Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3072/16.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: EMPREITADA DE CONSUMO
CADUCIDADE
DEFEITOS DA OBRA
DECISÃO SURPRESA
NULIDADES DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP202203213072/16.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 03/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Importa distinguir as nulidades da decisão dos erros de julgamento (seja em matéria substantiva, seja em matéria processual).
As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afectam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito.
II - Só há decisão surpresa se o juiz, de forma inopinada e sem alicerce na matéria factual ou jurídica invocada ou esgrimida nos autos, enveredar por uma solução que os sujeitos processuais não tinham a obrigação de prever e não quando o sentido da decisão proferida não vai de encontro à expectativa da parte quanto a certa questão (pedido, excepção ou contra-excepção) que, fazendo parte do objecto do processo, foi debatida nos autos ou que o poderia ter sido se as partes agissem com a devida prudência.
III - O Tribunal da Relação goza no âmbito da reapreciação da matéria de facto dos mesmos poderes e está sujeito às mesmas regras de direito probatório que se aplicam ao juiz em 1ª instância, competindo-lhe proceder à análise autónoma, conjunta e crítica dos meios probatórios convocados pelo recorrente ou outros que os autos disponibilizem, introduzindo, nesse contexto, as alterações que se lhe mostrem devidas.
IV - O que caracteriza o contrato de empreitada de consumo é o facto de a obra ser levada a cabo no âmbito da actividade profissional a que se dedica o empreiteiro e de o respectivo dono a destinar a um fim não profissional, como seja, destiná-la a sua habitação e do seu agregado familiar.
V - Em termos de empreitada de consumo é possível definir três prazos de caducidade, quais sejam: (i) o prazo para a denúncia dos defeitos (vícios ou desconformidades) e a contar do seu conhecimento, (ii) o prazo para o exercício dos direitos (v.g., de eliminação dos defeitos) a contar da denúncia e, ainda, (iii) o prazo de garantia, prazo este que, no âmbito do contrato de empreitada de consumo, assume a natureza de prazo máximo de garantia, no sentido de que os defeitos devem evidenciar-se ou manifestarem-se dentro daquele período temporal.
VI - Versando o contrato de empreitada de consumo um bem imóvel (edificação ou reconstrução de um novo imóvel), os aludidos prazos são os seguintes:
a) Quanto ao primeiro prazo (denúncia) vale, no âmbito da empreitada de consumo, não o prazo de 30 dias previsto no artigo 1220º, n.º 1, do Código Civil, mas o prazo de 1 ano, a contar da data em que tiver sido detectado o defeito – artigos 1225º, n.º 2 e artigo 5º-A, do DL n.º 67/2003 de 8.04.
b) Quanto ao segundo prazo (exercício do direito) vale, no mesmo caso, o prazo de 3 anos, a contar da denúncia dos defeitos – vide artigo 5º-A, n.º 3 do DL n.º 67/2003.
c) Por seu turno, quanto ao terceiro prazo (garantia), vale para o mesmo caso, não o prazo de 2 anos previsto no artigo 1224º, n.º 2 do Código Civil, mas o prazo de 5 anos a contar da entrega do imóvel, em conformidade com o previsto nos artigos 1225º, n.º 1 do Cód. Civil e 5º, n.º 1 do mesmo DL n.º 67/2003.
VII - Segundo a regra que emerge do n.º 2 do artigo 342º, do Código Civil é ao empreiteiro que incumbe o ónus de prova do decurso integral daqueles prazos e para efeitos de procedência da excepção peremptória de caducidade que lhe aproveita enquanto facto extintivo do direito do credor.
VIII - Estando, no caso dos autos, demonstrado que os vícios da obra se manifestaram durante os cinco anos subsequentes à entrega do imóvel (decorrente da realização integral da obra e sua disponibilização ao respectivo dono da obra), que a acção judicial, visando a eliminação/reparação dos vícios e o ressarcimento dos consequentes danos, foi proposta no prazo de três subsequente à sua denúncia e, não tendo a empreiteira demonstrado, como lhe incumbia, que entre a data da denúncia e a data do conhecimento dos vícios pelo dono da obra decorreu mais de um ano, não há fundamento para decretar a procedência da excepção de caducidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3072/16.2T8VNG.P1 - Apelação
Origem: Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1.
Relator: Des. Jorge Seabra
1º Juiz Adjunto Desembargador: Pedro Damião e Cunha
2º Juiz Adjunto Desembargadora: Maria de Fátima Andrade
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Sumário (elaborado pelo Relator):
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO:
1. AA e BB intentaram a presente acção, sob a forma do processo comum de declaração, contra “ E..., SA “, concluindo, a final, pela condenação da Ré a:
- Reparar “as deficiências, anomalias, vícios, irregularidades e defeitos” (sic.) da obra realizada na moradia dos Autores discriminados sob os artigos 16º a 20º da petição inicial, no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado da decisão final ou, caso o não faça, a indemnizar os Autores pelo valor correspondente a essas obras, a realizar por outrem;
- Pagar uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 6000,00;
- Pagar uma indemnização, em montante a liquidar em momento ulterior, pelos danos causados pela impossibilidade de utilização da referida moradia enquanto decorrem os trabalhos;
- Pagar juros a partir da citação.
Alegaram, em síntese, que celebraram com a Ré um contrato pelo qual esta se obrigou a realizar as obras de remodelação de uma moradia de que são proprietários, mediante o pagamento de um preço fixado em € 254.828,74.
Na vistoria realizada, constatou-se a existência de vários defeitos de construção, oportunamente denunciados à Ré, mais concretamente a deformação das placas do isolamento térmico exterior colocado, com especial incidência nas fachadas nascente, sul e poente, deficiente impermeabilização, que é causa do aparecimento de humidade em várias divisões, deficiente colocação dos pavimentos de madeira exteriores, deficiente instalação do sistema de aquecimento de águas, irregularidade do piso da garagem.
Esses defeitos impedem os Autores de gozarem em pleno das comodidades da sua moradia, o que lhes causa angústia e desgosto, dano não patrimonial que deve ser compensado nos termos pretendidos.
A realização dos trabalhos de reparação durará por um período não inferior a vinte dias, durante o qual os Autores e os seus filhos não poderão habitar na moradia.
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2. Citada, a Ré apresentou contestação em que invocou que a obra foi entregue aos Autores em finais de maio de 2010, que a aceitaram sem reservas.
A Ré não pode, assim, ser responsabilizada pelos defeitos que, pela sua natureza, seriam visíveis, nos termos do disposto no artigo 1219º do Código Civil.
Quanto aos defeitos ocultos, o prazo de garantia iniciou-se na referida data.
Assim, uma vez que a denúncia apenas veio a ocorrer em 13 de Julho de 2015 e a acção foi proposta a 11 de Abril de 2016, caducou o direito dos Autores.
No mais, impugnou a existência de defeitos da obra que levou a cabo, dizendo que a humidade existente junto aos rodapés é consequência da capilaridade das águas do solo, não estando prevista no contrato a impermeabilização das paredes destinada a evitá-la; a humidade existente nos tectos e paredes é consequência da falta de arejamento da moradia; o sistema de aquecimento das águas foi elaborado de acordo com o projecto da especialidade; o piso da garagem é o pré-existente à sua intervenção, por imposição dos Autores; o estado dos pisos exteriores em madeira é decorrente da falta de manutenção; as infiltrações de água no interior da moradia são consequência da falta de limpeza e manutenção dos tubos de escoamento das águas pluviais; a pala da garagem encontra-se degradada por terem andado sobre ela.
Acrescentou que realizou, a pedido dos Autores, trabalhos para além dos contratados, mediante um preço de € 26.000,00, acrescido de IVA à taxa legal, que se encontra em dívida.
Concluiu pedindo, ademais da improcedência da acção, a condenação dos Autores, em sede de reconvenção, a pagarem a quantia de € 26.000, acrescida de IVA à taxa legal, e de juros de mora a contar da notificação e até efectivo e integral pagamento.
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3. Na réplica, os Autores aceitaram que a Ré realizou os referidos trabalhos, mas acrescentaram que o pagamento ficou dependente de aprovação, o que nunca veio a ocorrer por a Ré não ter procedido à reparação dos defeitos da obra.
Sem prejuízo, já pagaram à Ré € 5000,00, através de uma transferência bancária realizada a 8 de Maio de 2013.
Acrescentaram que lhes é ilícito recusar o pagamento enquanto a Ré não reparar os defeitos, com arrimo na excepção do não cumprimento do contrato, e que deve ser operada a compensação entre o crédito da Ré e os créditos indemnizatórios alegados na petição inicial.
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4. Na sequência de despacho judicial, os Autores responderam à matéria de excepção invocada na contestação dizendo que apenas se mudaram para a moradia no dia 14 de Junho de 2010, quando ainda havia trabalhos em curso, o que se manteve até Setembro do mesmo ano.
Mais referiram que logo no inverno de 2010 começaram a surgir marcas de humidade em várias divisões da moradia, o que levou a intervenções da Ré nos dias 19 de Julho de 2011, 14 de Novembro de 2011, 30 de Março de 2012, 17 de Abril de 2013, 5 de Setembro de 2013 e em Outubro ou Novembro de 2014, na tentativa de resolver a situação, o que nunca foi conseguido.
Por outro lado, como havia reclamações e trabalhos pendentes, a Ré nunca deu a obra por concluída nem espoletou a sua verificação, pelo que o prazo de garantia nunca chegou a iniciar-se.
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5. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que se rejeitou a reconvenção deduzida pela Ré, afirmando-se, de seguida, a verificação dos demais pressupostos processuais.
A Ré apelou da rejeição da reconvenção, situação que foi revertida por Acórdão desta Relação.
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6. Concluída a prova pericial, realizou-se audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença em cujo decisório consta o seguinte:
1. Na improcedência da excepção peremptória de caducidade do direito à reparação dos defeitos invocada na contestação, julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência,
1.1. Condenar a Ré, E..., SA, a:
1.1.1. Reparar, no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, as desconformidades na obra realizada (…) discriminadas em III. 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 38, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 54, 55, 56, 58, 61, 62, 63, 71, 73 e 74;
1.1.2. Indemnizar os Autores, AA e BB, em montante a liquidar em momento ulterior, pelo dano patrimonial decorrente da privação do uso da sua moradia, no período em que decorrerem os trabalhos de reparação referidos no ponto anterior;
1.2. Absolver a Ré, “E..., SA.”, do demais peticionado pelos Autores, AA e BB;
2. Na procedência da excepção de não cumprimento do contrato invocada da réplica, julgar o pedido reconvencional deduzido pela Ré improcedente e, em consequência, absolver os Autores, AA e BB, do mesmo, sem prejuízo da renovação de tal pedido quando cumprida a obrigação referida em 1.1.
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7. Inconformada com a sentença, dela veio interpor recurso de apelação a Ré/Reconvinte, nele convocando as seguintes
CONCLUSÕES
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NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE 0 PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E A SENTENÇA RECORRIDA QUE FOI JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE SER ALTERADA, POR FORMA A SER DECLARA A EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE CADUCIDADE.
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8. Os Autores contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso.
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9. Foram observados os vistos legais.
Cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, nºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
Por outro lado, como é consabido, num sistema de recursos, como é o nosso, em que se visa a reponderação (controlo da decisão recorrida) e não o reexame da causa (repetindo a instância no tribunal de recurso), os meio de impugnação da decisão destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões novas, no sentido de questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso e não estejam já cobertas pelo caso julgado. [1]
No seguimento desta orientação geral, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
i) Nulidades da sentença;
ii) Impugnação da decisão de facto;
iii) Da excepção de caducidade/Condenação genérica.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos (sic):
1 - Por escrito datado de 27 de Janeiro de 2009, os Autores e a Ré, esta através de CC, na qualidade de gerente, declararam celebrar contrato de empreitada, regido pelas seguintes cláusulas:
“Primeira: A primeira outorgante dá de empreitada à segunda outorgante, que aceita, a execução dos trabalhos constantes na proposta n.º ..., referente a Remodelação de 1 Vivenda Unifamiliar, sita em Vila Nova de Gaia.
Segunda: A execução da presente empreitada obedecerá ao projecto de construção, ao caderno de encargos e proposta de orçamento que fazem parte integrante deste contrato.
Terceira: Os custos de qualquer trabalho de natureza preparatória ou acessória que não esteja previsto na proposta e no projecto aprovado, serão a cargo do dono da obra, sendo previamente aprovado por escrito por estes.
Quarta: São por conta do dono da obra o pagamento de eventuais indemnizações pela ocupação temporária de prédios particulares, necessárias à execução dos trabalhos adjudicados efectuados, sendo que essa ocupação tem de ser previamente aprovada pelo dono da obra.
Quinta: São da exclusiva responsabilidade do empreiteiro as obrigações inerentes à contratação de pessoas empregadas na execução da empreitada, à sua aptidão profissional e disciplina.
Sexta: São da exclusiva responsabilidade do empreiteiro as obrigações relativas ao cumprimento da legislação do trabalho e normas de segurança.
Sétima: O preço a pagar pelo dono da obra é de 254.828,74€ (Duzentos e cinquenta e quatro mil oitocentos e vinte e oito euros e setenta e quatro cêntimos), a que acrescerá o IVA à taxa legal em vigor, de acordo com a lista de quantidades e preços unitários, em anexo (ver proposta n.º ...).
Oitava: Os pagamentos serão efectuados por facturação mensal de acordo com os Autos de Medição à origem dos trabalhos realizados até ao dia 25 de cada mês, em presença dos representantes de cada uma das partes, processando-se o pagamento no dia 10 do mês seguinte ao que respeita o Auto.
Nona: O empreiteiro reserva-se no direito de interromper a execução dos trabalhos de empreitada caso o dono da obra não proceda ao pagamento em conformidade com o descrito na cláusula anterior.
Décima: O dono da obra efectuará uma retenção de 5% do valor facturado, até seis meses após a recepção provisória da obra.
Décima Primeira: A empreitada objecto deste contrato terá início na data decidida pelo dono da obra, a qual deve ser comunicada por escrito com carta registada para a sede da segunda outorgante ou, em alternativa, por fax para a sede desta, devendo estar totalmente concluída para entrega após 8 meses desde essa comunicação.
Décima Segunda: O decurso do prazo referido no número anterior suspende-se em caso fortuito ou de força maior, alheio à vontade das partes, desde que o empreiteiro requeira e justifique a suspensão no prazo de três dias úteis sobre a cessação do evento que foi causa da referida situação.
Décima Terceira: O empreiteiro poderá dar início aos trabalhos em data posterior à estabelecida na cláusula 11ª desde que não exceda trinta dias e de forma que não comprometa a data de entrega da obra.
Décima Quarta: O prazo de garantia da obra deste contrato é de 5 anos contados a partir da sua entrega, devendo o Segundo Outorgante proceder às reparações e correcções necessárias que resultem de deficiências de execução ou de vícios que lhe sejam imputáveis logo que seja solicitado por escrito pelo Primeiro Outorgante.
Décima Quinta: A entrega da obra deverá ser notificada pelo empreiteiro, ao dono da obra, por meio de carta registada com aviso de recepção ou via fax.
Décima Sexta: A verificação final da obra será realizada na presença do representante do dono da obra e pelo representante do Empreiteiro, no prazo máximo de 8 dias após a entrega da mesma.
Décima Sétima: A verificação da obra pode ser feita por peritos, à custa da parte que a exigiu, sendo os resultados da verificação, devidamente fundamentados, comunicados ao empreiteiro no prazo de cinco dias úteis.
Décima Oitava: A falta de verificação ou da comunicação importa a aceitação tácita da obra.
Décima Nona: Caso o empreiteiro aqui segundo outorgante não conclua a empreitada objecto do presente contrato no prazo estipulado na antecedente cláusula décima primeira, assiste ao dono da obra, aqui primeiro outorgante, o direito de exigir desta a quantia mensal de 5% (cinco por cento) do valor de empreitada a título de cláusula penal pelo atraso da conclusão da empreitada, excepto se for por factos imprevisíveis e inevitáveis, que não tendo sido possível razoavelmente prevenir, afectem a execução da empreitada, nomeadamente:
a) Calamidades naturais, tais como sismos, inundações, incêndios, raios ou ciclones;
b) Acidentes graves, tais como explosões ou derrocadas;
c) Paragens impostas pelo primeiro outorgante.
Vigésima: Para dirimir qualquer conflito resultante da interpretação do presente contrato, as partes estipulam como foro competente o Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia”, tudo conforme documento 1 com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
2 - A referida proposta 006EG03_08 é do seguinte teor:
“ Capítulo 1 – Estaleiro e obras preliminares
(…)
Capítulo 2 – Movimentos de terras
(…)
Capítulo 3 – Estrutura
Execução dos elementos estruturais segundo os planos de estrutura (laje, pilares, escada, sapatas, muros de betão e de piscina (…)
Capítulo 4 – Demolições
(…)
4.2. Paredes exteriores
4.3. Coberturas;
(…)
Capítulo 5 – Alvenarias
5.1. Execução de parede exterior, em blocos de tijolo termoargila de 19 cm rebocado dos dois lados, incluindo argamassa de cimento e areia, conforme descrito em CE e Desenhos de Pormenor (…)
(…)
Capítulo 6 – Impermeabilizações e drenagens
6.1. Fornecimento e colocação de tubo de geodreno abaixo dos níveis térreos do edifício, constituída por vala, trapezoidal de 0,30*0,50*0,70 de profundidade constituído por tubo perfurado, apoiado em caixa de areia e rematada superiormente por brita e rachão, recoberta por passeio interligado entre si e às águas pluviais, conforme descrito em CE (…)
6.5. Fornecimento e aplicação de tela asfáltica na base de chuveiro, conforme descrito em CE (…)
Capítulo 7 – Revestimentos em paredes, tectos e pavimentos
7.1. Revestimento de paredes exteriores em capoto, conforme descrito em CE e mapa de acabamentos (…)
(…)
7.26 Fornecimento e aplicação de estrado em madeira Ipê, incluindo o seu envernizamento e todos os elementos de fixação, conforme descrito em CE (…)
(…)
Capítulo 8 – Coberturas
(…)
Capítulo 9 – Cantarias
(…)
Capítulo 10 – Carpintarias
(…)
Capítulo 11 – Serralharias
(…)
Capítulo 12 – Pinturas
(…)
Capítulo 13 – Equipamento sanitário
(…)
Capítulo 14 – Diversos
(…)
14.6. Fornecimento e aplicação de grelhas de ventilação de entrada e saída de ar, para casas de banho, incluindo extractor, conforme descrito no projecto de especialidades e CE (…)
14.7. Fornecimento e aplicação de grelhas de ventilação de entrada e saída de ar para garagem, incluindo extractor, conforme descrito no projecto de especialidades e CE (…)
14.8. Fornecimento e aplicação de grelhas de ventilação de entrada e saída de ar, para garagem, incluindo extractor, conforme descrito no projecto de especialidades e CE (…)
(…)
Capítulo 15 – Arte de picheleiro
(…)
15.8. Execução de ventilação ambiente natural nos quartos de banho e cozinha, com tubo em PVC e tubo Spiro D 0,50 150 isolado com aplicação, todos os materiais e mão-de-obra necessários à sua execução (…)
(…)
15.10. Fornecimento e montagem de rede de gás (…), ligação rígida para caldeira, válvula de corte do aparelho com diâmetro de (…) 22 mm (caldeira), ensaios, verificações finais e legalização da instalação (…)
(…)
Capítulo 16 – Arte de electricista
(…)
Capítulo 17 – Ar condicionado (…)”, tudo conforme anexo ao documento 1 com a petição inicial, cujo conteúdo aqui por integralmente reproduzido.
3 - No dia 8 de Junho de 2010, pelas 0.37 horas, a Autora enviou um email ao então director técnico da obra, Engenheiro DD, do seguinte teor:
“Após o trabalho de sábado faço aqui uma enumeração de pontos para adiantar a reunião que espero que se vá realizar amanhã.
(…)
Acabamento de reboco: há imperfeições visíveis. A título de exemplo posso adiantar a moldura da frente exterior da janela da suíte e algumas dobras de varandas e esquinas.
Chapa do muro da frente – existem zonas manchadas já conversadas por diversas vezes.
Caixa do correio: acabamento deficiente e manchado na chapa além de ser manifestamente pequena (…)
Pavimento ao pé do corrimão de cima das escadas de vidro (…)
Pavimento hall dos quartos (…)
Corrimão antigo de sucupira (…)
Corrimão antigo de sucupira (…)
Cerâmica do quarto de banho - miúdos (…)
Entrada do mármore da casa de banho suíte riscado e uma parte baço (…)
Casa de banho das visitas – depois de intervenções sucessivas e numa fase final da obra com o Sr. do reboco e pintor (…)
Parapeito da porta de correr do quarto-suíte manchada do lado direito (…)
Parapeito porta dupla quarto BB com manchas (…)
Escadas de vidro (…)
Almofadas de portas (…)
Vidro interior da clarabóia da casa de banho suíte partido (…)
Vidros porta de correr da cozinha (…)
Porta de transição da cozinha / sala de jantar (…)
Pavimento de xisto da sala grande, lavandaria e cozinha (…)
Pedra da ilha da cozinha (…)
Casa de banho de xisto (…)
Porta de correr da sala de jantar do lado direito de quem entra na cozinha (…)
Ver limpeza da caixilharia e verificação dos fechos (…)
Pavimento da garagem – ver uma pintura dado estar muito imperfeita e com ar inacabado.
Portão da garagem (…)
Hall entre os dois quartos de criança (…)
Sala de estar com recuperador (…)
Torneira da lavandaria (…)
Fogão de pedra (…) ”, tudo conforme documento 2 junto com a réplica, cujo conteúdo aqui é dado por reproduzido.
4 - Na referida data, realizou-se uma reunião na obra em que estiveram presentes a Autora, o arquitecto EE, responsável pelo projecto de arquitectura, o referido Eng.º DD, e o Eng.º FF, responsável de produção da Ré.
5 - Nessa reunião, ficou combinada a reparação, até sábado seguinte, dos defeitos apontados no interior a moradia, prevendo-se a colocação de papel de parede no quarto de banho das visitas para assim camuflar o defeito apontado pela Autora.
6 - A Ré colocou papel de parede no quarto de banho das visitas.
7 - No dia 14 de Junho de 2010, os Autores iniciaram a mudança para a moradia e passaram a habitá-la com os seus filhos.
8 - No dia 14 de Junho de 2010, a Ré ainda tinha trabalhos em curso, tanto no interior como no exterior da moradia, fazendo comparecer, para esse efeito, operários na obra.
9 - Concluiu esses trabalhos em dia não concretamente apurado de Setembro de 2010.
10 - Ao longo do inverno de 2010/2011 começaram a surgir manchas de humidade junto aos rodapés nas paredes e tectos de várias divisões.
11 - O papel de parede colocado no quarto de banho das visitas começou a descolar.
12 - Essas situações foram comunicadas à Ré, que já no ano de 2011 fez operários seus deslocarem-se à moradia, para recolocarem o papel de parede do quarto de banho das visitas e verificarem as manchas de humidade e procurarem identificar as suas causas.
13 - Essas situações repetiram-se nos anos de anos de 2012, 2013 e 2014, tendo inclusive a Ré repintado paredes interiores e voltado a colocar papel de parede no quarto de banho das visitas.
14 - No dia 4 de Junho de 2015, a Autora enviou à Ré uma carta, por esta recebida, em que solicitava que, nos termos contratuais (cláusula 15.ª), fosse marcada data para a entrega e verificação da obra, a fim de serem registadas e reparadas anomalias decorrentes de má execução dos trabalhos efectuados, conforme documento 2 junto com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
15 - No dia 18 de Junho de 2015, a Autora enviou à Ré nova carta, por esta recebida, do seguinte teor:
“ Na sequência da minha carta de 4.6.2015, recebida a 5, a E... nada disse ou fez.
Como a E... sabe, a obra deve ser verificada para recepção e início do prazo de garantia.
Nesse sentido, no caso de ser mantida essa posição de omissão, farei a verificação da obra por perito e reclamarei a reparação das irregularidades que forem detectadas.
Dou até ao dia 30.6.2015 para que a E... tome uma posição e convoque a vistoria.
Findo esse prazo procederei em conformidade com o exposto, sem mais avisos ”, tudo conforme documento 3 junto com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
16 - Na sequência dessa carta, foi feita uma visita à moradia, no dia 29 de Junho de 2015, pelo director de produção da Ré, Eng.º FF, tendo sido feita uma inspecção interior e exterior, na presença da Autora.
17 - Por carta de 13.7.2015, a Autora comunicou à Ré o seguinte:
“Na sequência da nossa reunião de 29.6.2015, envio uma relação detalhada, mas não definitiva, com os pontos que vimos ser necessário reparar.
Fico a aguardar uma data para início dos trabalhos, com a brevidade possível.
Relação das Anomalias e Intervenções
Vistoria de 29 de Junho de 2015 – 33 pontos
A) Interior da casa: Piso R/C
Hall de Entrada
Verificou-se a existência de pequenas aflorações de humidade em cima do rodapé em diversos pontos do hall.
Escada do hall de entrada:
Verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos em diversos pontos da escada.
Sala de Jantar
Verificou-se a existência de pequenas aflorações de humidade em cima do rodapé em diversos pontos da sala.
Idem verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos.
Cozinha
Verificou-se a existência de pequenas aflorações de humidade em cima do rodapé em diversos pontos da sala.
Idem verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos.
Quarto de Banho Visitas
Verificou-se que o papel estava empolado e com irregularidades.
Constatou-se que as paredes deste quarto de banho não foram tratadas/preparadas para assentar a pintura ou o papel de parede.
Lavandaria
Constatou-se um deficiente funcionamento do sistema de aquecimento de água. Dado o termoacumulador ter resistência eléctrica, o esquentador nunca é chamado a responder.
Sala de Estar
Verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos. Idem verificou-se infiltração seca junto à grelha de acesso ao ar condicionado.
Sala de Xisto
Verificou-se a existência de pequenas marcas de humidade nas paredes exteriores.
Na parede de encosto aos banhos e dobra da parede da garagem verificou-se uma grande degradação. Na parede exterior que dá para o acesso à garagem também se verificou existência de marcas de humidade.
Constatou-se também da existência de uma mancha amarela no Teto ao pé dos apliques de parede.
Casa de banho de Xisto
Constatou-se que o revestimento não permite perceber danos devidos à humidade visíveis do lado exterior.
Garagem
Verificou-se que o piso é irregular e com possibilidades de infiltrações para a sala de xisto.
A averiguar se as infiltrações são pelo pavimento ou se vêm de cima, ou seja, se têm origem na cobertura da garagem.
B) Interior da casa: 1º Piso
Hall dos Quartos
Verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos.
Quarto Casal e Varanda (deck e peitoril)
No quarto verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos.
Na varanda verificou-se que a peça superior dos passa-mãos das guardas está muito degradada assim como a madeira do deck. O deck está também muito desnivelado e com as tábuas soltas.
Casa de banho da suíte principal
Verificou-se a existência de marcas de humidade no tecto resultantes de infiltração junto aos focos assim como junto à clarabóia por cima da banheira.
Nota adicional ao estado da casa de banho e situação não levantada na visita:
Na altura em que verificaram infiltrações nos focos verificou-se que existia uma grande acumulação de água junto à tela. Nessa ocasião deslocou-se a meu pedido uma pessoa (Sr. GG) e o Senhor HH da E....
Da visita verificou-se que os tubos de escoamento de água são estreitos, podendo provocar acumulação de água e não permitir um escoamento eficiente da mesma.
Dias depois voltou o Sr. GG a casa e tendo verificado que havia uma “rachadela” à volta da clarabóia (do lado de cima na cobertura) colocou “cola veda” a todo o comprimento da clarabóia. Foi a partir dessa “intervenção” que deixou de entrar água na casa de banho.
A analisar as razões subjacentes a esta questão e as possíveis medidas de resolução/correcção nomeadamente da possibilidade de alterar a inclinação do piso da cobertura e aumentar o diâmetro dos tubos das saídas.
Quarto azul
Verificou-se a existência de pequenas aflorações de humidade em cima do rodapé em pontos do quarto perto da varanda de trás. Verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos.
Quarto Gémeos e Varanda (deck e peitoril)
Verificou-se a existência de pequenas aflorações de humidade em cima do rodapé na parede da varanda.
Verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos.
Escritório e Varanda (deck)
Verificou-se a existência de pequenas aflorações de humidade em cima do rodapé na parede da varanda.
Verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos.
Na varanda verificou-se que a peça superior dos passa mãos das guardas está muito degradada assim como a madeira do deck. O deck está também muito desnivelado e com as tábuas soltas.
C) Interior e Exterior da casa: 2º Piso ou Piso Cobertura
Cimo das escadas interiores – paredes a toda a volta
Verificou-se a existência de pequenas aflorações de humidade em diversos pontos das paredes que confrontam com o deck e na parede interior.
Verificou-se a existência de marcas de condensação nos tectos.
Deck virado frente da casa
Situação do deck idêntica à dos anteriores.
Clarabóia da casa de banho da suíte principal
Com rachadela a todo o comprimento conforme já descrito no ponto da Casa de Banho da suíte.
Deck de trás
No deck verifica-se que a madeira está muito degradada, desnivelado e com as tábuas soltas.
Cobertura da Garagem
D) Exterior da casa 1º Piso
Cobertura lateral ou Pala Exterior de acesso à Garagem
Pala com degradação devido a infiltração superior. Verifica-se esta degradação na parte de cima da pala e na parte também de baixo.
Reboco da parede lateral
Reboco manchado.
Deck da Sala de Jantar (frente e lateral) - idem
Deck Lateral (Churrasqueira) - idem
Churrasqueira - idem
Deck de trás - idem
No deck verifica-se que a madeira está muito degradada, desnivelado e com as tábuas soltas.
Deck lateral Sala de Xisto - idem
Casa de Banho Exterior - idem
Reboco paredes exteriores
Já descrito.
Caleira de escoamento de águas varanda Quarto Gémeos
Saída de água da varanda toda enferrujada.
Caleira de escoamento de águas varanda Quarto Azul
Saída de água da varanda toda enferrujada.
Caleira de escoamento de águas varanda Quarto Suíte
Saída de água da varanda toda enferrujada.
Piscina e Equipamento: A analisar na presença no meu marido”, tudo conforme documento 4 junto com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
18 - Por carta de 28 de Julho de 2015, a Autora comunicou à Ré que ” não tendo obtido resposta à minha carta de 13.7.2015, peço uma posição no prazo de 5 dias”, tudo conforme documento 5 junto com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
19 - Por carta de 7 de Agosto 2015, a Autora comunicou à Ré que “ não tendo obtido resposta às minhas cartas de 13 e de 28 de Julho de 2015 e não podendo estar indefinidamente à espera de uma resposta e de fixação de data para retomarem os trabalhos e repararem as anomalias e defeitos, dou até ao final do mês para que o façam. Não quereria ter de enveredar por uma via litigiosa, mas a vossa postura, a não ser alterada, não me deixa alternativa”, tudo conforme documento 6 junto com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
20 - No dia 7 de Outubro de 2015, a Autora recebeu da Ré uma carta com o seguinte teor: (…), conforme documento 7 junto com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido. [2]
21 - Por carta de 7 de Outubro de 2015, a Autora comunicou que iria recorrer a um parecer externo no sentido de uma avaliação técnica dos problemas inerentes à construção, conforme documento 8 junto com a petição inicial, cujo conteúdo é aqui dado por integralmente reproduzido.
22 - Por carta de 11 de Novembro de 2015, recebida pela Ré no dia seguinte, a Autora procedeu ao envio do parecer técnico que solicitou, conforme documento 9 junto com a petição inicial e documento junto com o requerimento com a referência 39030318, cujos conteúdos são aqui dados por integralmente reproduzidos.
23 - O referido relatório técnico é do seguinte teor:
“4. DIAGNÓSTICO DAS ANOMALIAS OBSERVADAS
4.1. ENVOLVENTE EXTERIOR
As anomalias observadas no exterior, em alguns casos com consequências no interior da habitação, são, de uma forma geral, localizadas nos revestimentos / isolamentos aplicados nas fachadas e na cobertura. Há outras situações pontuais, também registadas, que colocam em risco a estanquicidade de algumas zonas da habitação.
Em seguida descrevem-se todas as anomalias registadas durante as peritagens:
4.1.1. Fachadas
No revestimento das fachadas com o sistema ETICS existem deformações das placas EPS (isolamento térmico), com maior incidência nas fachadas nascente, sul e poente. Esta situação tem a ver com o modo de aplicação do sistema. Nas obras de reabilitação com revestimentos pré-existentes que não garantam as melhores condições de aderência da argamassa de colagem das placas, estas deverão ser coladas com a argamassa própria do sistema e reforçadas com fixação mecânica, buchas de expansão em polipropileno na quantidade de 8 unidades por m2 (imagem 11). Este procedimento, obrigatório neste sistema, não foi efectuado e compromete a estabilidade das placas. As placas têm uma deformação natural após a produção em fábrica. Acresce o facto de terem apenas 3 cm de espessura. Estes factores obrigam a ter cuidados redobrados na aplicação das placas, desde a escolha do lado mais favorável para a colagem, como também no ajustamento planimétrico de cada placa em relação às adjacentes, através de desgaste abrasivo das arestas desniveladas e/ou zonas salientes. Pelas anomalias existentes, estes procedimentos não foram efectuados. Imagem 10 Imagem 11 (fonte-Saint-Gobain W..., S.A)
II. Nas fachadas sul e poente, nas paredes da sala de jantar, o revestimento está com irregularidades demasiado evidentes.
Nos “termogramas” 10 e 11 do estudo termográfico (anexo I) é possível observar que o isolamento térmico, por trás do reboco não é contínuo, tem aberturas consideráveis entre as placas, preenchidas com materiais que não têm o mesmo comportamento térmico, provocando pontes térmicas no isolamento da habitação.
Nos manuais de aplicação vem definido que “Eventuais juntas entre placas com mais de 2 mm de abertura não deverão ser preenchidas com a argamassa de revestimento, mas sim com tiras do mesmo material das placas ou espuma de poliuretano, antes da aplicação do revestimento”.
Não houve ainda o cuidado de aperfeiçoar essas deficiências através de regularizar a ligação entre placas.
III. Existe fissuração nas arestas dos vãos, com uma orientação aproximadamente a 45º e pontualmente nos panos da fachada. Em ambas as situações, há deficiências na aplicação do sistema ETICS, nomeadamente na colocação da rede de reforço. Esta armadura tem a função de melhorar a resistência mecânica do reboco (argamassa) e assegurar a sua continuidade.
Na primeira situação não foi colocada a rede de reforço na zona da aresta (imagens 12 e 13) e na segunda situação, foi aplicada de forma deficiente (imagem 14), possivelmente com uma sobreposição insuficiente numa zona de emenda ou espessura muito reduzida da argamassa.
Neste sistema, se forem respeitadas as regras e condições de aplicação dos produtos, dificilmente ocorrerão situações semelhantes.
IV. Nas paredes e muretes da cobertura existe muita fissuração associada à deficiente protecção desses suportes. Esta situação ocorre com a aplicação de argamassas de regularização nas paredes com bastante retracção e inadequadas em situações de elevada exposição e grandes amplitudes térmicas, como é o caso. O revestimento (tinta) que protege essas argamassas é fundamental que seja de elevada qualidade para garantir a impermeabilidade das paredes. Actualmente não têm qualquer protecção. A tinta foi perdendo as características físicas quando permitiu movimentos higroscópicos nas argamassas nos dias de chuva, deixando as paredes com o aspecto manchado (imagens 15 e 16).
4.1.2 Cobertura
Na cobertura verificaram-se deficiências na aplicação do sistema de impermeabilização e remates aos elementos emergentes, nomeadamente nas unidades exteriores do ar condicionado, clarabóia e tubo de exaustão de fumos.
O isolamento térmico existente não é o adequado ao tipo de cobertura. O isolamento térmico aplicado tem canaletes, próprios para a colocação de argamassas ou ripado que sustentem as telhas nas coberturas inclinadas não sendo, por isso, o indicado para as coberturas planas (imagens 17 e 18).
Esse facto seria ultrapassado se a espessura fosse elevada. A espessura aplicada é de 3,5 cm, 3,0 nos canaletes. No projecto da térmica e projecto de execução, estava previsto a espessura de 6 cm, conforme o Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios (RCCTE) aprovado pelo DL80/2006.
Nota: O DL80/2006 foi substituído pelo Decreto-lei n.º 118/2013 de 20 de agosto, na vertente do Regulamento de Desempenho Energético dos Edifícios de Habitação (REH)
V. As pendentes criadas na cobertura não são suficientes para o escoamento total das águas da chuva, principalmente na zona das saídas onde os remates com as membranas provocam zonas planas (imagem 19). Nestas zonas é fundamental criar rebaixos nas argamassas de forma a compensar a sobre espessura provocado pelo remate das membranas com a saída das águas.
VI. As saídas das águas pluviais têm um diâmetro inferior ao dimensionamento previsto no projecto da especialidade (90 mm de diâmetro), claramente insuficiente na relação da área das coberturas com o número de saídas existentes (imagem 20).
VII. A passagem das ligações das unidades do sistema de ar condicionado ao interior da habitação está sem a qualquer tipo protecção e coloca em risco a vedação à entrada de águas nessa zona. Há retalhos de tela, revestida com alumínio, colocados de forma inadequada. O remate do sistema de impermeabilização nos muretes está executado também de forma deficiente, colado directamente ao reboco (imagens 21 e 22).
VIII. Na clarabóia de iluminação do sanitário da suíte, o rufo que remata com o murete /platibanda da cobertura está vedado apenas com mástique que tem uma durabilidade curta quando exposto aos raios UV (imagem 23). Actualmente está deteriorado e desagregado da zona a vedar e há entrada de água, entre o rufo e a parede, constatada pelas manchas de humidade no interior da clarabóia (imagem 24).
IX. No interior do mesmo sanitário, o tecto tem uma zona com destacamento da placa em gesso cartonado e empolamento da tinta (imagem 25). Segundo informação dos proprietários, caiu água pela zona afectada do tecto num dia de muita chuva em que uma das saídas na cobertura ficou obstruída. Verificaram ainda que o nível de água na cobertura foi superior a 2 cm.
Depreendemos que o sistema de impermeabilização, junto à clarabóia na superfície vertical, possa estar com uma ruptura que permite a entrada de água sob pressão. As paredes da clarabóia estão ainda com bastante fissuração e sem revestimento a tinta (imagem 26).
X. A cobertura / pala tem o revestimento ETICS deformado com fissuração da camada de acabamento na superfície horizontal e frontal (imagens 27 e 28). Estas aberturas permitem a entrada de água para a estrutura, manifestando-se na face inferior com ruptura do revestimento e destacamento da camada base, sendo visível a rede e o isolamento térmico (imagem 29).
A estrutura em que serve de suporte ao revestimento não deve ter a espessura adequada de forma a evitar deformações quando sujeito a cargas.
Acresce o facto do sistema ETICS ter um comportamento deficiente quando aplicado na horizontal, não sendo garantida a estanquicidade à passagem da água.
XI. Os tubos de escoamento das águas pluviais das varandas estão totalmente corroídos. Foram colocados tubos em ferro que estão encastrados na laje (imagem 30). A proximidade ao mar com maior exposição ao ar húmido, com elevadas concentrações de sais minerais (cloreto de sódio), acelera o processo de oxidação dos metais ferrosos.
XII. Os apliques de iluminação exterior estão fixos apenas pelos cabos eléctricos (imagem 31). A colocação dos mesmos foi feita de forma deficiente com parafusos / buchas que não têm comprimento suficiente para fixar na parede. Estas aberturas no sistema ETICS permitem a entrada de água nos dias com chuva batida pelo vento.
4.2 INTERIOR
Na generalidade dos casos verificados as patologias são humidades. Localizadas em diversos espaços da habitação com origem pelo exterior, na cobertura e fachadas. As consequentes anomalias são manchas e degradação dos revestimentos no contorno de alguns vãos e paredes. Verificam-se ainda manchas de humidade por condensação, nas caixas de estores, na face inferior das escadas, no Teto dos quartos e paredes do piso recuado. Em alguns dos casos, referenciados neste capítulo, há uma relação directa com as anomalias referidas anteriormente.
4.2.1 Humidades por infiltração
XIII. Nos quartos, escritório, e acesso aos terraços, há manchas de humidade com degradação dos revestimentos das paredes (imagens 32, 33, 34, 34). Não foram realizadas medições da humidade nas áreas registadas. Algumas dessas anomalias parecem estar secas. Podem ter resultado da entrada de água nas paredes durante a fase de execução da obra, antes da aplicação do revestimento ETICS. De qualquer forma, há humidades que podem ter origem no exterior, na ligação entre os caixilhos e o sistema ETICS e/ou as soleiras / peitoris.
XIV. No salão do anexo que serve de “apoio à piscina”, existem manchas de humidade com degradação dos revestimentos da parede, junto ao pavimento, numa área considerável (imagens 36 e 37). A causa destas anomalias, denominadas como humidades por capilaridade ou ascendentes do subsolo, está no facto da parede que divide o salão do sanitário estar em contacto com o pavimento que não foi devidamente impermeabilizado. Pelas fotografias que nos disponibilizaram, tiradas durante a fase de execução da obra, podemos concluir que a base do pavimento levou uma camada de cascalho e outra de betonilha de regularização.
“As humidades por capilaridade manifestam-se a uma altura variável através de manchas escuras de humidades e/ou sais. As paredes absorvem as humidades do subsolo por poros e capilares. Esta água que provém do subsolo contém sais dissolvidos. À medida que se evapora a humidade, os sais dissolvidos cristalizam, degradando o reboco / gesso e a pintura. Gera-se um processo contínuo de degradação. ”
XV. Na sala de estar, o tecto em gesso cartonado tipo “Pladur” está com a tinta empolada e estalada, localizado junto ao recuperador de calor (imagens 38 e 39). Esta situação tem origem numa infiltração pela base de duche do sanitário do piso superior que não veda a passagem da água. Contudo, a humidade no tecto da sala podia ser evitada se o pavimento do sanitário, principalmente sob a base, estivesse impermeabilizado. Todos os pavimentos das zonas de banho devem ser impermeabilizados com produtos que garantam a estanquicidade à passagem das águas.
XVI. No tecto do salão, sensivelmente a meio, há manchas de humidade com empolamento da tinta (termograma 6 do anexo I). A origem da anomalia pode estar na passagem para o exterior do tubo de cobre que liga ao Painel Solar colocado na cobertura.
XVII. No sanitário social, localizado no piso do rés-do chão abaixo da cota de soleira (imagem 40), há humidade na parede revestida com papel decorativo que confina com o exterior. Nessa parede o papel está descolado e com manchas de humidade. A origem desta anomalia é justificada pelo facto da zona exterior, junto ao pavimento não ter sido devidamente tratada e/ou impermeabilizada. Antes da obra de remodelação, existia um patamar junto à parede que foi demolido. Essa zona, área enterrada e área sob o sistema ETICS, devia ter sido impermeabilizada para evitar a entrada de água na parede.
4.2.2 Humidades por condensação
XVIII. Manchas de condensação superficial com bolores nas juntas de ligação das placas de gesso cartonado do Teto falso do quarto (imagem 41) e na face interior das paredes exteriores. (imagem 42).
XIX. Na zona das caixas de estores e Teto há manchas de condensação superficial com bolores (imagem 43).
Estas situações podem ocorrer por duas razões: falta de ventilação dos espaços, principalmente os sanitários, cozinha e lavandaria e insuficiente isolamento térmico da envolvente exterior e elementos pontuais, como observamos na situação das caixas de estore provocando pontes térmicas.
No “Relatório de Análise Termográfica” observamos diferentes temperaturas em cada espaço da habitação com registo de valores inferiores na zona das caixas de estore (termogramas 3, 4 e 5).
XX. Relativamente às ventilações das zonas húmidas, onde são produzidas grandes quantidades de vapor de água, verificámos que o sistema de extracção e renovação do ar não funciona de forma eficiente. Se a habitação for insuficientemente ventilada, o vapor de água em excesso não poderá ser totalmente removido e tende a condensar quando atinge qualquer ponto com uma temperatura abaixo do ponto de orvalho do ar interior (condensação superficial). A condensação superficial dá-se preferencialmente em pontes térmicas, mas pode também ocorrer em áreas maiores dos elementos da envolvente com insuficiente isolamento térmico. A persistência de condensações superficiais cria condições favoráveis ao desenvolvimento bolores (prejudiciais à saúde) e manchas que provocam a degradação de estuques e rebocos. O risco de condensação pode ser prevenido ou minimizado diminuindo a produção de vapor de água nas actividades domésticas e melhorando a ventilação por forma a reduzir a quantidade de vapor de água existente no ambiente interior, ou reforçando o isolamento térmico da envolvente do edifício por forma a aumentar a temperatura da sua superfície e interna.
Verificámos que o isolamento térmico da cobertura é inferior ao previsto nos projectos e claramente abaixo do necessário face ao regulamento térmico. Nas fachadas, a espessura utilizada também é insuficiente, embora não haja referência nos desenhos do projecto de execução. Nas partes da habitação ampliadas utilizaram um bloco de argila com características térmicas, mas nas paredes existentes, que não tinham qualquer isolamento térmico, era necessário, no mínimo, a aplicação de um poliestireno expandido de 5 cm de espessura.
“A espessura do material de isolamento térmico a utilizar em cada parede de fachada depende da solução construtiva, da zona geográfica em que se localiza o edifício e da interacção entre os vários parâmetros que configuram a avaliação do comportamento térmico do edifício, nomeadamente os valores de referência definidos pelo REH (Regulamentação Energética dos Edifícios de habitação) para o Coeficiente de Transmissão Térmica (U) em zona corrente opaca das fachadas para cada Zona Climática de Inverno (Portaria nº349-B/2013, 29 de Novembro).
4.2.3 Manchas do revestimento em mármore
XXI. O revestimento do sanitário da suíte, das paredes e do pavimento, é em pedra de mármore de “Carrara”. A estereotomia é definida com pedras de grande dimensão. Algumas dessas pedras (pavimento e paredes) estão manchadas por uma tonalidade amarela (imagens 44 e 45), tudo conforme documento 9 junto com a petição inicial, cujo conteúdo é aqui dado por integralmente reproduzido.
24 - Na moradia identificada verifica-se, no interior da casa, ao nível do r/c, no hall de entrada, sala de jantar e cozinha, a existência de pequenas aflorações de humidade em cima do rodapé em diversos pontos do hall e de marcas de condensação em diversos pontos do tecto.
25 - Essas aflorações de humidade têm como causas a falta de ventilação e renovação do ar no interior da habitação e a não impermeabilização das paredes existentes junto ao pavimento antes da aplicação do isolamento térmico pelo exterior.
26 - No quarto de banho de visitas, o papel de parede está empolado e apresenta irregularidades.
27 - Tal deve-se ao facto de as paredes não terem sido previamente tratadas.
28 - Na lavandaria, o sistema de aquecimento de águas tem um depósito solar com 250 litros, com duas serpentinas e dois captadores solares de alto rendimento e uma caldeira em série com o depósito solar, que só é chamada a funcionar se falharem as resistências eléctricas de aquecimento da água.
29 - Na sala de estar, existem marcas de condensação nos tectos e infiltração seca junto à grelha de acesso ao ar condicionado.
30 - Na sala de xisto, existem pequenas marcas de humidade nas paredes exteriores.
31 - A parede de encosto aos banhos e dobra da parede da garagem apresenta-se degradada.
32 - Na parede exterior de acesso à garagem existem marcas de humidade.
33 - Tal deve-se à falta de isolamento hidráulico da base, o que permite infiltrações de água por capilaridade.
34 - Existe uma mancha amarela no tecto, junto aos apliques de parede.
35 - Na garagem existem infiltrações de água, com origem na cobertura.
36 - O piso é irregular e o material de que é feito não é adequado às cargas a que está sujeito.
37 - No interior da casa, ao nível do 1.º piso, no hall dos quartos existem marcas de condensação nos tectos.
38 - No quarto de casal e varanda (deck e peitoril) existem marcas de condensação nos tectos.
39 - A peça superior do passa mãos do varandim do terraço encontra-se degradada e sem conservação.
40 - O pavimento do deck está empenado, com peças soltas e sem conservação.
41 - Os apoios estão em mau estado.
42 - No quarto de banho da suíte principal: existem manchas de humidades, resultante de infiltração de água, junto aos focos de iluminação e na clarabóia.
43 - Essa água provém da cobertura, não sendo escoada devidamente devido ao insuficiente diâmetro dos tubos.
44 - O ponto de infiltração de água junto à clarabóia foi já reparado pela Ré.
45 - A pedra mármore utilizada no revestimento tem manchas amarelas.
46 - No quarto azul existem aflorações de humidade junto ao envidraçado, a poente, na ligação da caixilharia com o sistema Etics.
47 - O tecto falso está manchado, com maior incidência nas juntas das placas em gesso cartonado, devido a condensações.
48 - No quarto dos gémeos e varanda (deck e peitoril) existem aflorações de humidade na parede junto ao envidraçado que dá para a varanda com deck.
49 - O tecto falso também está manchado, com condensações.
50 - No escritório e varanda (deck): Existem aflorações de humidade na parede junto ao envidraçado que dá para a varanda com deck.
51 - O tecto falso também está manchado, com condensações.
52 - O passa mãos do varandim, em madeira, encontra-se empenado e descolado, sem conservação.
53 - O revestimento da varanda em deck encontra-se deformado e com peças soltas.
54 - No interior e no exterior da casa, ao nível do 2.º piso ou piso de cobertura, no cimo das escadas interiores existem manchas de humidade, resultante de infiltrações de água, nas paredes.
55 - Existem também manchas de condensação nos tectos.
56 - As referidas infiltrações são resultado da deficiente ligação das telas e da impermeabilização na dobra do pavimento com as paredes.
57 - No deck virado frente da casa existem elementos descolados e empenados.
58 - A clarabóia do quarto de banho da suíte principal apresenta fissuras.
59 - No deck de trás, a madeira está degradada.
60 - O piso está desnivelado e com tábuas soltas.
61 - No exterior da casa, a pala exterior de acesso à garagem apresenta fissuras.
62 - Essas fissuras permitem a infiltração de água, devidas a deformação excessiva.
63 - O reboco da parede lateral está manchado.
64 - O deck da sala de jantar (frente e lateral) e o deck lateral (churrasqueira) encontram-se degradados, pela utilização e falta de manutenção.
65 - Têm entalhes.
66 - No deck de trás, a madeira está degradada.
67 - O piso está desnivelado e com tábuas soltas.
68 - O deck lateral da sala de xisto apresenta empenos e encontra-se degradado pela falta de manutenção.
69 - A tubagem de escoamento das águas pluviais encontra-se corroída.
70 - As saídas de água das varandas do quarto azul e da suíte estão enferrujadas.
71 - As aflorações de humidade nas paredes resultam de infiltrações de água por capilaridade ascensional.
72 - Para as reparar será necessário retirar os rodapés, sanear todo o material danificado das paredes, com um alargamento mínimo de afastamento de 40 cm, e impermeabilizar a base da parede com telas líquidas ou argamassas aditivadas, repondo depois a parede, incluindo acabamento e pintura.
73 - O revestimento Etics, capoto das paredes exteriores, foi aplicado incorrectamente, apresentando deformação em alguns dos seus elementos e fissuração nos cantos dos vãos.
74 - Por essa razão, o sistema não garante o correto isolamento térmico da moradia, contribuindo para a condensação verificada no interior.
75 - A reparação das patologias referidas demorará período não inferior a vinte dias.
76 - O estado em que se encontra a moradia causa angústia e tristeza aos Autores.
77 - Os Autores, no decurso dos trabalhos, foram solicitando outros trabalhos, discriminados nos números seguintes (78 a 84), não previstos no orçamento que se encontra anexo ao contrato de empreitada, que a Ré executou, tudo mediante o pagamento de um preço total de 26 000,00 € (vinte e seis mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
78 - Ao nível da especialidade de serralharia foram executados os seguintes trabalhos:
a) Fornecimento e colocação de chapa com 0,9cm de desenvolvimento em altura apoiada em estrutura própria e fixação aos muros, o que importou um custo de 3.744,00 € (três mil setecentos e quarenta e quatro euros);
b) Execução de Muro em Bloco de cimento de 15cm, com 60cm de altura, incluindo remoção e transporte de Grade existente e pintura pelas duas faces em cinzento, o que importou um custo de 1.771,20 € (mil setecentos e setenta e um euros e vinte cêntimos).
c) Fornecimento e aplicação de Sistema de Fecho em portas de correr, conforme amostra apresentada, incluindo todos os trabalhos necessários à sua perfeita execução, que importou um custo de 214,20 € (duzentos e catorze euros e vinte cêntimos.
d) Fornecimento e aplicação de puxadores biponto com chave mestra, conforme amostra apresentada, incluindo todos os trabalhos necessários à sua perfeita execução o que acarretou um custo de 2 70,00 € (duzentos e setenta euros);
e) Fornecimento e aplicação de puxadores com chave, conforme amostra apresentada, incluindo todos os trabalhos necessários à sua perfeita execução o que importou um custo de 225,00 € (duzentos e vinte e cinco euros).
f) Substituição de Perfil de alumínio para colocação de cremones biponto com chave, o que acarretou um custo de 75,00 € (setenta e cinco euros), tudo num total de € 6299,40.
79 - A Ré realizou ainda, a pedido dos Autores, trabalhos de pinturas para além dos previstos no contrato transcrito, os quais importaram um custo de € 1044,95, que consistiram no seguinte:
a) Pintura de chapa com 0,9cm de desenvolvimento em altura apoiada em estrutura própria e fixação aos muros que acarretou um custo de 594,95 € (quinhentos e noventa e quatro euros e noventa e cinco cêntimos);
b) Pintura de Cofre, que acarretou um custo de 450,00 € (quatrocentos e cinquenta euros).
80 - Além disso, solicitaram ainda os Autores à Ré a execução de trabalhos de revestimentos, a saber: Fornecimento e aplicação de estrado em madeira de ipê, incluindo o seu envernizamento e todos os elementos de fixação, que importou no custo de 1.345,50 € (mil trezentos e quarenta e cinco euros e cinquenta cêntimos).
81 - Sob pedido dos Autores, a Ré colocou uma Torneira de duche: Monocomando Water Evolution One, o que acarretou um custo de mão-de-obra no montante de 97,31 (noventa e sete euros e trinta e um cêntimo)
82 - Também por solicitação dos Autores, a Ré forneceu e colocou 21 centralinas locais para estore e uma centralina geral de estore, equipados com espelho e centro cor branca, incluindo todos os trabalhos necessários ao seu perfeito acabamento, o que importou um custo de 1908,23 € (mil novecentos e oito euros e vinte e três cêntimos.)
83 - Do mesmo modo e ainda durante a execução dos trabalhos, os Autores, pediram à Ré o fornecimento e colocação de prumos metálicos, o que acarretou um custo de 350,00 € (trezentos e cinquenta euros).
84 - Ainda a pedido dos Autores, a Ré realizou obras na adega, designadamente:
a) Revestimento das paredes e tectos da adega com reboco areado fino.
b) Revestimento do piso da adega com cerâmico, incluindo betumação e demais materiais acessórios.
c) Revestimento de paredes/tecto em betão com verniz apropriado.
d) Fornecimento e aplicação de portas de abrir e demais materiais acessórios.
e) Execução de instalação eléctrica de uso doméstico, 3 tomadas estanques e 3 pontos de luz, conforme as normas regulamentares em vigor, tudo no montante de € 15.864,00.
85 - Para pagamento parcial desses trabalhos, os Autores transferiram para a conta bancária da Ré, no dia 8 de Maio de 2013, a quantia de € 5000,00.
86 - A petição inicial da presente acção foi apresentada em tribunal no dia 11 de Abril de 2016, conforme certificação da aplicação informática de apoio à actividade dos tribunais, e a citação da Ré ocorreu no dia 26 de Abril de 2016.
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Por seu turno, o tribunal julgou não provados os seguintes factos (sic):
87 - A moradia foi entregue aos Autores no final de maio de 2010.
88 - Nessa ocasião, os Autores não colocaram qualquer reserva ao modo como foi executada a obra.
89 - Na casa de banho de xisto existem manchas de humidade.
90 - A humidade existente nos tectos e paredes é consequência da falta de arejamento da moradia.
91 - O sistema de aquecimento das águas foi elaborado de acordo com o projecto da especialidade.
92 - As infiltrações de água no interior da moradia são consequência da falta de limpeza e manutenção dos tubos de escoamento das águas pluviais.
93 - A pala da garagem encontra-se degradada por terem andado sobre ela.
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III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
III.I. Nulidades da sentença.
A propósito da invocação de nulidades em sede de recurso refere, com inteira propriedade, A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 139, o que a nossa própria experiência nos vem revelando cada vez mais.
Escreve o aludido Autor: “É frequente a enunciação das alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se o verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades.
A arguição de nulidades efectuada pela apelante é o exemplo acabado desta tendência e, como se verá, de forma similar ao que sucede na larguíssima maioria das vezes, as nulidades invocadas mostram-se ostensivamente improcedentes, procurando, pois, a apelante, com tal arguição, alcançar algum objectivo que a razão (a nossa razão), de facto, não consegue apreender…
Vejamos, procurando, dentro do possível, ser breves e não repetindo os argumentos, dada a evidência das questões suscitadas.
Em primeiro lugar, invoca a apelante a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nulidade esta que se mostra prevista, em termos absolutamente claros, no artigo 615º, n.º 1, alínea d), conjugado com o artigo 608º, n.º 2, do CPC, sendo que este último normativo versa sobre as questões que o juiz deve resolver no acto decisório.
E em que estriba a apelante a alegada omissão de pronúncia da sentença?
Na circunstância de o Tribunal de 1ª instância não se ter pronunciado quanto aos documentos n.ºs 4, 5, 6 e 7, junto pelos autores com o seu articulado inicial, tendo-os ignorado em sede de valoração dos meios de prova e em sede de decisão da matéria de facto constante da sentença - vide conclusões X, XXVI, XXXIII.
Pois bem.
Nesta matéria, talvez importe começar por dar nota que o tribunal, em sede decisória (ou, melhor, em sede de motivação da matéria de facto) não tem, ao contrário do que parece ser entendimento da apelante, que se pronunciar, argumentar ou considerar exaustivamente todos e quaisquer meios de prova produzidos no processo.
O que o tribunal tem que fazer, como resulta expresso do n.º 4, do artigo 607º, do mesmo Código, é explicitar quais os meios de prova, de entre todos os que se mostram produzidos no processo, os que, na sua perspectiva, relevam à decisão de facto e que estão na base da sua convicção quanto aos factos que julga provados ou não provados, expondo, pois, como é de lei, nesse âmbito, o fio condutor que, numa perspectiva de análise crítica da prova produzida perante si, justifica, em termos lógicos e racionais a sua convicção quanto à matéria de facto controvertida. Nada mais.
Nesta perspectiva, dir-se-á que, se é indiscutido que o tribunal deve conhecer e pronunciar-se sobre todas as questões, ou seja, sobre a causa de pedir, o pedido, as excepções e contra excepções deduzidos pelas partes no decurso do processo, sob pena de incorrer em omissão de pronúncia para efeitos do citado artigo 615º, n.º 1, alínea d), também é consabido e aceite de forma unânime por toda a doutrina que o tribunal não tem que conhecer de todos os argumentos, todas as razões ou linhas de raciocínio defendidas pelas partes no processo e, muito menos, como defende erroneamente a apelante, que conhecer de todo e qualquer meio de prova oferecido pela parte em sustento da factualidade que a mesma considera relevante à decisão.
A omissão quanto à ponderação de algum argumento, razão ou meio de prova pode, eventualmente, conduzir a um erro de julgamento quanto à matéria de facto e/ou quanto às questões de direito esgrimidas nos autos e, portanto, logicamente, só nessa sede, ou seja, em sede de impugnação da decisão de facto ou de dissídio jurídico perante a decisão, se pode/deve colocar a questão.
Por conseguinte, pode a desconsideração de algum argumento, razão ou de determinado meio de prova produzido comprometer a boa decisão jurídica do litígio ou da matéria de facto ali fixada e, nesse muito específico e concreto contexto, conduzir, não, obviamente, à nulidade da sentença à luz do citado artigo 615º, mas antes, em termos radicalmente distintos, à alteração da decisão de facto impugnada ou à alteração da decisão jurídica do litígio estribada nesses outros argumentos, nesses outros factos ou essas outras razões jurídicas.
Sendo assim, como é e o temos repetidamente afirmado em outros acórdãos, sem outras considerações, no que tange à nulidade por omissão de pronúncia da sentença a sua arguição é manifestamente improcedente, o que se julga.
Ainda em sede de nulidade da sentença invoca também a apelante que o Tribunal de 1ª instância violou o seu dever de fundamentação da sentença (artigos 154º, 195º e 615º, n.º 1, alínea b), do CPC) – vide conclusão XXXI.
Nesta matéria, a tese defendida pela ora apelante no presente recurso, com o devido respeito, quase atinge a lide temerária tal é a evidência da ausência de sustento da nulidade em causa…
O citado artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC exige que o juiz especifique na sentença os fundamentos de facto e de direito que constituem a base da decisão do litígio.
Destarte, para que ocorra a nulidade em causa é suposto que o juiz tenha omitido totalmente na sentença os factos e as normas jurídicas essenciais que suportam a decisão. Neste sentido, como refere o Prof. A. Varela, “ Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.” [3]

Com efeito, às partes não basta apenas que o tribunal decida do litígio que as opõe, é, ainda, obrigatório que, no acto decisório que põe termo ao litígio exponha os fundamentos de facto e as razões de direito que estão subjacentes ao seu veredicto final, ou seja, à decisão proferida. Este dever de fundamentação, que tem, como todos sabemos, expressão constitucional, visa, não apenas obter a própria reflexão/ponderação do juiz ao expor por escrito as razões de facto e de direito da sua decisão, como, ainda, se possível, o convencimento das partes sob a bondade/mérito da decisão acolhida, mas também, em caso de discordância de alguma das partes, a sua impugnação perante um Tribunal hierarquicamente superior, que a reanalise e a confirme.
É, por isso, nuclear que, nesse contexto de eventual discordância face ao decidido, que as partes possam conhecer, com total rigor e certeza, todos os fundamentos, de facto e de direito, que estão na base da decisão do juiz, sendo certo, ademais, que, como se referiu, esses fundamentos são também decisivos para a reanálise da decisão que é pedida ao Tribunal superior que faça daquela prévia decisão à luz, precisamente, dos seus concretos fundamentos.
Sendo isto indiscutido, como cremos ser, basta ler a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância para logo antever que a nulidade em causa é totalmente destituída de sentido, configurando, como se disse, uma forma de litigância que quase atinge a má-fé processual.
Com efeito, sobre esta matéria, dir-se-á, muito singelamente, que, lendo a sentença, o Tribunal de 1ª instância fez constar da mesma, como se lhe impunha à luz do preceituado no artigo 607º, n.ºs 2, 3 e 4, do CPC, após o relatório e a delimitação do objecto do litígio, os factos que julgou provados (1 a 86), os factos que julgou não provados (87 a 93), expôs em seguida a motivação da sua decisão quanto ao julgamento da matéria de facto (discorrendo de forma extensa e circunstanciada sobre os vários meios de prova produzidos, o seu valor probatório e a convicção que formou a partir da apreciação dos mesmos) e, ainda, expôs o conjunto das questões jurídicas suscitadas e debatidas nos autos com relevo à decisão da causa (pedido e reconvenção deduzidos nos autos), expondo, em termos separados, a sua decisão quanto a cada uma das aludidas questões jurídicas, convocando, no contexto de cada uma delas, o quadro jurídico tido por aplicável, e, ainda, decidindo, a final, pela procedência parcial da causa e improcedência da reconvenção.
Sendo assim, devolve-se a pergunta ao apelante: - onde existe, no acto decisório ora sob recurso, falta de fundamentação da decisão proferida?! Que outra fundamentação, na perspectiva da ré, se justificaria que fosse aduzida na sentença em causa?
Com o devido respeito, a posição defendida nos autos pela ré remete-nos para a vexata questio da fundamentação das sentenças, a qual, para quem nelas fica vencido, nunca é bastante ou a suficiente, assim se cultivando uma cultura judiciária que produz os resultados que de todos são conhecidos ao nível da economia e celeridade processual e de que todos reclamam, salvo quando essa mesma cultura e o que lhe está implícito lhes aproveita…
De todo o modo, a resposta à pergunta anterior é, em nosso ver, inequívoca: - em rigorosamente parte nenhuma, sendo, aliás, quanto à sua fundamentação, a sentença em causa (independentemente do seu mérito, que, em outra sede se conhecerá) particularmente completa e absolutamente exaustiva.
De facto, a apelante, na sua leitura enviesada e parcial do litígio, por um lado, desconsidera ou ignora totalmente o que consta da sentença proferida e, em particular, da sua fundamentação de facto e de direito e, por outro, ainda, confunde de forma ostensiva nulidade da sentença por falta de fundamentação com diversa fundamentação e com diversa decisão, qual seja a que ela própria defende para o litígio, ou seja, em linhas rectas, confunde falta de fundamentação com discordância face ao decidido, o que são coisas radicalmente distintas.
De facto, a discordância face ao decidido a nível factual e a nível jurídico nada tem a ver com a nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC, tem antes a ver com o mérito substantivo da decisão proferida e a discutir nessa sede e não em sede de nulidade.
Improcede, assim, sem mais delongas, a nulidade por falta de fundamentação invocada pela apelante.
Além desta outra nulidades invoca também a apelante, ainda que em termos absolutamente genéricos, que existe contradição entre os fundamentos e a decisão final ou (sic) ambiguidade e/ou obscuridade que a torna ininteligível – artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Relativamente à alegada ambiguidade ou obscuridade da sentença uma tal matéria é, com o devido respeito, destituída de qualquer fundamento sério e razoável.
E é assim porque nem a própria apelante, não obstante a extensão das suas alegações e conclusões, explicita em algum ponto do seu recurso qual o segmento, qual a parte, qual a decisão que, em concreto, lhe é imperceptível ou lhe suscita dúvidas quanto ao seu sentido…
Ora, não indicando a própria apelante qual a decisão, qual o segmento, qual a parte do acto decisório ora em causa que se presta a dúvidas ou que lhe é ininteligível, só é possível, racional e logicamente, extrair uma de duas conclusões: 1ª - a decisão não sofre de qualquer ambiguidade ou ininteligibilidade, pois que nada é concretizado nessa matéria pela apelante; 2ª - este tribunal de recurso não está em condições de poder aferir se essa ininteligibilidade ou ambiguidade eventualmente existe, pois que não lhe incumbe perscrutar indistinta e genericamente toda a sentença e nela indagar de algum texto, de algum segmento do seu conteúdo ou de uma alguma decisão ou segmento da mesma que se lhe preste eventualmente a dúvidas ou que se lhe afigure eventualmente ininteligível.
Com o devido respeito, esse é o papel e o ónus da parte que vem arguir a nulidade da decisão do Tribunal de 1ª instância, sendo certo, ademais, que as nulidades da sentença não são de conhecimento oficioso (artigo 615º, n.º 4, do CPC), o que vem a significar, em primeiro lugar, que a parte tem, não só, que invocar a nulidade em causa no recurso que interpõe da sentença, mas, mais importante do que isso, em segundo lugar, tem que fundamentar/justificar essa arguição, ou seja, especificar exactamente, no conteúdo da decisão recorrida, qual a decisão, qual o segmento da fundamentação de facto ou de direito que, em específico/concreto, lhe é ininteligível ou em relação à qual se lhe suscitam dúvidas quanto ao seu preciso sentido.
Por conseguinte, nada sendo dito ou especificado pela apelante nesta matéria também esta outra nulidade carece de fundamento, estando condenada a improceder, o que se julga.
E também não colhe, ainda neste âmbito, a alegada contradição entre a fundamentação e a decisão, contradição essa que, também aqui a apelante, como antes, de forma displicente, nem sequer se dá ao cuidado de concretizar ou fundamentar por confronto com a sentença e o seu conteúdo…
De todo o modo, neste contexto, dir-se-á apenas que a sentença proferida é, independentemente do seu mérito, totalmente lógica e consequente com os seus fundamentos jurídicos e, portanto, não existe qualquer contradição para efeitos do preceituado no artigo 615º, n.º 1, alínea c).
De facto, lendo toda a fundamentação jurídica da sentença a mesma aponta, em termos lógico-dedutivos e em função das suas próprias premissas (fundamentos e argumentos), por um lado, para a procedência apenas parcial da acção, no pressuposto da decretada improcedência da excepção de caducidade invocada pela apelante (vide pontos 1., 1.1., 1.1.1. e 1.1.2. do decisório), e, por outro, para a improcedência da reconvenção, como ali se decreta, em função, por seu turno, da decretada procedência da excepção de não cumprimento invocada pelos autores (vide ponto 2. do decisório).
Vale, pois por dizer, que não se vislumbra qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão proferida, sendo esta, como se disse, consequente e lógica com aqueles.
A apelante pode, naturalmente, dissentir da fundamentação jurídica invocada na sentença, defendendo uma posição distinta quanto ao julgamento de direito da causa ou, ainda, pode sustentar que os factos provados (com as alterações por si defendidas no recurso) deveriam conduzir a uma decisão final de mérito distinta da que foi proferida.
Mas esta discordância, uma vez mais, nada tem que ver a com a nulidade da sentença prevista na citada alínea c) do artigo 615º, do CPC, antes contende com o mérito da decisão e exprime apenas o dissenso da apelante quanto à decisão jurídica do litígio e a tratar nessa outra sede.
Improcede, pois, também esta outra nulidade.
Por último, ainda, esgotadas particamente todas as hipóteses das várias alíneas do artigo 615º, n.º 1, do CPC, sustenta também a apelante que a sentença proferida constitui, a todos os títulos, uma decisão surpresa, sendo, na sua perspectiva, nula – vide conclusão XXXIV.
Uma vez mais a arguição da nulidade em causa por parte da ora apelante é totalmente destituída de fundamento.
Como é consabido, a proibição de decisões-surpresa decorre do princípio geral (e estruturante do processo civil) do contraditório, que tem acolhimento expresso na nossa lei adjectiva no seu artigo 3º, n.º 3.
Dispõe este normativo que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Como refere José Lebre de Freitas, este preceito consagra uma concepção moderna do princípio do contraditório, mais ampla do que a do direito anterior à sua introdução no nosso ordenamento, comportando este princípio um “direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo (…) hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como parcialmente relevantes para a decisão.[4]
Esta dimensão do contraditório manifesta-se, assim, na proibição das decisões surpresa, referindo o primeiro daqueles autores que, nesse plano, o das questões de direito, “… o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie …” e que tal “… proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz (…) que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade”. [5]
Por outro lado, ainda, como tem sido posição reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, o elemento surpresa que pode informar uma decisão judicial não se situa no plano argumentativo das razões que justificam uma decisão à luz dos factos e do direito no âmbito de uma questão suscitada nos autos e nele discutida desde a primeira hora, ou seja, a decisão surpresa que a lei pretende afastar contende com a solução jurídica que as partes não esgrimiram, nem tinham a obrigação de prever, para assim evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar e não com os fundamentos não expectáveis de decisões que já eram previsíveis, por se integrarem no objecto do processo, tal como o mesmo se mostra definido pelas partes ab initio, em função dos pedidos formulados (na acção e na reconvenção), das causas de pedir e das excepções ou contra-excepções suscitadas e debatidas nos autos.
Neste sentido, como a este propósito se afirmou no recente Acórdão do STJ de 12.1.2021, disponível no mesmo sítio oficial, “… Vem sendo uniformemente entendido na doutrina e na jurisprudência que as decisões-surpresa são apenas aquelas que assentam em fundamentos que não foram ponderados pelas partes, isto é, aquelas em que se detecte uma total desvinculação da solução adoptada pelo tribunal relativamente ao alegado pelas partes, sendo que o campo privilegiado de valência desta proibição são as questões de conhecimento oficioso.
(…)
Assim sendo, só se justificará a audição prévia das partes quando o enquadramento legal convocado pelo julgador for absolutamente díspar daquele que as partes haviam preconizado ser aplicável de forma que não possam razoavelmente contar com a sua aplicação ao caso.
Ainda nesta mesma linha de raciocínio, como salienta, no domínio do anterior Código, C. Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, 1999, pág. 22-26, “… a audição excepcional e complementar das partes (…) só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo…”, entendimento que este que, como se referiu, vem sendo reafirmado consecutivamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça, com o sentido essencial de que só há decisão surpresa se o juiz, de forma absolutamente inopinada e sem alicerce na matéria factual ou jurídica, enveredar por uma solução que os sujeitos processuais não tinham a obrigação de prever. [6]
Ora, neste contexto, é evidente, em nosso ver, que a sentença proferida, situando-se no estrito âmbito do objecto do processo definido pela acção e atinente ao cumprimento defeituoso do ajuizado contrato de empreitada celebrado entre as partes e, ainda, nesse contexto, debatendo e decidindo das pretensões de eliminação dos defeitos da obra, de indemnização pelos danos originados por tais defeitos e, ainda, já no âmbito da reconvenção, dos trabalhos a mais levados a cabo pela apelante, do pagamento do seu preço e, ainda, da excepção de não cumprimento invocada pelos autores contra esta pretensão reconvencional, não se alicerça ou funda em qualquer questão jurídica nova ou com que inopinadamente as partes tenham sido confrontadas e sobre a qual não tenham tido no decurso do processo a possibilidade de exercer o oportuno e pleno contraditório, como é suposto e exigido pelo princípio geral do artigo 3º, n.º 3, do CPC.
Bem pelo contrário, como se vê do exposto, as questões jurídicas decididas na sentença recorrida correspondem às questões invocadas pelas partes no decurso do processo em 1ª instância, em função dos seus interesses opostos e da sua distinta posição na relação material controvertida e na lide (dono da obra versus empreiteiro), questões que as mesmas partes debateram (ou puderam debater) no decurso do processo e sobre as quais foram produzidas, em termos dialécticos, as pertinentes provas oferecidas pelas mesmas, não contendo, assim, em nosso julgamento, a sentença proferida qualquer decisão com a qual as partes não podiam deixar de contar actuando, naturalmente, com a devida diligência, ou seja, não contendo, uma decisão surpresa para efeitos de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d), parte final, do CPC, único vício da sentença que, aliás, em nosso ver, seria configurável se existisse preterição do contraditório imposto por lei.
Dir-se-á, todavia, na esteira da posição da Ré e ora apelante, que o sentido decisório não era o expectável ou o que, na sua perspectiva, deveria ter sido acolhido pelo Tribunal de 1ª instância, em particular quanto à questão da caducidade dos direitos invocados pelos autores em função do alegado cumprimento defeituoso do ajuizado contrato de empreitada.
Admitindo-o, por dever de raciocínio, sucede, no entanto, também aqui, que nada disso contende ou se relaciona com o princípio da proibição das decisões-surpresa, mas antes e sempre com o mérito da decisão proferida e a discordância da apelante quanto a essa decisão e, consequentemente, só nesta sede pode ser esgrimida e decidida, não em sede de vício de nulidade da sentença, nomeadamente por uma pretensa decisão surpresa que, de todo, no caso dos autos, não existe.
Resumindo, como logo se avançou, improcedem todas as nulidades arguidas pela apelante contra a sentença pelo Tribunal de 1ª instância.
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III.II. Impugnação da decisão de facto:
Dando por assente que a apelante deu cumprimento satisfatório aos ónus de impugnação da decisão de facto previstos no artigo 640º, do CPC, cabe conhecer dos pontos da matéria de facto impugnados pela apelante e, neste âmbito, reapreciar, sob as mesmas condições do Tribunal de 1ª instância, aquela matéria de facto, expondo em termos autónomos a nossa própria convicção sobre a matéria em apreço e estabelecendo essa nossa convicção em função da análise crítica da prova produzida nos autos, seja a que se mostra invocada pela apelante, seja outra que se nos mostre relevante para esse mesmo efeito.
A matéria de facto impugnada pela apelante é a que consta dos pontos 87 e 88 do elenco dos factos não provados, sustentando a mesma que a dita matéria de facto deverá ter-se como provada.
A matéria de facto em apreço é a seguinte:
“87. A moradia foi entregue aos Autores no final de Maio de 2010.
88. Nessa ocasião, os Autores não colocaram qualquer reserva ao modo como foi executada a obra.”
Em defesa da sua posição quanto à impugnação desta matéria de facto, em primeiro lugar, defende a apelante que os ditos factos mostram-se plenamente provados, por um lado, à luz do documento junto pelos Autores ao processo (caderno da obra – junto a 23.10.2018, sob o requerimento com a referência 30473259), prova plena essa que, na sua perspectiva, decorre, por um lado, do preceituado nos artigos 392º e 393º, n.º 1, do Cód. Civil e, por outro, a assim não se entender, em segundo lugar, da confissão da Autora AA no decurso do seu depoimento em audiência de julgamento, conjugado este com o dito documento e, ainda, com o depoimento da testemunha Eng.º FF, director técnico da obra à data dos factos em discussão.
A matéria em causa foi, como consta da sentença recorrida, julgada como não provada, o que merece o dissídio da apelante, ali se aduzindo em termos de convicção quanto a tal matéria o seguinte:
No que tange aos factos dos pontos 6 a 9, resulta, desde logo, do teor do referido documento 2 junto com a réplica que o objectivo da Autora era conseguir fazer a mudança no dia 14 de Junho de 2010, para evitar o prolongar com a despesa da casa que arrendara, o que pressupunha que a Ré concluísse, até essa data, os trabalhos no interior da moradia.
Por outro lado, nas suas declarações a Autora afirmou que foi nessa data que a mudança ocorreu e esclareceu ainda que então ainda decorriam trabalhos, situação que perdurou por mais alguns meses. Essas declarações encontraram arrimo no depoimento da já referida testemunha II, que se recordou da data por coincidir com o aniversário da Autora. Finalmente, a Ré elaborou o documento 1 junto com a contestação no dia 25 de Setembro de 2010, o que constitui um forte sinal de que foi por essa ocasião que deu por concluídos os trabalhos. Tanto assim que, aquele documento, tem o sugestivo título de auto de fecho de contas.
Em sentido contrário, surgiu o depoimento da testemunha FF, que afirmou, de forma conclusiva, que os trabalhos foram concluídos e a obra entregue aos Autores no dia 15 de Março de 2010, esgrimindo com o facto de o encerramento do livro de obra ter ocorrido nessa data.
Contudo, para além de este depoimento ser contrariado pela alegação da própria Ré, que situou a entrega da obra em finais de Maio de 2010, e, bem assim, pelo teor do documento 2 junto com a réplica, certo é também que o seu autor se revelou evasivo e jogou claramente na defensiva quando foi confrontado com a possível existência de elementos que o contrariavam e, bem assim, com a questão de saber o motivo pelo qual o livro de obra foi encerrado a 15 de Março de 2010. Neste contexto, afigurou-se plausível a resposta que a Autora deu a essa questão. Daqui também a convicção negativa quanto aos factos dos pontos 87 e 88.”
Vejamos.
A primeira questão refere-se à aplicação do princípio estabelecido no artigo 393º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil, normativo que prevê o seguinte:
1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível a prova testemunhal.
2. Também não é admitida a prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou outro meio com força probatória plena.”
Sob este enfoque sustenta, pois, a apelante que a entrega da obra em Março de 2010 se mostra plenamente provada através do documento acima referido (caderno de obra) e, consequentemente, sobre esta matéria não podia ser produzida qualquer prova, nomeadamente prova testemunhal ou prova por declarações de parte, nomeadamente as declarações de parte da Autora AA.
Não tem, porém, a apelante razão quanto a esta questão, não sendo, aliás, compreensível como, defendendo a apelante o que ora defende no recurso quanto à inadmissibilidade de tal meio de prova, não tenha suscitado essa questão quando da tomada de depoimento/declarações de parte à autora, AA, tendo, pelo contrário, efectuado várias instâncias no decurso das mesmas em audiência e instâncias essas reportadas, precisamente, ao documento (caderno de obra) que ora invoca e à questão da entrega da obra e respectiva data.
Neste sentido, a questão ora colocada pela apelante poderia, até, segundo julgamos, considerar-se uma questão nova, estranha ao objecto do recurso nesta instância, pois que, como já antes se referiu, o tribunal de recurso não se destina a apreciar questões que, podendo, como é o caso, ter sido suscitadas perante o tribunal de 1ª instância, ali não foram colocadas pelas partes e, logicamente, sobre elas não recaiu qualquer decisão que esta instância de recurso deva reapreciar.
De todo o modo, mesmo abstraindo desta vertente, a posição da apelante parte de um equívoco quanto ao âmbito de aplicação do citado artigo 393º.
De facto, a limitação probatória ali estabelecida no n.º 1 do citado normativo quanto à produção de prova testemunhal refere-se apenas, como dele consta expressamente, por um lado, à declaração negocial que tenha de ser reduzida a escrito (formalidade «ad substantiam») ou à declaração negocial que tenha que ser provada por escrito (formalidade «ad probationem»), o que não sucede, manifestamente, com o facto em causa, qual seja, a entrega da obra e a sua data.
Com efeito, esse facto (entrega da obra e sua data) não tem, por lei ou por disposição das partes, que obedecer à forma escrita, nem, ainda, tem de ser provado por meio de documento reduzido a escrito, podendo, consequentemente, ser demonstrado por qualquer meio de prova admissível por lei.
Destarte, o n.º 1 do citado artigo 363º, não colhe aplicação quanto à matéria de facto em apreço, atinente à entrega da obra e a sua data.
E também o seu n.º 2 também não colhe aplicação ao caso dos autos, na estrita medida em que, compulsado o dito documento (ainda que o mesmo se encontre assinado pela autora mulher – e só por esta), em parte nenhuma desse documento particular a ali outorgante, autora mulher, reconhece ou aceita perante a Ré, em termos confessórios, que a obra foi concluída e entregue naquela data de 15.03.2010 – vide artigo 376º, n.º 2, do Cód. Civil -, ou, ainda, como a apelante defende, que a mesma a aceitou «sem reservas».
Aliás, como ainda se referirá noutro passo deste acórdão, não se percebe como poderia a autora aceitar a alegada entrega da obra em causa quando, como resulta da matéria de facto provada e não impugnada pela ré, nem sequer em Junho de 2010 (quanto mais em Março) a obra estava concluída, pois que a ré executou trabalhos até Setembro de 2010, data em que a obra veio, de facto, a concluir-se. – vide factos provados em 8 e 9 (não impugnados).
Com efeito, a entrega da obra encomendada pelo seu dono, naturalmente, só pode ocorrer quando a obra está totalmente concluída, sendo certo que só nessa data se pode considerar que o dono da mesma tem a disposição da mesma e está em condições de a aceitar, repete-se, a obra concluída, sendo certo que não estamos em presença de uma obra faseada ou segmentada, mas perante a edificação de uma moradia, que compreendia não apenas trabalhos no interior, como ainda no seu exterior.
Como assim, não se vê como se poderá sustentar, à luz de tal documento e do seu exacto teor, que está plenamente provado que a obra foi concluída e entregue aos autores (ambos), enquanto outorgantes no contrato de empreitada e donos da obra em causa, naquela data de 15.03.2010, tendo ambos aceite, sem reservas, a obra em causa, naquela data.
O dito documento pode até, não temos dúvidas em o afirmar, enquanto documento particular sujeito à livre apreciação do tribunal, por si e/ou conjugado com outra prova produzida (testemunhal, documental ou outra), ter virtualidade probatória bastante para demonstrar que a obra em causa foi entregue naquela data de 15.03.2010, mas, segundo julgamos, o mesmo documento, só por si e sem mais, não constitui prova plena dessa entrega naquela data e de aceitação da obra sem reservas, ao contrário do que advoga a apelante.
Consequentemente, retomando a questão, em sentido oposto ao que a mesma defende, nada impedia, como sucedeu no caso dos autos, que sobre a matéria em causa (data de entrega da obra em causa e sua aceitação) fosse produzida no processo prova testemunhal ou outra, nomeadamente outra prova documental, pois que, como se vê do antes exposto, não está em causa, no caso em apreço e quanto à sobredita matéria de facto, utilizar meios probatórios reconhecidamente mais falíveis para contrariar factos sujeitos a forma escrita ou factos que só podem ser demonstrados por documento reduzido a escrito ou, ainda, contrariar factos plenamente provados, sendo este o objectivo que o legislador pretende alcançar ao impor as limitações de prova previstas nos ditos normativos. [7]
Excluído, assim, este fundamento para efeitos de alteração da matéria de facto impugnada, cumpre, no entanto, em alternativa, na esteira da posição da apelante, apreciar os demais meios probatórios que a mesma invoca em abono da sua tese quanto à factualidade ora posta em crise.
Em primeiro lugar, invoca a apelante as declarações de parte da autora mulher, AA, declarações estas que, segundo defende, corroboram a sua versão quanto aos factos em apreço.
Neste conspecto, tendo-se procedido nesta instância à audição integral de tais declarações prestadas pela autora mulher, não vemos, com o devido respeito, em que termos podem essas declarações corroborarem ou, menos, ainda, serem tidas como confessórias da factualidade em causa, a não ser fazendo delas uma leitura enviesada e parcial, como faz a apelante.
Com efeito, a autora mulher, AA, negou nas suas declarações em audiência e em termos claros e peremptórios que a obra tenha sido entregue em Março de 2010, tendo antes referido, de forma segura e convicta, que a obra em causa deveria ter durado cerca de 8 meses (vide, ainda, cláusula 11ª do contrato de empreitada), sendo certo que começou em Abril de 2009 e veio apenas a estar concluída em Setembro de 2010, em data não exactamente apurada (vide facto provado em 9 e não impugnado).
Como assim, referiu que a conclusão da obra manteve-se em atraso perante a data inicialmente prevista e que foi, sob sua sucessiva insistência, que, em 14.06.2010 (porque fazia anos a 16.06 e queria passar o aniversário na nova casa e, ademais, pretendiam, ela e o seu marido, por termo ao contrato de arrendamento da casa onde viviam e cuja duração já tinham prolongado em razão do atraso da obra), lhe foi dado pela Ré, na pessoa do respectivo Director Técnico à data, a testemunha Eng.º FF, assentimento ou «luz verde» para efectuarem, finalmente, as mudanças e passarem a habitar na moradia, embora, como também referiu, de forma clara e expressa nas suas declarações, estivessem ainda por acabar algumas obras no exterior e no interior da moradia, obras essas que, apesar de tudo, não eram impeditivas da normal utilização da moradia para habitação do agregado familiar, composto pela própria, pelo seu marido e os seus filhos.
Este facto resulta confirmado, não só do documento n.º 2, junto com a réplica, datado de 8.06.2010, correspondente ao e mail da aqui autora a solicitar/exigir a conclusão da obra para que pudesse fazer a mudança para a moradia, como, ainda, do depoimento da testemunha II, que também por nós foi escutado na íntegra, a qual, enquanto amiga próxima da autora e visita da casa, confirmou, de forma rigorosa e pormenorizada, a situação da autora e do respectivo agregado familiar, em particular, o desejo/propósito da autora e do marido passarem a viver na moradia o mais rápido possível e, em particular, a partir daquela data, mesmo não estando totalmente acabadas as obras em curso, seja no interior, seja no exterior, como a mesma também pode confirmar em deslocação ao imóvel em causa.
É certo que, em sentido, oposto depôs a testemunha Eng.º FF, o qual, estribado apenas e só no aludido caderno da obra, procurou, debalde, em nosso ver, justificar que a obra foi entregue em Março de 2010.
Com efeito, sendo indiscutido que a obra não estava concluída sequer em Junho de 2010 (vide, além do mais, os factos provados em 8 e 9, que não foram impugnados pela apelante), não se concebe como poderia a obra ter sido entregue em Março de 2010, ou seja, cerca de 3 meses antes…
Note-se que a entrega da obra supõe, naturalmente, que a mesma esteja concluída, pois que o dono da obra não pretende receber/entrega de uma obra qualquer, nem pretende receber/entrega de uma obra apenas parcialmente executada, sendo certo que está em causa a reconstrução/edificação de uma moradia unifamiliar que se destinava à habitação do respectivo agregado familiar.
O dono da obra pode, segundo aquilo que são as regras da lógica e da experiência, aceitar ir viver na casa, ainda que a obra contratada não esteja totalmente executada e na expectativa da sua conclusão a breve trecho, mas isso não significa, em nosso ver, longe disso, que a obra (a obra contratada) tenha sido entregue e, ainda menos, que ela se mostre aceite, mais ainda sem reservas…
No seu depoimento, que também por nós foi escutado na íntegra, nada explicou a dita testemunha, em termos minimamente convincentes e razoáveis, sobre esta total discrepância, colocando, pois, em nosso julgamento, em evidente crise a objectividade e imparcialidade do seu depoimento e, logicamente, a sua credibilidade para efeitos de sã e justa convicção do tribunal!
Neste conspecto e como já o dissemos em vários outros acórdãos, o que é pedido ao tribunal é, precisamente, que faça uma leitura e análise crítica da prova produzida, não devendo, pois, nesse contexto, de crítica ponderação dos meios de prova produzidos, atribuir acriticamente credibilidade a depoimentos que, quando confrontados com as regras da experiência e da lógica e com outra prova produzida nos autos e também ponderada de forma crítica, não colhem fundamento suficientemente sério e plausível.
Por outro lado, ainda nesta sede, como bem dá nota o Sr. Juiz na fundamentação da matéria de facto ora em apreço, a própria Ré/apelante não invoca na sua contestação como data de entrega da moradia Março de 2010, mas antes Maio de 2010, o que, em nosso ver, é também um outro sinal inequívoco de que o caderno da obra – a que a apelante atribui particular valor probatório - não é, de facto, representativo ou comprovativo da situação real da obra em causa naquela data e, logicamente, fundamento probatório bastante para a demonstração da factualidade em causa.
Também nenhuma outra explicação deu a testemunha para esta outra discrepância, o que, em nosso ver, bem evidencia que o seu depoimento, que pudemos escutar na íntegra, não é, como se referiu, merecedor de credibilidade bastante, à luz das regras da experiência e da lógica…
Neste sentido e a propósito da formação da convicção do juiz do processo, como se refere com inteiro acerto em douto Acórdão desta Relação, “ … a realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.» [8]

Destarte, confrontando as declarações da autora, que justificou a sua assinatura do caderno da obra pelo propósito de evitar à Ré/apelante a obtenção de uma nova licença de construção e eventuais atrasos na conclusão da obra (o que, à luz da lógica e da experiência, temos como plausível face à circunstância de já nessa data a obra estar atrasada face ao prazo inicialmente previsto de oito meses), com o depoimento da testemunha Eng.º FF e em face das evidentes omissões e contradições deste último, antes assinaladas nos seus termos essenciais, julgamos, em consonância com a convicção evidenciada pelo Tribunal de 1ª instância, que, de facto, não existe nos autos prova bastante e segura, por um lado, de que a obra em causa foi entregue a 15.03.2010 (ou sequer em Maio de 2010, como alegado pela Ré/apelante na sua contestação) e, logicamente, que, nessa data (ou outra), tenham os autores aceitado, sem reservas, a obra em causa.
Ao invés, o que resulta da prova produzida, nesta matéria, em termos razoavelmente seguros e com forte probabilidade, é apenas e só que os autores passaram, a seu pedido e insistência, a habitar a moradia em causa a partir de 14.06.2010, ainda que outros trabalhos estivessem em curso nessa data, trabalhos esses que vieram a concluir-se já em data não apurada de finais de Setembro de 2010, como consta dos pontos 7, 8 e 9 dos factos provados, factos estes que, aliás, nem foram impugnados pela Ré/apelante.
O que, em nosso julgamento, vem a significar que, não obstante a distância entre a produção da prova antes referida e este Tribunal, repetindo a sua produção nos termos possíveis (mediante a sua audição integral), é nossa autónoma e independente convicção que o Sr. Juiz do Tribunal de 1ª instância fez uma correcta avaliação crítica da prova produzida no seu conjunto, não se nos evidenciando, à luz dos meios probatórios convocados pela apelante e após a sua reanálise, nomeadamente através da audição dos respectivos registos fonográficos e consideração do documento/caderno da obra acima referido, qualquer razão ponderosa e séria para, à luz das regras da experiência e da lógica, dela divergir.
Com efeito, é também nossa convicção, que, em função dos meios de prova produzidos, não existe base probatória bastante e credível para dar como provados os factos feitos constar dos pontos 87 e 88 do elenco dos factos não provados, sendo certo, ademais, que o ónus de prova dos mesmos, enquanto factos integradores da excepção (peremptória) de caducidade, lhe incumbia, em conformidade com a regra que emerge do preceituado nos artigos 342º, n.º 2 e 343º, n.º 2, ambos do Cód. Civil.
Por conseguinte, não logrando a Ré/apelante cumprir, de forma suficientemente fundada e numa perspectiva crítica da prova produzida nos autos, aquele ónus de prova, a dúvida que, em termos de convicção, permanece sobre a verificação daqueles factos há-de ser-lhe desfavorável e, nesse contexto, merecer resposta negativa, em conformidade com a regra que resulta do preceituado no artigo 414º, do CPC.
Mantém-se, pois, neste âmbito, a matéria de facto julgada como provada pelo Tribunal de 1ª instância e conforme consta dos pontos 7, 8 e 9 do elenco da sentença recorrida.
Por conseguinte, improcede a impugnação da decisão de facto deduzida pela apelante, mantendo-se, neste pressuposto, o quadro factual provado e provindo do julgamento em primeira instância.
*
III.III. Do mérito da sentença – Excepção de Caducidade – Condenação genérica.
Dirimidas as questões antecedentes e definido o quadro factual a ter em consideração para efeitos decisórios, a primeira discordância essencial manifestada pela apelante no confronto com a fundamentação jurídica invocada na sentença recorrida contende com a excepção de caducidade por si invocada na contestação e que, na sua perspectiva, deveria ter sido julgada procedente, com a sua consequente absolvição do pedido decretado pelo Tribunal de 1ª instância sob os pontos 1., 1.1, 1.1.1 e 1.1.2. do decisório da mesma sentença.
Note-se, assim, no que releva ao âmbito objectivo do presente recurso, que a Ré/Reconvinte e ora apelante não coloca em causa no recurso de apelação por si interposto e em função das suas conclusões – enquanto meio de delimitação do objecto do recurso - o segmento contido no ponto 2. do decisório da mesma sentença, não obstante ter ficado vencida quanto à improcedência da reconvenção por si deduzida e atenta a ali também declarada procedência da excepção de não cumprimento do contrato invocada pelos autores contra aquela pretensão reconvencional e atinente ao pagamento do preço dos trabalhos extra realizados pela Ré/apelante.
Com efeito, esta última conclui o seu recurso peticionando a alteração da sentença, por forma a ser declarada a procedência da excepção peremptória de caducidade, em sentido oposto ao decidido pelo Tribunal de 1ª instância nos pontos 1., 1.1, 1.1.1 e 1.1.2. da sentença, deixando, assim, em termos claros, fora do objecto do recurso e da actividade jurisdicional deste Tribunal ad quem as demais questões dirimidas e decididas na sentença recorrida no contexto do presente processo.
Como assim, esse outro segmento decisório não impugnado há-de considerar-se como transitado em julgado (artigo 635º, n.º 2, do CPC) e, nesses termos, definitivamente dirimido, não podendo, pois, ser atingido pela decisão a proferir nesta instância (artigo 635º, n.º 5, do CPC).
Dito isto, em sede de excepção de caducidade e definição do seu regime jurídico releva, primordialmente, decidir da qualificação jurídica do ajuizado contrato de empreitada e, em particular, se o mesmo deve ser qualificado como comum contrato de empreitada ou como, decidido pelo Tribunal de 1ª instância, como um sub-tipo de contrato de empreitada de consumo, sendo certo que, como é consabido, no domínio dos prazos (de caducidade) para verificação dos vícios ou defeitos da obra, para a sua denúncia perante o empreiteiro e para o exercício dos direitos conferidos ao dono da obra, os regimes jurídicos aplicáveis em tais matérias variam em função da qualificação do dito contrato de empreitada.
Sobre a matéria atinente à qualificação jurídica do contrato de empreitada firmado entre as partes, a sentença do Tribunal de 1ª instância pronunciou-se nos seguintes termos:
“1.1. Quanto à 1.ª questão, não suscita qualquer dúvida que entre Autores e Ré foi celebrado um contrato pelo qual a segunda se obrigou a realizar uma obra de construção civil (a remodelação de uma moradia), tendo como contrapartida o pagamento de um preço.
É assim inquestionável que estamos perante um contrato de empreitada, tal como este tipo está definido no art. 1207º do Código Civil.
***
1.2. Por outro lado, assente que a obra que a Ré, uma sociedade que tem como escopo a construção civil, se obrigou a realizar consistiu na remodelação da moradia destinada à habitação dos Autores, pessoas físicas, o que é denunciado pelos factos dos pontos 6 e 7, também não suscita quaisquer dúvidas que estamos perante uma empreitada de consumo, subtipo do contrato de empreitada, que encontra acolhimento quer na Lei n.º 24/96, de 31.07, quer no DL n.º 67/2003, de 8.04, diploma que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 1999/44/CE
Com efeito, a relação de empreitada de consumo é aquela que é estabelecida entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional (v.g., a habitação) e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (art. 2.º/1 da Lei n.º 24/96 e art. 1.º/1 do DL n.º 67/2003).
O critério de definição legal de uma relação de consumo, no domínio dos contratos de empreitada, encontra-se, pois, na identificação dos dois polos duma relação contratual subjectivamente desequilibrada. Num lado, posiciona-se o dono da obra consumidor, como a parte contratual mais débil, identificado pela intenção a que destina a obra encomendada, e, no outro, o empreiteiro empresário, identificado pela veste profissional que assume.
O dono da obra que é consumidor pode ser qualquer pessoa física que contrate a realização duma obra com a intenção de não a destinar a uma utilização profissional. Este elemento subjectivo tem de existir numa relação de consumo. Não importa qual o uso normal ou corrente que é dado àquele tipo de obras, nem a utilização concreta que lhe é dada posteriormente, mas sim o destino que o dono da obra tem em mente quando contrata a sua realização. A este propósito, notamos ainda que, como ensina Menezes Leitão (Direito das Obrigações, III, 10.ª ed., Coimbra: Almedina, 2015, p. 562), a actual redacção do artigo 1.º-A/2 do DL n.º 67/2003 permite abranger não apenas a empreitada de construção, mas também a empreitada de reparação ou modificação, sob pena da alteração em termos de redacção não ter significado prático. Neste sentido, escreve o autor citado que “constituem precisamente referências à empreitada os n.ºs 3 e 4 do art. 2.º ao referirem a falta de conformidade resultante dos materiais fornecidos pelo consumidor ou resultante da má instalação dos bens. Ao contrário do que fazia a Directiva, que restringia a definição dos bens de consumo aos bens móveis corpóreos (art. 1.º/2, b), o regime do DL n.º 67/2003, não exclui os bens imóveis (art. 3.º/2 do DL n.º 67/2003), pelo que a empreitada de construção ou reparação de imóveis é também abrangida por este regime. ”
Deste modo, sendo o regime do DL n.º 67/2003 aplicável ao contrato de construção de imóvel, desde que o dono da obra seja consumidor, não se vislumbram razões que justifiquem que o mesmo regime não seja aplicável quando o dono da obra contrata a reparação ou a remodelação do imóvel, na medida em que aquilo que releva é que se esteja perante uma relação de consumo entre o dono da obra e o empreiteiro. Neste sentido, Ac. da RP do 16.05.2017 (263/13.1T2ILH) e Ac. da RG de 14.02.2019 (995/16.2T8BGC).
Nesta conformidade, sendo o regime do DL n.º 67/2003, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008, especial relativamente ao regime geral do Código Civil, deve ser ele o convocado para a solução do caso dos autos, sem prejuízo da aplicação das normas gerais do Código Civil em tudo o que não esteja em contradição com o mesmo e ponderando que a especial natureza dos diplomas de protecção do consumidor pode permitir uma inversão daquela relação de especialidade quando as normas do Código Civil se apresentem, em concreto, mais favoráveis ao mesmo consumidor. A propósito, para além dos arestos citados, vide os Acs. da RP de 15.12.2016 (103/14.4T8PFR) e da RC de 15.12.2016 (12/14.7TBAGN).”
Quanto a esta matéria atinente à qualificação da relação contratual vigente entre as partes, nenhuma divergência nos merece a sentença recorrida, pois temos como certo, à luz da factualidade provada (vide pontos 1, 2 e 7 da factualidade provada), que estamos em presença de um contrato de empreitada cujo objecto é a realização e entrega pela ré/empreiteira – sociedade comercial que se dedica, além do mais, à actividade, com fins lucrativos, de construção civil – aos autores, pessoas singulares, de uma obra (moradia unifamiliar a edificar a partir de um prédio mais antigo e pré-existente, compreendendo a sua modificação e ampliação), obra/moradia destinada pelos mesmos à sua habitação e do respectivo agregado familiar.
Por outro lado, como também se sustenta, nesta parte, na fundamentação da sentença, a par com aqueles elementos característicos do contrato de empreitada, é também possível surpreender-se, no caso, uma relação de consumo, estabelecida entre um profissional na área de actividade ora em causa (a sociedade/empreiteira, cuja actividade é, precisamente, a construção/reconstrução de edifícios, ainda que a partir de outros mais antigos e pré-existentes, como era o caso) e um não profissional, quais sejam os donos da obra (autores), que a destinam a fim pessoal e não lucrativo, qual seja o de ali instalarem a sua habitação e do respectivo agregado familiar.
Nesta perspectiva, conforme já o decidimos no Acórdão da Relação de Guimarães de 12.07.2016 [9], em termos directamente aplicáveis ao caso dos autos, “… poder-se-á dizer que estamos perante uma relação de empreitada de consumo quando o relacionamento contratual se mostra estabelecido entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional e outrem que exerce com caracter profissional um determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (cfr. artigo 2º, n.º 1, da Lei n.º 24/96 e artigo 1º-B, alínea a), do DL n.º 67/2003); efectivamente, são estes sujeitos – com presumida desigual experiência, organização e informação –, cuja intervenção simultânea transforma o contrato de empreitada em empreitada de consumo e justificam a aplicação daquele regime especial, visando a protecção da parte considerada mais débil- o consumidor/dono da obra. Vide, neste sentido, por todos, J. CURA MARIANO, op. cit. (“Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra), 6ª edição, 2015, pág. 236-238 e PEDRO ALBUQUERQUE/M. ASSIS RAIMUNDO, op. cit. (“Direito das Obrigações – Contratos em Especial – Empreitada”, II volume, 2ª edição, 2013), pág. 469-470.” [10]
Por conseguinte, revertendo ao caso dos presentes autos, cremos, em sintonia com o decidido pelo Tribunal de 1ª instância, que estamos perante um contrato de empreitada de consumo, pois que a ré/empreiteira dedica-se à actividade de construção civil com fins lucrativos, do mesmo passo que os donos da obra destinam a obra edificada (moradia unifamiliar) à sua habitação pessoal/familiar, isto é, não a destinam a qualquer fim profissional.
Por conseguinte, como também se decidiu na sentença recorrida, no caso concreto o regime aplicável é o que decorre do citado DL n.º 67/2003, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008, de 21.05, sem prejuízo da aplicação das normas gerais do Código Civil em tudo o que não esteja em contradição com o dito regime especial, tendo sempre em atenção que, a especial natureza dos diplomas de protecção dos consumidores, pode permitir uma inversão daquela relação de especialidade quando as normas gerais se apresentem em concreto como mais favoráveis. [11] [12]
Definido, assim, o quadro legal aplicável, cumpre conhecer da excepção de caducidade, excepção que o Tribunal de 1ª instância julgou improcedente e com cuja decisão dissente a apelante.
É consabido que para haver responsabilidade por cumprimento defeituoso, isto é para que o dono da obra possa exercer o seu direito à reparação ou eliminação dos defeitos, é necessário que sejam eles denunciados (artigo 1220º do Cód. Civil) e tempestivamente exercidos os direitos previstos nos artigos 1221º a 1223º do mesmo Código, respectivamente, os direitos à eliminação dos defeitos (ou à realização de nova obra, se tal eliminação não for possível), à redução do preço e à resolução do contrato, sem prejuízo da indemnização pelos danos emergentes ou lucros cessantes, em conformidade com o previsto no artigo 1223º do mesmo diploma legal.
A este propósito a lei estabelece três tipos de prazo, a saber: - o primeiro (1º) será o prazo para a denúncia dos defeitos; o segundo (2º) será o prazo para o exercício dos direitos (de eliminação dos defeitos; redução do preço; resolução do contrato e indemnização) e o terceiro (3º) será o prazo ou limite máximo da garantia legal.
Quanto ao primeiro prazo (1º) – de denúncia dos defeitos -, vale, no âmbito da empreitada de consumo, não o prazo de 30 dias previsto no artigo 1220º, n.º 1, mas o prazo de 1 ano fixado para os imóveis, a contar da data em que tiver sido detectado o defeito – vide artigos 1225º, n.º 2 e artigo 5º-A, do citado DL n.º 67/2003 de 8.04.
É de referir nesta matéria que, na empreitada de consumo, não funciona a presunção legal de conhecimento dos defeitos aparentes constante do artigo 1219º, n.º 2, uma vez que esta encontra-se estabelecida com vista à exclusão da responsabilidade do empreiteiro em resultado da aceitação da obra com defeitos conhecidos. [13]
Tal decorre do facto de os artigos 10º, n.º 2 do DL n.º 67/2003 e 16º, n.º 1 da LDC (Lei de Defesa do Consumidor) cominarem com a nulidade os pactos de exclusão ou limitação do exercício dos direitos do dono da obra consumidor celebrados antes das denúncias dos defeitos, o que contraria que o acto de aceitação da obra sem denúncia dos defeitos verificados possa determinar a exclusão da responsabilidade do empreiteiro.

No entanto, como salienta ainda J. Cura Mariano, op. cit., 6ª edição, pág. 257, “… recai sobre o empreiteiro o ónus de provar que aquele [o dono da obra] efectivamente se apercebeu deles, nada impedindo, contudo, o funcionamento de presunções judiciais para apurar esse conhecimento, retiradas da evidente aparência dos defeitos.”
Quanto ao segundo (2º) prazo - de exercício do direito -, no caso, está consagrado o prazo de 3 anos, a contar da denúncia dos defeitos – vide artigo 5º-A, n.º 3 do antes citado DL n.º 67/2003.
Por seu turno, quanto ao terceiro (3º) prazo, vale para o caso dos autos, não o prazo geral de 2 anos (artigo 1224º, n.º 2 do Cód. Civil) a contar da data de entrega da obra, independentemente da data do conhecimento dos defeitos e da sua denúncia, mas o prazo de 5 anos fixado para os imóveis, em conformidade com o previsto nos artigos 1225º, n.º 1 do Cód. Civil e 5º, n.º 1 do mesmo DL n.º 67/2003. [14]
Este último prazo, no âmbito do regime da empreitada de consumo, é, todavia, ao contrário do que sucede no regime do Código Civil, um prazo de garantia, no sentido de que fixa “… o período em que a falta de conformidade se deve manifestar e não a data limite para o exercício dos direitos do dono da obra consumidor, como sucede com iguais prazos consagrados no regime geral do contrato de empreitada (artigos 1224º, n.º 2 e 1225º, n.º 1, do CC).
Enquanto neste último regime os prazos de 2 e 5 anos são prazos de caducidade, cujo termo determina a extinção dos direitos do dono da obra, os prazos de igual duração consignados no artigo 5º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, são prazos de garantia, que fixam o lapso de tempo durante o qual a manifestação duma falta de conformidade faz surgir na esfera jurídica do dono da obra consumidor os respectivos direitos.” (destaques nossos) [15]
Com efeito, esta outra natureza do prazo em apreço (por comparação com igual prazo no âmbito do contrato de empreitada comum) resulta de expressa opção do legislador ao prever sob o artigo 5º, n.º 1 do citado DL n.º 67/2003 (sob a epígrafe «prazo da garantia») que «o consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior (direitos à reparação, substituição, redução do preço e resolução do contrato – artigo 4º) quando a falta de conformidade se manifestar dentro do prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.» (destaques nossos)
Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre-nos conhecer, no preciso circunstancialismo dos autos, da excepção de caducidade suscitada pela ré e ora apelante.
Nesta matéria, importa começar por realçar, uma vez mais, que os prazos acima referidos são prazos de caducidade e, como tal, constituindo factos extintivos dos direitos do autor/dono da obra defeituosa, o decurso integral dos mesmos, enquanto factos que lhe são favoráveis, devem ser demonstrados pelo réu/empreiteiro, em conformidade com a regra que emerge do preceituado no artigo 342º, n.º 2, do Cód. Civil. [16]

Neste sentido, como refere A. Varela, “Manual …”, cit., pág. 455, nota 3, “… Cada uma das partes terá o ónus de alegar e provar os factos correspondentes à previsão da norma que aproveita à sua pretensão ou à sua excepção” ou, ainda, nos mesmos termos, “… cada litigante tem o ónus de provar a existência de todos os pressupostos (quer positivos, quer negativos) das normas favoráveis à sua pretensão.”
Dito isto, em sede de impugnação da decisão de facto a ré/empreiteira procurou demonstrar, sem sucesso, que a obra em causa foi entregue e aceite, sem reservas, pelos autores/donos da obra, em Março de 2010.
Esta factualidade não logrou demonstrar-se nos autos e nem sequer ficou demonstrado, como acima se expôs, que essa entrega tenha ocorrido em Maio ou Junho de 2010, pelas razões já antes avançadas e que nos escusamos a repetir.
Concede-se, no entanto, que, tendo a ré/empreiteira concluído totalmente a obra em data não apurada de Setembro de 2010 e, resultando demonstrado que os autores passaram a habitar na moradia em apreço em data anterior, Junho de 2010, pelo menos a partir do mês de Outubro de 2010 os autores estavam na posse e disponibilidade da obra, pois que, fruto da conjugação daqueles dois factos, é de aceitar que, pelo menos, a partir daquela data, ou seja, a partir de Outubro de 2010 os autores/dono da obra estavam em plenas condições de a utilizar e usufruir e, portanto de a fazer sua e, nesse contexto, de a verificar, sem quaisquer limitações ou constrangimentos.
Com efeito, em nosso ver, encontrando-se a obra concluída em data não apurada de Setembro de 2010 e encontrando-se os autores a habitarem na moradia em causa desde Junho desse mesmo ano, é de admitir que a obra foi, pelo menos, nessa data (data não apurada de Setembro de 2010), disponibilizada pela ré aos autores, ou seja, foi-lhes entregue e, por isso, a partir do mês imediatamente subsequente, Outubro de 2010, os autores/donos da obra tinham o seu pleno domínio e, portanto, estavam em condições de a verificar e, nesse contexto, de a aceitarem ou, pelo contrário, recusá-la.
Questão diferente da entrega – enquanto disponibilização material da obra concluída – é já a sua verificação e eventual aceitação, com ou sem reservas, posterior à entrega da mesma. [17]
Tendo isto por assente, decorre do antes exposto quanto aos prazos de caducidade e, em especial, quanto ao prazo de garantia de 5 anos, que os autores/donos da obra poderiam durante todo aquele prazo de 5 anos (entre Outubro de 2010 e Outubro de 2015) denunciar perante a ré qualquer vício ou desconformidade da obra em causa desde que surgido ou despoletado naquele período temporal.
Ora, sendo assim, como resulta da factualidade provada, todos os vícios/desconformidades a que se reportam os presentes autos e que atingem a obra em causa (e que não foram impugnados) ocorreram ou surgiram naquele período compreendido entre Outubro de 2010 e Outubro de 2015 e, ademais, também foram denunciados pelos autores perante a ré/empreiteira naquele mesmo período temporal, repete-se, entre Outubro de 2010 e Outubro de 2015.
Não ocorre, pois, ao contrário do que advoga a apelante, a caducidade do dito prazo máximo de garantia de cinco anos por via do seu decurso integral, sendo certo, ademais, que também não ocorre caducidade quanto ao prazo de exercício do direito à eliminação dos vícios e desconformidades da obra, pois que a presente acção foi instaurada em Abril de 2016 (facto provado em 86 da sentença), ou seja, bem dentro do prazo de 3 anos subsequente à denúncia dos defeitos, denúncia esta que teve lugar, desde logo, pela carta de 13.07.2015
(referida em 17 da sentença), seguida, depois, das subsequentes cartas dos autores de 7.10.2015 (referida em 20 e 21 da sentença) e de 11.11.2015 (referida em 22 da sentença), todas dirigidas à Ré/empreiteira.
Com efeito, recorde-se que, à luz do preceituado no artigo 5º-A, n.º 3, do diploma acima citado, o dono da obra/consumidor dispõe do prazo de três (3) anos, a partir da data da denúncia dos defeitos, para instaurar a competente acção judicial para exercício dos direitos que lhe são reconhecidos, nomeadamente, no que ora releva, para a eliminação/reparação de todos os vícios e desconformidades manifestados no período de garantia de 5 anos já antes referido.
Como assim, prolongando-se o dito prazo de exercício do dito direito dos autores até, pelo menos, 13.07.2018 (13.07.2015+3=13.07.2018) – primeira carta de denúncia de vícios -, também nesta outra vertente não ocorreu o prazo de caducidade para o exercício em juízo daquele direito que se mostra conferido aos donos da obra, ou seja, os aqui autores, pois que a presente acção, como se disse, foi instaurada em 2016, dentro, portanto, daquele hiato temporal previsto na lei.
A única questão que verdadeiramente se coloca é, pois, no contexto da excepção de caducidade ora em causa, saber se os autores denunciaram tempestivamente os vícios e desconformidades evidenciados na obra em causa, ou seja, por outras palavras, se efectuaram a denúncia de tais vícios/desconformidades no prazo de 1 ano a contar da data em que deles tiveram conhecimento, como prevê o artigo 1225, n.º 2, do Cód. Civil, conjugado com o artigo 5º-A, do citado DL n.º 67/2003.
Recorde-se, neste contexto e uma vez mais, para evitar quaisquer equívocos, que, como já antes se referiu e em função das regras do ónus de prova que decorrem do artigo 342º, n.º 2, do Cód. Civil, é à ré/empreiteira e ora apelante que incumbe, neste contexto, para a procedência da excepção, demonstrar, por um lado, a data em que os autores tiveram conhecimento dos vícios/desconformidades em causa e, ainda, que entre essa data de conhecimento pelos autores dos vícios em causa e a data da denúncia dos mesmos decorreu mais de um ano.
Ora, nesta matéria, com o devido respeito, é evidente que a empreiteira e ora apelante não conseguiu fazer prova dos pressupostos fácticos indispensáveis à procedência daquela excepção, no preciso sentido de que não resulta da factualidade provada que, à data da denúncia efectuada a 13.07.2015 (considerando a carta dos autores com aquela data como a primeira denúncia dos vícios e desconformidades em causa), os autores soubessem da existência daqueles vícios e desconformidades há mais de um ano tendo por referência aquela data, ou seja, em termos concretos, que conhecessem os vícios/desconformidades em data anterior a 13.07.2014.
Por conseguinte, também nesta outra vertente não ocorrem os pressupostos para o decretamento da procedência da excepção de caducidade ora em causa e na parte atinente ao prazo para a denúncia dos defeitos em causa e antes referido.
Importa, no entanto, nesta matéria em particular, fazer aqui uma outra precisão, também para evitar quaisquer dúvidas que possam restar quanto a esta matéria.
Resulta da factualidade provada (factos provados em 10 e 11) que no inverno de 2010/2011 começaram a surgir manchas de humidade junto aos rodapés nas paredes e tectos de várias divisões da casa e, ainda, que o papel de parede no quarto de banho de visitas começou a descolar.
É assim indiscutível que os autores, naquele período temporal antes referido (inverno de 2010/2011), tiveram conhecimento daqueles vícios em concreto, ou seja, que existiam humidades nas paredes de várias divisões da casa, sendo estes vícios conhecidos dos autores naquelas datas.
Sucede que, apesar disso, como também resulta da factualidade provada (factos provados em 12 e 13 da sentença), essas situações foram comunicadas à ré pelos autores e a mesma fez deslocar à moradia em causa operários para recolocar o dito papel de parede e indagarem das causas das manchas de humidade, sendo certo que, tendo-se repetido as mesmas situações nos anos subsequentes de 2012, 2013 e 2014, a Ré voltou a pintar as paredes interiores e voltou a colocar papel de parede no dito quarto de banho de visitas.
Ora, como nos dizem as regras da experiência e da lógica, só aceitaria recolocar o papel de parede e pintar de novo as paredes interiores da casa dos autores quem reconhece, por um lado, a existência desses vícios ou desconformidades (humidades nas paredes por infiltrações de águas) e, por outro, reconhece que os mesmos lhe são imputáveis, pois que, a não ser assim, naturalmente, segundo as mesmas regras da experiência e da lógica, quem executou a obra em causa declina qualquer responsabilidade por tais vícios, declina a possibilidade de efectuar a respectiva reparação ou, a aceitar fazê-la, cobra, naturalmente, o seu preço.
Vem isto a propósito de que, se é certo que os autores tiveram conhecimento de infiltrações de águas/humidades na casa edificada pela ré no inverno de 2010/2011 (e, ainda, que os mesmos se tenham repetido em 2012, 2013 e 2014), é também, em nosso ver, seguro afirmar-se, à luz da aludida factualidade provada em 12 e 13 (que não foi impugnada), que a ré/empreiteira reconheceu ela própria, de forma inequívoca, perante os autores a existência daqueles vícios e que os mesmos lhe eram imputáveis, assumindo, por isso, a sua reparação, mais do que uma vez e sem custos para os autores.
Como assim, ter-se-á de entender, como ora sucede, que uma eventual caducidade do direito de denúncia quanto a estes específicos defeitos da obra (infiltrações de águas ou humidades nas paredes da casa, incluindo o quarto de banho das visitas) por decurso do respectivo prazo e a contar do conhecimento dos defeitos/vícios, sempre se mostra impedida, nos termos e para efeitos do preceituado no artigo 331º, n.º 2, do Cód. Civil.
Neste sentido, que ora acompanhamos, como refere J. Cura Mariano, op. cit., 6ª edição, pág. 155-156, “Nos termos do art.º 331º, n.º 2, do CC, a caducidade também pode ser impedida pelo reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deve ser exercido. Apesar de se defender que este reconhecimento, com capacidade impeditiva da caducidade dos direitos é apenas aquele que produz o mesmo resultado que se alcançaria com a prática tempestiva do acto a que a lei ou uma convenção atribuem efeito impeditivo, não concordamos com essa exigência, uma vez que estamos perante caducidades necessariamente estabelecidas em matéria não excluída da disponibilidade das partes, como sucede relativamente aos direitos do dono da obra aqui em análise. Nestas hipóteses, a caducidade visa apenas assegurar ao empreiteiro que a situação de incerteza sobre a existência do respectivo direito não se prolongue por um período de tempo dilatado.
Por conseguinte, como realça, ainda o mesmo autor, “… Se é este (o empreiteiro) quem, de forma inequívoca, reconhece a existência do direito no decurso do prazo de caducidade (o que, acrescentamos nós, ora sucedeu através das reparações tentadas pela ré ao nível das humidades existentes nas paredes da casa e nos períodos dos anos em que as mesmas se evidenciaram), mesmo que não pratique os actos equivalentes à sua realização (v.g. eliminação dos defeitos, entrega de nova obra), não há razão nenhuma para manter a protecção a uma situação de incerteza que já não se verifica pelo reconhecimento efectuado.” [18] (destaques nossos)
Destarte, como acrescenta, ainda, J. Cura Mariano, op. cit., pág. 157, “… O impedimento da caducidade resultante do reconhecimento do respectivo direito, não determina a contagem de um novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário.[19]
Por conseguinte, sendo indiscutido que o prazo de prescrição ordinária não se nos coloca, tudo vem a significar que, mesmo não acompanhando na íntegra a fundamentação da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, certo é que a dita excepção de caducidade invocada pela ora apelante deveria ter sido, como foi, julgada improcedente, o que se confirma nesta instância.
Dirimida esta questão invoca, ainda, a apelante que a sentença proferida ao condená-la a reparar as desconformidades na obra realizada e discriminadas em III, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 38, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 54, 55, 56, 58, 61, 62, 63, 71, 73 e 74 consubstancia uma condenação genérica.
As obrigações de prestação de coisas podem ser classificadas quanto ao seu objecto em obrigações específicas e obrigações genéricas.
Diz-se específica a obrigação cujo objecto mediato é individual ou concretamente fixado. Por seu turno, diz-se genérica a obrigação cujo objecto está determinado apenas pelo seu género (mediante a indicação das notas ou características que o distinguem) e pela sua quantidade. Todavia, a definição pelas partes do género da prestação há-de conter um mínimo de notas características que permitam, por um lado, que o seu objecto seja determinável, como a lei exige (artigos 280º e 400º, do Cód. Civil), e revele a intenção séria de as partes se vincularem juridicamente. [20]
Ora, neste contexto, a obrigação/prestação de facto (actividade de reparação dos vícios e desconformidades existentes na obra realizada) que, em função da condenação decretada na sentença recorrida, fica a cargo da ré e ora apelante não é, manifestamente, uma obrigação genérica, mas antes uma obrigação específica, na estrita medida em que a mesma se mostra perfeitamente individualizada e, logicamente, determinada.
Com efeito, ao contrário do que sustenta a ré/apelante, a partir dos pontos da factualidade provada em 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 38, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 54, 55, 56, 58, 61, 62, 63, 71, 73 e 74 da sentença recorrida mostram-se, não só, perfeitamente determináveis (maxime para quem, como a ré/empreiteira, se dedica profissionalmente à área da construção civil) os vícios e desconformidades evidenciados na obra por si realizada e ora em discussão nos autos, como, ainda, mais importante, também se mostram devidamente individualizadas e especificadas as reparações que, por mor da sentença, foram estabelecidas como sendo sua obrigação e como contrapartida do direito dos autores/donos da obra à eliminação/reparação daqueles vícios.
Neste sentido, a prestação em causa, não sendo cumprida voluntariamente, pode ser dada directamente à execução forçada, não carecendo, para esse efeito, de qualquer ulterior determinação, concentração ou escolha por parte do credor/dono da obra, atenta a sua especificidade e concreta determinação.

O que significa, pois, em sentido oposto ao defendido pela apelante, que a prestação que, em função do decretado na sentença recorrida por remissão para os ditos pontos da matéria de facto, lhe incumbe levar a cabo/cumprir não é, claramente, em nosso ver, uma obrigação ou prestação genérica, mas antes uma prestação perfeitamente individualizada e específica e que, por isso, a mesma pode/deve realizar integralmente, satisfazendo, assim, o (legítimo) direito dos donos da obra à reparação/eliminação de todos os defeitos (vícios e desconformidades) existentes na obra em causa e que lhe são imputáveis enquanto empreiteira que a levou a cabo.
O que, em conclusão final, face à improcedência de todos os argumentos invocados pela ré/apelante, nos conduz até à decisão final do presente recurso de apelação, qual seja a sua total improcedência e consequente confirmação da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, o que se julga.
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IV. DECISÃO:
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente a apelação interposta, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela ré/apelante, uma vez que ficou integralmente vencida no recurso - artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Porto, 21.03.2022
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade

(O presente acórdão não segue na sua redacção o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] O teor da carta em referência consta na sentença recorrida em formato de imagem que não nos foi possível transcrever/copiar integralmente para o texto do acórdão.
Sendo assim, no contexto da fundamentação do presente acórdão faremos referência ao seu teor e na medida em que o mesmo se revele importante à decisão a proferir.
[3] A. VARELA, M. BEZERRA, S. NORA, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 687. No mesmo sentido, vide, ainda, por todos, F. FERREIRA de ALMEIDA, “Direito Processual Civil”, II volume, 2015, pág. 370.
[4] J. LEBRE de FREITAS, ISABEL ALEXANDRE, “CPC Anotado”; I volume, 3.ª edição, pág. 7. Vide, ainda, no mesmo sentido, F. FERREIRA de ALMEIDA, “Direito Processual Civil”, I volume, 2ª edição, pág. 90-93 e, na jurisprudência, AC STJ de 19.10.2021, relator Sr. Juiz Conselheiro Manuel Capelo, AC STJ de 28.01.2021, relator Sr.ª Juíza Conselheira Maria Graça Trigo e AC STJ de 11.10.2020, relator Sr. Juiz Conselheiro António Magalhães, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] JOSÉ LEBRE de FREITAS, “Introdução ao Processo Civil”, 4ª edição, pág. 126-138.
[6] Vide, ainda, além dos Acórdão do STJ já antes citados, ainda, nesta temática, AC STJ de 27.10.2021, relatado pela Sr.ª Juíza Conselheira Leonor Cruz Rodrigues, AC STJ de 12.07.2018, relator Sr. Juiz Conselheiro Hélder Roque e AC STJ de 23.01.2018, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Gabriel Catarino, todos disponíveis no mesmo sítio oficial já referido.
[7] Vide sobre a matéria em causa, por todos, L. FILIPE PIRES de SOUSA, “Direito Probatório Material”, 2ª edição, pág. 210-215 e P. LIMA, A. VARELA, “Código Civil Anotado”, I volume, 4ª edição, pág. 342.
[8] AC RP de 11.12.2014, relatado por JUDITE PIRES, disponível in www.dgsi.pt
[9] AC RG de 12.07.2016, Processo n.º 59/12.8T8PCR.G1, relatado pelo ora Juiz Relator, disponível in www.dgsi.pt
[10] Vide, ainda, no mesmo sentido, por todos, na jurisprudência, AC RP de 16.05.2016, relator Sr. Juiz Desembargador Manuel Domingos Fernandes, AC RC de 16.02.2016, relator Sr. Juiz Desembargador Arlindo Oliveira, AC RL de 9.02.2010, relator Sr.ª Juíza Desembargadora Maria do Rosário Morgado, todos citados no referido Acórdão da Relação de Guimarães. Além destes, vide, ainda, a nível do Supremo, AC STJ de 5.12.2019, relator Sr.ª Juíza Conselheira Rosa Tching, AC STJ de 12.01.2017, relator Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Vasconcelos e, ainda, AC STJ de 17.10.2019, relator Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Abreu, todos disponíveis in www.dgsi.pt
[11] Vide, neste sentido, AC da RP de 16.05.2016, antes citado, e, ainda, AC RG de 3.02.2011, relator Sr. Juiz Desembargador Manuel Bargado e AC RL de 21.02.2013, relator Sr. Juiz Desembargador Eduardo Azevedo, também disponíveis in www.dgsi.pt
[12] É de referir, neste contexto, que o citado DL n.º 67/2003 veio a ser, recentemente, revogado pelo DL n.º 84/2021, de 18.10, que procedeu à transposição para a ordem jurídica portuguesa das Directivas (EU) 2019/770 e 2019/771. Todavia, o dito DL n.º 84/2021 veio a entrar em vigor apenas a 1.01.2022, sendo certo que, segundo o seu artigo 54º, n.º 1, só é aplicável aos contratos celebrados após esta data. Por isso, a aplicação deste novo regime está excluída no caso dos autos.
[13] Vide, neste sentido, por todos, J. CURA MARIANO, op. cit., 6ª edição, pág. 255 e 257, P. ROMANO MARTINEZ, “Empreitada de Consumo”, Revista “Themis”, ano II, n.º 4 (2001), pág. 167-168, AC RP de 6.09.2010, relator Sr. Juiz Desembargador António Eleutério e AC RC de 18.02.2014, relator Sr.ª Juíza Desembargadora Sílvia Pires, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[14] Vide, neste sentido, por todos, AC RC de 16.02.2016 e AC RL de 9.02.2010, ambos já citados.
[15] Vide, neste sentido, por todos, J. CURA MARIANO, op. cit., 6ª edição, pág. 263, PAULO MOTA PINTO, “Cumprimento Defeituoso do contrato de compra e venda”, Instituto do Consumidor, 2002, pág. 43, PEDRO ALBUQUERQUE/M. ASSIS RAIMUNDO, op. cit., pág. 484 e, entre muitos outros, AC RL de 9.02.2010, também já citado.
[16] O artigo 342º, do Cód. Civil consagra, como é pacífico, a denominada «Normentheorie», devida a Rosenberg, “…segundo a qual em qualquer situação regulada pelo direito, cada parte tem o ónus de provar os factos que constituem a premissa à aplicação da norma que lhe produz efeito favorável.” Vide, neste sentido, por todos, MICHELE TARUFFO, “A Prova”, Marcial Pons Editora, São Paulo, 2014, pág. 145, A. VARELA, “Manual …”, cit., pág. 455 e M. TEIXEIRA de SOUSA, “As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa “, Lex, 1995, pág. 218-223.
[17] Vide sobre esta matéria, por todos, P. ROMANO MARTINEZ, “Direito das Obrigações – Parte Especial – Contratos”, Almedina, 2000, pág. 403-414.
[18] Vide, no mesmo sentido, P. ROMANO MARTINEZ, “Cumprimento Defeituoso. Em especial na compra e venda e na empreitada”, Almedina, 2001, pág. 380-381 e, ainda, a vasta jurisprudência invocada por J. CURA MARIANO, op. cit., pág. 156, nota 423.
[19] Vide, ainda, no mesmo sentido, P. ROMANO MARTINEZ, op. cit., pág. 381 e demais doutrina e jurisprudência citados sob a nota 424 da mesma obra de J. CURA MARIANO.
[20] Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I volume, 6ª edição, pág. 789 e, ainda, J. MORAIS de CARVALHO, anotação ao artigo 280º, do Cód. Civil, in “Código Civil Anotado”, I volume, 2017, Coord. ANA PRATA, pág. 341, nota 5.