Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
251/14.0T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO
DISCREPÂNCIA DE ÁREAS
SINAL
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Nº do Documento: RP20151019251/14.0T8PNF.P1
Data do Acordão: 10/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Só por si, ou seja, sem algo mais ter sido alegado, a discrepância de área de um imóvel, discrepância entre a área prometida vender e a área real, não conduz à resolução do contrato, por incumprimento do promitente vendedor, mas dá lugar à aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 888 do CC, por força do princípio da equiparação, consagrado no n.º 1 do artigo 410 do mesmo diploma.
II – Existindo sinal e nada se alegando capaz de ilidir a presunção contida no n.º 2 do artigo 830 do CC, a possibilidade de execução específica encontra-se imediatamente afastada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário (da responsabilidade do relator): 1 – Só por si, ou seja, sem algo mais ter sido alegado, a discrepância de área de um imóvel, discrepância entre a área prometida vender e a área real, não conduz à resolução do contrato, por incumprimento do promitente vendedor, mas dá lugar à aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 888 do CC, por força do princípio da equiparação, consagrado no n.º 1 do artigo 410 do mesmo diploma. 2 – Existindo sinal e nada se alegando capaz de ilidir a presunção contida no n.º 2 do artigo 830 do CC, a possibilidade de execução específica encontra-se imediatamente afastada.

Processo 251/14.0T8PNF.P1

Recorrente – B…
Recorridos – C… e D…

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Carlos Querido.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 – Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância:
B… instaurou contra C… e D… a presente ação e pediu a condenação dos réus “a) em verem declarado o incumprimento contratual por banda deles do contrato promessa de compra e venda invocado nos autos, e consequente revogação do mesmo; b) no pagamento ao autor da quantia global de €90.000,00, acrescida dos juros de mora contados desde a citação deles, à taxa legal e até efetivo pagamento, a título de devolução em dobro do sinal prestado destes autos. Caso assim se não entenda, subsidiariamente, c) em verem proferida Sentença Judicial que decrete a transmissão para o autor da propriedade plena do prédio identificado no artigo 1.º da petição, livre de ónus ou encargos, e devoluto de pessoas e coisas, com efetiva e definitiva entrega do mesmo ao autor; d) caso a extinção da hipoteca mencionada no artigo 5.º da petição não preceder ou não coincidir com a transmissão, sejam também os réus condenados na entrega ao autor da quantia de €128.780,00 e da quantia de juros moratórios contratuais vencidos e vincendos e até integral pagamento, para efeitos de expurgação da mesma hipoteca; e) com a consequente anulação e cancelamento de todos os registos prediais efectuados e que se revelem incompatíveis com a procedência deste pedido, mormente de hipoteca ou outros ónus, averbando-se a favor do autor a inscrição de propriedade”.

O autor, fundamentando as suas pretensões, veio alegar o que ora se sintetiza:
- Em 28.3.2012, os réus prometeram vender ao autor, que prometeu comprar, um prédio misto, composto de casa de rés do chão e andar, em ruína, com eira, logradouros e quintal juntos, com a superfície coberta de 300 m2 e a superfície descoberta de 2.200m2. Contraíram tais mútuas obrigações nos termos do contrato escrito celebrado nos autos n.º 276/10.5TBPNF perante, entre os demais presentes e que constam da Ata, a Juiz Presidente.
- O preço convencionado foi de 200.000,00€, e os réus confessaram ter recebido do autor a quantia de 45.000,00€, a título de sinal e princípio de pagamento. A escritura definitiva era marcada pelo autor até ao dia 29.03.2013, e celebrar-se-ia em data, hora e local de Paredes ou Penafiel a indicar pelo autor.
- Em cumprimento das obrigações referidas, o autor designou para a escritura o dia 28.3.2013, pelas 15H00, no Cartório Notarial de E…, sito em Paredes, do que interpelou os réus. No dia, hora e local designados, compareceram o autor, os réus e ainda a representante do credor hipotecário, munida de um documento com vista ao cancelamento da hipoteca. A notária verificou estarem presentes todos os intervenientes, não havendo motivo, do ponto de vista notarial, para a não realização da escritura.
- A escritura não se realizou por o autor se recusar a outorgá-la, pelo facto de o prédio não ter a área total de dois mil e quinhentos metros quadrados prometida vender, mas sim uma área total inferior a dois mil e cinquenta metros quadrados, o que o autor declarou aos intervenientes. Na circunstância, os réus declararam aos intervenientes que prometeram vender o prédio misto nos termos constantes da referida certidão predial e cadernetas prediais, desconhecendo o alegado pelo promitente comprador. Os réus sempre souberam e sabem que o prédio tem uma área total inferior a dois mil e cinquenta metros quadrados.
- O autor e os réus convencionaram ainda no contrato que, caso os réus incumpram as demais obrigações a que nele se vincularam, ficam obrigados a restituir ao autor a quantia de 45.000,00€.
- O cumprimento pelos réus das suas obrigações foi essencial para o autor celebrar este contrato e com ele pôr fim à ação n.º276/10.5TBPNF.

Citados, os réus vieram contestar (fls. 40 e ss.) e terminaram o seu articulado pretendendo: “a) Deve ser considerada procedente a exceção de caducidade e em consequência serem os Réus absolvidos do pedido. A não se entender assim, b) Deve o Tribunal fixar prazo ao autor para consignar em depósito o remanescente do preço – 145.000,00€ nos termos do 830.º n.º 5 do CC; c) A final deve a ação ser considerada improcedente por não provada e os RR serem absolvidos do pedido, e ainda d) Deve o autor ser condenado como litigante de má-fé em multa a fixar pelo Meritíssimo juiz e em indemnização nunca inferior a 10.000,00 euros (incluindo estes os honorários da mandatária e demais despesas efectuadas e a efetuar no âmbito do presente processo - deslocações, tempo, expediente geral do escritório, taxas de justiça entre outras).” Fundamentando a sua oposição, invocaram a caducidade do direito de ação. Sem prescindir, referem que “o autor prometeu comprar por preço estipulado globalmente, o prédio que conhecia e usou, tendo sido exarado no contrato-promessa de compra e venda ipsis verbis a descrição da Conservatória do Registo Predial respectivo, não estando de modo algum em causa que o prédio prometido vender e comprar não fosse aquele preciso prédio que esta´ delimitado e é conhecido sobejamente pelo autor” e também que o autor sabe que, nos termos da transação, ao “não celebrar a escritura de compra e venda, o acordo ficou resolvido de imediato, e bem assim que a quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento não lhe e´ restituída, perdendo o direito a` mesma”, pois os contestantes compareceram à escritura e cumpriram todas as suas obrigações, decorrentes da transação. Os réus opõem-se igualmente ao pedido subsidiário, defendendo que não pode o “tribunal declarar a execução específica sem o pagamento ou consignado em depósito do preço” e, terminando, invocam a má-fé do demandante.

No prosseguimento dos autos, foi convocada uma audiência prévia (com “as finalidades previstas no art. 591.º, n.º 1, al. a) e b) do CPC), que veio a ter lugar nos termos documentados a fls. 92 e ss. Nessa ocasião, depois de fixado o valor da causa (90.000,00€) e observado o contraditório, foi proferida decisão final, julgando a ação improcedente e absolvendo “os réus dos pedidos principal e subsidiário deduzidos.”

1.2 – Do recurso:
Inconformado, o autor veio apelar. Pretende a revogação da decisão Conclui:
1 - O recurso vem interposto da sentença de 1.ª instância, a qual julgou improcedentes o pedido principal e o pedido subsidiário formulados pelo apelante;
2 - Na factualidade relevante para a decisão, o Tribunal recorrido, como expressamente diz, atendeu unicamente ao alegado nos artigos 1.º a 7.º da petição, mas esqueceu a restante factualidade alegada pelo autor, designadamente aquela do artigo 11.º, o qual diz: “O cumprimento pelos réus das suas obrigações foi essencial para o autor celebrar este contrato e com ele pôr fim à ação n.º 276/10.5TBPNF referida”, sendo certo que este facto não foi impugnado pelos apelados na sua contestação (cf. artigo 53.º da contestação), pelo que deve considerar-se assente;
3 - O promitente vendedor não esta´ vinculado a uma qualquer declaração, outrossim à que é suscetível de integrar o contrato nos exatos termos em que esta´ acordado que este se celebraria;
4 - No caso do imobiliário, constitui elemento essencial do contrato promessa a especificação da coisa (cf. Assento STJ 9/1963 de 15.11.1963), para além da identidade dos sujeitos e o respectivo preço – cf. arts. 410, 441 e 874 do C.C., pelo que a` conduta principal do devedor esta´ ligada - sendo dela incindível - uma outra conduta acessória, qual seja a obrigação de colocar o bem no estado físico em que prometeu vendê-lo;
5 - Destarte, caso o prédio não tivesse, antes da promessa, a área prometida, competia aos apelados praticar os atos necessários a colocar o bem no estado físico, ou seja, com a área prometida vender, sendo certo que eles não dizem ter praticado qualquer ato tendente a colocar o prédio com a área prometida vender, e limitam-se a aceitar que o prédio não tem a área que prometeram vender;
6 - A questão colocada nesta ação consiste na obrigação contraída pelos réus para com o autor em venderem-lhe um prédio com a área que consta do contrato, e não tem a ver com erro na manifestação da vontade negocial de qualquer uma das partes: nem o autor, nem os réus invocam um qualquer erro;
7 - O cumprimento das obrigações dos réus foi essencial para o autor celebrar este concreto contrato, pelo que pode concluir-se que aquela concreta área do prédio prometido, foi essencial para o credor celebrar o contrato, pelo que o incumprimento daquela obrigação, atenta a referida essencialidade reconhecida pelas partes, gera um incumprimento definitivo, conducente a` resolução automática, face ao que dispõe o art. 801 n.º2 do C.C.;
8 - O autor alegou e alinhou na ação todos os factos essenciais da sua causa de pedir, tal como ensina a jurisprudência, com vista ao fim pretendido, qual seja a resolução do contrato por incumprimento definitivo dele por parte dos réus.
9 - Não obstante estarem alinhados todos esses factos essenciais, na sua opinião, o certo é que, caso o tribunal vislumbrasse uma qualquer omissão na alegação de outros factos constitutivos do direito do autor, então deveria cumprir o poder-dever do convite ao aperfeiçoamento, o que não fez;
10 - Contudo, mesmo prosseguindo a tese da sentença, a decisão no caso deveria ser a absolvição da instância, e não do pedido;
11 - Para se obter a sentença a que alude o art. 830 do C.C., a jurisprudência exige, quase que unanimemente, a verificação cumulativa dos requisitos enunciados neste normativo, a saber, (i) que não seja incompatível com a substituição da declaração negocial a natureza da obrigação assumida pela promessa, e (ii) a inexistência de convenção em contrário;
12 - A viabilidade da execução específica ocorre enquanto o credor tiver interesse, objectivamente considerado, na prestação do devedor e em regra, em situações de atraso de cumprimento;
13 - Os réus, tendo convencionado vender ao autor um prédio com a superfície coberta de 300 m2 e a superfície descoberta de 2.200m2 aprontavam-se a vender, no dia da escritura e para a qual foram interpelados, um prédio com a área inferior a dois mil e cinquenta metros quadrados, razão pela qual entraram, no mínimo, em mora;
14 - Não se verifica qualquer fundamento para julgar o pedido subsidiário improcedente.

Os réus responderam ao recurso, tendo concluído: 1 - A sentença é irrepreensível e não merece reparos; 2 - O Despacho que convoca para audiência prévia diz claramente “com as finalidades previstas no art. 591.º, n.º 1, al. a) e b) do CPC”, e é bem claro e compreensível da leitura da al. b) do n.º 1 do artigo 591 que as finalidades ai´ previstas são “facultar às partes a discussão de facto e direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa”; 3 - O tribunal expôs, fundamentadamente, as razões porque tencionava conhecer de imediato do mérito da causa, e deu a possibilidade aos mandatários para, querendo, se pronunciarem quanto a` possibilidade de conhecimento imediato de mérito, quer no que importa ao pedido principal, quer ao pedido subsidiário deduzido, o que ambos fizeram. 4 - Os apelados impugnam expressamente nos artigo 25 a 51 da contestação o alegado no artigo 11 da PI, pelo que não pode nem podia esse facto ser considerado assente e da factualidade apurada não poderia nunca determinar a procedência do pedido. 5 - A especificação do prédio prometido vender consta e esta´ bem definida no contrato-promessa, sendo que os apelados no momento da celebração do contrato definitivo de compra e venda tinham o prédio no estado físico em que prometeram vendê-lo, como era do amplo conhecimento do apelante. 6 - Os apelados adquiriram o prédio no ano 2002, com a exata descrição predial com que prometeram vender ao apelado. 7 - No âmbito do contrato-promessa os réus forneceram ao autor as plantas do prédio aqui em causa para que ele pudesse apresentar o Projeto de Obras na Câmara Municipal …. 8 - Os apelados compraram o prédio e prometeram vendê-lo ao apelante que o conhecia e conhece, nos mesmos precisos e exatos termos das descrição predial e dos limites do prédio. 9 - O apelante não invoca na PI qualquer facto de onde se concluiu haver divergência na área do prédio. 10 - Não invoca qualquer facto de onde se aduza o conhecimento pelos réus da existência de divergências na área do prédio a` data do negócio. 11 - Não invoca qualquer facto de onde se possa concluir que os apelados tinham a obrigação de conhecer, caso houvesse divergência na área do prédio, donde se conclui que os apelados são alheios ao mesmo, estando de boa-fé na relação negocial com o apelado. 12 - Não se alcança do contrato promessa celebrado, nem da PI, que o processo negocial estivesse dependente da área do prédio. 13 – A caracterização da área do prédio não era nem nunca foi condição essencial para a celebração do negócio. 14 – Articulando o pedido e a causa de pedir, o apelante na PI apenas e imediatamente alega, o incumprimento do contrato-promessa, perante uma alegada uma divergência entre a área constante da descrição do objecto mediato da promessa e a área real do imóvel prometido comprar e vender. 14 - O apelante obrigou-se a comprar um prédio que conhecia, por preço negociado, sem voluntariamente atender à área, nem ao preço/m2, conclusão ou inferência esta que tem de sê-lo a partir de factos, sendo insuficiente a menção no negócio à área constante das descrições prediais, celebrou um contrato de compra e venda “ad corpus” e não “ad mensuram”, sendo aplicável o normativo do art. 888 do CC. Assim, o facto de alegadamente ter posteriormente verificado que o terreno tinha área inferior a` que supunha, facto que não esta´ assente, não evidencia defeito intrínseco da coisa, nem erro essencial, porquanto não foi determinante da decisão de comprar. 15 - O apelante não invoca na PI, nem caracteriza quaisquer factos relativos aos motivos determinantes da sua vontade relacionados com o objecto do negócio. 16 – Esta´ incompleta a causa de pedir na PI. 17 - A insuficiência da causa de pedir da´ lugar à absolvição do pedido. 18 - Não tinha que ser feito o convite ao aperfeiçoamento, mas mesmo a entender-se que deveria ter sido feito, não está estabelecida no nosso ordenamento sanção para essa nulidade, de falta de despacho de aperfeiçoamento, por isso é uma nulidade secundária e como tal apenas pode ser arguida até ao termo da audiência prévia. 19 - Não é sindicável, sendo inadmissível a interposição de recurso com este fundamento (Ac. STJ de 18.03.04, Proc. 04B572, dgsi). 20 – Não há mora do apelados, que compareceram na escritura, portadores de todos os documentos necessários para a realização da mesma. 21 - A falta de outorga da escritura não foi devida qualquer comportamento dos apelados. 22 - Só se deve ao comportamento do apelante, alegando apenas divergência de áreas e nada alegando que se possa “justificar” a legitimidade daquela recusa. 23 - Não estão verificados os pressupostos do art. 830 do CC, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao absolver os apelados do pedido.

O recurso foi recebido nos termos legais (fls. 147) e, na Relação, dispensaram-se os Vistos. Cumpre apreciar o mérito da apelação.

1.3 – Objeto do recurso:
Tendo em conta as conclusões do apelante, o que está em causa neste recurso é saber se os pedidos formulados pelo mesmo – pedido principal e/ou pedido subsidiário – podiam proceder, ainda que o seu conhecimento implicasse o prosseguimento dos autos (se necessário com o convite do tribunal ao aperfeiçoamento da petição).

2 - Fundamentação
2.1 - Fundamentação de facto:
A decisão recorrida fundou-se, como expressamente indica, apenas nos factos alegados nos artigos 1.º a 7.º da sua petição inicial. Tais factos são os que se transcrevem:
1 - Em 28-3-2012, os réus prometeram vender ao autor, que prometeu comprar, um prédio misto, composto de casa de rés do chão e andar, em ruína, com eira, logradouros e quintal juntos, com a superfície coberta de 300 m2 e a superfície descoberta de 2.200m2, sito no …, freguesia de …, concelho de Paredes, a confrontar do Nascente com ribeiro …, do Poente com estrada nacional, do Norte com caminho público e do Sul com caminho de ferro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 156 e na matriz predial rústica sob o artigo 939, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob a ficha número 01392/230402- … (agora Paredes), conforme documento junto - doc. 1.
2 - O autor e os réus contraíram tais mútuas e reciprocas obrigações nos termos do contrato escrito celebrado nos autos n.º 276/10.5TBPNF perante, entre os demais presentes e que constam da Ata, a M.ª Juiz Presidente Sra. Dra. F…, documento esse aqui junto e neste tido por reproduzido - doc.2.
2[1] - O preço convencionado foi de 200.000,00€, e os réus confessaram ter recebido do autor a quantia de €45.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento desse preço (ut doc.2.).
3 - A escritura definitiva era marcada pelo autor até ao dia 29-03-2013, e celebrar-se-ia em data, hora e local de Paredes ou Penafiel a indicar pelo autor, através de carta registada com aviso de receção, ou telegrama dirigido aos réus, com pelo menos quinze dias de antecedência (ut doc.2).
4 - Em cumprimento das obrigações (contratuais e acessórias) elencadas no artigo que antecede, o autor designou para a escritura o dia 28-3-2013, pelas 15horas no Cartório Notarial a cargo de E…, sito na Rua … .., Paredes, do que interpelou os réus.
5 - No dia, hora e local designados, compareceram o autor, os réus e ainda a representante do credor hipotecário do imóvel prometido vender (o G…), munida de um documento emitido por esse credor com vista ao cancelamento da hipoteca.
6 - A notária verificou estarem presentes todos os intervenientes, não havendo motivo, do ponto de vista notarial, para a não realização da escritura.
7 - A escritura não se realizou pelo facto de o autor se recusar a outorgar a mesma, pelo facto de o prédio não ter a área total de dois mil e quinhentos metros quadrados prometida vender, mas sim uma área total inferior a dois mil e cinquenta metros quadrados, o que o autor declarou aos intervenientes.

2.2 – Apreciação jurídica:
O conhecimento do mérito do recurso implica que tenhamos em mente os pedidos, principal e subsidiário, formulados pelo autor e, bem assim, a solução processual (conhecimento dos pedidos no saneador) e substantiva (improcedência de ambas as pretensões) dada pelo tribunal recorrido.

Como já se escreveu anteriormente, o autor pretendeu, com a presente ação, que os réus fossem condenados a: a) verem declarado o incumprimento contratual por banda deles do contrato-promessa de compra e venda invocado, e consequente revogação do mesmo; b) no pagamento ao autor da quantia global de 90.000,00€, acrescida dos juros de mora contados desde a citação deles, a` taxa legal e até efetivo pagamento, a título de devolução em dobro do sinal prestado destes autos.
Subsidiariamente: c) verem proferida Sentença Judicial que decrete a transmissão para o autor da propriedade plena do prédio, livre de ónus ou encargos, e devoluto, com efetiva e definitiva entrega do mesmo ao autor; d) caso a extinção da hipoteca mencionada no artigo 5.º da petição[2] não preceder ou não coincidir com a transmissão, sejam também os réus condenados na entrega ao autor da quantia de 128.780,00€ e da quantia de juros moratórios contratuais vencidos e vincendos e até integral pagamento, para efeitos de expurgação da mesma hipoteca; e) com a consequente anulação e cancelamento de todos os registos prediais efectuados e que se revelem incompatíveis com a procedência deste pedido, mormente de hipoteca ou outros ónus, averbando-se a favor do autor a inscrição de propriedade.

A sentença em crise foi precedida da pronúncia das partes, nos termos dos artigos 3.º e 591, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC)[3] e, considerando que os autos dispunham de todos os elementos necessários à decisão, vem a fundamentar extensamente a solução encontrada, nos termos que, com o resumo possível, aqui repetimos e, quando assim entendermos, sublinhamos: “(...) o Autor reconduz-se, imediatamente, ao incumprimento do contrato-promessa pelos RR., por não poderem vender um prédio com a área declarada no contrato-promessa, posto que inferior a área real do imóvel... Importa, então, averiguar se a atuação dos RR., a partir dos factos mesmos alegados, contém virtualidade para preencher os pressupostos de uma situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa (...) O incumprimento da obrigação suscetível de conduzir à situação de incumprimento definitivo e respetivas consequências, e´, em regra, o incumprimento da obrigação principal (...) O contrato-promessa refere-se sempre, funcionalmente, a outro negócio, constituindo este o seu objecto. Por isso, o objecto imediato do contrato-promessa consiste na realização do contrato prometido, constituindo o deste último objecto mediato daquele. O direito de resolução dum contrato, enquanto destruição da resolução contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado - art. 432.º C. Civil. Fica, pois, a parte que invoca o direito a` resolução obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual. Estando em causa uma promessa de compra e venda, o art. 913.º do Código Civil estatui (...) Estando o contrato-promessa funcionalmente ligado ao prometido, relativamente ao qual se apresenta com função instrumental, o princípio da equiparação consagrado no n.º 1 do art. 410.º, deve submetê-lo à mesma disciplina, pois que não se veem motivos que, por sua razão de ser, o excluam. E´ sabido, por outro lado, que a (eventual) existência do erro gera a anulação do negócio e prejudica a declaração da resolução do contrato (...) Não é despiciendo referir que o ónus da prova (e antes dele o da alegação) da verificação dos requisitos do erro incumbe ao "deceptus" designadamente que o declaratário conhecia, ou não deveria ignorar, a essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro – arts. 251.º, 247.º e 342.º, n.º 1 (...) O erro-vício incidente sobre o objecto do negócio pode recair sobre a sua identidade ou sobre as qualidades desse objecto. A essencialidade exigida pela norma legal consiste em ter tido o erro um papel decisivo na determinação da vontade do declarante, por maneira que, se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas, não teria querido de modo nenhum concluir o negócio. Erro essencial é pois o que deu causa ao negócio (causam dans). E´ suficiente que tenha contratado também por causa do erro, de tal sorte que sem o erro teria desistido em absoluto de contratar. O erro essencial é aquele que - isoladamente ou ainda que em colaboração com alguma outra circunstância - levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído (...) Donde, finalmente, se tem entendido que o comprador de prédio que conhecia o adquire por certo preço negociado com o vendedor, sem voluntariamente atender à área, nem ao preço/m2 [conclusão ou inferência esta que tem de sê-lo a partir de factos, sendo insuficiente a menção no negócio à área constante das descrições prediais], celebra um contrato de compra e venda “ad corpus” e não “ad mensuram”, sendo aplicável o normativo do art. 888 do Código Civil. E, assim, o facto de posteriormente ter verificado que o terreno tinha área inferior a` que supunha não evidencia defeito intrínseco da coisa, nem erro essencial, porquanto não foi determinante da decisão de comprar o facto dos terrenos terem uma certa área. * No caso dos autos, desde logo, inviável, a partir da matéria alegada, a consideração um erro vício sobre a natureza ou efeitos (objecto imediato ou conteúdo do negócio) da compra e venda que, como é sabido, consiste, para além dos outros efeitos a que se refere o art. 879°, na transmissão da propriedade. Contudo, do exposto resulta que a questão da divergência da área do prédio prometido vender à realidade pode enquadrar-se em sede de incumprimento contratual ou de erro, sendo que, nesta última hipótese, se discute o erro sobre o objecto mediato do negócio jurídico, o quid sobre que incidem os efeitos jurídicos do contrato, mais concretamente determinadas condições factuais e jurídicas que influem no valor e no préstimo do bem objecto do contrato-promessa. Ora, o Autor não invoca, nem caracteriza quaisquer factos relativos aos motivos determinantes da sua vontade relacionados com o objecto do negócio, pelo que não é de colocar aqui a situação regulada pelo art. 252.º, n.º 1 do CC. Por outro lado, não alega também o Autor os factos que caracterizam a área do prédio como visada expressamente pela vontade negocial reciprocamente assumida (...) Em síntese, a causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos – os essenciais – é que servem a função de individualização da causa de pedir. A falta de alegação de factos essenciais dá lugar à ineptidão da petição por falta de identificação de uma causa de pedir, o que conduz à absolvição da instância, enquanto que se a causa de pedir ficar incompleta, por não terem sido alegados todos os factos que constituem a causa de pedir, o que acontece é a inconcludência do pedido, com absolvição deste. Note-se que é esta diferenciação que permite que se salvem petições deficientes com despachos de aperfeiçoamento, e a introdução dos factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa (desde que os autores manifestem a intenção de deles se aproveitar), sem que tal implique a modificação ou alteração da causa de pedir (...) Por outro lado, no processo civil são atendíveis pelo tribunal factos alegados apenas de modo implícito, considerando-se como tais aqueles que estejam necessariamente subentendidos na alegação expressa e só em função dos quais esta alegação se compreenda e faça sentido (...) Desde logo, quanto à observação pelo Autor em sede de pronúncia que antecede, a forma que seguem os autos exclui, ressalvadas as situações excepcionais legalmente previstas, não prefiguradas, o proferimento de despacho de indeferimento liminar. De todo o modo, a questão que se coloca nos autos não é de ineptidão, mas de inconcludência. Donde, quanto ao poder vinculado (poder-dever) de convite ao aperfeiçoamento do articulado inicial, nos termos que resultam da exposição que antecede, tal convite tem de respeitar ou observar os princípios enformadores do Processo Civil Português, quais sejam: o da substanciação (da perspectiva das partes) e o da vinculação temática (o mesmo princípio, agora da perspectiva do juiz) do tribunal a` causa de pedir tal qual alegada pelas partes. E, assim, cabendo àquelas a alegação dos factos estruturantes da causa de pedir, apenas é passível de aperfeiçoamento o articulado a que, faltando um ou outro facto essencial, a causa de pedir mesma se ache devidamente individualizada (...) Alegando o Autor, apenas, a discrepância da área do prédio prometido vender (com referência à área real e efetiva), sem a concretização de qualquer outro facto, reconduzível (mesmo que de forma implícita ou subentendida, atenta outrossim a não inequivocidade da alegação): à inclusão da área declarada na economia da vontade das partes e por isso que no objecto querido do negócio (a determinar o incumprimento que e´ causa de resolução), nem também à respectiva configuração como representação errónea da realidade decisiva da vontade de contratar, sendo essa essencialidade conhecida (a determinar o erro que é causa de anulação), [excluída, nessa parte por contradição com o pedido, a possibilidade de redução do preço], não resulta estar sequer individualizada a causa de pedir...
Por isso o não proferimento de despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição, por inadmissibilidade legal.
Em conclusão, apenas alegada uma divergência entre a área constante da descrição do objecto mediato da promessa e a área real do imóvel prometido comprar e vender e (implicitamente) o conhecimento dessa divergência pelos réus, falecem os factos (e todos) reconduzíveis à situação de incumprimento subjacente ao pedido de resolução e mais falecem os factos (todos) caracterizadores dos pressupostos da anulação por erro, com consequências idênticas às peticionadas. Donde a inconcludência da petição inicial que é, nos termos expostos, causa de absolvição dos RR. do pedido principal, o que se decide (...) Quanto à pretensão subsidiária de execução específica da promessa. Há incumprimento do contrato quando a prestação debitória não é executada nos seus precisos termos (arts. 406.º, n.º 1, e 762.º, n.º1). Em sede de contrato-promessa, ao promitente fiel deparam-se diversas alternativas em caso de não cumprimento pela outra parte. E´ assim que se diz, no art. 830.º, n.º (...) Esta norma, tem, pois, natureza supletiva, sendo certo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, se entende que há convenção em contrário caso exista sinal ou tenha sido fixada uma pena para o não cumprimento da promessa. Presume-se, em tais situações, que as partes quiseram que esse fosse o critério de reparação e a única consequência do incumprimento (...) Na situação, desde logo, discutível a possibilidade de recurso à execução específica, atenta a constituição de sinal e a previsão sob a cláusula 13.ª do contrato-promessa outorgado, cuja interpretação mais impõe que as partes tenham excluído aquela possibilidade de execução específica, reconduzindo ao mecanismo do sinal a questão das consequências do incumprimento. De todo o modo, ainda por outra razão se evidencia a impossibilidade de procedência da pretensão subsidiária. Como a generalidade da jurisprudência tem acentuado, a execução específica tem como pressuposto a mora (...) [e] o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, salvo se a obrigação tiver prazo certo (art. 805.º, n.ºs 1 e 2, a)). Ora, a alegação do Autor para fundar também a pretensão subsidiária vem a ser a da recusa respectiva em outorgar a escritura, na medida da discrepância de áreas... Nada mais alegando que se possa “justificar” a legitimidade daquela recusa, sendo certo que não resultando que a falta de outorga da promessa o tenha sido por qualquer comportamento dos RR, não pode também haver-se por caracterizada a mora dos réus e muito menos ainda o seu incumprimento definitivo da obrigação de outorgar o contrato prometido, com o que os factos alegados na PI não caracterizam os pressupostos do convocado artigo 830.º do Código Civil.”

A extensa transcrição que fizemos da fundamentação da decisão recorrida (ainda assim, correspondendo a manifesta síntese da mesma) justifica-se por continuarem pendentes, agora para reapreciação, as questões que já se colocavam ao tribunal recorrido e que este, ainda que com a discordância posterior do apelante, não deixou de equacionar e ponderar.

A primeira questão que se coloca – correspondendo ao pedido principal – prende-se com a resolução do contrato-promessa. Não se prende com a revogação dele, não obstante tenha sido esta a figura invocada pelo autor no seu pedido, mas no contexto da pretensão e da fundamentação desta, tratar-se-á apenas de um lapso terminológico. Efetivamente, a revogação “corresponde a um acordo de extinção de uma relação contratual pelas respetivas partes” e “cujos efeitos se projetam apenas para o futuro” (Joana Farrajota, A Resolução do Contrato sem Fundamento, Almedina, 2015, pág. 27), enquanto a resolução é a faculdade do credor adimplente de “reagir contra o incumprimento latu sensu da contraparte” (José Carlos Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil – Do Enquadramento e do Regime, Coimbra Editora, 1996, pág. 76), a “extinção do vínculo contratual (...) condicionada por um motivo previsto na lei ou dependente de convenção das partes” (Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina, 2005, pág. 65).

Mas a (primeira e relevante) questão também não se prende – acrescentamos – com a anulação do contrato, não obstante todo o caminho seguido pela decisão recorrida nesse sentido, enquadrando o problema no domínio do erro. Não obstante algumas parecenças entre uma coisa e outra, mormente no que quanto aos efeitos pode suceder, a resolução por incumprimento é efetivamente a causa de pedir desta ação e não deve confundir-se, pois não é a mesma coisa, com a anulação do contrato. Neste sentido, concordamos com a afirmação feita pelo recorrente no ponto 6. das suas conclusões, e que ora citamos: “A questão colocada nesta ação consiste na obrigação contraída pelos réus para com o autor em venderem-lhe um prédio com a área que consta do contrato, e não tem a ver com erro na manifestação da vontade negocial de qualquer uma das partes: nem o autor, nem os réus invocam um qualquer erro.” Só que, sendo assim, e como realmente pensamos que o seja, irreleva a afirmação do apelante, acentuada agora em sede de recurso, de ter alegado a essencialidade do cumprimento do negócio, do cumprimento das obrigações dos e pelos réus (para ele, autor, pôr fim à ação n.º 276/10.5TBPNF), essencialidade que se enquadraria na apreciação dogmática do problema pela perspetiva do erro. Acresce, se relevante fosse, que a alegação conclusiva da essencialidade não corresponde á alegação de qualquer factualidade que a sustente.

Esclarecido, nos termos precedentes, o objeto efetivo da causa, importa enquadrá-lo no negócio jurídico que se trouxe aos autos e nas suas particularidades.

As partes celebraram um contrato-promessa de compra e venda de um prédio misto, tendo este, segundo o registo, uma área de 2.500m2, concretamente 300m2 de superfície coberta e 2.200m2 de superfície descoberta. O autor, que ia adquirir o aludido prédio, recusou-se fazê-lo ao constatar, conforme alega, que a área real do prédio era inferior àqueles 2.500m2. O autor havia entregue aos réus a quantia de 45.000,00€ “a título de sinal e princípio de pagamento” e alega que os demandados conheciam a falta de sintonia entre a área prometida e a real, justificando-se, por assim ser, a resolução da promessa, face ao incumprimento definitivo dos réus.

Percorrendo a petição inicial, não vemos que o autor haja feito qualquer enquadramento legal da sua pretensão. Não tendo necessariamente que o fazer, remete para o incumprimento definitivo que deriva factualmente de o objeto prometido vender não ter as qualidades (no caso a área) prometida e de essa falta de correspondência ser do conhecimento dos demandados, vendedores. Note-se que o autor apenas realça a falta de conformidade da área do prédio prometido vender (aliás, diz que foi prometido vender um prédio com 2.500m2 de área e o prédio, na realidade, tem menos de 2.500m2) e não propriamente que o bem prometido tenha caraterísticas que, além de diversas das asseguradas, não permitem a sua utilização nos termos pensados pelo promitente comprador[4]. O tribunal recorrido, por sua vez e não obstante, partindo do princípio da equiparação consagrado no artigo 410, n.º 1 do Código Civil (CC), remete-se para o artigo 913 do mesmo diploma.

O princípio da equiparação (“... são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”) tem aqui toda a razão de ser, pois é normal que “o regime da promessa de contrato” acompanhe “o regime do contrato prometido” (Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, Almedina, 2014, pág. 59), mas o enquadramento da questão, refletindo o regime do contrato definitivo, o regime do contrato de compra e venda, sempre ressalvando melhor saber, já deverá ser outro.

Nos termos do disposto no n.º 1 artigo 888 do CC, “Se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade” e acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que “Se, porém, a quantidade efetiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional”.

A previsão acabada de citar corresponde, na venda de imóveis, à chamada “venda ad corpus”, quando, ao contrário da previsão do artigo 887 do CC, “não se fixa um preço por unidade, mas sim um preço global” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1986, pág. 185) e o remédio legalmente previsto para a discrepância é a correção do preço, ainda que, na “venda a corpo” só ocorra “se a discrepância for superior a 5%” (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume III, 8.ª edição, Almedina, 2013, pág. 73).

No caso presente, tendo em conta o alegado (ou a falta dele) pelo apelante e, também por isso, não sendo de subsumir a questão no âmbito do artigo 913 do CC, mas no enquadramento dado pelo artigo 888 (por força do artigo 410, n.º 1), ambos do mesmo Código, é clara a improcedência da pretensão de resolução do contrato-promessa, por incumprimento dos promitentes vendedores. Note-se, por fim, que atendendo ao pedido formulado, conjugado com a causa de pedir, não tinha cabimento qualquer convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, sob pena de o tribunal ter de escolher se o que estava a menos era a alegação dos elementos de facto pertinentes à resolução contratual ou a (inviável) correção do pedido, sendo certo que nesta segunda e apenas abstrata hipótese, nem sequer se alega qual a verdadeira discrepância entre a área prometida e a real. Efetivamente, embora no artigo 7.º da sua petição o autor chegue a dizer que a área total do prédio é “inferior a dois mil e cinquenta metros quadrados”, logo de seguida, no artigo 9.º da mesma peça processual, diz que os réus sabiam que a área total do prédio era “inferior a dois mil e quinhentos metros quadrados”.

Assim, ainda que por razões diferentes das da 1.ª instância, o pedido principal tinha que improceder, tal como improcede o recurso que, nessa parte, censura o decidido.

Quanto ao pedido subsidiário: Como é patente, está em causa a possibilidade de execução específica da promessa. Ora, independentemente do que se refere na decisão recorrida sobre a mora e o incumprimento definitivo, o artigo 830 do CC esclarece, na conjugação dos seus n.ºs 1 e 2, que a obtenção de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso pode ser conseguida “na falta de convenção em contrário” e que se entende “haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.”

No caso presente, não estando em causa o disposto no n.º 3 do artigo 410 do CC e não tendo o autor alegado qualquer circunstância que pudesse afastar a presunção derivada da existência de sinal,[5] torna-se claro que a possibilidade de execução específica, condição primeira do seu pedido subsidiário, se encontra concretamente afastada, e afastada, atento o não alegado, desde logo na ocasião processual (ou seja, sem necessidade de produção de prova) em que o mérito da causa foi conhecido.

Por isso, também nesta parte improcede a apelação. Confirma-se, ainda que, parcialmente, por outros motivos, a decisão recorrida. As custas do recurso são a cargo do apelante.

3 – Decisão:
Pelas razões ditas, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, ainda que com diferente motivação, confirma-se a decisão proferida na 1.ª instância.

Custas pelo apelante.

Porto, 19.10.2015
José Eusébio Almeida
Carlos Gil
Carlos Querido
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[1] Mantemos a numeração repetida que consta da petição, para não confundir os sete (que são oito) factos para que remete a sentença recorrida.
[2] Artigo levado aos factos que fundamentam a decisão recorrida, e que transcrevemos.
[3] Tendo o mandatário do autor referido, em síntese e nos moldes que constam da ata: “- não tendo havido despacho liminar, [está] precludida a possibilidade de indeferir a petição, neste momento; - a existirem imperfeiçoes do articulado sempre deveria ter sido oficiosamente suscitado um convite de aperfeiçoamento; - discutível se a execução específica deduzida a título subsidiário tem como pressuposto a mora ou antes o incumprimento definitivo, pelo que não se alcança fundamento para as decisões cuja possibilidade se adianta.”
[4] O que, como decorre do que mais adiante se dirá, distingue a aplicação do artigo 913 da do artigo 888, ambos do CC – v. Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, 2.ª edição, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1996, pág. 68.
[5] Sobre a questão: António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo II, Almedina, 2010, pág. 424 e Fernando Gravato de Morais, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, Almedina, 2009, págs. 111/115.