Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA DEOLINDA DIONÍSIO | ||
| Descritores: | PROVA POR RECONHECIMENTO DE PESSOAS REGULAMENTAÇÃO VALIDADE FORMAL INFLUÊNCIA EXTERIOR | ||
| Nº do Documento: | RP2013112021/12.0PBVLG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – A prova por reconhecimento de pessoas visa acautelar as situações em que a testemunha/vítima de um crime viu mas não conhece ou não sabe a identificação do(s) perpetrador(es). II – É de toda a conveniência fazer o rápido confronto com os suspeitos do crime, antes que os pormenores visualizados e jacentes na memória se desvaneçam ou sejam inquinados pelo decurso tempo. III - Tal diligência probatória reveste ainda maior acuidade quando o contacto entre a vítima e o agente do crime foi breve e com contornos traumáticos. IV - Visando acautelar e prevenir identificações erróneas, o legislador regulou, minuciosamente, no art.º 147º do Código de Processo Penal, a prova por reconhecimento de pessoas em processos criminais. V – Apesar de formalmente válido, a prova por reconhecimento de pessoas pode estar inquinada por influências externas. VI - Dizem os estudos desenvolvidos no âmbito da psicologia do testemunho que a informação obtida em momento posterior ao acontecimento é um dos factores fulcrais de distorção da memória. VII - Comentários de natureza especulativa - muitas vezes erróneos ou enganosos -podem provocar uma alteração ou reconstrução na memória da vítima/testemunha, originando uma modificação da recordação e afectando, consequentemente, as informações que os sujeitos dão acerca da ocorrência previamente presenciada. VIII – Diferentes investigadores demostraram que os sujeitos tinham tanta confiança na realidade das suas memórias verdadeiras como nas suas memórias sugeridas, chegando a crer que a informação sugerida procede realmente da original. IX – Se o ofendido incorporou na sua memória informações obtidas após o sucedido, ainda que não correspondam à recordação original, irá referi-las como verdadeiras e, nelas acreditando, tornará, por isso mesmo, credível o seu depoimento, viciando a decisão. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | RECURSO PENAL n.º 21/12.0PBVLG.P1 2ª SECÇÃO CRIMINAL Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunta: Maria Dolores Sousa Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No âmbito do processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, n.º 21/12.0PBVLG, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, o arguido B…, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado, por acórdão do Círculo Judicial de Gondomar, proferido a 8 de Abril de 2013, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de roubo simples, previsto e punível pelo art. 210º n.º 1 do Cód. Penal. * Inconformado com o decidido o arguido interpôs recurso finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)“1º - Não foi o ora Recorrente que cometeu o crime de que vem acusado, pois é inocente. 2º - O arguido como se vê do relatório social, transcrito em parte no Douto Acórdão, na altura dos factos, vivia com a sua mãe, de 66 anos de idade, em habitação arrendada, onde reside há 48 anos, localizada em zona residencial central da cidade de …, de construção antiga, inserida em antiga casa de lavoura, em conjunto habitacional de tipo ilha. Apesar de não se ter efectivamente envolvido na concretização da retoma do tratamento no C.R.I Porto Oriental, tinha observado alguma inflexão em termos de contenção dos excessos etílicos e consequente adopção de comunicação mais ajustada no espaço intra-familiar, não lhe sendo reportados novos comportamentos de desajustamento social no espaço sócio residencial. 3º - As referências obtidas no meio familiar e residencial reportam-lhe a ausência de indicadores de desajustamento social e registo actual de maior adequação, quer em termos da ingestão de bebidas alcoólicas, quer ao nível da comunicação com a mãe. 4º - Aconteceu o assalto/roubo e foi-lhe logo apontado o dedo de que foi o B1…, o B1…, como se vê do registo de prova gravada. 5º - A ofendida enganou-se na identificação do ora Recorrente como autor do crime, quer no depoimento que prestou em audiência, quer no reconhecimento que efectuou dois dias depois, tendo sido influenciada, pelas pessoas que ali chegaram, as quais logo começaram a falar no B1…, a colocar como possível ter sido ele o autor. 6º - A ofendida na primeira descrição que fez no minimercado a que se dirigiu logo após o assalto, não era do ora Recorrente mas sim dum tal C…. 7º - As 3 testemunhas de defesa não mentiram, apenas entraram em contradições por não terem sido seguras na indicação das datas e no suceder dos acontecimentos, pois não tinham interesse em ajudar um cadastrado se não achassem que estava inocente. 8º - O depoimento da testemunha D… que foi arrolada depois do depoimento daquelas testemunhas foi isento, sem contradições, viu-se que esteve presente na data do assalto, explicou o suceder dos acontecimentos, de forma coerente, segura, isenta, foi nele interveniente. 9º - O depoimento do pai da testemunha D… foi sincero, espontâneo, confirmou o que a filha disse acerca da identificação do assaltante, que não coincidia com a fisionomia do ora recorrente. 10º - Deslocaram-se ao tribunal apenas para dizer o que viram e presenciaram. 11º - E ela esteve presente aquando do roubo da ofendida que o confirma, pelo que o seu depoimento deve ser considerado verdadeiro e não mentiroso, com as consequências legais. 12º - Na audiência de acareação entre a ofendida e a referida testemunha, D…, esta manteve a sua versão. 13º - O ora Recorrente não tentou iludir o Tribunal e colocar a dúvida de modo a ser absolvido. 14º - A sua intenção foi e sempre foi demonstrar a sua inocência. 15º - Quando soube pelo telefonema da mãe, que a polícia andava atrás dele, foi logo à esquadra, para aí prestar as suas declarações, o que evidencia a sua inocência, pois se fosse culpado, não ia. 16º - O Douto acórdão tem as suas Decisões bem fundamentadas e aplicadas, mas em cima de pressupostos factuais errados, tendo por isso, salvo melhor opinião, incorrido em erro notório na apreciação da prova. 17º - Na verdade e salvo melhor entendimento, o Tribunal "a quo", ao decidir a matéria de facto, nos termos constantes do Douto acórdão, incorreu em erro notório na apreciação da prova, violando, de forma manifesta e inequívoca, os juízos hipotéticos de conteúdo genérico assentes na experiência comum, uma vez que a prova produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente as declarações do arguido e das testemunhas D… e o pai, em confronto com as declarações da ofendida e a prova documental junta aos autos, apreciada à luz das regras de experiência comum, impunha que se desse como não provados os factos constantes dos pontos 2.3.6. 7. 9. dos factos provados. 18º - Com efeito os factos constantes dos pontos 2. 3. 6. 7. 9 dados como provados deveriam ter sido dados como não provados, tendo-se incorrido na violação do que se dispõe no art. 127º do CPP e al. a) do n.º 3 do art. 412º do CPP. • 2- Com efeito, quando já se encontrava no fim das escadas do referido túnel, a ofendida foi surpreendida pelo arguido B…, que a ela se dirigiu e, num tom sério e intimidatório, lhe disse "dá-me a carteira", tendo a ofendida tirado a carteira do ombro para entregar ao arguido, o qual lhe retirou a mesma da sua mão. • 3- Na posse da referida carteira, da qual se apoderou, o arguido pôs-se em fuga. • 6- O arguido B… agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado de se apoderar dos bens pertencentes à ofendida, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade daquela, apenas logrando obter os seus intentos através da actuação supra descrita, surpreendendo a ofendida com actos de força e de violência psicológica, consubstanciados no uso de uma expressão intimidatória. • 7- Actuou o arguido livre e conscientemente, bem sabendo que praticava actos proibidos e punidos pela lei penal, • 9- Pelo que, o arguido praticou os factos que lhe são imputados, antes de terem decorrido cinco anos sobre a execução dos ilícitos criminais dolosos acima referidos, descontando o tempo durante o qual o mesmo cumpriu medida de coação de prisão preventiva e pena privativa de liberdade e não obstante, tais condenações não constituíram obstáculo bastante ao cometimento de novos crimes pelo arguido em referência. 19º - Pois as concretas provas que foram produzidas e que agora se indicam impunham decisão diversa da recorrida: A) - na acta de audiência de julgamento do dia 06.02.2013: 1- Declarações do arguido, B…, gravadas no dia 06.06.2013, com inicio pelas 09:58:18 e termo às 10:08:01 e ainda as suas declarações gravadas às 11:36:36; O arguido nega os factos, explica-os, dá a sua versão do ocorrido, embora se confunda nas datas, o que é compreensível dado o passar do tempo e a sua não intervenção no assalto (ele foi à policia no dia 11 quando recebeu o telefonema da mãe e não no dia 9, data do roubo e foi de livre vontade); Repare-se que ele sempre se referiu ao dia em que foi reconhecido, dizendo até que foi o dia que foi à esquadra e à polícia judiciária, ou seja sempre se referiu ao dia 11. - vd. minuto 6:40 ( vim da judiciaria); ver ainda minuto 7:30; Estas pequenas incongruências não demonstram, salvo melhor opinião, que ele estivesse a mentir. 2- Depoimento da ofendida, E…, gravado no dia 06.02.2013, pelas10:08:02. Perguntado se conhece o arguido, disse que não o conhecia, tinha-o visto num dia antes do que aconteceu - ver minuto 01:23 - quando ele estava com a mãe no café. Sabe que era a mãe porque a filha disse:"ó mãe, era o que estava no café a festejar uma festa qualquer." - ver minuto 01:30 - o que demonstra que foi a filha que disse á mãe, quem era o B1… e o identificou. Ela só o reconheceu, porque a filha lhe disse quem era o B1…. Mas antes na queixa disse que era um tal C…. Ao minuto 06:30 a ofendida refere que foi atrás dele por uma escadas que sobe para cima, direito á casa dele, vinha uma miúda com um computador na mão, com um telemóvel e uma senhora atrás, elas não viram nada (denota preocupação em defender-se - ver minuto 06:49) e disse: ó filha chama-me a polícia, eu fui assaltada, ele ia a subir a escada, olhou para ela - ver minuto 07: 00 - o que demonstra que a D… falou verdade - e seguiu como se nada fosse com ele, fui sempre atrás dele, e ele quando chegou perto da casa, agora sei que é a casa porque eu não conhecia aquilo ali a casa, sempre a gritar, ele voltou para trás e fugiu para a linha, mas eu o nome eu não sabia, - ver minuto 07:40 - sei que fui assaltada, mas eu não sei o nome. Começou logo tudo a dizer, que foi o B1…, é o B1… ... ver minuto 07:46 Se ninguém viu e todos logo afirmaram ter sido o B1…, percebe-se que a ofendida tenha ficado influenciada. Depois fui, estive um bocado à espera, quando pedi à miúda para ligar para a polícia ela ligou para o pai - ver minuto 08:15 - porque a moça é lá vizinha e o pai quando veio disse, eu passei por ele - ver minuto 08:28 - mas ainda vou ver se o encontro - depois vieram dizer-lhe que nunca mais o viram. Entrou numa loja, veio uma moça, a F…, contou-lhe o que se passou e começaram logo a dizer, foi o B1…, foi o B1… - ver 08:55, mas eu não conhecia por mais nada, era o B1…. A F… foi levá-la a casa. Foi à polícia e eles disseram logo, está logo visto, é o B1… - ver minuto 09:27 - não se recorda se referiu que era calvo. Nota: O que não se percebe é porque na denúncia do próprio dia do assalto disse que era um C…, baseada na descrição que então fez no mini mercado e alguém o identificou como o C…. No dia seguinte, tudo lhe falava no B1…, mas ela não sabe onde ele mora, não sabe nada - ver minuto 10:30 - então explicaram-lhe que a mãe dele é aquela senhora que costuma ir ao café - ver minuto 10:40 - mas eu não sabia que ela era mãe dele - porque eu não sabia que ele é. Ele mora na casa tal - ver minuto 10:48 - foi direito à polícia e disse onde ele mora e a polícia foi com ela dentro do carro verificar a porta. Foi à PSP fazer o reconhecimento. Não tem dúvida nenhuma. A Dr.ª que estava a tratar do assunto, só me disse assim, ó D. E… não sei se vai ter dificuldade porque havíamos de ter, um dois e três pessoas .....- ver minuto 11:58- A ofendida nesta data já sabia quem era o B1…, pois a filha tinha-o identificado. Nas suas declarações vê-se que o reconhecimento não foi feito nos termos da lei - art. 147º do CPP - pelo que é inválido - veja-se que a ofendida não disse que tinha visto o arguido no dia anterior ao suposto roubo - também não foram postas duas pessoas com as características idênticas - isso foi o que a ofendida disse, nas suas declarações, pondo em causa o reconhecimento que foi feito na esquadra, razão pela qual se devem tirar as devidas ilações jurídicas. Como se disse já na queixa que formulou no dia 9 de Janeiro de 2012, pelas 18:10h a ofendida logo indicou como suspeito um indivíduo conhecido como C…; - ver queixa - e disse-o porque no dia do assalto, quando descreveu o assaltante, alguém lhe disse que se trataria do C… (não do B1…) B) - na acta de audiência de julgamento do dia 20.02.2013: 1º - Depoimento de D… com início às 14:27:39 e termo às 14:48:50 - solteira, tem 23 anos. Conhece o arguido de vista. Conhece a ofendida. Assistiu ao assalto. Estava a entrar no túnel, ouviu gritos, depois viu o assaltante com a carteira da senhora, ela a puxar de um lado e ele doutro. O assaltante ficou entre nós as duas, eu pensei que ia ser a próxima a ser assalta visto que levava o computador, ele ainda se dirigiu a mim, só que entretanto, fugiu pelas escadas para a Rua …, ainda parou a meio das escadas, a senhora aos gritos pediu para eu ligar para a policia, mas eu com receio que ele viesse ter comigo, parei, fiquei a olhar para ele, a aguardar que .....ele. Viu-lhe bem a cara - ver minuto 01:49; Conhece o arguido de vista, conhece mesmo é a mãe. Não se lembra do dia. Vinha do trabalho, não se recorda do dia. Este foi o único assalto que presenciou até hoje. Foi por volta das 5 e 10 ou 5 e um quarto. Foi entre as 5 e as cinco e meia, que é a hora que eu chego a casa. Vem do trabalho de transportes públicos, Estava dentro do túnel - ver minuto 02:56 ... ..passa lá para ir para casa. Mora ali perto. Entra no túnel, o túnel faz uma ligeira curva à frente, eu entro do lado do G… e o túnel do outro lado dá para a igreja …. Eu chegava a meio do túnel e subia para a Rua …. No momento em que estou a chegar às escadas, aquilo faz curva á frente, ouço uns gritos, surge-me então a senhora, um homem de costas a puxar já com a carteira na mão e a senhora quase da carteira a puxar do outro lado e a pedir-me socorro. Prontos, eu parei naquele momento, não tive reacção, a minha reacção foi parar, desviar a carteira assim, trazia um computador e um telemóvel na mão, A minha reacção foi parar e ver o que o sujeito ia fazer. O sujeito, veio a correr na minha direcção, mas quando se depara comigo, estava de costas e dá de caras comigo, tinha as escadas para o lado da Rua …. e começou a subir. Prontos, eu parei, a senhora pediu-me para ligar à polícia, eu não tive reacção. Escondi o telemóvel no computador, o computador tem uma pasta, e fiquei ali parada à espera que o indivíduo desaparecesse. O indivíduo chegou ao meio das escadas, como ouvia ela a pedir auxílio a mim, parou e olhou para mim e a ver o que eu fazia. Eu não fiz nada, a senhora continuou a pedir ajuda. O indivíduo olhou para trás e insultou a senhora e depois....mandou-a para a puta que a pariu... Subiu, a senhora foi a correr atrás dele e eu ainda subi também a correr. O indivíduo tinha ali uns prédios na Rua …, ele avançou para a garagem e depois dele avançar, apareceram umas senhoras que moram ali porque ouviram os gritos da senhora. Ele desapareceu. Entretanto liguei ao meu pai, para pedir auxílio, porque dali até minha casa são duas ruas à frente e aquela hora.....não passa quase viaturas nenhumas, pedi ao meu que veio em meu auxilio...para vir ao meu encontro, uma vez que ele estava em casa, tinha receio de ir até casa, uma vez que trazia computador e telemóvel...e tudo. O meu pai veio ter comigo de carro, eu já não sai dali... O indivíduo era um bocadinho mais alto do que eu, era magro, era calvo, era um pouco mais alto do que eu, mas pouco. Lembro-me que trazia um casaco castanho vestido. Não se lembra das calças. Diria ter cerca dos 40 anos, estava um bocado acabado de aspecto, da cara. - minuto 05:45 Comparando com o arguido referiu que lhe parece mais alto e que o outro indivíduo era mais alto. Relativamente a ele lá está, o cabelo não tem nada a ver. O tom de pele era ligeiramente claro.................. tinha aspecto um bocado, daqueles indivíduos que uma pessoa vê na Rua e se afasta deles. Nunca mais o viu. Não tem dúvidas de que não [foi] o arguido que assaltou - ver minuto 06:43 - Conhece a D. E… perfeitamente. Apareceu agora, porque não se queria meter. Resolveu-se agora porque a mãe dele pediu-lhe auxílio, dizendo que as coisas estavam um bocado más para o lado dele e eu decidi vir aqui. Relata novamente o assalto. O pai entretanto apareceu e foi embora. A carteira só se lembra de ser escura. Não vi, só vi de costas, vi que era uma carteira pequena, era escura, tinha uma alça, o indivíduo mal agarrou na mala, embrulhou-a assim de baixo do braço e fugiu com ela. A senhora, gritava muito, falou comigo, disse a menina viu ....ela ficou um bocado nervosa o que é normal, eu também fiquei, o que é normal. Falou com ela, ela dizia a menina viu, a menina viu, chamem-me a polícia, eu estava um bocado assustada, pronto falou com ela, disse que viu, realmente o indivíduo, que assistiu ao assalto, depois as pessoas aproximaram-se dela... Não sabia que o arguido se chamava B1…, conhece a mãe dele - ver minuto 12:56 e a ele conhecia de vista porque ele pára ali no café... Ouviu as pessoas a dizerem que é o B1… - ver minuto 13:10 - mas eu por B1… não conheço... conheço a mãe por H…. Só o conhece por imagem. Por nome não o conhece. Refere que não foi o arguido o senhor que ela viu - ver minuto 13.25. Diz que o pai também passou por ele.......... O pai ....... 2 - Depoimento de I…, com inicio ao minuto 14:48:51 a 14:48:56 Reside em …. É o pai da menina D…. Recebeu o telefonema da D…. Tive a oportunidade de se cruzar com o assaltante sem saber que era ele. Se soubesse que era ele, a esta hora ele estava aqui no lugar deste.... Eu vi o assaltante com a carteira a abrir a carteira à minha frente aí a uma distância de 10 metros. Explicou.....ao sair da minha casa dou de frente com esse túnel.....sou ....ao parar, sou obrigado a parar o assaltante está á minha frente. Eu só tenho a largura da estrada e ele está do outro lado do passeio. Diz que é o assaltaste pelas descrições que foram feitas, na altura pela minha filha, a pessoa que era, o casaco que levava, a carteira que tinha... ele acha que é ele assaltante pela descrição que depois a filha lhe fez. Viu um homem que se assemelha à descrição que a sua filha lhe fez. Normalmente não costumo ver um homem a abrir uma carteira na rua. Era um indivíduo calvo...ver minuto 17:57…casaco escuro, calças de ganga, na ordem dos 35 a 40 anos, pele branca... Não conhecia o B1… - ver minuto 17:34 C) Acta de audiência de 13.03:2013- acareação entre a ofendida e a testemunha D…, pelas 09:51:39 a 10:02:11 A ofendida confirma que foi aquela menina que esteve lá e a quem pediu para chamar a polícia....que eu fui assaltada e ela em vez de ligar para a polícia ligou para o pai...foi isso e depois passado um bocado ele já tinha fugido é que apareceu o pai e eles foram os dois no carro... O assaltante ia ao cimo da escada e olhou para ela... Depois é interrogada sobre se o assaltante passou ou não pela D… e ela diz que não, que ele virou para as escadas e olhou para a D… a meio das escadas, o que bate certo com o depoimento da D… que refere que quando o assaltante se deparou com ela, olhou para ela, virou para as escadas, e a meio das escadas voltou a olhar para ela. Nota-se no depoimento da ofendida nesta acareação, que está à defesa, ataca tentando antecipar o depoimento da D…, tentando desmoralizá-la, o que é estranho. É assim eu ia a entrar no túnel ouvi gritos, já me tinham dito para não passar ali que havia assaltos naquela zona. Naquele dia confesso que ia distraída, quando entrei no túnel, ouvi os gritos, pensei que fossem os miúdos que viessem da escola, não ligou. No momento que viu a D. E…, estava um indivíduo de costas, já com a carteira da senhora na mão e ela a tentar ainda ficar com a asa da carteira. Mentira, diz a ofendida, que tu não viste isso, tu não consegues ver que ele estava no cimo das escadas......quando eu falei para ela...tem a certeza que foi o arguido..... Advertidas ambas se o tribunal entender que estão a mentir podem estar sujeitos a um procedimento criminal.. ...tem a noção disso... diz a D… que não...foi a primeira vez que .....não, não sei, mantém o depoimento, viu o senhor....foi à mercearia da F1… buscar o pão e encontrou a D. E… e estava lá a Sra. F1… e a D. E… estava a dar a descrição do assaltante e pela descrição que ela deu, o senhor que lá estava disse que era um tal C… ...o que bate certo com o nome adiantado pela ofendida na sua queixa já referido. Ver minuto: 6:10 - Eu não disse que nem sei o nome dele, referindo-se ao C…, diz a ofendida - ver minuto; - Ora, se a descrição que a ofendida fez do assaltante batia certo com uma pessoa chamada C…, não podia ser o ora Recorrente/arguido. O que demonstra que a testemunha D… está a falar verdade e que o Tribunal não valorou de forma positiva este depoimento. Ver ainda minuta 08:40 até ao fim. 20º - Da prova apontada resulta, salvo melhor opinião, os concretos erros de julgamento de facto, o que deve determinar a sua correcção, consistente na Decisão de julgar os referidos pontos dos factos provados como não provados. Ver art. 412º n.º 3 do CPP. 21º - Mas se assim se não entender, sempre se deverá tirar a ilação de que a prova produzida impunha que se tirassem outras conclusões de facto, invocando-se desde já a existência de erro na avaliação dos depoimentos e declarações dos intervenientes, bem como da restante prova produzida em audiência ou constante dos autos. 22º - Esse Douto Tribunal tem poderes de intromissão em aspectos fácticos, nomeadamente nos termos do art. 410º/2/3 do CPP mas ainda os tem quando ocorrem erros de julgamento, como acontece nos presentes autos. 23º - Pelo que se se entender que não ocorreu erro notório na apreciação da prova, deverá pelo menos entender-se que ocorreu erro de julgamento, pois as provas produzidas impõem outras conclusões de facto, que são as apontadas pelo ora Recorrente. 24º - Considerando-se não provados os pontos de facto apontados, deverá naturalmente o ora Recorrente ser absolvido, porquanto não se verificam os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de que vinha acusado - n.º 1 do art. 210º do CP. 25º - Mas se assim se não entender no que se não concede, sempre se deverá entender, que ocorreu violação do princípio "in dubio pro reo" que quanto a nós resulta, claramente, do texto do Acórdão, em confronto com as provas aludidas e a motivação que foi exarada no acórdão. 26º - Na verdade na análise dos concretos pontos de facto que consideramos incorrectamente apreciados, ressalta sem sombra de dúvida, a violação do referido princípio. De facto produzida a prova e efectuada a sua valoração, o resultado do processo probatório, não podia ser outro que não uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade do que aconteceu, ou seja, dos factos. 27º - O erro existe aí, ou seja, no facto do Tribunal "a quo", nem sequer valorar a contradição existente entre os dois depoimentos em confronto, nomeadamente a ofendida e a testemunha D… e o pai, não denotando dúvida, por forma a decidir a favor do arguido, quando ela resulta à evidência, dando como provados os factos que lhe são desfavoráveis. 28º - Na verdade pode constatar-se que o tribunal decidiu contra o arguido apesar de tal decisão não ter suporte probatório bastante, o que decorre da contradição dos referidos depoimentos. 29º - Mas decorre também da ponderação errada que foi feita dos vários elementos de prova, pois este não excluem uma qualquer outra explicação lógica e plausível para o acontecido. Acresce que: 30º - Acresce a inobservância dos requisitos do reconhecimento estabelecido no art. 147º do CPP que é evidenciado pelas declarações da ofendida aquando do reconhecimento, conforme se apontou supra. Ora, tendo acontecido o que aconteceu, tal reconhecimento deve ser julgado inválido, com as consequências legais. Reproduzimos o que acima se disse acerca desta questão: - "Foi á PSP fazer o reconhecimento. Não tem dúvida nenhuma. A Dr.ª que estava a tratar do assunto, só me disse assim, ó D. E… não sei se vai ter dificuldade porque havíamos de ter, um, dois e três pessoas ...... ver minuto 11:58 - A ofendida nesta data já sabia quem era o B1…, pois a filha tinha-o identificado. 31º - Nas suas declarações vê-se que o reconhecimento não foi feito nos termos da lei – art. 147 do CPP - pelo que é inválido - veja-se que a ofendida não disse que tinha visto o arguido no dia anterior ao suposto roubo - também não foram postas duas pessoas com as características idênticas - isso foi o que a ofendida disse, nas suas declarações, pondo em causa o reconhecimento que foi feito na esquadra, razão pela qual se devem tirar as devidas ilações jurídicas." Outrossim: 32º - Caso esse Douto Tribunal venha a julgar improcedentes as razões da nossa discordância e se considere que o Recorrente praticou o crime em que foi condenado, deverá suspender-se a execução da pena, por igual período - art. 40º n.º 2 do CP.”. * Houve resposta do Ministério Público, sufragando a confirmação da decisão recorrida, com a consequente improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos: (transcrição)“1. O que está sob recurso é o douto Acórdão de 8 de Abril de 2013, proferido nos autos de Processo Comum Colectivo n.º 21/12.0PBVLG, do 1º Juízo, do Tribunal Judicial de Valongo. 2. O recurso vem movido pelo arguido B…, que foi condenado, na pena de l (um) ano e 10 (dez) meses de prisão efectiva, pela prática, como reincidente, de um crime de roubo, do artigo 210º, n.º l, do Código Penal. 3. Sucede que nenhuma das razões invocadas pelo recorrente é a nosso ver procedente, não se vislumbrando, por outro lado, fundamentos para invalidar o douto acórdão recorrido, no todo ou em algum dos seus segmentos. 4. Assim, não se vislumbra que tenham sido violados quaisquer preceitos legais e isso seja no tocante à fixação dos factos ou às determinações do direito. 5. No que concerne ao invocado vício do erro notório na apreciação da prova, há que aclarar que o mesmo só ocorre quando é patente, para a generalidade das pessoas, uma conclusão contrária à exposta pelo Tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127°, do Código de Processo Penal. 6. Ora, no caso dos autos, tal não verifica manifestamente, parecendo-nos, isso sim, que o recorrente confunde o apontado vício do erro notório na apreciação da prova com a mera discordância da valoração da prova que foi produzida. 7. É que em face da matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação, é patente, segundo cremos, que não se verifica na decisão recorrida o invocado vício ou qualquer outro, já que os factos dados como provados e não provados são claros, precisos e encontram-se em consonância com a pormenorizada e lógica motivação da decisão sobre a matéria de facto. 8. Também no que concerne à impugnação da matéria de facto, por parte do recorrente, não tem este, manifestamente, a menor razão, desde logo porque desconsiderou totalmente não só a fundamentação elaborada pelo tribunal recorrido, como os depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento pelas demais testemunhas inquiridas, conjugados com os meios de prova constantes dos autos, a que de resto se alude em tal fundamentação. 9. Aliás, nenhum dos elementos de prova invocados pelo recorrente impõe decisão diversa da adoptada no douto acórdão proferido e bem pelo contrário os mesmos não poderiam levar a outra conclusão que não fosse considerar-se provada a factualidade vertida nos pontos 2, 3, 6, 7 e 9 que o arguido pretende impugnar. 10. Refira-se que, como resulta do auto de reconhecimento pessoal junto a fls. 4 dos autos, a ofendida E… efectuou o reconhecimento do arguido B… dois dias após a ocorrência dos factos de que foi vítima. 11. Tal reconhecimento, ao contrário do que estranhamente pretende o recorrente, foi obtido com o cumprimento integral de todos os requisitos exigidos pelo artigo 147º do Código de Processo Penal, pelo que não pode deixar de ser admitido como meio de identificação processualmente válido. 12. Acresce que a ofendida E… foi sempre firme, clara e credível na identificação do arguido, a quem jamais descreveu como sendo um indivíduo calvo. 13. Bem pelo contrário, as declarações prestadas pelo arguido e os depoimentos das testemunhas de defesa em audiência de julgamento mostram-se eivados de contradições e em alguns pontos perfeitamente orquestrados, como seja a descrição do suposto assaltante como sendo um indivíduo calvo. 14. De resto, em audiência de julgamento foi notória a atrapalhação das testemunhas de defesa quando confrontadas com algumas das incongruências da versão que defendiam e daí que o tribunal recorrido tivesse determinado se extraíssem certidões com vista a instaurar procedimento criminal contra as testemunhas J…, K…, F… e D…. 15. Por isso, nenhum reparo pode merecer a apreciação da matéria de facto feita pelo tribunal recorrido, porquanto formou a sua convicção segundo critérios lógicos, objectivos e em obediência às regras de experiência comum, o que tudo bem motivou e objectivou, segundo o princípio consagrado no artigo 127º, do Código de Processo Penal. 16. Desta sorte, os factos dados por provados no douto acórdão em apreço são bastantes e conduzem à conclusão inexorável de que o arguido B… praticou o crime de roubo por que foi condenado. 17. Parece também evidente que o Tribunal recorrido ao lançar mão das regras de experiência comum, de acordo com as exigências da lei processual - como prescreve o artigo 127º do Código de Processo Penal -, e face à prova produzida em audiência de julgamento, não poderia concluir de forma diversa da expressa na factualidade provada. 18. De resto, é entendimento pacífico, que se perfilha, que o recurso amplo em matéria de facto não se traduz na renovação do julgamento já realizado, mas num mero reexame da decisão da primeira instância, o que implica que o tribunal superior, tendencialmente, deverá respeitar o critério e a sensibilidade - que só os princípios da oralidade e da imediação podem proporcionar - do julgador de primeira instância, desde que estes não colidam, de forma inconciliável, com o que resulta da gravação da prova e demais elementos existentes no processo. 19. Devem, pois, improceder todos os fundamentos invocados pelo recorrente nesse aspecto, devendo ser confirmada a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo. 20. Carece também o recorrente de razão quando pretende que o tribunal não teve em conta o princípio constitucionalmente consagrado de presunção de inocência do arguido em processo penal. 21. Esquece o recorrente que a violação de tal princípio tão só pode e deve ser tratada como erro notório da apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma mais que evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido. 22. Ora, no caso que ora nos ocupa, o tribunal não teve dúvidas em relação à conduta do arguido, como em nosso entender não poderia deixar de ser. 23. Aliás, o douto acórdão ora em recurso captou com rigor a prova produzida na audiência de discussão e de julgamento, 24. Tendo operado uma sábia subsunção jurídica e aplicação do direito. 25. Também a pena aplicada ao arguido se nos afigura justa, necessária e adequada e se pecou foi por ser demasiado benevolente. 26. De resto, o tribunal recorrido ponderou em conjunto não apenas os factos e a personalidade do recorrente e os seus antecedentes criminais, mas também as exigências de prevenção geral e especial, a gravidade da sua conduta, a segurança da sociedade em geral e a tutela do bem jurídico em causa. 27. Tudo isso para concluir, como o Tribunal recorrido concluiu, que os dados de que se dispunha quanto à personalidade do arguido, as suas condições de vida e o comportamento anterior ao crime destes autos desaconselham claramente a suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada. 28. Ou seja, a culpa do arguido e as circunstâncias concretas dos factos, tal como a inexistente motivação evidenciada para se afastar da senda do crime, não permitem formular a seu favor aquele juízo de prognose favorável quanto à sua conduta posterior que leve a concluir que a simples ameaça da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 29. Parece-nos medianamente evidente que resultam claros do douto acórdão ora em recurso os motivos pelos quais se considerou que inultrapassáveis necessidades de reprovação e prevenção se configuram como obstáculos sérios à suspensão da execução da pena de prisão.” *** Admitido o recurso, por despacho de fls. 388, subiram os autos e este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto elaborou douto parecer no sentido do mesmo não merecer provimento, aderindo à essência da resposta apresentada que reforçou ainda com pertinente argumentação.*** Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não houve resposta.Realizado o exame preliminar e nada obstando ao conhecimento do mérito da causa, vieram os autos à conferência, que decorreu com observância das formalidades legais. *** II – FUNDAMENTAÇÃO1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica (cf., entre outros, Acórdão do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt), as conclusões do recurso delimitam o respectivo objecto e âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso. In casu, são suscitadas as seguintes questões: a) Erro notório na apreciação da prova b) Erros de julgamento da matéria de facto • Violação do disposto no art. 127º, do Cód. Proc. Penal • Violação do princípio in dubio pro reo c) Aplicação de pena de substituição [suspensão da execução da prisão] *** 2. Com interesse para a causa, importa considerar a seguinte fundamentação de facto da decisão recorrida: (transcrição)A) Factos Provados “1- No dia 9 de Janeiro de 2012, por volta das 17h00m, a ofendida E…, circulava, a pé, no túnel de passagem para peões, que liga a artéria …, em …, Valongo. 2 - Com efeito, quando já se encontrava no fim das escadas do referido túnel, a ofendida foi surpreendida pelo arguido B…, que a ela se dirigiu e, num tom sério e intimidatório, lhe disse "dá-me a carteira", tendo a ofendida tirado a carteira do ombro para entregar ao arguido, o qual lhe retirou a mesma da sua mão. 3 - Na posse da referida carteira, da qual se apoderou, o arguido pôs-se em fuga. 4 - No interior da referida carteira encontrava-se um porta-moedas, contendo algumas moedas, de número e valor não apurado, bem como uma carteira cujo valor é de 7€, contendo os seguintes documentos: cartão de multibanco e cartão visa, do banco …, passe dos … - cartão andante, cartão de cidadão, cartão da firma e uma caderneta da …; um telemóvel de marca …, no valor aproximado de € 60,00 e cerca de € 7,00 em dinheiro. 5 - Dos artigos subtraídos à ofendida apenas foi, posteriormente, recuperado, por aquela, o seu passe dos … - …, na estação da CP, em …. 6 - O arguido B… agiu de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado de se apoderar dos bens pertencentes à ofendida, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade daquela, apenas logrando obter os seus intentos através da atuação supra descrita, surpreendendo a ofendida com actos de força e de violência psicológica, consubstanciados no uso de uma expressão intimidatória. 7 - Atuou o arguido livre e conscientemente, bem sabendo que praticava atos proibidos e punidos pela lei penal. 8 - O arguido já sofreu diversas condenações pela prática de crimes, das quais se destacam as seguintes: - No âmbito do Processo n.º 446/98.2PBVLG, do 1º Juízo do Tribunal Judicial Valongo, foi o arguido B… condenado, em cúmulo jurídico, por decisão proferida a 14/05/2003 e transitado em julgado em 16/06/2003, na pena unitária de 4 anos e 10 meses de prisão, em relação à qual foi perdoado um ano, remanescendo, assim, a pena de 3 anos e l0 meses de prisão. Tal pena foi declarada extinta por decisão proferida em 21/09/2006. - No âmbito do Processo n.º 1184/02.9PBVLG, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial Valongo, foi o arguido B… condenado, por sentença proferida em 02/12/2003 e transitada em julgado em 02/12/2005, pela prática, em 30/11/2002, de um crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º do C. Penal, na pena unitária de 18 meses de prisão. - No âmbito do Processo n.º 60l/03.5GDGDM, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial Gondomar, foi o arguido B… condenado, por acórdão proferido em 23/05/2006 e transitado em julgado em 07/06/2006, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º, n.º 2, al. e), do C. Penal, praticado em 30/04/2003, na pena unitária de 2 anos e 10 meses de prisão. - No âmbito do Processo n.º 60l/03.5GDGDM, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial Gondomar, foi proferido, em 13/06/2008, Acórdão cumulatório, que transitou em julgado em 17/07/2008 e que condenou o arguido na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão. - O arguido esteve preso preventivamente, no âmbito do Processo n.º 492/98.6, desde 7 de Janeiro de 1999 a 6 de Outubro de 1999. - O arguido foi detido, no âmbito do Processo n.º 446/98.2PBVLG, em 26/07/2003, à ordem do qual esteve a cumprir pena até 26/08/2006. - Em tal data foi ligado ao Processo n.º 610/03.5GDGDM, onde esteve a cumprir pena até 26/02/2010. 9 - Pelo que, o arguido praticou os factos que lhe são imputados, antes de terem decorrido cinco anos sobre a execução dos ilícitos criminais dolosos acima referidos, descontando o tempo durante o qual o mesmo cumpriu medida de coação de prisão preventiva e pena privativa de liberdade e não obstante, tais condenações não constituíram obstáculo bastante ao cometimento de novos crimes pelo arguido em referência. 10- Das condições sociais, pessoais e económicas: O arguido estruturou o seu processo de desenvolvimento no agregado de origem, residente em …, composto pelos pais e três irmãos, cuja dinâmica familiar é descrita como equilibrada e funcional, sem registo de dificuldades materiais de relevo. Frequentou o sistema de ensino, só tendo concluído o 6º ano de escolaridade aos 16 anos, após ter revelado desinteresse pelas actividades escolares. Ingressou no mercado de trabalho como aprendiz de electricista, actividade que manteve durante cerca de 4 anos, tendo posteriormente trabalhado em empresa de artes gráficas até ao encerramento da mesma, após o que conheceu experiências laborais variáveis em vários sectores de actividade. Iniciou consumo de estupefacientes por volta dos 15 anos, problemática que assumiu repercussões disfuncionais a partir do início da idade adulta, com integração em grupos de pares com condutas tidas como desviantes e registo de confrontos com o Sistema da justiça a partir de 1998, tendo permanecido preso preventivamente entre Janeiro e Outubro de 1999. Antes desta sua experiência de reclusão tinha efectuado tratamento antagonista sob a orientação do Centro de Atendimento de Toxicodependentes de …, no Porto, que abandonou entretanto. Observou posteriormente novas condenações, maioritariamente por furtos, consubstanciadas em multas, trabalho comunitário, penas de prisão suspensas e efectivas, tendo permanecido preso desde 26.07.2003 a 6.08.2010, altura em que foi libertado condicionalmente. Durante a execução daquelas penas de prisão conheceu algumas dificuldades de adaptação àquele contexto institucional, tendo nomeadamente sido alvo, até 2009, de sanções disciplinares por incumprimento de regras institucionais, comportamento que associado à indefinição da sua situação jurídica (pendência de vários processos, objecto entretanto de cúmulo) retardou a aplicação de medidas de flexibilização da pena e posterior libertação condicional. - Casou por volta dos 20 anos, tendo-se autonomizado do agregado de origem e tido uma descendente, actualmente com 16 anos, a residir em França com a mãe, relação que terminou decorridos 4 anos. Em 2001 iniciou novo relacionamento afectivo em união de facto, do qual resultou o nascimento de novo descendente, actualmente com 12 anos, terminado pela companheira posteriormente à prisão de B…, com estabelecimento subsequente de nova união de facto. Nessa medida, após ter sido libertado condicionalmente, retornou à residência da mãe (o pai faleceu enquanto permanecia recluído, em Junho de 2004), tendo conhecido percurso de instabilidade comportamental favorecido pela manutenção de alguns consumos de haxixe e recorrência de períodos de abuso etílico, com adopção de conduta de alguma inadequação e agressividade para com a mãe. Sensibilizado para voltar a recorrer a ajuda terapêutica, acedeu em retomar tratamento sob a orientação do Centro de Respostas Integradas Porto Oriental, nunca deu continuidade às iniciativas necessárias no sentido da marcação de uma primeira consulta, revelando resistência à concretização deste objectivo e consideração da respectiva desnecessidade por referência à inflexão da sua postura. - Na altura dos factos porque se encontra acusado o arguido vivia com mãe, viúva, de 66 anos de idade, em habitação arrendada, onde esta reside há 48 anos, localizada em zona residencial central da cidade de …, de construção antiga, inserida em antiga casa de lavoura, em conjunto habitacional de tipo “ilha”. Permanecia em situação de liberdade condicional, sob o acompanhamento da equipa do IRS, inactivo desde Dezembro de 2010, altura em que após ter tido intervenção cirúrgica ao braço optou por não renovar a licença provisória por doença, porque não remunerada, nem retomar trabalho ao serviço da empresa de construção civil ao serviço da qual tinha iniciado actividade laboral em Setembro desse ano, ao abrigo de contrato a termo por seis meses, retomando a mesma como excessivamente penosa. Nessa medida, permanecia dependente da mãe, cuja economia familiar se suportava nas respectivas pensões de reforma e viuvez, realizando pontualmente alguns biscates para vizinhos. Apesar de não se ter efectivamente envolvido na concretização da retoma do tratamento no C.R.I. Porto Oriental, tinha observado alguma inflexão em termos de contenção dos excessos etílicos e consequente adopção de comunicação mais ajustada no espaço intra-familiar, não lhe sendo reportados novos comportamentos de desajustamento social no espaço sócio-residencial. - Há cerca de 7 meses B… estabeleceu novo relacionamento afectivo, com jovem de 25 anos, desempregada, residente em apartamento de tipologia 3, arrendado na zona …, em …, com dois descendentes, de 7 e dois anos de idade, fruto de relacionamento anterior, cuja economia familiar se suportará em prestação do rendimento social de inserção. De acordo com o que nos referiu e foi corroborado pela mãe e vizinhos da mesma, vinha já permanecendo junto desta e dos filhos da mesma, com quem aliás passou a quadra festiva do Natal, tendo aliás assumido integralmente durante uma semana o suporte aos menores durante o período em que a companheira teve que se ausentar para França na sequência do falecimento do respectivo progenitor. Não obstante, apesar de verbalizar satisfação com este relacionamento e verbalização de propósitos de continuidade, mantinha vinculação à progenitora, com deslocações ao local de residência e contactos diários com a mesma, a cujo apoio material continuava a recorrer. Segundo referiu, com o apoio da companheira retomou tratamento no C.R.I. Porto Ocidental à problemática etílica, com realização de medicação de suporte e evolução em que se baseou para cessar, por sua iniciativa o mesmo, considerando-o já desnecessário, em Setembro do ano transacto, afirmando manter desde então quadro de abstinência de estupefacientes e de bebidas alcoólicas, pontuado apenas por consumos muito pontuais de cerveja. - Não obstante, atentas as características de impulsividade do arguido, o relacionamento com a actual companheira assinala alguma instabilidade, com registo de período breves de ruptura, sendo que no presente permanecem incompatibilizados, na decorrência de discussão ocorrida entre ambos posteriormente à entrevista realizada no serviço do IRS a 25.01.2013, a propósito do fornecimento do respectivo endereço e da auscultação da receptividade daquela ao estabelecimento de contacto com o serviço, alegadamente recusadas pela mesma. Nesta decorrência, o arguido encontra-se novamente a residir com a mãe, mantendo convivência diária com a mesma e com amigos, que permanecem igualmente inactivos, na residência dos mesmos e café próximo. Encontra-se inscrito na bolsa de emprego do Centro de Emprego …, prosseguindo simultaneamente diligências de procura de emprego através da consulta de ofertas de trabalho publicadas na imprensa e da inscrição em agências de trabalho temporário que, até à data, se têm revelado infrutíferas. Em Julho do ano transacto, no decurso de entrevista de emprego a que acedeu após consulta de anúncio em jornal, perspectivava ir trabalhar para a Holanda como embalador de fruta, o que aquando da data da partida não se concretizou, tendo-se configurado numa situação de burla. À semelhança do anteriormente manifestado no decurso da sua liberdade condicional, continua a não se revelar receptivo ao desenvolvimento de formação profissional, alegadamente por rejeitar regressar ao Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira a fim de solicitar a emissão de diploma da acção de reconhecimento, validação e certificação de competências efectuada enquanto recluído. As referências obtidas no meio familiar e residencial reportam-lhe a ausência de indicadores de desajustamento social e registo actual de maior adequação, quer em termos da ingestão de bebidas alcoólicas, quer ao nível da comunicação com a mãe. - B…, actualmente com 39 anos de idade, conheceu trajectória assinalada pelo envolvimento no consumo de estupefacientes desde os 15 anos e pela assunção, nesta decorrência de comportamentos de instabilidade pessoal, laboral e de desvio, maioritariamente de natureza patrimonial, com registo dos primeiros confrontos judiciais a partir dos 25 anos de idade e experiência de reclusão um ano depois. No contexto da execução de penas e medidas judiciais sob a intervenção do serviço do IRS, nomeadamente em sede de trabalho comunitário, cumprimento de pena de prisão e liberdade condicional observou algumas dificuldades de adaptação ao contexto prisional e de correspondência aos objectivos e constrangimentos inerentes àquelas medidas, relacionados com factores de instabilidade pessoal relacionados com a manutenção de problemas aditivos (consumos de haxixe e abusos etílicos), não revelando receptividade para voltar a recorrer a ajuda terapêutica. Já após o termo da sua liberdade condicional, concluída a 27.02.12, com o apoio da actual companheira, com quem se incompatibilizou muito recentemente, concretizou iniciativa nesse sentido, que abandonou decorrido meio ano, alegadamente por já não considerar necessário aquele suporte, afirmando manter registo de abstinência de haxixe, contenção etílica e ajustamento social corroborado pelas referências familiares e sócio-residenciais. Na ausência de ocupação laboral e de rendimentos próprios, até ao momento não viabilizada, não obstante o desenvolvimento de iniciativas de procura de trabalho, mantém dependência material da mãe e quotidiano sem ocupação estruturante e regular à excepção da prestação de serviços eventuais para particulares na área da construção civil. Nessa medida, apesar do reportado registo de maior adequação relacional e comportamental, subsistem dimensões de vulnerabilidade pessoal relacionadas com este registo de inactividade e com o abandono do suporte terapêutico recentemente retomado que, associados à sua trajectória pregressa, mormente no que se refere ao seu percurso delinquencial e execução de penas e medidas judiciais, que se configuram como factores de risco de reincidência criminal. - O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado por sentenças transitadas em julgado, por crimes de furto qualificado (em 10 processos), por crime de injúrias, de receptação e falsidade de declaração.” *** B) Factos Não provadosDa acusação: - Que o arguido puxou a carteira da ofendida do ombro esquerdo. Da contestação: - No dia e hora referidos na acusação estava o arguido a tomar café ao balcão do café “L…”, e através de um telefonema da mãe tomou conhecimento de que andavam atrás dele e foi à esquadra; - No dia seguinte, a filha da ofendida, cujo nome desconhece, sugeriu-lhe que fosse com ela ao supermercado, onde se encontrava a ofendida, a fim de ver se esta o reconhecia ou não. - Dentro do supermercado estava a ofendida. - A ofendida olhou para ele e disse: "não é este rapaz, não é ele, não é ele." - Esta afirmação foi presenciada pelas pessoas que ali estavam e que os conheciam, nomeadamente por alguns clientes do supermercado e pela dona do estabelecimento. - A filha pediu-lhe desculpa, disse-lhe que a mãe não havia tomado a medicação para a cabeça e que sabia que não tinha nada a ver com o roubo. *** C) MotivaçãoA convicção do tribunal baseou-se essencialmente nas declarações prestadas pela ofendida e reconhecimento pessoal que a mesma fez passados dois dias após os factos. A ofendida relatou os factos nos seguintes termos: naquele dia e hora, quando se encontrava no último degrau das escadas do túnel ali existente, saltou o arguido para a sua frente e olhou para os dois lados, andou e recuou e disse “dá-me a carteira” e a ofendida ainda disse “não me tires a carteira” (com receio de ser agredida e de se magoar, pois tinha sido operada 15 dias antes), e o arguido voltando a dizer “dá-me a carteira”, a ofendida com medo de ser agredida atento o tom intimidatório, fez o gesto de entrega da carteira, e o arguido retirou-lha da mão e fugiu apoderando-se da mesma. A ofendida com medo não conteve a urina. A ofendida ainda foi atrás do arguido e a meio do túnel tem umas escadas (posteriormente, soube que essas escadas dão para a casa da mãe do arguido, e onde ele vive), e ele subiu as escadas, a ofendida gritava e ainda o viu saltar para um muro de uma vivenda e fugir pela linha do caminho-de-ferro. As pessoas na rua começaram logo a dizer “é o B1…”. A ofendida afirmou que logo após o assalto pediu ajuda à testemunha D… e que reconheceu em audiência de julgamento, a quem pediu para chamar a polícia e a dita D… telefonou para o seu pai, o qual posteriormente apareceu. A ofendida, passados dois dias dos factos, fez o reconhecimento presencial. Ora, antes de valorarmos tais meios de prova, importa relembrar algumas noções básicas em matéria de reconhecimento. É nosso entendimento, aliás na senda da jurisprudência nacional dominante, que o reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento nos termos do art. 355º, n.º 1 “in fine” e n.º 2, do CPP. Prova essa que tem clara autonomia relativamente às declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas e que, por via disso, se inserem na previsão do art. 356º, n.º 1, al. b) do CPP. Não é, portanto, prova com natureza declarativa ou testemunhal e, sob pena, de esvaziar de sentido a “prova por reconhecimento”, não tem natureza meramente indiciária. O "reconhecimento", enquanto elemento objectivo da convicção do Tribunal, não pode ser encarado pelo prisma da simples leitura autorizada de declarações ou depoimentos. O "reconhecimento" é um meio de prova "pré-constituído" pois que, pela sua natureza e pelas conclusões apresentadas por estudos em psicologia da memória, deve ser realizada temporalmente o mais próximo possível da prática do acto ilícito - no início do inquérito, portanto - inadequado para, ex novo, ser praticado em audiência de julgamento, de valor moderado mas discutível se nesta for praticado pela segunda vez, mas passível de, em audiência, ser contraditado. Tudo o que foi dito serve para dizer que deverá ser revestido dos maiores cuidados a apreciação dos reconhecimentos de pessoas em processo penal, nomeadamente no controle dos pressupostos de tais actos, de molde a maximizar a possibilidade do julgador decidir de forma segura sobre se os reconhecimentos feitos pela polícia em inquérito o foram de forma adequada e a evitar erros judiciários cometidos à sombra de erros de identificação. Assim, elementos essenciais que permitam apurar o acerto nos procedimentos de reconhecimento são: o local (e as suas características) onde o mesmo foi realizado; o número e tipo de pessoas que formaram a “linha de identificação” e as suas características físicas. Estes são elementos essenciais para controlar o acerto do procedimento, formar a convicção do julgador e permitir a respectiva motivação. Ora, no caso vertente, ressuma do auto de reconhecimento que a reconhecedora - testemunha E1… - descreveu a pessoa a identificar e, por outro lado, ainda ressuma do mesmo auto que as pessoas que formaram a “linha” tinham características fisionómicas e de vestuário semelhantes às do suspeito. Saliente-se que a ofendida nunca vacilou na identificação do arguido como sendo o autor do assalto, sendo certo que foi a única pessoa que esteve cara a cara com o arguido, e tal como afirmou a sua filha ouvida em audiência de julgamento a mãe nunca teve dúvidas de ter sido o arguido o autor do roubo de que foi alvo. Esta testemunha ouvida oficiosamente pelo tribunal –M… - relatou alguns factos de modo diferente da versão do arguido, tendo dito que com efeito pediu a alguém que conhecia o arguido para lhe telefonar e encontrar-se com ele para que o arguido não andasse a ameaçar a mãe, pois ele andava a dizer às pessoas que iria para a prisão por causa da mãe da testemunha e pediu-lhe para a mãe não dizer que foi ele. A testemunha, por sua vez, sempre disse à mãe que se viu que foi o arguido para dizer a verdade e a sua mãe nunca teve dúvidas de que era ele. A matéria dada como provada baseou-se na prova acima descrita, a qual se afigurou credível ao olhos do julgador, nomeadamente em face da versão avançada pelo arguido e pelas testemunhas de defesa e testemunha D…, depoimentos completamente inverosímeis e ostensivamente falsos e eivados de completa mentira, nitidamente para tentar iludir o julgador e colocar a dúvida, a qual não se verificou, como acima se referiu. Na verdade, o arguido e as testemunhas J… e K…, contaram ao tribunal que no dia e hora dos factos, o arguido encontrava-se no café “L…”, na altura explorado por aquelas testemunhas, quando a testemunha K… que estava fora do café ouve uns gritos e vê um sujeito calvo a correr e uma senhora atrás dele. Ainda, o arguido e ambas aquelas testemunhas afirmaram que, entretanto, o arguido recebeu um telefonema da mãe, por causa da polícia e o arguido foi logo de imediato à polícia. Ora, e desde logo a mentira ressalta logo à evidência quando ressuma dos autos, nomeadamente do auto de notícia que os factos ocorreram em 09.01.2012 e a ida do arguido à polícia foi no dia 11.03.2012, ou seja, dois dias depois. O que significa que a versão do arguido e das testemunhas entra logo em contradição quando diz que no dia do assalto recebe telefonema da mãe pois polícia andava atrás dele e ele apresenta-se logo de imediato na polícia e é logo feito o reconhecimento. Com efeito, o arguido foi à polícia e participou no reconhecimento, mas foi dois dias depois. Ou seja, as contradições são evidentes: o próprio arguido e aquelas testemunhas afirmaram que no dia do assalto o arguido estava no café e recebeu o telefonema da mãe e foi logo à polícia fazer o reconhecimento. Isto é completamente falso, próprio de quem está a ocultar os factos verdadeiros. Com efeito, recebeu o telefonema da mãe, tal como a própria contou, mas foi dois dias depois, porquanto o reconhecimento foi feito dois dias depois e logo que recebeu o telefonema. Assim sendo e se fez o reconhecimento dois dias depois dos factos, e nesse dia é que recebeu o telefonema, como a sua mãe afirmou, então as coisas não poderiam ter-se passado como o arguido e as testemunhas de defesa relataram, tornando-se assim no seu todo completamente inverosímil tudo o que relataram. Por outro lado, igualmente se conclui que a testemunha D… igualmente mentiu em tribunal, ao suportar uma tese do arguido, dizendo que viu o sujeito que assaltou a ofendida e que o mesmo era calvo. Ora, se ostensivamente concluímos que a tese do assaltante como sujeito calvo foi arquitectada pelo arguido (que não é de todo calvo) e testemunhas J… e K…, como acima analisámos, então facilmente se conclui que aquela testemunha D… que apenas aparece no fim do julgamento (nunca ninguém falou nela no inquérito como sendo relevante para colocar em dúvida os factos de que vinha acusado o arguido) igualmente mentiu em tribunal para sustentar uma tese de um sujeito calvo como assaltante da ofendida. Instada pela razão do seu aparecimento tardio como testemunha ocular do assalto disse que foi a mãe do arguido que lhe pediu para ir a tribunal, pois “parecia que o julgamento não estaria a correr bem”(!). Acresce que no tribunal, numa acareação informal entre a ofendida e esta testemunha, revelou-se aos olhos do julgador ser sintomática a afirmação segura e peremptória da ofendida continuando a afirmar ser o arguido o autor do assalto, sendo certo que nunca a ofendida se revelou aos olhos do julgador pessoa diminuída ou com qualquer problema nomeadamente de saúde mental e sempre ao longo do processo nunca vacilou ou teve dúvidas acerca da autoria dos factos, e, por outro lado, a testemunha D… quando confrontada pelo tribunal de que poderia ser sujeita a procedimento criminal caso mentisse em tribunal, sentiu-se que ficou menos segura, afirmou que não sabia dessas consequências e contudo, e apesar de alertada, subsistiu teimosamente na afirmação de que o assaltante era calvo. Ora, se bem que o tribunal está convencido de que a testemunha D… esteve com a ofendida logo após o assalto, já não ficou convencido de que a testemunha tal como afirmou viu o assaltante como sendo pessoa calva e diferente do arguido, outrossim foi a tribunal a pedido da mãe do arguido para descartar o arguido da cena do crime. Diga-se que em nada balançou ou beliscou a convicção do tribunal o depoimento do pai da testemunha D… - I… - o qual afirmou que após telefonema da filha foi buscá-la de carro e que viu na rua, nesse entretanto, um sujeito calvo a vasculhar com uma carteira de senhora. Também o depoimento da testemunha F1…, dona do supermercado, revelou-se contraditório com o depoimento da ofendida e filha: aquela testemunha relatou que a ofendida no seu supermercado descreveu o assaltante como calvo, e que a filha levou o arguido lá para a mãe o ver e a ofendida disse “não foi este rapaz”. Ora, o tribunal confrontando a filha da ofendida com esse episódio disse que a mãe nunca teve dúvidas acerca da identificação do arguido como sendo o autor do assalto e que tal afirmação nunca teve lugar e a ofendida por sua vez quando instada pelo tribunal aquando do seu depoimento disse que nunca afirmou que o assaltante era calvo e que quando no dia seguinte esteve no supermercado da F… o arguido ameaçou-a, bem como a mãe do arguido foi a casa dela pedir para não dizer que tinha sido o arguido o assaltante. Ou seja, mais uma testemunha (a testemunha F…) a mentir em tribunal, pese embora alertada para tal. Vale tudo por dizer que o depoimento da ofendida e reconhecimento feito passado dois dias e tudo corroborado pelo depoimento da filha da ofendida que afirmou que sua mãe nunca vacilou acerca do autor do crime (ao contrário do que foi dito pelo arguido e testemunha F…), alicerçaram com toda a segurança e certeza a convicção do tribunal, revelando-se aos olhos do julgador credíveis, sendo certo que a ofendida nunca tinha visto o arguido (a não ser um dia antes num café, mas não o conhecia nem nada sabia da vida dele) e nada tinha contra ele de pessoal que de qualquer forma pudesse por em causa o depoimento. Daí a convicção do tribunal acerca dos factos e acerca dos depoimentos das testemunhas que prestaram falsos depoimentos e que por isso vai ser ordenada a extracção de certidão para procedimento criminal. Por tudo o exposto e a contrário resultaram não provados os factos constantes da contestação. A ofendida relatou o valor da carteira e objectos subtraídos e valores, tendo apenas recuperado o passe de transportes. No que concerne às condições pessoais do arguido, o tribunal fundamentou-se no teor do relatório social. Os antecedentes criminais do arguido decorrem do certificado de registo criminal junto aos autos. *** 3. Apreciando de mérito Pese embora o recorrente suscite a invalidade da prova por reconhecimento realizada nos autos e considerada elemento probatório fundamental para a convicção obtida sobre a identidade do perpetrador dos factos delituosos, o certo é que tal questão aparece intimamente conexionada e dependente da reapreciação da prova gravada, relegando-se, pois, para essa sede, o respectivo conhecimento. * 3.1 Do recurso em matéria de factoPara além dos erros de julgamento – sindicáveis por via da reapreciação da prova nos moldes estatuídos no art. 412º n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal – existem circunstâncias, previstas no art. 410º n.º 2 a), b) e c), do mesmo diploma, que consubstanciam erros da decisão devendo estes detectar-se sem esforço de análise, pelo texto da decisão, sem recurso a elementos estranhos a ela, designadamente declarações ou depoimentos, como é pacificamente aceite e sufragado pela doutrina e jurisprudência.[1] Este normativo consagra o chamado recurso de «revista ampliada», permitindo que o tribunal superior possa conhecer os vícios documentados no texto da decisão proferida pelo tribunal a quo que contendam com a apreciação do facto, ainda que não tenham sido directamente invocados pelo recorrente, ou o tenham sido de forma parcial e deficitária, ou mesmo quando o recurso verse unicamente matéria de direito [daí que não possa recorrer-se para o STJ com fundamento em tais vícios mas esse Tribunal possa, oficiosamente, suscitá-los no âmbito de recurso de direito ante si apresentado][2]. * 3.1.1 Dos víciosIn casu, o recorrente mostra-se inconformado com a circunstância do tribunal a quo o ter considerado autor dos factos relativos ao crime de roubo que lhe vinha imputado invocando, além do mais, a existência de erro notório na apreciação da prova, estatuído na alínea c), do n.º 2, do citado art. 410º. Para o efeito, invoca que as provas produzidas em audiência, designadamente as suas declarações e depoimentos das testemunhas D… e pai desta, em confronto com as da ofendida e prova documental junta, apreciadas à luz das regras de experiência, impunham que se dessem como não provados os factos n.ºs 2, 3, 6, 7 e 9 da matéria provada. Embora a motivação da decisão recorrida dê nota da existência de versões contraditórias, tendo os julgadores dado prevalência a uma delas pelas razões que aí explicitaram, exaustiva e claramente, o certo é que tal circunstância não evidencia qualquer erro notório visto que a decisão proferida, por si ou em conjugação com as regras de normalidade do acontecer, não revela distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional, e por isso incorrecta, que não escapassem à observação e verificação comum do homem médio.[3] Estamos, pois, unicamente no domínio dos erros de julgamento, já que, a censura crítica que o recorrente dirige ao acórdão recorrido não se patenteia do simples cotejo do respectivo texto, exigindo antes a concatenação dos diversos meios probatórios e respectiva credibilidade. Em consequência e sendo ainda ponto assente que do texto da decisão ora impugnada, considerado nos moldes já supra referidos, também não resulta a existência de qualquer hiato na matéria essencial à decisão [insuficiência para a decisão da matéria provada – art. 410º n.º 2 a)], nem qualquer incompatibilidade inultrapassável entre a matéria provada, entre esta e a não provada ou entre a fundamentação de facto e a decisão tomada [contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão – art. 410º n.º 2 b)], forçosa é a conclusão que a decisão recorrida não padece de vício carecido de reparação, seja o invocado, seja ainda os demais catalogados no art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal. * 3.1.2 Da validade da prova por reconhecimentoO recorrente questiona a validade do seu reconhecimento realizado em sede de inquérito pela ofendida E…, afirmando resultar do depoimento desta que o mesmo não foi feito nos termos da lei pois que, por um lado, ela omitiu que o tinha visto no dia anterior ao roubo e, por outro lado, não foram postas duas pessoas idênticas na linha de reconhecimento. Reforça a sua tese com a transcrição dos excertos da gravação em que assenta a sua convicção. Vejamos, então. O reconhecimento de pessoas, constitui um meio de aquisição e conservação de prova, visando acautelar as situações em que a testemunha/vítima de um crime viu mas não conhece ou não sabe a identificação do(s) perpetrador(es), havendo toda a conveniência de fazer o rápido confronto com os suspeitos do mesmo, antes que os pormenores visualizados e jacentes na memória se desvaneçam ou sejam inquinados pelo decurso tempo. E tal diligência probatória reveste ainda maior acuidade quando, como nas situações em apreço, o contacto entre a vítima e o agente do crime foi breve e com contornos traumáticos. Todavia, se assim é, também não é menos certo que um dos principais problemas na administração de justiça são os erros que cometem as testemunhas nas suas identificações, determinando a condenação de pessoas acusadas de delitos que não cometeram. Estes erros têm uma enorme importância devido às consequências que implica manter um inocente na cadeia enquanto o culpado permanece em liberdade. Daí a necessidade de instituir um sistema que, sem esquecer os factores que podem influenciar a exactidão das identificações - não só relativos à própria testemunha (idade, raça, capacidade visual e de concentração, etc.), como também à dinâmica e circunstâncias de tempo e modo da ocorrência (luminosidade, duração, número de perpetradores, utilização de armas, etc.) -, possa incrementar o número de acertos e diminuir as falhas e falsos positivos.[4] Assim, visando acautelar e prevenir as identificações erróneas, o legislador, regulou, no Código de Processo Penal, o reconhecimento de pessoas em processos criminais, nos termos seguintes: Artigo 147.º 1 - Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação. Reconhecimento de pessoas 2 - Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual. 3 - Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando. 4 - As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto. 5 - O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2. 6 - As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento. 7 - O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer. Tendo presentes tais requisitos e cotejando-os com o auto de reconhecimento junto a fls. 4 desde logo se evidencia que o mesmo, levado a cabo, no dia 11 de Janeiro de 2012, nas instalações da PSP de …, é formalmente válido já que observa todos os requisitos legais previstos para o efeito. A reconhecedora é a vítima do crime, estando assentes nos autos as circunstâncias em que vira o indivíduo a identificar e a linha de reconhecimento foi composta com recurso a duas outras pessoas que, embora sendo polícias em serviço na Divisão de Investigação Criminal (DIC), diz o auto respectivo, “tinham características físicas e de vestuário semelhantes” às do arguido. Por seu turno, ouvido o registo gravado, facilmente se conclui que o segmento invocado pelo recorrente peca pela falta de clareza já que a ofendida tentou descrever algo que lhe foi referido “pela doutora que tratava do caso” (sic) mas foi interrompida várias vezes não se percebendo exactamente o que pretendia dizer, parecendo até que aludia à falta de um cartaz ou outra sinaléctica que identificasse os sujeitos à identificação com os n.ºs 1, 2 e 3. De todo o modo, a presença de duas outras pessoas é inquestionável, seja porque exarada no auto – cuja falsidade não foi arguida – seja ainda porque a E… o referiu, depois, expressamente (segmento da gravação do seu depoimento de 12:51 a 13:08 – estava no meio de dois). Em consequência, nada obstava a que o tribunal a quo ponderasse tal meio de prova. Assim, a questão suscitada pela audição da prova gravada não é da validade legal do reconhecimento - por incumprimento de requisitos/formalidades – mas antes a da sua credibilidade, o que nos reconduz aos erros de julgamento e à reapreciação da prova, nos moldes e ao abrigo do disposto no art. 412º n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal. * 3.1.3 Dos erros de julgamentoConsoante jurisprudência uniforme e constante dos nossos Tribunais Superiores, designadamente do nosso mais alto Tribunal (STJ), o recurso tem em vista o estrito controlo da observância da legalidade na concretização do acto de julgar e decidir de outro órgão judiciário, não visando o cotejo de diferentes sensibilidades sobre a questão controvertida, funcionando antes como remédio quanto a questões concretamente suscitadas e, eventualmente, carecidas de reparação por enfermarem de uma qualquer desconformidade relevante.[5] Deste modo, o recurso em matéria de facto é entendido como um meio de reparar os vícios do julgamento em primeira instância não tendo em vista a obtenção de uma outra convicção assente em novo julgamento a realizar pelo tribunal superior.[6] Em síntese, trata-se, pois, de apurar se os meios probatórios sindicados sustentam a convicção adquirida pelo tribunal a quo, de harmonia e em coerência com os princípios que regem a apreciação da prova, e não de obter uma nova convicção do tribunal ad quem assente na apreciação da globalidade da prova produzida. Por seu turno e em sede probatória, estatui o art. 127º, do Cód. Proc. Penal, que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador”. Em consequência, é perfeitamente pacífico o entendimento de que o tribunal é livre de formar a sua convicção, afastando-se a arbitrariedade pela obrigação de fundamentação da decisão, exame crítico da prova incluído, e introdução do limite constituído pelas regras de experiência comum, a par da observância dos princípios que constituem a trave mestra do nosso sistema jurídico-processual e proibição de violação da prova tarifada. Delimitado o âmbito em que nos movemos cumpre descer ao caso concreto. * O arguido, aqui recorrente, invocando que a ofendida se enganou no reconhecimento realizado, por ter sido influenciada por terceiros, e fazendo apelo ao teor das suas próprias declarações e bem assim ao depoimento das testemunhas D… e I…, conclui que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto aos pontos provados em 2, 3, 6, 7 e 9, já que o acervo probatório disponível impunha que se considerasse não provada a sua imputada autoria nos factos, tendo sido violadas as regras de apreciação da prova e a previsão do art. 127º, do Cód. Proc. Penal.Aduz ainda que, a contradição de depoimentos, imporia o recurso ao princípio in dubio pro reo, devendo ser absolvido e não condenado. Apreciando. Como evidencia a motivação da convicção supra transcrita, o tribunal a quo considerou como prova fulcral o reconhecimento do arguido, realizado pela ofendida dois dias após os factos, e o seu depoimento, destacando que esta nunca vacilou na identificação do perpetrador do crime de que foi vítima, considerando a alusão a um indivíduo calvo como efabulação do arguido em conluio com todas as demais testemunhas inquiridas - à excepção da M…, filha da ofendida - para se eximir às suas responsabilidades. No entanto, cotejada a prova constante dos autos e o registo gravado – que ouvimos na íntegra, ao abrigo do preceituado no artigo 412º, nº 6, do Cód. Proc. Penal, por entendermos que, por via de regra, só assim será possível apreender o contexto global das declarações e depoimentos e estabelecer a exactidão ou falta de fundamento da censura realizada à opção do tribunal – facilmente se conclui o seguinte: a) A prova invocada não se compagina nem esclarece o facto da denúncia subscrita pela E… se reportar a um indivíduo de “tez morena”, conhecido por “C…”, porque aquela afirma que, de imediato, toda a gente lhe dizia “foi o B1…”[7] (v. fls. 1 e segmento da gravação respectiva de 09:02 a 09:07); b) Sendo certo que a ofendida nunca, em audiência, referenciou o autor do crime como sendo “calvo”, não deixa de ser estranho que, questionada directamente a tal propósito, tenha respondido “não isso eu não me recordo” (v. registo gravado do seu depoimento de 09:40 a 09:51) em vez de dizer que não porque ele tinha cabelo ou qualquer outra coisa do género; c) Se como afirma a própria polícia, quando foi à esquadra formalizar a denúncia e deu as características do assaltante, logo lhe referiu também “é o B1…”, sendo, pois, conhecido das autoridades, porque razão foi a própria ofendida a fazer diligências visando o apuramento do seu local de residência junto da vizinhança e a indicá-lo à PSP? (cfr. segmentos gravados de 09:23 a 09:29 e 10:24 a 11:18). Dizem-nos os estudos desenvolvidos no âmbito da psicologia do testemunho que a informação obtida em momento posterior ao acontecimento é um dos factores fulcrais de distorção da memória. Comentários de natureza especulativa - muitas vezes erróneos ou enganosos – podem provocar uma alteração ou reconstrução na memória da vítima/testemunha, originando uma modificação da recordação e afectando, consequentemente, as informações que os sujeitos dão acerca da ocorrência previamente presenciada. É que, “diferentes investigadores (Lindsay, 1990; Lindsay y Johnson, 1987, 1989; Loftus, Donders, Hoffman y Schooler, 1989; Weingardt, Loftus y Lindsay, 1995; Zaragosa y Koshmider, 1989) mostraram que os sujeitos tinham tanta confiança na realidade das suas memórias verdadeiras como nas suas memórias sugeridas, chegando a crer que a informação sugerida procede realmente da original.”[8]. Ora, na hipótese em apreço, tomando por base as palavras da ofendida E…, erigida em prova fundamental da ocorrência e identidade do respectivo autor, constata-se que a mesma foi, logo após os factos, insistentemente confrontada com a possibilidade/previsibilidade do criminoso ser um tal de “B1…”. Nesse pressuposto, encetou diligências, à revelia e em substituição das autoridades a quem competia a investigação, que culminaram na obtenção da residência desse presumido perpetrador dos factos de que foi vítima, acrescida ainda de outras informações, designadamente a de que ele seria um indivíduo que vira num café, no dia anterior ao assalto, a festejar com a mãe (cfr. segmento da gravação do seu depoimento de 01:21 a 01:35 e os já mencionados 09:02 a 09:08; 09:23 a 09:29 e 10:24 a 11:18). Aqui chegados cumpre, então, perguntar se a ofendida identificou o indivíduo que a assaltou, de harmonia com as características fisionómicas que guardou na memória ou antes o “meliante B1…”, cadastrado saído há pouco tempo da cadeia, residente nas imediações e por todos indicado como sendo o presumível autor do assalto, cujo paradeiro foi por si descoberto e cujas feições já lhe eram familiares por o ter visto num café no dia anterior à ocorrência. Isto porque, é consabido que toda a informação que a vítima/testemunha foi obtendo em cada um desses procedimentos era susceptível de ser incorporada na sua memória, modificando e até suplantando a informação original. Veja-se como a ofendida até realiza inferências para adaptar a conduta do assaltante à pessoa do aqui arguido afirmando que o indivíduo saltou o muro de uma vivenda ao lado e fugiu para a linha de comboio porque estava perto de casa e as vizinhas conheciam-no (segmento 15:37 a 15:54) e manifesta desconfiança e alguma animosidade relativamente às testemunhas D… e I…, alegando que a primeira não viu nada e não a ajudou já que lhe pediu que chamasse a polícia e ela ligou para o pai [evidenciando as declarações subsequentes e os esclarecimentos em sede de acareação que aquela viu perfeitamente a pessoa que perpetrou o assalto – “ela só o viu ao cimo das escadas”, “ele olhou para ela”- segmentos 04:02 a 04:13 e 09:15 a 09:27 do registo gravado da acareação] e que o segundo referiu ter visto o assaltante e que ia procurá-lo mas depois veio dizer que nunca mais o viu, deixando nas entrelinhas que estas testemunhas pudessem estar a proteger o arguido por serem seus vizinhos[9] - registo gravado do seu depoimento de 08:12 a 08:40. Por alguma razão quem investiga não julga (princípio da acusação) e não há justiça privada nos Estados de Direito. Continuando a seguir na esteira de Antonio L. Manzanero[10], em muitas ocasiões a testemunha pode receber informações sobre os factos que presenciou através de outras testemunhas, familiares, amigos, polícia, advogados, meios de comunicação e mesmo por via do seu conhecimento prévio. “O problema é que, uma vez incorporada a informação falsa, o efeito é irreversível e permanecerá ao longo do tempo durante todas as diligências que se pratiquem com essa testemunha. Se enquanto espera a polícia se fazem comentários sobre a roupa e aparência dos agressores, por ex: afirmando que um deles tinha um piercing que afinal não existia, essa informação pode ser incorporada na representação mental que as testemunhas e vítimas tinham gerado sobre o agressor. A partir daqui todas as vítimas descreverão um agressor com piercing e na linha de identificação poderão assinalar como autor do crime a pessoa que, mais ou menos encaixando com a aparência do agressor, leve esse adorno”.[11] Assim, se a ofendida incorporou na sua memória todas essas informações obtidas após o sucedido, ainda que não correspondam à recordação original, irá referi-las como verdadeiras e, nelas acreditando, tornará, por isso mesmo, credível o seu depoimento. E, salvo o devido respeito por entendimento diverso, de nada vale o depoimento da filha da ofendida, M…. Em primeiro lugar porque apenas respondeu ao que bem entendeu [dizendo não ter sido ela a telefonar ao arguido mas alguém a seu pedido recusou esclarecer quem foi e as circunstâncias em que o fez – pese embora o arguido afirmasse, reiteradamente, que foi ela quem o contactou; justificando o contacto com o arguido pelo facto de alguém andar a dizer coisas sobre a mãe dela, escusou-se a explicitar a questão e concluiu com “não tenho mais nada a dizer”; perguntada se a testemunha F… não viu esse encontro disse qualquer coisa como “non….o que tá a falar eu não sei, só sei daquilo que eu estou a falar…” – v. segmentos da gravação do seu depoimento 01:37 a 01:42, 02:08 a 02:15, 02:59 a 03:02 e 03:39 a 03:51] e depois porque a sua versão não se afigurou minimamente congruente ou esclarecedora. Veja-se que, perante a indicada motivação para o encontro com o arguido, não se percebe a razão de ser da presença da própria ofendida no local. Por outro lado, confirmando que a mãe, na altura, lhe referiu as características do assaltante disse que já não se lembrava como eram e também não se conseguia recordar se ela disse que ele era calvo [gravação mencionada 06:15 a 06:25 e 06:31 a 06:48]. Neste preciso contexto, pese embora a confiança da ofendida, cremos que à falta de outros elementos coadjuvantes, as concretas circunstâncias que rodearam a ocorrência e a actuação desenvolvida pela própria vítima, não podem deixar de suscitar a dúvida sobre a existência de uma contaminação da recordação original e implantação de uma memória falsa determinante para o reconhecimento realizado, tudo a convocar a existência de dúvida razoável e inultrapassável relativamente à identidade do autor dos factos, a dirimir em sentido favorável ao arguido atento o princípio in dubio pro reo. Dúvida essa reforçada ainda pelo seguintes aspectos que destacamos da concatenação dos meios probatórios disponíveis: i) Resulta das declarações da ofendida E… que a testemunha D… viu o assaltante e que o pai desta, uma vez chegado ao local da ocorrência e informado do que se passara e das características do assaltante, logo referiu que teria visto nas imediações alguém que correspondia à descrição tendo ainda tentado encontrá-lo embora sem sucesso. Ora, o depoimento dessas duas testemunhas é consentâneo com a versão da ofendida, sendo esta quem os coloca no local e tempo dos factos aqui em análise. Por seu turno, a riqueza de pormenor do depoimento da testemunha D…, a referência às suas próprias emoções e paralisação perante a acção que decorria perante si e a coerência com a descrição feita pela própria vítima, demonstram, em nosso entender, que a mesma presenciou grande parte dos acontecimentos e faz um relato verdadeiro [veja-se a título meramente exemplificativo que a ofendida disse ter sido ela quem, por medo, tirou a carteira do ombro após o que o arguido lha retirou da mão e que a testemunha refere que quando entrou no túnel ouviu gritos e a primeira coisa que viu foi a ofendida ainda com a carteira na mão e ambos (ela e assaltante) agarrados a ela, quando na acusação contava que o arguido puxou a carteira do ombro da vítima] mas que a E… não a viu de imediato, preocupada que estava com o que lhe acontecia, só notando a presença dela quando o indivíduo encetou a fuga na direcção do local onde ela estava parada. O que não é de estranhar já que as situações geradoras de stress e ansiedade, como era o caso, limitam a capacidade de processar informação. Acresce que, contra a crença vigente, foi já demonstrado que as vítimas tendem a cometer mais erros que as testemunhas. Kassin (1984) realizou investigação com um crime de roubo e agressão simulado e registou diferenças significativas entre a exactidão da identificação realizada por testemunhas e vítimas, já que 53,3% dos espectadores identificou correctamente o ladrão mas nenhuma das vítimas foi capaz de o fazer. Há várias hipóteses para justificar o sucedido. As testemunhas fixaram mais tempo a cara do agressor, enquanto a vítima se fixou na parte superior do tronco. A vítima, perante, a iminência de um delito fixa a atenção nos movimentos das mãos e braços do criminoso, havendo um estreitamento do foco de atenção, tal como acontece quando há uma arma[12]; ii) A explicação fornecida pela testemunha I… para se ter apercebido do assaltante – não é vulgar ver homens na rua a abrir carteiras de senhora – e bem assim a descrição espácio-temporal feita por ele e pela filha, são coerentes e consistentes e a própria ofendida refere que, na ocasião, aquele logo referiu que poderia ter visto o assaltante (assim pese embora as testemunhas apareçam tardiamente nos autos, é facto incontestável que presenciaram grande parte da ocorrência ou tinham conhecimento de factos relevantes com ela relacionados)[13]. Logo, a única divergência entre todos eles reporta-se tão só ao facto destas testemunhas referirem, ao contrário da ofendida, que o indivíduo por si visualizado não era o aqui arguido; iii) Resulta ainda do depoimento da ofendida E… que, logo após o assalto, foi socorrida na loja pertencente à testemunha F…, aí permanecendo até à chegada de um familiar. Ora esta refere que lhe deu um copo de água e que a ofendida descreveu o que lhe acontecera e que o assaltante seria calvo e trazia um casaco castanho, tendo-lhe então sido dito por um dos presentes que a descrição correspondia a um indivíduo conhecido por C…, assim se explicando a razão de ser da referência que consta da denúncia. Aliás, em sede de acareação, a testemunha D… menciona que, nesse dia, mais tarde, foi buscar pão à loja da F… e ouviu um senhor a dizer isso mesmo à ofendida; iv) Afirmou ainda a ofendida E…, a dado passo do seu depoimento, que o arguido teria sido transportado ao Porto (pela PSP) e cortado o cabelo antes de integrar a linha de identificação, conforme lhe teria sido dito na esquadra. Se assim foi, não vislumbramos o alcance de alterar a fisionomia de um suspeito para efeitos de identificação a levar a cabo 2 dias depois dos factos (ou será que o cabelo do arguido – demasiado grande - não encaixava na descrição inicial?). * Isto posto.Sendo facto incontestável que a versão do arguido, secundada pelas testemunhas J… e K… não colhe, sendo falsa porque manifestamente impossível [por partir do princípio que o assalto ocorreu no mesmo dia em que se processou o reconhecimento, quando afinal entre um e outro mediaram 2 dias, criando-se um álibi falso para o arguido: estaria num café quando se ouviram os gritos da ofendida assaltada e se viu um indivíduo calvo a fugir, sendo aquele, pouco tempo depois, contactado telefonicamente pela mãe para ir à polícia, na sequência do que integrou linha de identificação e foi reconhecido pela vítima] tanto não basta para afirmar a inexistência de outro referenciado indivíduo e para reputar de mentiroso o depoimento das testemunhas F…, D… e I…. Ou seja, a mentira de uns não contamina necessariamente a versão dos outros, sendo até mais plausível a tese de que o arguido, pressionado pela recusa de testemunhas presenciais, tenha optado pelo caminho mais fácil recorrendo a substitutos, do que a do conluio de três testemunhas, duas delas sem ligação à restante e todas elas sem qualquer ligação especial ao arguido, no sentido de boicotarem a administração da justiça. Por outro lado e por estranho que pareça, os contornos desse falso álibi reforçam até a dúvida sobre a identidade do autor dos factos delituosos, pois que, se foi o arguido, não poderia ignorar que o roubo da carteira da ofendida não acontecera no mesmo em dia em que se dirigiu à esquadra e foi submetido a prova por reconhecimento. Quer isto dizer que as diversas pistas que se colhem dos autos – sendo objectivo e incontornável o teor da denúncia – deixam entrever uma outra possível realidade que não se compagina com as certezas da ofendida. Consequentemente, cremos que a prova produzida não é de molde a eliminar a persistência da dúvida – positiva e invencível - sobre a exactidão do reconhecimento realizado pela vítima, impondo-se decisão favorável ao arguido, de harmonia com o princípio in dubio pro reo, com a inerente modificação da matéria de facto, verificados que estão os necessários pressupostos, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 412º n.º 3 e 431º b), do Cód. Proc. Penal, de forma que, nos pontos 2, 3, 6 e 7 da matéria provada, seja eliminada a referência ao arguido e substituída por “indivíduo do sexo masculino cuja identidade não se apurou”, e eliminando-se o ponto 9 da mesma matéria que transita para a factualidade não provada. E assim, impõe-se a absolvição do recorrente por falhar o nexo de imputação do facto delituoso e a procedência do recurso interposto. * III – DISPOSITIVOEm face do exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, alterando a fundamentação de facto nos moldes supra enunciados revogam a decisão recorrida, absolvendo o arguido B… da prática do crime de roubo simples, previsto e punível pelo art. 210º n.º 1 do Cód. Penal e declaram extinta a medida de coação. *** Sem tributação – art. 513º n.º 1, a contrario, do Cód. Proc. Penal.* [Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]Porto, 20 de Novembro de 2013 Maria Deolinda Dionísio Maria Dolores da Silva e Sousa _____________ [1] Cfr., Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, pág. 339. E Ac. STJ de 11/7/2007 - Proc. 07P1416/relator Armindo Monteiro -, in dgsi.pt. [2] Nesse sentido, entre muitos, Acs. do STJ de 27/2/2013 e 2/11/2011, Procs. n.ºs 36/06.8YRLSB.S1 e 469/09.8JELSB.S1, rel. Sousa Fonte e Maia Costa, respectivamente. [3] Cfr. Ac. do STJ, de 18/10/06, rel. Santos Cabral, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, fls. 914). [4] Seguimos de perto Antonio L. Manzanero, “Memoria de Testigos – Obtención y valoración de la prueba testifical”, Ediciones Pirámide, 2010, pág. 107 e segs. [5] V., entre outros, Acórdãos do STJ de 26/1/2000 e 20/11/2008, Procs. n.ºs 950/99 e 08P3269, in dgsi.pt. [6] Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae Maio/1999. [7] Alcunha do arguido. [8] Autor e obra anteriormente cit., pág. 71. [9] Isto apesar de morarem duas ruas mais abaixo e da D… só conhecer o arguido de vista, pese embora conheça a mãe dele, e do I… nem sequer conhecer nenhum deles, como evidencia o seu depoimento. [10] Idem, págs. 172, 173 e segs. [11] Todas as citações resultam de tradução livre - nossa - do original em espanhol. [12] Apud Antonio L. Manzanero, obra citada, pág. 167. [13] Aliás, os esclarecimentos a esse propósito prestados pela testemunha D… parecem-nos cristalinos e perfeitamente compreensíveis, indo, aliás, de encontro aos reparos feitos por um dos Ex.mos Juízes Adjuntos do tribunal a quo: Abordada para ser testemunha recusou, inicialmente, porque nunca assistira a um assalto nem viera a um tribunal mas depois, confrontada com o facto de um inocente poder ser condenado, (foi-lhe dito que o julgamento estaria a correr mal para o lado do arguido) aceitou. E o facto desta testemunha não ocultar o que lhe foi dito e a determinou a comparecer em tribunal reforça até em nosso entender a sua credibilidade. |