÇÃO DOS REQUERIDOS NUMA AÇÃO QUE NÃO CONHECIA.
4. O PROJETO DE CISÃO – A MERITÍSSIMA SENHORA JUÍZA A QUO DESVALORIZA OS DOZE OBJETIVOS DEVIDAMENTE E TRANSPARENTEMENTE ELENCADOS NO PROJETO DE CISÃO E QUE EXPLICAM DETALHADAMENTE OS OBJETIVOS DA MESMA, SEM QUE SE FAÇA QUALQUER REFERÊNCIA AO PRESENTE PROCESSO JUDICIAL, POIS QUE, NENHUM IMPACTO SOBRE A O PROCESSO JUDICIAL FOI VISADO PELA PRETENDIDA CISÃO (E ORA, SUBSEQUENTE REQUERIDA HABILITAÇÃO) … PELO QUE, A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA VIOLA O N.º 2 DO ARTIGO 263.º DO CPC, DADO QUE OS OBJETIVOS DA CISÃO ESTÃO DEVIDAMENTE EXPLANADOS E PUBLICITADOS, NÃO PASSANDO NATURALMENTE POR DIFICULTAR A POSIÇÃO DOS RECORRIDOS NA PRESENTE LIDE, PELO QUE, NÃO DEVERIA TER SIDO RECUSADA A HABILITAÇÃO REQUERIDA … COM O ÚNICO FUNDAMENTO LEGAL DE RECUSA PREVISTO NAQUELA ESPECÍFICA NORMA!
5. O PROJETO DE CISÃO – A REFERÊNCIA AO PROCESSO JUDICIAL NO TEXTO DO PROJETO DE CISÃO DECORREU DA OBRIGAÇÃO LEGAL PREVISTA NO ARTIGO 119.º DO CSC DE ASSEGURAR A INTEGRALIDADE DO PROJETO DE CISÃO PELA INCLUSÃO DE TODOS OS ELEMENTOS NECESSÁRIOS OU CONVENIENTES PARA O PERFEITO CONHECIMENTO DA OPERAÇÃO VISADA, TANTO NO ASPETO JURÍDICO COMO NO ASPETO ECONÓMICO, E EVITAR A NECESSIDADE DE REPETIR A ELABORAÇÃO DE NOVO PROJETO DE CISÃO POR OCORRÊNCIA DE MUDANÇA RELEVANTE, POR FORÇA DOS N.º 1 E N.º 2 DO ARTIGO 102.º, APLICÁVEIS EX VI ARTIGO 120.º, AMBOS DO CSC.
6. A PESSOALIDADE DOS FACTOS – ESTE ARGUMENTO CORRESPONDE A UM EXCESSO DE PRONÚNCIA POR PARTE DA MERITÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA A QUO, DADO QUE, EM MOMENTO ALGUM, OS RECORRIDOS INVOCARAM ESSA QUESTÃO NA SUA CONTESTAÇÃO;
NESTES PRECISOS TERMOS, COM O DEVIDO RESPEITO, QUE É MUITO!,
ENTENDEMOS QUE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA PADECE DE VÍCIO DE NULIDADE, POR VIOLAÇÃO EXPRESSA DO N.º 2 DO ARTIGO 608.º DO CPC, OCORRENDO ASSIM A NULIDADE PROCESSUALMENTE PREVISTA NA ALÍNEA D) DO N.º 2 DO ARTIGO 615.º DO CPC; ASSIM, DEVE SER DECLARADA A REFERIDA NULIDADE, E POR ESSA VIA, IMPROCEDER O ARGUMENTO DE QUE A PESSOALIDADE DOS FACTOS COM A HABILITAÇÃO REQUERIDA, TORNA MAIS DIFÍCIL A POSIÇÃO PROCESSUAL DOS RECORRIDOS.
7. A PESSOALIDADE DOS FACTOS – CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEMPRE SE DIRÁ QUE A PESSOALIDADE DOS FACTOS, COM A HABILITAÇÃO REQUERIDA, NÃO TORNARÁ A POSIÇÃO PROCESSUAL DOS RECORRIDOS MAIS DIFÍCIL, DADO QUE, ESTES MANTERÃO TODOS OS MEIOS DE PROVA PREVISTOS NA LEI PARA PODEREM “CHAMAR” A ORA RECORRENTE A PRESTAR QUAISQUER INFORMAÇÕES, DECLARAÇÕES, TESTEMUNHOS, DOCUMENTOS… !
8. A ASSUNÇÃO DE DÍVIDA – ESTE ARGUMENTO CORRESPONDE A UM EXCESSO DE PRONÚNCIA POR PARTE DA MERITÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA A QUO, DADO QUE, EM MOMENTO ALGUM OS RECORRIDOS INVOCARAM ESSA QUESTÃO NA SUA CONTESTAÇÃO;
NESTES PRECISOS TERMOS, COM O DEVIDO RESPEITO, QUE É MUITO!, ENTENDEMOS QUE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA PADECE DE VÍCIO DE NULIDADE, POR VIOLAÇÃO EXPRESSA DO N.º2 DO ARTIGO 608.º DO CPC, OCORRENDO ASSIM A NULIDADE PROCESSUALMENTE PREVISTA NA ALÍNEA D) DO N.º 2 DO ARTIGO 615.º DO CPC; ASSIM, DEVE SER DECLARADA A REFERIDA NULIDADE, E POR ESSA VIA, IMPROCEDER O ARGUMENTO DE QUE A ASSUNÇÃO DA DÍVIDA CORRELACIONADA COM A HABILITAÇÃO REQUERIDA TORNA MAIS DIFÍCIL A POSIÇÃO PROCESSUAL DOS RECORRIDOS.
9. A ASSUNÇÃO DE DÍVIDA – CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEMPRE SE DIRÁ QUE AS OBRIGAÇÕES EMERGENTES DO CONTRATO INTITULADO “ASSUNÇÃO DE DÍVIDA E EXONERAÇÃO DE RESPONSABILIDADES” SE ENCONTRAM DEVIDAMENTE ACAUTELADAS NO ÂMBITO DA CISÃO OPERADA, JÁ QUE, NOS TERMOS DO COMPLEXO CONTRATUAL, A RATIFICAÇÃO POR PARTE DOS CREDORES RELEVANTES DEVE SER APRESENTADA AOS REQUERIDOS AQUANDO DO EFETIVO TRESPASSE DA FARMÁCIA, PELO QUE A ASSUNÇÃO DAQUELAS DÍVIDAS NÃO FICOU MAIS DIFÍCIL, NEM TORNOU A POSIÇÃO PROCESSUAL DOS RECORRIDOS MAIS DIFÍCIL, JÁ QUE A MESMA É AINDA PASSÍVEL DE REALIZAÇÃO.
10. A ASSUNÇÃO DE DÍVIDA – ADEMAIS, AS OBRIGAÇÕES EMERGENTES DO CONTRATO INTITULADO “ASSUNÇÃO DE DÍVIDA E EXONERAÇÃO DE RESPONSABILIDADES”, TRANSMITIDAS PELA CISÃO, CORRESPONDEM À CHAMADA PROMESSA DE LIBERAÇÃO/ASSUNÇÃO DE CUMPRIMENTO, TENDO A NOVA SOCIEDADE A HABILITAR SUCEDIDO À REQUERENTE NA OBRIGAÇÃO, PERANTE OS RECORRIDOS, DE OS LIBERAR DO ACERVO DE DÍVIDAS EM SEDE DE PAGAMENTO DO PREÇO DE UM TRESPASSE QUE LHE É PROMETIDO; PELO QUE A PROTEÇÃO DOS RECORRIDOS É DEVIDAMENTE ASSEGURADA POR VIA DA HABILITAÇÃO DA NOVA SOCIEDADE PARA QUE ESTA ASSUMA A POSIÇÃO DE RECONVINTE DA EXECUÇÃO ESPECÍFICA DO CONTRATO DE PROMESSA DE TRESPASSE, NO CONTEXTO DA QUAL A OBRIGAÇÃO DE EXONERAÇÃO DAS DÍVIDAS DEVERÁ SER CUMPRIDA.
11. O PROCESSO DE CISÃO QUE MOTIVA A PRESENTE HABILITAÇÃO DECORREU DE FORMA PÚBLICA, TENDO OS REQUERIDOS OPTADO POR NÃO FAZER QUALQUER USO DOS DIREITOS DE CONSULTA DE DOCUMENTAÇÃO (ARTIGO 101.º DO CSC) E DE OPOSIÇÃO À CISÃO (ARTIGO 101.º-A DO CSC) QUE LHES ERAM CONFERIDOS, TENDO-SE CONFORMADO COM A INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER PREJUÍZOS OU DIFICULDADES GERADAS SOBRE OS RECORRIDOS PELA CISÃO, NOMEADAMENTE NO CONTEXTO DO PRESENTE PROCESSO JUDICIAL.
12. CONCLUINDO, INEXISTE MATÉRIA DE FACTO, DE DIREITO E ARGUMENTAÇÃO VÁLIDA PARA RECUSAR A PRETENDIDA HABILITAÇÃO, NOMEADAMENTE, NÃO SE PREENCHE A ÚNICA SITUAÇÃO LEGALMENTE PREVISTA PARA A IMPROCEDÊNCIA DA REQUERIDA HABILITAÇÃO, POR ALEGADAMENTE (E NÃO MAIS DO QUE ISSO!!) OS RECORRIDOS FIQUEM NUMA POSIÇÃO MAIS DIFÍCIL NOS PRESENTES AUTOS … E TENHA SIDO ESSA A INTENÇÃO DA RECORRENTE COM A REQUERIDA HABILITAÇÃO!
NESTES TERMOS, E JULGANDO O PRESENTE RECURSO PROCEDENTE, V. EX.CIAS REVOGARÃO A DOUTA SENTENÇA ORA RECORRIDA, E PROFERIRÃO DOUTO ACÓRDÃO QUE JULGUE PROCEDENTE A REQUERIDA HABILITAÇÃO POR SE CUMPRIREM OS REQUISITOS LEGAIS PARA O EFEITO, COMO É DE … JUSTIÇA E DE DIREITO!..»
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Os requeridos juntaram contra-alegações pugnando em resumo pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência do recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões: «… II. CONCLUSÕES:
1. O projeto de cisão foi elaborado em 28 de março de 2022. Vide facto provado 10 da douta sentença.
2. No projeto de cisão é referida a pendência da presente ação judicial instaurada pelos aqui Requeridos contra a Requerente e contra CC, DD e EE, na qualidade de herdeiros de FF.
3. Resulta do teor do projeto de decisão, nomeadamente nas secções “2.1.2.1. Motivos setoriais”,
2.1.2.2. (Motivos Operacionais), 2.1.2.3. (Motivos Económicos) e, em particular, na secção 2.1.2.4 (Motivos Estruturais) que a motivação da cisão é a pendência da ação judicial instaurada pelos aqui Requeridos e o litígio com estes. Vide factos provados 18.º a 21.º da douta sentença.
4. A cronologia dos factos demonstra que, efetivamente, o objetivo da cisão é tornar mais difícil a posição dos Autores na causa principal.
5. A presente ação judicial deu entrada em juízo em 24 de março de 2022, tendo o projeto de cisão sido elaborado 4 dias depois, em 28 de março de 2022.
6. A Requerida foi citada para contestar a ação a que faz referência no projeto de cisão em 29 de março de 2022, ou seja, 1 dia depois.
7. A Requerida deu entrada da sua contestação em 17 de maio de 2022.
8. Contudo, 5 dias antes, em concreto no dia 11 de maio de 2022, o mandatário da aqui Requerida juntou procuração ao processo, passando aceder eletronicamente ao mesmo a partir dessa data.
9. Quando a Requerida juntou procuração aos autos e contestou, já tinha sido supostamente elaborado o projeto de cisão.
10. Nessa data, já tinha sido outorgada a escritura de cisão junta com o requerimento inicial e já tinha foi apresentado o registo - 5 de maio de 2022.
11. Quer a ata da deliberação da cisão, quer a respetiva escritura pública, foram outorgados em 3 de maio de 2022, ou seja, 15 dias antes da Ré apresentar a sua contestação em juízo.
12. Tendo a sociedade “Farmácia B..., LDA” sido constituída em 5 de maio de 2022.
13. A Requerida, no prazo de 30 dias que lhe foi concedido para apresentar contestação, fabricou o projeto de cisão, deliberou e outorgou a escritura respetiva e constituiu outra sociedade. E, só depois de concretizar todas as operações, é que submeteu a contestação. Sendo que nada disse a esse respeito na sua contestação.
14. De acordo com a documentação junta aos autos pela Requerente, estamos perante uma cisão simples, inadmissível por verificação da hipótese legal prevista no artigo 123.º, n.º 1, alínea a) do CSC.
15. A nova sociedade que foi constituída, “Farmácia B..., LDA”, tem o capital social de apenas € 110,10 e não tem quaisquer reservas legais. Vide facto provado 22 da douta sentença.
16. Esta nova sociedade, aquando da constituição, em 5 de maio de 2022, tinha o capital social dividido em 2 quotas, com o valor nominal de €100,00 e 10,10, pertencentes às sócias “D..., Unipessoal, Lda.” GG, respetivamente. Vide facto provado 22 da douta sentença.
17. Em 27 de maio de 2022, ou seja, dias depois da constituição da nova sociedade, as referidas sócias declararam ceder as mencionadas quotas a E..., Unipessoal, Lda. e a EE, Réu na presente ação. Vide facto provado 23 da douta sentença.
18. Nessa data, a referida GG renunciou à gerência, tendo sido nomeados gerentes EE e HH. Vide facto provado 24 da douta sentença.
19. Por sua vez, a sociedade E..., Unipessoal, Lda. tem como único sócio e gerente o referido Réu, EE. Vide facto provado 25 da douta sentença.
20. A cisão foi, na verdade, um negócio jurídico simulado, celebrado com o intuito de prejudicar os Requeridos, com vista a tornar mais difícil a sua posição no processo.
21. Em caso de procedência da ação, a Requerida não tem património para pagar o que quer que seja.
22. Estamos perante o disposto no citado artigo 356º, n.º 1, al. a) do CPC, na medida em que quer a cronologia dos factos – elaboração do projeto de cisão e sua concretização – quer parte da sua motivação (com expressa referência à pendência destes autos) evidenciam uma intenção clara da 1ª Requerente em tornar mais difícil a posição dos Autores na causa principal.
Termos em que se deve manter a douta sentença…».
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, e atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas, resulta que as questões a analisar são:

A- Nulidade da sentença
B- Determinar se estão reunidos os pressupostos legais para ser decretado o incidente de habilitação de cessionário nos termos do art. 356º, n.º 1, do CPC.


Após os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos a ter em conta, são os enunciados no relatório que antecede e constam da decisão recorrida, acima transcrita, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.
A matéria de facto a ter em conta é o elenco factual que foi fixado pelo tribunal recorrido, dado que não foi impugnada a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, dando-se aqui por integralmente reproduzida essa factualidade.
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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

A- Nulidade

Os apelantes invocam que perante a contestação vieram apresentar resposta à contestação, datada de 04.01.2023, onde exerceram o contraditório, tendo invocado a factualidade subjacente à Cisão realizada e procedendo à leitura atenta do Projeto de Cisão por forma a concluir que os requeridos não alegaram qualquer facto que evidenciasse a criação de prejuízo, ou dificuldade da sua posição, quer processual, quer substantivamente e que não ficou evidenciada que a Cisão tenha tido por finalidade criar embaraço aos Requeridos na sua defesa.
Referem que na decisão recorrida não se vislumbra, qualquer referência à extensa argumentação submetida pela Recorrente na sua Resposta à Contestação, sendo que tal se traduziria em nulidade dado que o tribunal não respeitou a imposição lega de se pronunciar sobre todas as questões que deveria conhecer.

E que tal circunstância corresponde, assim, a uma omissão de pronúncia , que infirma a Sentença de nulidade, nos termos do disposto no n.º 2 do Artigo 608.º e da alínea d) do n.º 1 do Artigo 615.º, ambos do CPC.
Por outro lado, e ainda no segmento da nulidade sentença, o apelante alega que quanto ao terceiro argumento levantado pelo tribunal para julgar improcedente o incidente, consubstanciado em se discutirem nos autos principais reuniões/negociações/incumprimentos contratuais (por ambas as partes) factos em relação aos quais a nova sociedade é totalmente alheia e não poderá contribuir para o apuramento dos factos pela simples razão de não ter tido qualquer intervenção na negociação, elaboração e outorga dos 4 contratos, o que constituiu uma notória dificuldade probatória para os autores.” . Que se trata de factualidade não alegada nos articulados nem na contestação e que esse argumento seria um excesso de pronúncia por parte da Meritíssima Senhora Doutora Juíza, que infirma a Sentença de nulidade. nos termos do disposto no n.º 2 do Artigo 608.º e da alínea d) do n.º 1 do Artigo 615.º, ambos do CPC.
Por fim, e ainda no segmento da nulidade da sentença, alega-se existir igualmente excesso de pronuncia quanto ao último argumento levantado pela Meritíssima Senhora Doutora Juíza: “Devemos ainda ter presente que estamos perante quatro contratos, em litígio, conexionados entre si e que a 1ª ré promove a cisão quando sabe que foi instaurada a acção judicial. Do complexo contratual faz parte um contrato de assunção de dívida, contrato pessoal, do qual consta que os 1º outorgantes declararam aceitar que essa assunção fosse assumida por terceiro (contrato junto com o processo principal), condicionada, por sua vez à aceitação dos credores. Por via da cisão não se opera a assunção da dívida pela nova sociedade sem que os credores também aceitem essa substituição (veja- se a cláusula segunda desse contrato) – artigo 595º do C. Civil –, matéria sobre a qual a requerente nada alega. Constituindo os 4 contratos uma unidade, também por essa via a cisão operada pela 1ª ré traduzir-se-ia na fragilização da posição e dos pedidos formulados pelos autores no processo principal.”
Referem que este argumento associado ao Contrato de Assunção de Dívida corresponde a uma questão absolutamente nova no contexto da discussão da presente habilitação, não tendo sido alegado, e nessa medida consideram existir um excesso de pronúncia que infirma a Sentença de nulidade, nos termos do disposto no n.º 2 do Artigo 608.º e da alínea d) do n.º 1 do Artigo 615.º, ambos do CPC.
Nos termos do artigo 615 do CPcivil , a sentença é nula, quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Para outros desenvolvimentos, vide o Ac da RC de 06-11-2012 , disponível ma base de dados da DGSI:« Sumário: I – Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).”.
No caso o apelante invocou a nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia quanto aos fundamentos invocados na resposta á contestação.

A decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, quer no caso de deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, dado que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigo 608º, nº2 do CPCivil). O tribunal só tem de conhecer as questões em sentido técnico ou os temas que integram o objecto do processo, nomeadamente dos pedidos e da causa de pedir ou das excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
As questões não se confundem com os argumentos ou as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa do seu entendimento, sendo que que não constituem questões no sentido do art. 615º nº1, al.d), do C.P.Civil.
Assim, fazendo uma leitura da sentença verifica-se que a mesma fixou a matéria tida por provada, e referiu o enquadramento jurídico quanto ao incidente, não tendo que versar sobre todos os argumentos invocados.
Verifica-se que a sentença analisou todas as questões suscitadas pelas partes e pronunciou-se sobre as mesmas, não tendo de analisar todos os fundamentos invocados (nomeadamente não tendo de analisar todos os argumentos invocados na resposta á contestação).
Assim, verifica-se que a sentença não padece de qualquer nulidade por omissão de pronuncia
Por outro lado, igualmente verifica-se que a sentença igualmente não padece de nulidade por excesso de pronuncia, porque os dois aspectos referidos pelos apelantes (pessoalidade e a assunção de dívida) não se traduzem em questões não invocadas, mas sim traduzem-se em meros argumentos jurídicos que o tribunal recorrido teve em conta face ao enquadramento ou á qualificação jurídica que realizou. O tribunal poderá realizar a qualificação jurídica tida por pertinente não estando limitado á apresentada pelas partes, e nessa medida não existiu nenhum excesso de pronuncia.
Pelo exposto, julga-se integralmente improcedentes as invocadas nulidades, não padecendo a sentença recorrida de nenhuma nulidade.
Questão diversa, e tal contende com a decisão de mérito, é analisar sobre a pertinência da fundamentação jurídica quanto á decisão.
*

B- Decisão de mérito

Cumpre agora entrar na apreciação da fundamentação de direito da sentença, no sentido de se analisar se existiu erro na decisão de mérito e se o incidente de habilitação deverá ser julgado procedente.

Vigora nosso ordenamento jurídico o princípio da estabilidade da instância que estabelece que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei. (artº. 265º do CPC).
Como exceção a essa regra prevê-se a possibilidade de a instância se modificar quanto às pessoas (modificação subjetiva), nomeadamente em consequência de substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio ( artº. 262º al. a)).
Em caso de transmissão da coisa ou do direito em litígio, essa transmissão, por ato inter vivos, nunca opera a suspensão da instância, continuando o transmitente a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo. Por outro lado, se não for deduzido o incidente de habilitação do adquirente ou do cessionário, ainda que o adquirente ou cessionário não intervenha no processo, a sentença que nele venha a ser proferida produz efeitos jurídicos quanto àquele, operando, desde logo, o efeito do caso julgado, exceto no caso de se tratar de ação sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação, exceção esta que apenas tem em vista acautelar os efeitos do registo.
O artigo 356º do CPcivil prevê sobre a habilitação do adquirente ou do cessionário da coisa ou do direito em litígio para com um ou outro prosseguir a causa, sendo que a expressão adquirente pretende designar o terceiro para quem a coisa objecto de litígio foi transmitida e a expressão cessionário o terceiro para quem o direito do autor foi transmitido.
Tal como ensina Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, pág. 239, este artigo tem de se ligar ao artigo 262 do CPC, segundo o qual a instância pode modificar-se quanto às pessoas em consequência da substituição de alguma das partes, por acto entre vivos, na relação substantiva em litígio.
Como é sabido se for o cedente ou o transmitente a requerer a habilitação do cessionário ou do transmissário da coisa litigiosa, deve invocar o título de causa de pedir, os factos, a cessão, e pedir que o cessionário ou o transmitente, conforme o caso, seja habilitado para em seu substituto continuar a causa principal.
Trata-se de uma substituição facultativa porque o transmitente por acto entre vivos do direito litigioso continua a ter legitimidade para a causa, sendo que a parte contrária é aquela a quem um deles opõe o correspondente negócio, autor ou réu conforme os casos.
Conforme ensina Salvador da Costa, obra citada, pág. 270, a contestação está limitada ao referido núcleo de factos relativo á validade formal ou material do acto de cessão, ou á circunstância de ele apenas visar dificultar a posição do contestante na causa principal (neste caso é preciso alegar e demonstrar que a transmissão foi feita para obter o resultado de dificultar a defesa, tendo obedecido a um propósito malicioso). Pode o contestante invocar que a transmissão enferma de nulidade e subsidiariamente que visou tornar-lhe mais difícil a sua posição processual.
Igualmente neste sentido quanto á possibilidade de a defesa invocar este dois fundamentos, vide, Eurico Lopes- Cardoso, in Manual dos Incidentes da Instância, pág. 304 e 305.
Portanto, existindo contestação com os fundamentos acima referidos, após resposta do requerente e produzida as provas, será proferida a decisão, em que o juiz apenas pode julgar improcedente a habilitação, com um ou ambos desses enunciados fundamentos, sem prejuízo de se encontrar obrigado a conhecer oficiosamente dos fundamentos de nulidade do ato de transmissão (art. 356º, n.º 1, al. b), parte final, do CPC). Caso, não haja contestação, o tribunal encontra-se sempre obrigado a conhecer oficiosamente dos fundamentos de nulidade desse ato, mas já não lhe é permitido o conhecimento dos fundamentos de anulabilidade dos mesmos, nem sequer conhecer se este foi praticado com o propósito malicioso de dificultar a posição processual da parte contrária, dado que os preditos fundamentos terão de ser arguidos pelas partes.

Na sentença recorrida o tribunal julgou improcedente o incidente tendo concluído que a nova Sociedade foi criada apenas para dificultar a posição processual dos autores. Tendo concluído nesse sentido devido, por um lado á cronologia dos factos e por outro face ao conteúdo do Projeto de Cisão onde refere que um dos objectivos da criação da nova sociedade é separar as duas farmácias exploradas pela 1ª ré, para permitir que a Farmácia C... (em litígio nos autos principais) possa mais facilmente ser transacionada. E outro objectivo da cisão foi a de libertar a 1ª ré do contencioso que tem com os autores no processo principal.
Por outro lado, a decisão recorrida igualmente para concluir nesse sentido, refere que faz parte do complexo contratual sob discussão nos autos principais um contrato de assunção de dívida, contrato pessoal, do qual consta que os 1º outorgantes declararam aceitar que essa assunção fosse assumida por terceiro, condicionada, por sua vez à aceitação dos credores. Por via da cisão não se opera a assunção da dívida pela nova sociedade sem que os credores também aceitem essa substituição. Considera que constituindo os 4 contratos uma unidade, também por essa via a cisão operada pela 1ª ré traduzir-se-ia na fragilização da posição e dos pedidos formulados pelos autores no processo principal. Por fim, a decisão impugnada indeferiu o incidente tendo considerado que os factos alegados na PI, quer os factos alegados na contestação/reconvenção, apenas fazem sentido no contexto negocial entre os autores e os réus, em concreto a 1ª ré, o que se concluiu do próprio pedido reconvencional, na medida em que são discutidos factos com a intervenção pessoal dos autores e da 1ª ré, pessoalidade de intervenção que não são transmissíveis. Com efeito, discutem-se nos autos principais reuniões/negociações/incumprimentos contratuais (por ambas as partes) factos em relação aos quais a nova sociedade é totalmente alheia e não poderá contribuir para o apuramento dos factos pela simples razão de não ter tido qualquer intervenção na negociação, elaboração e outorga dos 4 contratos, o que constituiu uma notória dificuldade probatória para os autores.

A oposição ao incidente de habilitação do adquirente ou cessionário está limitada ao núcleo de factos relativo à validade formal ou material do acto de cessão ou de transmissão ou à circunstância de ele apenas visar dificultação da posição do contestante na causa principal, sendo que no caso está em causa a análise sobre se a cisão visou dificultar a posição dos requeridos na causa.
Conforme refere Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol. I, pág. 605/606: “A parte contrária pode opor-se com dois fundamentos ou um deles: 1.º Ser nula a cessão ou transmissão, quer pelo seu objeto, quer pela qualidade das pessoas que nela intervieram; 2.º Ter a transmissão ou cessão sido feita para tornar mais difícil a sua posição no processo. E acrescenta: “se pode opor-se com fundamento de ser nula a transmissão, é claro que também pode opor-se com o fundamento de que não houve transmissão legal.”. No que respeita à oposição fundada no propósito de tornar mais difícil a posição da parte contrária, reveste o aspecto duma questão de facto, para cuja resolução pode haver necessidade de recolher provas.
A lei determina que a substituição ou a habilitação deve ser recusada quando se entender que a transmissão foi feita para tornar mais difícil no processo, a posição da parte contrária, mas não basta demonstrar que, em consequência da substituição, se agravará a posição da parte contrária, por ter de defrontar um adversário mais forte que o adquirente; é indispensável que se apure ter a transmissão sido feita para se obter esse resultado. Quer dizer, é necessário que o juiz adquira a convicção de que a transmissão obedeceu a um propósito malicioso: o de criar embaraço ao adversário de fazê-lo sucumbir”.
No caso em concreto, é alegado pela requerida que a presente transmissão é nula, por ter sido simulada e que a mesma foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.

Verifica-se que os requeridos na sua contestação quanto á invocada simulação ou a existência de um negócio simulado, e que o mesmo teria sido celebrado com a intenção de os prejudicar ou tornar a sua defesa mais difícil no processo, em nosso entender limitam-se a apresentar meros juízos conclusivos e valorativos, mormente quanto à existência de um negócio simulado.
Por outras palavras, considera-se que não foram alegados factos concretos ou sequer indiciários que pudessem demonstrar a alegada simulação, ou intenção de prejudicar a defesa, e igualmente não foi requerida a produção de prova para além da documental.
No que diz respeito á alegação de que existiria simulação verifica-se que documento atinente á cisão é um documento autêntico, que faz prova plena quanto às declarações nele exaradas (cfr. artigos 369.º, n.º 1, 370.º e 371.º do Código Civil), sendo que a sua força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (artigo 372.º do Código Civil).
Não tendo sido deduzido nenhum incidente a mera invocação de ser um negócio simulado não coloca em causa a força probatória desse documento e nessa medida essa alegação não obsta á habilitação, sendo manifestamente improcedente esta excepção.
Por outro lado, os requeridos invocam que a transmissão foi feita para tornar a sua posição mais difícil no processo, sendo que igualmente se considera que essa alegação é meramente conclusiva, e nem existe pedido de produção de meios de prova.
Quanto ao fundamento invocado na sentença, relativo á cronologia dos acontecimentos como demonstrativo de que a transmissão visou prejudicar a posição dos requeridos, consideramos que o mesmo é colocado em causa porque aquando da elaboração do projecto de Cisão a requerente apenas sabia que tinha sido instaurada contra si uma acção, mas não sabia do teor dessa acção porque só foi citada no dia 29-3-2022 (atento o aviso de recepção de citação) e o projecto foi elaborado a 28/3/2022.
E o conhecimento da mera pendência de uma acção sem se saber do teor da sua causa de pedir e pedido não permite concluir, como na sentença recorrida, que a cisão visou prejudicar a defesa da parte contrária nessa acção.
Não basta demonstrar que, em consequência da substituição, se agravará a posição da parte contrária, é indispensável que se apure ter a transmissão sido feita para se obter esse resultado, isto é, é necessário que o juiz adquira a convicção de que a transmissão obedeceu a um propósito malicioso: o de criar embaraços ao adversário e fazê-lo sucumbir.
Ora, no caso em análise, a alegação dos requeridos, não atingiu um grau de concretização factual que possa levar a formar-se convicção no sentido exigido pela lei.
Por outras palavras, o invocado na oposição ao incidente quanto á cronologia dos actos e a simulação não tem densidade factual para se concluir que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.
Igualmente considera-se improcedente o argumento da sentença de que a mera referência da pendência da acçaõ no projecto de cisão que permite concluir que se visou prejudicar a defesa da parte contraria.
Por um lado, verifica-se que no projecto de cisão constam 12 objectivos e nenhum dos mesmos contende com a pretensão de libertar a 1ª ré do contencioso que tem com os autores.
Por outro lado, o projecto de Cisão faz 3 referências expressas à ação judicial principal instaurada pelos Requeridos contra a Requerente:a). na página 8 (oito), no âmbito da secção 2.1.2.2 (Motivos Operacionais); b). na página 13 (treze), no âmbito da secção 2.1.2.4 (Motivos Estruturais); e c). na página 17 (dezassete), no âmbito da secção 2.4 (Lista dos Ativos e dos Passivos a Transmitir para a Nova Sociedade e Respetivos Valores que lhes são Atribuídos).
Mas a mera referência no projecto ao processo judicial, não demonstram por si só que o projecto de cisão teve como única motivação o litígio com os aqui Requeridos e visou prejudicar a sua defesa.
Quanto ao fundamento referido na sentença recorrida de que haveria uma dificuldade probatória acrescida para os autores devido a no objecto do processo se discutirem reuniões/negociações/incumprimentos contratuais que teriam natureza pessoal e aos quais a nova sociedade é totalmente alheia, consideramos que o mesmo não impede a procedência do incidente porque as partes podem requerer os meios de prova tidos por adequados a demonstrar a factualidade atinente.
Por fim, analisando o último fundamento versado na sentença recorrida que refere que constituindo os 4 contratos uma unidade, e estando em causa um contrato de assunção de divida , a cisão operada pela 1ª ré traduzir-se-ia na fragilização da posição e dos pedidos formulados pelos autores no processo principal, verifica-se que se trata de uma mera conclusão que não demonstra que a cisão tenha sido realizada para prejudicar os autores.

Acresce que, nos casos de cisão simples de uma sociedade comercial (nos termos permitidos pelos arts. 118º nº 1 al. a), 122º e 123º do CSC), aquela cisão não determina a extinção da sociedade cindida e dela resulta um regime de solidariedade activa entre ambas as sociedades (a cindida e a nova/beneficiária).
Assim, consideramos que não se pode concluir que se encontre preenchido o fundamento enunciado na parte final do n.º 1, alínea a), do artigo 356.º do CPC, impeditivo da procedência do incidente de habilitação.
Conclui-se, assim, pela procedência do incidente de habilitação, nada obstando a que se admita a requerida substituição processual.»
***
V- DISPOSITIVO

Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e revoga-se em consequência a sentença recorrida, considerando-se procedente o incidente de habilitação deduzido devendo a Farmácia B..., LDA, Ld.ª ser habilitada para, no processo principal, assumir a posição de Ré e Reconvinte no lugar da aqui Requerente/Ré Farmácia A..., Lda.

Custas a cargo dos apelados.

Notifique-se.


Porto, 11/1/2024
Ana Vieira
Isabel Rebelo Ferreira
Ernesto Nascimento