Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA LUZIA CARVALHO | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO INDEMNIZAÇÃO POR ANTIGUIDADE / CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202504283137/23.4T8AVR.P1 | ||
| Data do Acordão: | 04/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE. CONFIRMADA A SENTENÇA. | ||
| Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A maior ou menor antiguidade da trabalhadora não constitui critério de determinação da indemnização entre 15 e 45 dias de retribuição, relevando apenas para determinação do período de tempo relativamente ao qual a indemnização deverá ser calculada. II – Considerando que a indemnização prevista pelo art.º 391.º do Código do Trabalho é substitutiva da reintegração do trabalhador ilicitamente despedido, a obrigação de atender na sua fixação ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, não significa que quanto maior for o valor dos salários intercalares menor deverá ser o da indemnização e vice-versa, pois, importa respeitar o estatuto remuneratório que o trabalhador teria se fosse reintegrado. III – Apesar de o despedimento ter sido considerado uma sanção excessiva, os factos que foram imputados à trabalhadora e que justificaram o despedimento, não só se demonstraram, como são graves, constituindo comportamentos discriminatórios em razão da nacionalidade das suas colegas, o que esbate significativamente a ilicitude da atuação da empregadora e tem que ser valorado na determinação da indemnização devida, reduzindo-a. IV – O subsídio de alimentação não é devido durante o período de suspensão preventiva do trabalhador. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 3137/23.4T8AVR.P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho ...
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relatório AA intentou a presente ação sob a forma de processo especial de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra A..., S.A. Frustrada a conciliação na audiência de partes a ré apresentou articulado motivador do despedimento e o procedimento disciplinar, invocando como causa do despedimento da autora, o assédio discriminatório praticado pela autora contra um grupo de trabalhadoras brasileiras, em virtude da sua nacionalidade, imputando-lhe comentários e considerações pejorativas e ofensivas dirigidas àquelas, redundando em violação do dever de urbanidade para com colegas de trabalho. A autora contestou, alegando a falta de legitimidade da direção de recursos humanos da ré para a instauração do processo disciplinar, invocando a falta de concretização espácio-temporal e de modo do articulado motivador do despedimento, com violação do seu direito de defesa, e negando as expressões que lhe são imputadas. Explica que um dos episódios que lhe imputam aconteceu, mas não com o contexto e intenção que a autora alega e que terá ficado resolvido com a colega. Concluiu pela ilicitude do despedimento e deduziu pedido reconvencional, peticionando o pagamento de retribuições e subsídios proporcionais em falta, retribuição de horas de descanso compensatório por trabalho suplementar prestado e não gozadas, o subsídio de alimentação do período em que durou a suspensão preventiva, horas de formação não ministrada e prémio anual, no valor global de € 5.367,56 e indemnização por danos não patrimoniais, em compensação de sofrimento que afirma ter sofrido em virtude do despedimento, que cifra em € 3.500,00. Pede, por fim, a sua reintegração ou, caso assim venha a optar, uma indemnização substitutiva da reintegração, esta no valor de € 10.293,75, acrescida das retribuições intercalares até ao trânsito da decisão, e dos juros de mora sobre todas as quantias, desde a data da notificação do articulado. A ré respondeu, pugnando pela improcedência das questões da ilegitimidade da direção de recursos humanos, por estar munida de procuração para o efeito e da falta de circunstanciação do procedimento disciplinar. Impugna o mais, e alega ter colocado à disposição da autora os créditos salariais devidos, e que os subsídios de refeição não são devidos, por não configurarem retribuição propriamente dita e estarem alocados a efetiva prestação de trabalho, que não ocorreu. Acrescenta que a autora teve várias horas de formação profissional, nada lhe sendo devido a esse título e que autora não tem direito a qualquer prémio atenta a sua avaliação abaixo das expectativas, e que a autora não foi elegível para o receber. Refuta os danos não patrimoniais reclamados e subsidiariamente, caso proceda o pedido de condenação no pagamento da indemnização, pede a dedução do que a autora tenha auferido desde o despedimento. Foi admitido o pedido reconvencional, dispensada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes as questões da falta de legitimidade da Direção de Recursos Humanos para instaurar e decidir do procedimento disciplinar e da invalidade do procedimento por falta de circunstanciação. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, no final da qual a autora optou pela indemnização em substituição da reintegração. Foi proferida sentença que culminou no seguinte dispositivo: “Em face do exposto, declara-se a ilicitude do despedimento da autora AA, levado a cabo pela ré por decisão de 18/08/2023, e, em consequência, condena-se a ré a: a. pagar à autora uma indemnização, no valor de € 4.003,13 (quatro mil e três euros e treze cêntimos), em substituição da reintegração; b. pagar à autora as retribuições vencidas desde a decisão do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, a liquidar em sede de incidente de liquidação de sentença, sem prejuízo das deduções plasmadas no artigo 390.º, n.º 2 do Código do Trabalho (e que atualmente se cifra já em € 10.293,75 (dez mil duzentos e noventa e três euros e setenta e cinco cêntimos); d. pagar à autora os créditos por horas de formação não ministrada, que se cifram em € 993,90 (novecentos e noventa e três euros e noventa cêntimos); e. pagar à autora os juros de mora sobre cada uma das quantias precedentes, à taxa supletiva legal em vigor para as transações civis em cada momento do tempo – atualmente fixada em 4% ao ano (nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril) –, vencidos desde a data do vencimento de cada uma delas, e vincendos até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se a ré do demais peticionado.” O valor da causa foi fixado em € 15 290,78 (quinze mil duzentos e noventa euros e setenta e oito cêntimos). * Inconformada, a autora veio interpor recurso da sentença, quer de facto, quer de direito, no que concerne ao montante indemnizatório aí atribuído à autora em razão da ilicitude do respetivo despedimento que considera ter ficado aquém do que será devido e aos pedidos de condenação da ré no pagamento do subsídio de alimentação referente ao período em que durou a sua suspensão preventiva bem como do prémio anual de desempenho relativo ao ano de 2022 e ainda da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em razão desse mesmo despedimento, formulando as seguintes conclusões: (…) * A ré apresentou contra-alegações, com vista à improcedência do recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) * O recurso foi regularmente admitido e neste tribunal o Ministério Público, nos termos do disposto pelo art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT) emitiu parecer no sentido de o presente recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto e de não obter provimento. Nenhuma das partes se pronunciou sobre o dito parecer. * Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * * Delimitação do objeto do recurso Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa). Assim, são as seguintes as questões a decidir: - impugnação da matéria de facto provada e não provada; - montante da indemnização devida em substituição da reintegração; -se é devido subsídio de alimentação relativo ao período em que a recorrente esteve suspensa preventivamente; - se é devido prémio anual de desempenho referente ao ano de 2022; - se é devida indemnização pelo danos não patrimoniais sofridos em virtude do despedimento. * Fundamentação de facto Em 1.ª instância foi considerado provado o seguinte: “1. A ré dedica-se à indústria de fabricação de papel e de cartão (exceto Canelado) e de fabricação de artigos de papel para uso doméstico e sanitário (CAE Principal 17120 e CAE Secundário 17220). 2. Possui e explora, por sua conta e risco, um estabelecimento industrial de fabricação dos referidos produtos, sito na Rua ..., ... .... 3. A autora é sócia do SITE-CN – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Atividades do Ambiente do Centro Norte. 4. Tal Sindicato está filiado, desde sempre, na B.... 5. A autora foi admitida para trabalhar, sob a autoridade e direção da ré e tem uma antiguidade reportada a 16 de dezembro de 2017, exercendo, à data da cessação do contrato de trabalho, as funções de Operador de Processo, 6. Prestando serviço no aludido estabelecimento industrial, aí cumprindo, desde sempre e em conformidade com o que foi determinado pela ré, horário de trabalho de três turnos rotativos com laboração contínua. 7. Enquanto ao serviço da demandada, a autora auferiu as seguintes retribuições base mensais: a. • € 745,20 de janeiro a novembro/2018; b. • € 784,91 e dezembro/2018; c. • € 829,21 de janeiro a dezembro/2019; d. • € 829,21 de janeiro a dezembro/2020; e. • € 829,21 de janeiro a outubro/2021; f. • € 865,00 de em novembro e dezembro/2021; g. • € 875,00 de janeiro a outubro/2022; h. • € 880,00 em novembro e dezembro/2022; i. • € 915,00 a partir de janeiro/2023. 8. À remuneração indicada no facto precedente acrescia o subsídio de turno correspondente, pelo menos desde janeiro 2020, a 25% da retribuição, ascendendo a € 207,30 de janeiro de 2020 a outubro de 2021, € 261,25, em novembro e dezembro de 2021, € 218,75 de janeiro a outubro de 2022, € 220,00 em novembro e dezembro de 2022, e € 228,75 a partir de janeiro de 2023, e do subsídio de alimentação de € 8,50 por cada dia útil de trabalho a partir de, pelo menos, novembro de 2022, o qual era transferido para um cartão refeição denominado LaCard. 9. Aquando da cessação do contrato de trabalho, a ora autora auferia, a título de retribuição base, a quantia de € 915,00 (novecentos e quinze euros), acrescida de subsídio de turno correspondente no valor de € 228,75. 10. A autora desempenhava a sua atividade profissional na Linha Doméstica 1 (D1), Turno A. 11. BB, CC, DD e EE são de nacionalidade brasileira e trabalham na ré. 12. BB tem a categoria profissional de Operadora de Processo ..., função que desempenha na Linha Doméstica 2 (D2), Turno A, posto que era afastado do da autora; CC e EE têm a categoria profissional de Operadora de Processo, função que desempenham na Linha de Guardanapos 2 (G2), Turno A, e DD tem a categoria profissional de Operadora de Processo, função que desempenha na Linha Doméstica 1 (D1), Turno A./na Linha .... 13. Desde que a trabalhadora BB iniciou funções de Operadora de Processo ..., em novembro de 2022, a autora começou a espalhar a mensagem de que a mesma só conseguiu aquela vaga porque sabia chupar bem. 14. Estas palavras foram proferidas na copa perante colegas de trabalho. 15. No dia 20 de janeiro de 2023, quando a trabalhadora se encontrava na sua pausa, na copa, às 07h20, disse, na presença de CC, que quem falasse o nome dela teria os dentes partidos, que nenhuma delas subiria de cargo na ré. 16. Em data não concretamente apurada posterior ao dia 20 de janeiro de 2023, na sequência do sucedido, CC relatou o sucedido ao seu superior hierárquico FF, que posteriormente chamou a autora para uma conversa. 17. No dia 30 de janeiro de 2023, CC estava na copa, a aguardar o início do seu turno, quando a autora, por trás de si, e na presença de vários colegas, disse que esperasse pelo final da manhã, depois do trabalho, para irem fazer queixa ao Senhor FF, que ela iria chamar a polícia e que aquela teria que provar tudo o que disse ao seu superior hierárquico. 18. No dia 30 de janeiro de 2023, CC voltou a apresentar queixa ao supervisor GG. 19. Devido a esse comentário, CC não realizou qualquer pausa nos dias 30 e 31 de janeiro, para que não se confrontasse com a autora na copa, por receio desta. 20. Quando DD iniciou funções na ré, em Encaixotamento G1, a autora, no balneário, disse-lhe: «Escolha outro lado do balneário, porque esse lado aí só tem putas. Como se diz no Brasil? Piranhas…?». 21. No dia 26 de dezembro de 2022, ocorreu um problema no 11.º andar (...), que a trabalhadora DD tentou solucionar. 22. Com esse propósito, ao chegar perto da ..., havia duas paletes caídas na linha da ..., que estavam, no caso, sem interlayers e após filmadas, ao serem etiquetadas caíram, em efeito dominó, ocasionando a quebra de um dos sensores da linha. 23. DD juntou todos os sacos, posicionou-os de forma organizada nas paletes e colocou-os na linha da D1. 24. Ao lado da linha D1 encontra-se a máquina dos guardanapos, que faz muito barulho, pelo que é natural as pessoas terem de falar alto umas com as outras. 25. No dia 26 de dezembro de 2022, quando a autora fazia a verificação que lhe era habitual no final do turno, ao chegar ao final da linha, deparou-se com uma palete com packs e sacos rasgados, uns em cima dessa palete e outros no chão. 26. É tarefa de DD identificar com uma etiqueta vermelha a razão de a palete se encontrar naquelas condições, o que ela não havia feito, sendo que também não avisou a autora. 27. Quando DD chegou com a primeira palete à linha D1, a autora, em voz alta, questionou: Para que é essa palete? Isso é hora para trazer paletes nessas condições?. 28. A autora afirmou que DD na qualidade de estrangeira, não teria autoridade para dar ordens. 29. A autora trouxe então para a linha a palete em causa e procurou nela repor o produto que estava bom. 30. Tendo tido uma noite muito cansativa por ter estado sozinha na linha, já não ter forças para repor mais paletes, a autora disse a DD que já não tinha condições para repor mais produto. 31. A autora dirigiu-se ao respetivo supervisor, dando-lhe nota de que estava muito triste com a colega DD, porque esta a deixara sozinha a resolver um problema que causou no respetivo posto de trabalho, ao que aquele respondeu que ela, autora, tinha de deixar a resolução do assunto para o turno seguinte e que tinha gritado com a colega. 32. No dia seguinte, 27 de dezembro de 2022, DD tomou conhecimento pelos seus colegas de trabalho, que a autora continuava a falar do sucedido no dia anterior, denegrindo a sua imagem. 33. Incomodada com a situação, a trabalhadora DD expô-la junto do supervisor, e, de seguida, foi falar com a autora, para que esta parasse de o fazer. 34. A autora respondeu-lhe, aos gritos: a partir de amanhã, a DD não trabalha mais na A..., vou falar com os meus conhecidos superiores hierárquicos e já não estará mais aqui. 35. DD respondeu-lhe que não tinha medo, ao que a autora lhe disse «Vamos ver lá fora, então!». 36. Passados alguns dias o supervisor da autora chamou-a ao escritório para, na presença da colega em causa, esclarecer o que tinha acontecido e saber por que razão gritara com ela, tendo ainda afirmado que a autora andava a falar mal dela, DD, às colegas. 37. A autora pediu desculpa a DD na presença do respetivo supervisor por eventualmente ter falado mais alto naquela situação, mas referindo que tal não envolvia qualquer intenção de a apoucar. 38. A autora ofereceu a DD, no dia de aniversário desta um bolo de aniversário. 39. A autora ofereceu a DD, por altura do natal de 2022, uma caixa de chocolates, tal como fez em relação a outros colegas. 40. EE relacionou-se com a autora no período em que esteve a trabalhar na Linha Doméstica 1, quando a Linha de Guardanapos 2 esteve parada, por falta de papel, em data não concretamente apurada. 41. Em agosto de 2022, a autora proferiu a seguinte frase, «a minha mão agora está boa para partir os dentes de uma….». 42. A conduta da autora perturbou o ambiente organizacional, criou um clima de desrespeito, animosidade, receio, angústia e ansiedade. 43. A conduta da autora adensou sentimentos de não pertença e discriminação. 44. As trabalhadoras visadas pelos comentários da autora sentiram-se humilhadas, perturbadas e constrangidas, sendo afetadas na sua dignidade. 45. A autora serviu-se da nacionalidade das suas colegas para lhes dirigir insultos, criar boatos e murmúrios, pondo em causa as suas qualidades profissionais, honra e dignidade, assim perturbando-as ou constrangendo-as, afetando a sua dignidade e criando um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. 46. A autora agiu com dolo. – eliminado 47. A autora está inserida numa área da ré onde exercem funções trabalhadores de diferentes geografias, o que faz com que possa haver, por partes destes, o fundado receio de que a autora persista na utilização de linguagem que tem por base antipatia em relação a estrangeiros. – alterado, passando a ter a seguinte redação: 47. A autora está inserida numa área da ré onde exercem funções trabalhadores de diferentes geografias. 48. Foi do conhecimento tempestivo das hierarquias responsáveis, designadamente do Chefe FF, que HH, do turno C, em data não concretamente apurada, se deslocou à D.1, onde trabalhava a sua namorada na altura, II, chamando-lhe «puta» à frente dos colegas e dizendo-lhe que «andava com todos», sem que lhe tenha sido levantado qualquer processo disciplinar ou aplicada qualquer sanção, tendo sido apenas trocado de turno. 49. Ao longo de todo o período de vigência da respetiva relação laboral com a ré, a autora cumpriu sempre, com zelo, dedicação, empenho e espírito de colaboração, as suas obrigações e deveres profissionais e respeitou as normas e determinações relativas à execução do trabalho, demonstrando ser, pela sua prática diária, uma trabalhadora ativa e competente. 50. A autora nunca foi anteriormente sujeita a qualquer sanção ou sequer processo disciplinar. 51. Aquando da cessação do contrato operada pela ré, esta pagou à autora: a. 21 dias de férias não gozadas, no valor de € 1.167,60; b. retribuição respeitante a férias proporcionais de 2023, no valor de € 924,83; c. subsídio de férias proporcional de 2023, no valor de € 865,29; d. subsídio de natal proporcional de 2023, no valor de € 761,46; e. € 98,48 a título de 14,17 horas de descanso compensatório. 52. Durante o período em que a autora esteve suspensa preventivamente, a ré pagou à autora a remuneração base e o subsídio de turno, mas não lhe pagou o subsídio de alimentação. 53. À autora foram ministradas pelo menos as seguintes horas de formação profissional: a. 26 horas em 2019; b. 4 horas em 2020; c. 6h30 em 2021; d. 2h em 2022. 54. A ré não pagou à autora o prémio anual da empresa referente ao ano de 2022. 54A. As condições de atribuição desse prémio e do respetivo montante constam de Regulamento que constitui o documento n.º 5 junto com a resposta à contestação/reconvenção, que, atenta a sua extensão, se dá por reproduzido. – aditado conforme decisão infra. 55. A autora sempre pautou a respetiva conduta laboral por elevados padrões de rigor, empenhamento, dedicação. 56. Em 2022, a autora prestou trabalho de forma empenhada. 57. Em 2022, a autora obteve uma avaliação de desempenho de 1,47, o que é qualificado como abaixo das expectativas. 58. A autora solicitou que lhe fossem entregues e dadas a conhecer as eventuais avaliações referentes quer a esse ano (2022), o que não sucedeu, tendo-lhe sido transmitido que seria se encontrar suspensa preventivamente enquanto decorria o processo disciplinar que lhe foi instaurado. 59. A autora foi informada de que não lhe fora atribuído o prémio em causa por ter tido classificação de 1,47. 60. A autora não conhece até hoje o real conteúdo da última avaliação, não tendo podido, em razão disso, pronunciar-se sobre o mesmo. 61. De acordo com o regulamento de prémio de desempenho em vigor na ré, a autora não foi elegível para o prémio de desempenho em relação a 2022. 62. Desde o despedimento, não foram comunicados quaisquer rendimentos de trabalho dependente Categoria A da autora por quaisquer entidades diferentes da ré. 63. Em 2022, a autora prestou trabalho de forma regular e assídua. Do procedimento disciplinar 64. No dia 31 de janeiro de 2023, a ré tomou conhecimento de um conjunto de factos imputados à autora, através dos testemunhos das seguintes trabalhadoras: BB, CC, DD, e EE, obtidos numa reunião que foi solicitada pelo Supervisor de Turno, GG, após queixas das referidas trabalhadoras sobre a conduta da autora. GG 65. Por despacho datado de 1 de fevereiro de 2023, a ré, no regular exercício do seu poder disciplinar, decidiu instaurar um processo disciplinar à autora, por entender existirem evidências da prática de factos que indiciavam uma conduta ilícita e culposa, suscetíveis de sancionamento disciplinar. 66. A autora foi suspensa preventivamente, na sequência da instauração do Procedimento Disciplinar, em 02 de fevereiro de 2023. 67. Foi elaborada e comunicada à autora a respetiva Nota de Culpa, com a advertência de que a sanção final a aplicar poderia ser a de despedimento com justa causa. 68. A nota de culpa foi remetida à autora, mediante correio registado com aviso de receção, no dia 3 de março de 2023, tendo a mesma sido rececionada pela autora no dia 6 de março de 2023. 69. Foi junta pela autora a respetiva resposta à nota de culpa. 70. Na pendência do mencionado processo disciplinar, foi junta documentação e recolhidas declarações de testemunhas entre os dias 10 e 19 de maio e entre 05 e 24 de julho. 71. No dia 6 de junho de 2023, foi determinada a junção aos autos disciplinares do registo das sanções disciplinares da autora, o que foi junto aos autos no 26 de junho de 2023. 72. No dia 05 de julho de 2023, a autora foi ouvida, não quis prestar declarações e remeteu toda a sua defesa para a resposta à nota de culpa que apresentou. 73. No dia 25 de julho de 2023, deram-se por concluídas as diligências probatórias. 74. No dia 27 de julho de 2023, foi emitido pelas Instrutoras dos autos disciplinares o Relatório Final e Conclusões, decisão final da Administração da ré., datada de 28 de julho de 2023, a qual culminou com a aplicação à autora da sanção disciplinar de despedimento com justa causa. 75. No dia 18 de agosto de 2023, foi comunicada, mediante correio registado com aviso de receção, à autora a decisão final proferida no âmbito do respetivo processo disciplinar, a qual foi acompanhada pelo Relatório Final e Conclusões, tendo a autora tido conhecimento da decisão no dia 21 de agosto de 2023.” Da mesma decisão consta o seguinte como não provado: “a) A autora não foi convocada para a reunião descrita no facto provado n.º 64. b) A autora não usa o tipo de vocabulário incluído do nos factos provados. c) A autora tem duas cunhadas brasileiras, dois sobrinhos brasileiros e várias amigas brasileiras. d) A autora sempre tratou a colega CC com urbanidade e até carinho, face à diferença de idade entre ambas existente e às dificuldades económicas que aparentava ter, auxiliando-a em muitas situações, oferecendo-lhe comida, dando-lhe dinheiro para que ela pudesse recolher, na máquina com produtos alimentares existente na empresa, aquilo de que necessitasse, trazendo frequentemente pizzas de frango, bolo de aniversário, caixa de chocolate por altura do Natal, etc., que oferecia aos colegas e à dita colega também. e) FF interpelou a autora, dizendo-lhe que tinha chamado «putas» às brasileiras e, perante isso, esta pediu que fossem chamadas de imediato as colegas a quem ele se referia a fim de ser devida e imediatamente esclarecida toda a situação respeitante àquilo de que estava a ser acusada. f) FF não chamou as colegas da autora e disse que não sabia do que ele era capaz e que ia tratar do assunto com os Recursos Humanos. g) A autora nunca teve qualquer acidente de trabalho ou de qualquer outro género ou qualquer doença que lhe tivesse afetado, sequer temporariamente, qualquer mão. h) Ao longo do seu período de trabalho na ré, a autora manteve sempre boas relações profissionais com companheiros de trabalho e superiores hierárquicos, a quem sempre tratou com respeito e urbanidade. i) Desde que a trabalhadora BB iniciou funções de Operadora de Processo ..., em novembro de 2022, a autora disse andava a dar, aos seus superiores hierárquicos e que se vestia como puta. j) As palavras descritas no facto provado n.º 13 foram proferidas no balneário e nas linhas. (CHUPAR) k) A autora disse que BB não será nada na A..., porque se acha que vai conquistar alguma coisa dando para os chefes, ela não ia deixar, por menos, ia ser uma pedra nos seus sapatos e que se trabalhadora achava que aqui (em Portugal) como na sua terrinha (o Brasil), estava muito enganada. l) Quando BB a ia ajudar, por qualquer motivo, a autora dizia aos outros colegas «lá vem a sabichona», revelando menos consideração por si e pelo seu trabalho. m) A autora, ao proferir a expressão vertida no facto provado n.º 17., referiu-se às brasileiras, acrescentando que seria uma pedra no sapato destas e finalizou dizendo que as brasileiras poderiam sair de cadeira de rodas, pois poderiam cair das escadas. n) No dia 20 de janeiro de 2023, quando a trabalhadora se encontrava na sua pausa, na copa, às 07h20, a autora teve uma conversa com JJ, nada relacionado com qualquer outra colega delas, nem tal conversa entre a autora e a colega JJ poderia ter sido ouvida por outrem atento até o barulho que a máquina de café fazia e o facto de a colega CC se encontrar no fundo da copa, sentada num sofá lá existente. o) A autora não teve qualquer intuito de ofender ou amedrontar CC, mas sim a intenção de esclarecer as situações que vinham acontecendo. p) A autora diz perante os colegas de trabalho que as brasileiras são incompetentes. q) A autora referia, perante outras pessoas, a relação amorosa que EE tinha com outro trabalhador da ré, com comentários xenófobos e retrógrados. r) Situações semelhantes, da responsabilidade de DD, já tinham anteriormente acontecido na linha da demandante, sendo que esta foi deixando estas passar para evitar qualquer chamada de atenção àquela. s) A autora só saiu da linha pelas 08h35. t) Perto do final do mês de dezembro de 2022, a demandante passou vários turnos sozinha a trabalhar em toda a linha D1. u) A autora conversou com as colegas sobre o sucedido sem qualquer intenção de a prejudicar. v) A frase proferida pela autora descrita no facto 41 foi dirigida a EE. w) A autora referiu-se às brasileiras, no facto provado n.º 15. x) E algo semelhante, de tratamento e postura incorreta para com colegas no local de trabalho, aconteceu em junho/2021 na linha 1 dos guardanapos (G1), o que foi do imediato conhecimento das chefias responsáveis, sem que nada tenha acontecido no plano disciplinar. y) No dia 30 de janeiro de 2023, o supervisor GG foi à linha da autora e falou com ela, perguntando-lhe o que é que havia dito à CC, ao que a autora respondeu nada ter dito. z) Se, por alguma razão, a autora não tivesse ido ao fim da linha ver se estava tudo bem, o turno seguinte, iria dar nota à hierarquia de que a autora tinha deixado paletes no final da sua linha sem a devida identificação. aa) Quando se encontrava a acabar essa tarefa, chegaram colegas do turno seguinte (o que se inicia às 08h00) e DD, trazia mais duas paletes com produto danificado da respetiva linha sem qualquer identificação. bb) A demandante só foi embora depois de resolver a situação. cc) Respondeu a autora a GG que o relato de DD não correspondia à verdade, porquanto só havia comentado com as colegas KK das Subsidiárias e LL da Linha Industrial que estava triste com a colega DD por tê-la deixado sozinha a resolver um problema de paletes danificadas da respetiva linha que tinam caído na ... perto do final dum turno da noite e que era da responsabilidade dela, DD, resolver. dd) O descrito no facto provado n.º 35 foi presenciado por MM, Técnico de Controlo e Potência. ee) Em outubro de 2022, no balneário, a autora disse: «O ar condicionado não é para estar ligado, as putas que estiverem com calor que voltem para o país delas e andem nuas como de costume», seguida de frase não concretamente apurada. ff) A conduta da autora adensou antipatia em relação a estrangeiros e ira. gg) As afirmações feitas pela autora, porque feitas de uma forma generalizante, dirigem-se a colegas identificadas pela origem nacional – brasileiras. hh) A autora tentou consultar no sistema informático da demandante essas avaliações, como lhe foi na altura sugerido pela respetiva chefia direta, o que, todavia, não conseguiu dado que, mal “entrou” nesse sistema e acionou o ícone que lhe havia sido indicado pela referida chefia, o mesmo bloqueou. ii) A autora sempre pautou a respetiva conduta laboral por elevados padrões de profissionalismo, lealdade e respeito para com a sua empresa e os seus colegas de trabalho. jj) A autora sempre usufruiu de formação profissional na função. kk) Em virtude da conduta da ré, a autora viu-se sujeita e confrontada com uma situação intimidatória e humilhante, sentindo-se profundamente perturbada, constrangida e ofendida na sua dignidade profissional e pessoal, ansiosa, humilhada, injustiçada, triste e angustiada. ll) O que tudo lhe determinou alterações importantes do sono, dificuldades de concentração, subida de tensão, nervosismo e irritação emocional que lhe provocaram e provocam ainda sofrimento e põem em causa de forma substancial o seu bem-estar e qualidade de vida, obrigando-a a recorrer a apoio especializado de carácter médico e psicológico. mm) A autora não deu qualquer falta injustificada no ano de 2022. nn) Com exceção da última, a autora não conhece até hoje o real conteúdo das avaliações de desempenho, não tendo podido em razão disso pronunciar-se sobre o mesmo.” * Apreciação A recorrente começa por impugnar a decisão relativa à matéria de facto provada e não provada, ao que a recorrida, acompanhada pelo Ministério Público, opõe o incumprimento do disposto pelo art.º 640.º, n.º 1 do CPC, pelo que antes de mais, importa decidir se foram cumpridos os ónus a que se refere aquela disposição legal, sob pena de rejeição da impugnação. Nos termos do já mencionado art.º 662.º, n.º 1 CPC «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.» A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º do CPC. Na verdade, quando estão em causa meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, decorre da conjugação dos art.º 635.º, nº 4, 639.º, nº 1 e 640.º, nº 1 e 2, todos do CPC, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que considera errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respetiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão. Como refere António Santos Abrantes Geraldes[1], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, «foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.» A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1.ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[2] «(...) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que impliquem decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter». Nos termos do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, impõe-se ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição: “a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” E nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal, no caso da alínea b) deve ser observado o seguinte: “a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” Apesar de apenas ter sido fixada jurisprudência a respeito da alínea c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, o certo é que a fundamentação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 12/2023[3] contém um conjunto de considerações com importância determinante quanto à interpretação dos ónus a que se referem as demais alíneas, que, pela sua relevância, a seguir se transcrevem[4]: «(...) Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640, apresentando algumas divergências ou em sentido não totalmente coincidente, vejam- se os Autores, Henrique Antunes, Rui Pinto, Abílio Neto. 5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.(...).» Assim, e como se mostra sintetizado no Acórdão desta Secção Social de 20/05/2024[5], «[d]o que nos afigura também resultar da citada fundamentação, entendemos como adequado, em face do que resulta da lei, o entendimento de que, para cumprir os ónus legais aqui analisados, o recorrente sempre terá de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, como estabelecido na alínea a) do n.º 1 do preceito citado, enquanto definição do objeto do recurso, sendo que, noutros termos, já quando ao cumprimento do disposto nas alíneas b) e c) do mesmo número, desde que vertido no corpo das alegações, a respetiva não inclusão nas conclusões não determina tal rejeição do recurso». Neste mesmo sentido, se pronuncia António Santos Abrantes Geraldes[6], quando elenca as situações de rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto. Portanto, nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, é imprescindível ao recebimento e apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, a indicação nas alegações e respetivas conclusões dos concretos pontos impugnados. Quanto ao ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 640.° do CPC, e como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/09/2018[7], essa alínea, «ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens da gravação de cada um dos depoimentos», sendo que «não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto em três "blocos distintos de factos" e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna». No Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 28/06/2024[8], assinala-se o seguinte: «Decorre do exposto que a parte recorrente deverá também (a par da indicação dos concretos pontos de facto e concretos meios probatórios), relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna. Em conformidade, diz-se no acórdão desta Secção Social do TRP de 23/11/2020[9], que na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art.º 640°, n° 1, al. b) do Código de Processo Civil], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Na verdade, só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada. (…) Quer isto dizer que não obedece ao estipulado pelo legislador indicar depoimentos (mesmo que transcrevendo/indicando excertos deles) e apenas dizer que com base neles a decisão sobre certos pontos de facto devia ser diferente, impondo-se que em relação a cada ponto (ou grupo de pontos que a parte recorrente mostre que têm apoio nos mesmos concretos meios de prova, ou estejam relacionados entre si) seja feita a conexão com o meio de prova que suporta a decisão diferente da tomada pelo tribunal a quo. É que, de outra forma cairíamos na realização de um segundo julgamento (ainda que parcial), isto é, traduzir-se-ia em pedir simplesmente ao tribunal ad quem que faça uma reapreciação dos meios de prova, o que não corresponde claramente ao consagrado pelo legislador.». Quanto ao cumprimento do ónus previstos pelo art.º 640.º, n.º 1, al. c) do CPC, importa ter presente o Acórdão do STJ n.º 12/2023, supra identificado, que uniformizou a jurisprudência nos seguintes moldes: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.° do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.». No mesmo sentido, se pronunciaram ainda, ente outros, os Acórdãos desta Secção Social 29-01-2024[10], e de 10-07-2024[11]. Importa também referir que, no que toca ao recurso da decisão da matéria de facto, como vem sendo entendimento do STJ[12], que se perfilha, não é possível despacho de aperfeiçoamento[13]. Analisadas as alegações e as conclusões do recurso, verifica-se que na generalidade a recorrente cumpriu os supra mencionados ónus já que especificou nas alegações e nas conclusões quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, indicou meios probatórios concretos que, na sua perspetiva, impõe decisão diversa da proferida pelo tribunal e indicou a decisão que, no seu entender, deve se proferida sobre os pontos impugnados. Há, contudo, cinco situações em que tal não aconteceu e que cumpre realçar, atentas as consequências que delas resultam. A recorrente alegou discordar “da inserção na alínea b) da relação de factos não provados do que dela consta, porquanto (…)”. Refere-se à alínea b) da relação de factos não provados na conclusão I. Mas em parte alguma vem indicada qual a decisão que a recorrente entende que deveria ser proferida sobre a matéria constante de tal alínea, sendo manifestamente insuficiente e até ambígua, a discordância tal como foi manifestada pela recorrente. Pretende a recorrente que a matéria seja eliminada? Pretende que seja considerada provada? Mostra-se, pois, do nosso ponto de vista, incumprido o ónus previsto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. c) do CPC, rejeitando-se a impugnação no que respeita à alínea b) dos factos não provados. A segunda situação refere-se à matéria do ponto 61. dos factos provados. No capítulo das alegações que a recorrente identificou como “III. Quanto ao prémio anual de desempenho referente ao ano de 2022”, consta a dado passo: “Perante tal quadro factual, o entendimento da demandada de que “de acordo com o regulamento do prémio de desempenho em vigor na ré, a autora não foi elegível para o prémio de desempenho em relação a 2022” (cf. Facto provado n.º 61 com a correção proposta em I destas alegações), não tem razão de ser.”, o que repete na conclusão XIV. Analisado o ponto I das alegações, constata-se, porém, que nenhuma menção foi feita ao ponto 61. dos factos provados, não constando das alegações qualquer fundamento para que a decisão relativa ao mesmo seja modificada ou corrigida, pelo que, em bom rigor, nem sequer se pode considerar que a decisão de 1.ª instância, foi quanto a ele impugnada. Mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de rejeitar a impugnação por incumprimento dos ónus previstos pelo at.º 640.º, n.º 1, al. b) e c) do CPC. Rejeita-se, pois, a impugnação, também, nesta parte. A terceira situação que importa destacar é relativa às referências feitas pela recorrente a propósito da impugnação da decisão relativa aos pontos 13. a 15., na parte em que se mostra fundamentada nos depoimento da testemunha CC. Na verdade, na parte em que se fundamentada depoimento da testemunha CC, a impugnação terá de ser rejeitada por incumprimento do ónus previsto na al. a) do art.º 640.º, n.º 2 do CPC, já que não foram indicadas as exatas passagens da gravação em que a recorrente funda a impugnação. A quarta situação é relativa à impugnação dos pontos 42. a 45., a propósito da qual a recorrente alega que “Não parece que o que consta dos números 42 a 45 dos factos provados tenha resultado, com suficiente clareza e na sua total abrangência, do depoimento das testemunhas mencionadas no capítulo da motivação”. A recorrente não indica, contudo, quais as testemunhas a que se refere, nem, sobretudo, quais as passagens dos depoimentos que permitiriam a conclusão que retira. Quanto aos pontos 42 a 44 a recorrente nada mais alega e quanto ao ponto 45 invoca o depoimento da testemunha cujo depoimento situa na gravação e a contradição com a alínea gg) dos factos não provados. Nessa medida, rejeita-se a impugnação dos ponto 42. a 44. e rejeita-se parcialmente a impugnação do ponto 45. Por fim, a quinta situação, coloca-se quanto à impugnação do ponto 47, que a recorrente fundamenta, em parte, no facto de o pressuposto da matéria que pretende que seja eliminada ter sido negado por várias testemunhas. Porém, tais testemunhas não foram sequer identificadas, não tendo sido cumprido, nesta parte, o previsto pelo art.º 640.º, nº 1 al. b) e n.º 2, al. a) do CPC, o constitui motivo de rejeição da impugnação, na parte correspondente. Dito isto, importa apreciar a impugnação quanto ao mais. Para tanto, importa ter em conta que, não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[14] - de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto no art.º 662.º, n.º 1 do CPC - de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa - significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão desta Secção de 28/06/2024[15], “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”. No mesmo sentido, que perfilhamos, escreve-se no Ac. RP de 10/07/2024[16] «Deverá ocorrer alteração da decisão da matéria de facto da primeira instância, quando a prova produzida impuser uma diversa decisão. Haverá que proceder a um novo juízo critico da prova de modo a se poder concluir por aquele feito na primeira instância não se poder manter. Ou de outro modo, haverá que fazer uma apreciação do julgamento da matéria de facto da primeira instância de tal modo que as provas produzidas em primeira instância imponham de modo decisivo e forçado uma outra decisão da matéria de facto. Haverá de encontrar este Tribunal de recurso uma tal incongruência lógica, quer seja por ofensa a princípios e leis cientificas, quer contra princípios gerais da experiencia comum, quer da apreciação e valoração das provas produzidas, de modo a concluir por modo diverso. Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa (artigo 640.º do Código de Processo Civil), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento.» A recorrente pretende que “Deve (…) o vertido em 13º a 15º dos factos dados como provados ser retirado da respetiva relação”. Fundamenta a impugnação nos depoimentos das testemunhas II, JJ, NN e KK, as quais referem que nunca ouviram à autora o tipo de linguagem e de palavra referidas naqueles pontos da matéria de facto provada. Alega também que tendo em conta o que consta da alínea j) dos factos não provados, não se pode afirmar que da utilização da expressão que é imputada à autora tivesse decorrido um “espalhamento da mensagem” e que a utilização da dita expressão é própria de outra colega da autora. Refere-se ainda ao depoimento de LL no processo disciplinar. É a seguinte a redação dos pontos 13. a 15. dados como provados: “13. Desde que a trabalhadora BB iniciou funções de Operadora de Processo ..., em novembro de 2022, a autora começou a espalhar a mensagem de que a mesma só conseguiu aquela vaga porque sabia chupar bem. 14. Estas palavras foram proferidas na copa perante colegas de trabalho. 15. No dia 20 de janeiro de 2023, quando a trabalhadora se encontrava na sua pausa, na copa, às 07h20, disse, na presença de CC, que quem falasse o nome dela teria os dentes partidos, que nenhuma delas subiria de cargo na ré.” O tribunal “a quo” fundamentou a decisão relativa a esta matéria nos seguintes termos: “- os factos provados n.º 13 e 14 foram atestados por CC e EE; - os factos 14 e 15 resultam do depoimento de CC, sendo que a própria autora assumiu o facto 16.” – afigura-se existir aqui um lapso manifesto na referência ao facto 14 e 15, sendo evidente, em face da motivação, que o tribunal se pretendia referir aos factos 15 e 16. Os depoimentos das testemunhas CC e EE foram apreciados da forma que se segue: “(…) assumiram especial destaque os depoimentos das testemunhas CC, EE (…) por terem tido maior credibilidade, e por terem conhecimento direto dos factos sobre que depuseram. Vejamos em que medida. CC, operadora fabril, a trabalhar para a ré há 1 ano e meio, manteve uma expressão facial e corporal muito tranquilas, o tom de voz calmo, foi credível, espontânea e fluida no seu depoimento. Assumiu conhecimento direto dos factos dos episódios relativos aos comentários na copa, sobre a promoção de BB, ao aviso de chamar a polícia, e do dia 20 de janeiro de 2023. EE, operadora fabril, na ré há 2 anos, estava visivelmente incomodada com a autora, mas foi credível e natural, o que foi corroborado pela sua linguagem corporal e facial. Tinha conhecimento direto dos episódios da promoção e do ar condicionado. (…) O Tribunal não ignora que estas testemunhas terão algum envolvimento nos autos, na medida em que foram que denunciou factos que espoletaram o despedimento e, nessa medida, poderia haver um comprometimento dos respetivos depoimentos. Porém, o Tribunal não sentiu vieses ou contaminações destes, nem tão-pouco que as testemunhas tenham relatado os factos de forma comprometida. Na verdade, várias alegações que constavam da decisão de despedimento não foram confirmadas por estas testemunhas, tendo até algumas sido infirmadas pelas próprias.” Vejamos. No que respeita ao depoimento de LL invocado pela recorrente, tendo o mesmo sido prestado apenas no âmbito do processo disciplinar, já que a mesma não prestou depoimento em audiência de julgamento, não poderá constituir base para ancorar qualquer modificação da decisão da matéria de facto, do mesmo modo que não poderia ter sido atendido para a formação da convicção da Mm.ª Juiz “a quo”. A alegação de que a expressão constante do ponto 13. dos factos provados era própria de outra colega de trabalho da autora, não só é manifestamente inócua, como não está sustentada em qualquer meio de prova, sendo, como tal irrelevante. Inexiste qualquer incompatibilidade entre o ponto 13. dos factos provados e a alínea j) dos factos não provados, pois este refere-se apenas aos balneários e às linhas, o que, como é evidente, não esgota todos os locais e meios pelos quais a mensagem pode ter sido espalhada. Ou seja, mesmo que não se tenha demonstrado que a autora disse nos balneários e nas linhas que a colega BB só conseguiu a vaga porque sabia “chupar bem”, isso não exclui que a autora tenha, noutros locais feito a afirmação. Acresce que a circunstância de as testemunhas identificadas pela recorrente terem afirmado que nunca ouviram à autora o tipo de linguagem e de palavras referidas em 13. a 15., não é apta a pôr em causa a decisão do tribunal “a quo”. Por um lado, porque mesmo que tais testemunhas nunca tivessem ouvido a autora a utilizar a linguagem em causa, isso não significa que na presença de outras pessoas a autora não a tenha usado, como ficou provado. Por outro lado, porque os respetivos depoimentos, ao contrário daqueles em que o tribunal assentou a sua decisão, não ofereceram credibilidade como bem resulta da motivação a decisão, que nos dispensamos de transcrever, e nada vem invocado em contrário que convença no sentido pretendido pela recorrente. Na verdade, importa ter em atenção que «Quanto à ponderação dos meios probatórios produzido em audiência final, mormente a prova por confissão ou a prova testemunhal, a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as partes ou as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por fim, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.»[17] Não se vislumbra, pois, qualquer motivo para divergir do tribunal “a quo”, improcedendo, pois, a impugnação, nesta parte. A recorrente impugna a decisão relativa ao ponto 45, pretendendo que a matéria dele constante deve ser retirada da relação dos factos provados. Invoca o depoimento da testemunha JJ e a contradição com a alínea gg) dos factos não provados. Em 45. foi considerado provado que: “45. A autora serviu-se da nacionalidade das suas colegas para lhes dirigir insultos, criar boatos e murmúrios, pondo em causa as suas qualidades profissionais, honra e dignidade, assim perturbando-as ou constrangendo-as, afetando a sua dignidade e criando um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.” E em gg) foi considerado não provado que: “gg) As afirmações feitas pela autora, porque feitas de uma forma generalizante, dirigem-se a colegas identificadas pela origem nacional – brasileiras.” O tribunal motivou a decisão nos seguintes termos “- os factos provados n.º 42 a 45 refletem os depoimentos de BB, EE, DD, CC, OO e GG, sendo que o facto 45 se extraiu por presunção judicial, já que é um elemento do foro íntimo da autora, por referência aos demais factos provados. Note-se que o facto 45 se extrai também do teor das afirmações da autora, que deixa clara a referência negativa às estrangeiras e, ao se portar assim, com várias trabalhadoras da mesma nacionalidade, conduz àquele resultado, evidenciado por BB, EE e CC. E não obstante DD até tenha dito que era sua convicção que o problema da autora era, não com as brasileiras em particular, mas sim com as mulheres em geral, a verdade é que o seu comportamento se repete com quatro brasileiras, havendo uma referência num dos seus comentários, narrado por aquela, em que menoriza as estrangeira.” Começaremos por dizer que não existe qualquer contradição entre a matéria do ponto 45 e a que, de resto, de forma algo conclusiva, consta da alínea gg) já que nesta o que está em causa não é que as afirmações feitas pela autora se dirigiam a colegas brasileiras, mas que, tais afirmações se dirigiam a colegas brasileiras porque eram feitas de uma forma generalizante, o que não é a mesma coisa. Acresce que, quanto ao depoimento da testemunha JJ, o tribunal “a quo” apreciou-o nos seguintes termos: “JJ, técnica química, ex-colaboradora da ré, de onde saiu sem qualquer desavença, e colega da autora entre 2019 e 2023, revelou-se muito facciosa, muito tendenciosa. Não revelou conhecimento direto dos factos aqui em discussão, baseando-se essencialmente em convicções e perceções, e juízos de valor. Na verdade, mudou de linha no final de 2020, e depois de turno, pelo que deixou de ter tanto contacto direto com a autora. Ruborizada em alguns momentos, evidenciando algum desconforto. O Tribunal não acreditou na testemunha.” Nada foi invocado e nada se encontrou no depoimento da testemunha, que ponha em causa a apreciação feita pelo tribunal e a conclusão a que chegou quanto ao depoimento da mesma. E nada resulta também que ponha em causa a relevância dos depoimentos das testemunhas em que o tribunal “a quo” assentou a sua convicção, pelo que, a impugnação improcede quanto ao ponto 45. Relativamente ao ponto 46, que a recorrente também impugna, com fundamento em que “o que dele consta não perece ser um facto”, alegando ainda que a sua inclusão nos factos provados não está justificada ou sequer esclarecida na “motivação”, importa fazer duas considerações. A falta de esclarecimento na motivação do fundamento pelo qual a matéria do ponto 46. foi considerada provada é meramente aparente. Na verdade, uma análise atenta da motivação relativa ao ponto 45. revela que, quando o tribunal afirma “sendo que o facto 45 se extraiu por presunção judicial, já que é um elemento do foro íntimo da autora, por referência aos demais factos provados”, só poderá estar a referir-se ao ponto 46. De todo o modo, tem razão a recorrente quando afirma que o que consta do ponto 46. não é um facto. O que foi considerado provado foi que“46. A autora agiu com dolo.”, matéria que, salvo melhor opinião, se reconduz a um conceito juridicamente significante que não tem lugar no acervo factual. Na verdade, o comando normativo do art.º 607.º relativo à discriminação dos factos aplica-se, também, ao Tribunal da Relação, atento o disposto pelo art.º 663.º, n.º 2 do CPC, não podendo o acórdão que aprecie o recurso interposto fundar-se em afirmações meramente conclusivas ou que constituam descrições jurídicas. E como se lê no Ac. RP de 23/11/2017[18], com o qual concordamos, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP”. Ademais, como se decidiu no Acórdão do STJ de 12/03/2014[19] “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”. Julga-se, pois, procedente a impugnação quanto ao ponto 46. que se elimina dos factos provados. A impugnação prossegue quanto ao ponto 87. pretendendo a recorrente que seja eliminada a segunda parte dele constante, passando a redação a ser: “A autora está inserida numa área da ré onde exercem funções trabalhadores de diferentes geografias”. Invoca que a matéria que entende que deve ser excluída foi negada pela testemunha JJ. Em 47. está provado o seguinte: “47. A autora está inserida numa área da ré onde exercem funções trabalhadores de diferentes geografias, o que faz com que possa haver, por partes destes, o fundado receio de que a autora persista na utilização de linguagem que tem por base antipatia em relação a estrangeiros.” Diz o tribunal “a quo” na motivação que “- o facto provado n.º 47 foi extraído pelo Tribunal por referência ao facto de JJ e BB, EE, CC, DD ali trabalharem.” Daqui resulta que o tribunal considerou provado foi que pelo facto de haver trabalhadoras estrangeiras na ré, poderá ser fundado o receio destas de que a autora continue a utilizar linguagem que revela antipatia em relação ao estrangeiros. Ora, tal como foi afirmada pelo tribunal, a matéria em causa assume caráter meramente especulativo, já que aquilo que o tribunal inferiu não foi um facto concreto, mas uma mera possibilidade de se produzir uma consequência, não excluindo, contudo, a possibilidade de verificação de consequência diversa. Nessa medida, e nos termos referidos a propósito do ponto 46. na parte relativa à matéria conclusiva, impõe-se eliminar o segmento impugnado, o que prejudica a apreciação da impugnação deduzida pela recorrente. O ponto 47. dos factos provados passará, pois, a ter a seguinte redação: “47. A autora está inserida numa área da ré onde exercem funções trabalhadores de diferentes geografias”. A recorrente impugna ainda a decisão do tribunal quanto à matéria constante das als. d), n), ii), kk) e ll). A alínea d) dos factos não provados tem a seguinte redação: “d) A autora sempre tratou a colega CC com urbanidade e até carinho, face à diferença de idade entre ambas existente e às dificuldades económicas que aparentava ter, auxiliando-a em muitas situações, oferecendo-lhe comida, dando-lhe dinheiro para que ela pudesse recolher, na máquina com produtos alimentares existente na empresa, aquilo de que necessitasse, trazendo frequentemente pizzas de frango, bolo de aniversário, caixa de chocolate por altura do Natal, etc., que oferecia aos colegas e à dita colega também.” A recorrente pretende que o segmento “trazendo frequentemente pizzas de frango, bolo de aniversário, caixa de chocolate por altura do Natal, etc., que oferecia aos colegas e à dita colega [CC] também” seja considerado provado, para o que invoca o depoimento da testemunha PP. Da motivação da decisão consta o seguinte: “- o facto d) não foi atestado por ninguém se não pela autora, com referência à CC. Embora tenha havido outras testemunhas a referir esse tipo de tratamento, por parte da autora, à generalidade dos colegas, não o relataram por referência a CC, sendo que esta narrou um comportamento da autora diferente, usando precisamente essas condutas para diferenciar as pessoas de quem gostava daquelas por quem não nutria simpatia ou carinho, que é o caso da própria, embora tenha reconhecido que recebeu o chocolate no natal de 2022.” E quanto ao depoimento da testemunha a que se refere o autor o tribunal consignou o seguinte: “Ora, PP, supervisora, colaboradora da ré desde 2018, foi sincera e franca, mas sem conhecimento direto de causa quanto aos factos imputados à autora. Contudo, tem conhecimento direto quanto aos procedimentos da empresa e aos demais procedimentos disciplinares. Adotou uma linguagem corporal compatível, confortável, fácies apaziguada. Foi, todavia, um pouco reticente quanto ao impacto dos factos na autora, mas acabou por explicar o motivo (que se prende com ter deixado de a ver e de falar com ela).” Ora, o que está em causa na alínea d) os factos não provados não é se a recorrida trazia frequentemente pizzas de frango, bolo de aniversário, caixa de chocolate por altura do Natal, etc., que oferecia aos colegas, mas se fazendo-o relativamente aos colegas também o fazia quanto à CC e quanto a esta parte, a testemunha PP, cujo depoimento ouvimos, nada concretizou, falando apenas em geral. Sendo assim, nenhum reparo merece a decisão do tribunal “ a quo”, improcedendo a impugnação. Na alínea n) foi considerado não provado o seguinte: “n) No dia 20 de janeiro de 2023, quando a trabalhadora se encontrava na sua pausa, na copa, às 07h20, a autora teve uma conversa com JJ, nada relacionado com qualquer outra colega delas, nem tal conversa entre a autora e a colega JJ poderia ter sido ouvida por outrem atento até o barulho que a máquina de café fazia e o facto de a colega CC se encontrar no fundo da copa, sentada num sofá lá existente.” A decisão foi fundamentada nos seguintes termos: “- o facto n) prende-se com o relato contrário de CC, no qual se acreditou, sendo que o Tribunal não acreditou em JJ, nem na autora, únicas que o atestaram.” É ainda de ter em conta, a apreciação que o tribunal fez do depoimento da testemunha JJ. A recorrente fundamenta a impugnação no depoimento da dita JJ, indicando as passagens da gravação das quais, no seu entender, resulta com clareza a prova da matéria constante da alínea n) e alega que tendo o depoimento, nesta parte, sido escorreito, a consideração que consta da motivação da decisão de que a testemunha não mereceu crédito, carece de justificação suficiente. A matéria em causa está relacionada com o episódio constante do ponto 15. da matéria de facto provada, cujo teor relembramos: “No dia 20 de janeiro de 2023, quando a trabalhadora se encontrava na sua pausa, na copa, às 07h20, disse, na presença de CC, que quem falasse o nome dela teria os dentes partidos, que nenhuma delas subiria de cargo na ré.” e a sua utilidade restringe-se à infirmação desta matéria, pela demonstração, por um lado, de que a autora não teria feito a afirmação ali constante e, por outro lado, pela descredibilização do depoimento da testemunha CC. Ora, a recorrente impugnou a decisão relativa ao ponto 15 e não teve sucesso no seu propósito, pelos motivos que acima deixámos consignados, pelo que é manifesta a improcedência da impugnação nesta parte. A impugnação dirige-se também à alínea ii) dos factos não provados, cuja matéria a recorrente pretende que deve ser considerada provada. Em abono da sua tese invoca os depoimentos das testemunhas II e PP. O teor da alínea ii) é o seguinte: “ii) A autora sempre pautou a respetiva conduta laboral por elevados padrões de profissionalismo, lealdade e respeito para com a sua empresa e os seus colegas de trabalho.” A decisão do tribunal relativamente a este ponto está motivada da forma seguinte: “- o facto ii) não pôde ser dado como provado, atento o que ficou provado quanto à sua conduta com colegas, e em face do relato de GG, dos conflitos da autora com outros colegas anteriores.” Ora, independentemente da opinião que as testemunhas invocadas pela recorrente possam ter sobre a conduta laboral desta, a realidade acima fixada nos factos provados, nomeadamente nos pontos 13), 14), 15), 17), 20), 27), 28), 32), 34), 35) e 42), tal como considerado pelo tribunal “a quo”, impõe, sem necessidade de mais considerações, a improcedência da impugnação. Finalmente a recorrente impugna a decisão relativa às alíneas kk) e ll) dos factos não provados. Fundamenta a impugnação nos depoimentos das testemunhas PP e JJ. Naquelas alíneas foi dado como não provado o seguinte: “kk) Em virtude da conduta da ré, a autora viu-se sujeita e confrontada com uma situação intimidatória e humilhante, sentindo-se profundamente perturbada, constrangida e ofendida na sua dignidade profissional e pessoal, ansiosa, humilhada, injustiçada, triste e angustiada. ll) O que tudo lhe determinou alterações importantes do sono, dificuldades de concentração, subida de tensão, nervosismo e irritação emocional que lhe provocaram e provocam ainda sofrimento e põem em causa de forma substancial o seu bem-estar e qualidade de vida, obrigando-a a recorrer a apoio especializado de carácter médico e psicológico.” “- os factos (…) kk), ll) deve-se a falta de prova.” A recorrente pretende que seja dado como provado que “Em virtude da conduta da ré, a autora sentiu-se mal, humilhada, muito em baixo”. Ouvidos os depoimentos das duas testemunhas indicadas pela recorrente, resulta que PP, tal como afirmado pela Mm.ª Juiz “a quo”, na apreciação que fez deste depoimento, foi hesitante quanto à matéria aqui em causa, o que bem se compreende pelo facto de a mesma ter deixado de ver a recorrente e de falar com ela, tornando o depoimento inócuo e que a testemunha JJ, prestou um depoimento marcadamente parcial e eivado de juízos de valor e de afirmações sustentadas apenas no que ouviu dizer a terceiros, até porque deixou de ter contacto direto com a autora a partir do final de 2020, por ter mudado de linha e depois de turno, sendo manifestamente insuficiente, para a prova da matéria pretendida pela recorrente, a afirmação da testemunha de que quando ainda trabalhava na ré, e soube da situação, conseguiu falar com a autora e ela estava “muito em baixo” porque não era correto “dizer que ela falava assim” o que não era verdade. Trata-se de uma afirmação vaga, que não tendo sido concretizada em qualquer outro momento do depoimento ou por qualquer outro meio de prova relevante, permite leituras diversas e não só a retirada pela recorrente, pelo que não se trata de meio probatório que imponha decisão diversa da proferida em 1.ª instância. Improcede, assim, a impugnação quanto a estas alíneas. Importa, contudo, nos termos do art.º 662.º, n.º 1 do CPC, aditar oficiosamente aos factos provados matéria de facto com relevo para a decisão da causa, que, tendo sido alegada nos articulados, se encontra demonstrada com base em documento junto aos autos e não impugnado (documento n.º 5, junto com a resposta à contestação/reconvenção). Assim, adita-se o ponto 54A com o seguinte teor: “As condições de atribuição desse prémio e do respetivo montante constam de Regulamento que constitui o documento n.º 5 junto com a resposta à contestação/reconvenção, que, atenta a sua extensão, se dá por reproduzido.” * Fixada a matéria de facto há que enfrentar as demais questões suscitadas pela recorrente, começando pela apreciação da questão atinente ao montante da indemnização devida em substituição da reintegração. O tribunal, tendo concluído pela ilicitude do despedimento, reconheceu o direito da recorrente a receber a indemnização a calcular em de liquidação de sentença, fixando-a, à data da sentença, “em: Retribuição base: 30 dias x 15 dias x 7 anos de serviço: € 1.143,75: 30 x 15 x 7 = € 4.003,13.” A esse respeito lê-se na fundamentação da sentença que “(…) entende o Tribunal como acertado o arbitramento de apenas 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade. Com efeito, a autora contribuiu de forma assinalável, com uma conduta já bem descrita como grave, para o desfecho da relação laboral, embora se entenda que, ainda assim, o despedimento não é lícito.” A recorrente, alega que aplicando os critérios de fixação da indemnização, nomeadamente o valor da retribuição, o grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artº 381º e o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, a indemnização deveria ter sido fixada em 40 dias de retribuição por cada ano de antiguidade. Nos termos do disposto pelo art.º 389.º, n.º 1 do Código do Trabalho, sendo o despedimento declarado ilícito, o trabalhador tem direito a ser indemnizado por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais e a ser reintegrado no mesmo estabelecimento da empresa, com salvaguarda da sua categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos nos arts. 391.º e 392.º do mesmo Código. Efetivamente, no que aqui interessa, o art.º 391.º do Código do Trabalho prevê a possibilidade de o trabalhador optar por receber uma indemnização em substituição da reintegração, vontade que a recorrente expressamente manifestou. Neste caso, de acordo com a mesma disposição legal, o valor da indemnização será determinado entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, impondo-se ao tribunal que atenda ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no art.º 381.º do mesmo código, de tal forma que quanto maior for a retribuição menor deverá ser o valor da indemnização e que quanto maior for o grau de ilicitude maior será a indemnização. Importa ainda ter em atenção que, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal, o tribunal deve ter em conta o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, o que significa que a antiguidade a atender para determinação da indemnização deve ser tida em conta até ao trânsito em julgado da sentença que declare a ilicitude do despedimento e não até à data do despedimento ou até à data da prolação da sentença. Diga-se que, salvo melhor opinião, a maior ou menor antiguidade da trabalhadora não consiste, como parece entender a recorrente, num critério de determinação da indemnização entre 15 e 45 dias de retribuição, relevando apenas para determinação do período de tempo relativamente ao qual a indemnização deverá ser calculada, ainda que, como é evidente, quanto maior for a antiguidade, incluindo em função da duração do processo, maior será o valor final devido. Do mesmo modo, do nosso ponto de vista, a previsão do art.º 391.º, n.º 2 do Código do Trabalho ao manda atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, não significa que quanto maior for o valor dos salários intercalares menor deverá ser o da indemnização e vice-versa, como pretende a recorrente - na linha de autores como Pedro Furtado Martins[20] e de alguma jurisprudência[21] -, pois, importa atender a que esta indemnização é substitutiva da reintegração e se esta ocorresse, o trabalhador teria direito a manter o seu estatuto laboral, incluindo em matéria remuneratória, pelo que, na fixação do valor da indemnização aquele estatuto remuneratório tem de ser respeitado[22]. E sendo a indemnização substitutiva da reintegração, também não se considera que o seu valor varie em função do maior ou menor valor da compensação prevista pelo art.º 390.º do Código do Trabalho No caso concreto, a retribuição da autora à data do despedimento, globalmente considerada era de € 1 143,37 (€ 915,00 de retribuição base + € 228,75 de subsídio de turno), ou seja, não sendo uma retribuição elevada, era, ainda assim, superior em 1/3 à retribuição mínima mensal garantida, que à data era de € 760,00 (DL n.º 85-A/2022 de 22/12). Não se justifica, pois, que, em função do valor da retribuição, a indemnização seja fixada em número de dias próximo do máximo dos 45 dias, nomeadamente em 40 dias como pretende a recorrente. O grau de ilicitude, que deve ser apreciado em função dos motivos que a determinam, aponta no sentido da fixação da indemnização no valor mínimo dos 15 dias, tal como o considerou o tribunal. Importa para melhor fundamentar esta nossa conclusão referir que o despedimento da recorrente foi declarado ilícito porque o tribunal considerou que os factos imputados no procedimento disciplinar regularmente instaurado e tramitado, sendo ilícitos, não eram, do ponto de vista da proporcionalidade, suficientes para justificar o despedimento. Sem esquecer a (questionável) ordenação a que se refere o art.º 381.º do Código do Trabalho e que, no caso, a ilicitude do despedimento se reconduz à improcedência dos motivos invocados, salientamos que não estamos perante uma daquelas situações em que os motivos invocados pelo empregador são inexistentes, mas perante uma situação em que foram invocados “motivos sérios e reais, mas que o tribunal veio a considerar insuficientes para fundamentar a cessação do contrato, mercê (…) de uma diferente avaliação da relevância da motivação apresentada pelo empregador. (…) Nestas situações é patente que o grau da ilicitude do despedimento não pode ser senão mínimo.”[23] E é neste sentido que se justifica a afirmação do tribunal “a quo” segundo a qual “a autora contribuiu de forma assinalável, com uma conduta já bem descrita como grave, para o desfecho da relação laboral”, o que equivale a dizer que, apesar de o despedimento ter sido considerado uma sanção excessiva, os factos que foram imputados pela recorrida à recorrente não só se demonstraram, como são graves, sendo que constituem a prática pela recorrente de comportamento discriminatório em razão da nacionalidade das suas colegas, subsumindo-se ao assédio moral discriminatório que havia sido invocado pela recorrida, o que, tendo-se concluído ainda assim, pela ilicitude do despedimento por decisão que nessa parte transitou em julgado (e que, como tal, não constituiu objeto de apreciação no recurso), impõe que tal ilicitude seja considerada, pelo menos, significativamente esbatida o que tem que ser valorado na determinação da indemnização devida, reduzindo-a. Assim, do nosso ponto de vista, é manifestamente adequada, no caso dos autos, a fixação da indemnização, no mínimo legal de 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, não merecendo a sentença recorrida qualquer censura. A antiguidade da recorrente relevante era, à data da sentença de 7 anos (6 anos, 5 meses e 7), relevando ainda, nos termos do art.º 391.º, n.º 2 do Código do Trabalho, a antiguidade vencida até ao trânsito em julgado da sentença, pelo que o valor final devido só poderá ser apurado após aquela data, tal como decidido pela 1.ª instância. Improcede, pois, o recurso nesta parte. * A terceira questão a decidir é a de saber se é devido à recorrente o subsídio de alimentação relativo ao período em que a recorrente esteve suspensa preventivamente. A recorrente foi suspensa preventivamente, na sequência da instauração do procedimento disciplinar, em 02/02/2023, situação em que se manteve até ao despedimento ocorrido em 21/08/2023. Durante esse período a ré pagou à autora a remuneração base e o subsídio de turno, mas não lhe pagou o subsídio de alimentação. A suspensão preventiva do trabalhador tem o seu enquadramento legal no at.º 354.º do Código do Trabalho, cujo n.º 1 dispõe que “Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.” A lei confere, confere, pois, à entidade empregadora o poder de, iniciado o procedimento disciplinar, suspender o trabalhador, não lhe sendo, contudo, lícito suspender o pagamento da retribuição. Cumpre, pois, precisar o conceito de retribuição. Estabelece o art. 258.º do Código do Trabalho de 2009, que: “Considera-se retribuição a prestação a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. 2- A retribuição compreende a retribuição de base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3- Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador." A retribuição abrange assim o conjunto de valores que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade empregadora ao trabalhador. O n.º 1, al. a) do art.º 260.º exclui do conceito de retribuição “…as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstos no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 260.º do mesmo Código, determina que o disposto na alínea a) do n.º 1, com as necessárias adaptações, se aplica ao abono para falhas e ao subsídio de refeição. Assim, o subsídio de refeição, ainda que seja pago com regularidade e periodicidade, não deve ser qualificado como retribuição, salvo se o seu valor exceder os respetivos montantes normais, ou seja, o gasto que essa prestação pretende compensar. Ora, na situação em apreço, a recorrente não fez prova, como lhe competia, de que o valor do subsídio de alimentação que lhe era pago mensalmente, à razão de € 8,50 por dia, excedia e em que medida, o montante normal, pelo que, se impõe a conclusão de que, não constituindo retribuição a ré não estava obrigada a pagar os correspondentes valores no período em que a recorrente se encontrou preventivamente suspensa no decurso do procedimento disciplinar. Acrescenta-se que não está em causa a licitude da suspensão preventiva da recorrente, não sendo esse o fundamento invocado para o pedido de condenação da recorrida a pagar o subsídio de refeição. Ainda assim, sempre se dirá que, o subsídio de refeição se destina a compensar os trabalhadores pelas despesas acrescidas com a refeição que a prestação de trabalho obriga, as mais das vezes, que seja tomada fora de casa, motivo pelo qual apenas é devido nos dias de trabalho efetivo. Como se pode ler no Ac. STJ de 14/07/2022[24] «Compreende-se que assim seja, uma vez que o subsídio de refeição se destina “a fazer face a despesas concretas que o trabalhador presumivelmente tem que efetuar para executar o contrato, para “ir trabalhar”, não constituindo um ganho acrescido para o trabalhador, uma mais valia resultante da sua prestação laboral” (Ac. desta Secção Social de 17.01.2007, Proc. n.º 2188/06), ou seja, agora nas palavras de Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 9ª edição, p. 592, “o subsídio de refeição (…) traduz a assunção pelo empregador das despesas com a alimentação em que o trabalhador incorre por causa da prestação de trabalho”, pelo que só “se (…) o seu valor for tal que exceda largamente o gasto que pretende compensar (…) será já considerado retribuição”.» Durante o período de suspensão preventiva aquele condicionalismo não se verifica, já que não há prestação de trabalho, pelo que, o facto de a recorrente não ter recebido subsídio de alimentação, durante o período da suspensão, na falta de alegação e prova de factos que demonstrem o contrário, nem sequer consubstanciaria um dano indemnizável. Concorda-se, pois, com o entendimento expresso na sentença, na linha da jurisprudência ali citada e, consequentemente, o recurso improcede também nesta parte. * Vejamos agora se é devido à recorrente, como a mesma pretende, prémio anual de desempenho referente ao ano de 2022. A este respeito ficou provado o seguinte: A ré não pagou à autora o prémio anual da empresa referente ao ano de 2022. A autora sempre pautou a respetiva conduta laboral por elevados padrões de rigor, empenhamento, dedicação em 2022, a prestou trabalho de forma empenhada. Em 2022, a autora obteve uma avaliação de desempenho de 1,47, o que é qualificado como abaixo das expectativas. A autora solicitou que lhe fossem entregues e dadas a conhecer as eventuais avaliações referentes a esse ano (2022), o que não sucedeu, tendo-lhe sido transmitido que se encontrava suspensa preventivamente enquanto decorria o processo disciplinar, tendo sido informada de que não lhe fora atribuído o prémio em causa por ter tido classificação de 1,47, sendo que a autora não conhece até hoje o real conteúdo da última avaliação, não tendo podido, em razão disso, pronunciar-se sobre o mesmo. Mais se provou que de acordo com o regulamento de prémio de desempenho em vigor na ré, a autora não foi elegível para o prémio de desempenho em relação a 2022. Ora, a autora, alegando embora que o prémio de desempenho era devido nos termos do regulamento respetivo, não alegou quais as concretas condições de que dependia o direito ao mesmo. Alegou apenas o desconhecimento do teor da avaliação e, que por isso, não se pôde pronunciar sobre ele. Do teor do regulamento do prémio de desempenho, junto pela ré, sem impugnação, como se referiu supra, resulta que: “o prémio anual de desempenho será determinado com base nos resultados do desempenho Global da Companhia, do desempenho Setorial da Unidade / Direção do colaborador elegível, da sua avaliação individual de desempenho e do nível de assiduidade verificado no ano a que o prémio diz respeito. O prémio será pago após o fecho contabilístico do ano e desde que se verifiquem as seguintes condições: i. Disponibilidade dos elementos necessários para proceder ao respetivo cálculo, nomeadamente desempenho Global e desempenho Setorial; ii. Avaliações de desempenho individuais registadas em SAP e aprovadas até ao fecho do ciclo anual da avaliação de desempenho; iii. Registos de absentismo do ano registados no cadastro do colaborador até final de Fevereiro do ano seguinte ao que o prémio diz respeito; iv. Aprovação do valor global de prémio pela Assembleia Geral anual de Acionistas da Companhia.” Da matéria de facto provada o único elemento relevante para a atribuição do prémio de desempenho que é conhecido nos autos é a classificação atribuída à recorrente de 1,47. Ora, o reconhecimento da preterição do contraditório quanto à classificação atribuída ao desempenho da recorrente, não poderia ter por efeito a atribuição do prémio, pois, nenhuma das demais condições foi alegada ou demonstrada, ónus que impendia sobre a recorrente nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil. Nessa medida, não se mostram verificados os pressupostos de que dependia o reconhecimento do direito da recorrente ao prémio que reclama. Improcede, pois, o recurso, nesta parte. * Finalmente a recorrente veio manifestar a sua discordância quanto à decisão da 1.ª instância na parte em que absolveu a recorrida do pedido de condenação no pagamento de indemnização pelo danos não patrimoniais decorrentes da atuação da recorrida. A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais nos casos de declaração de ilicitude do despedimento encontra-se expressamente prevista pelo art.º 389.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho. Dispõe, por sua vez, o art. 323º, nº 1 do Código do Trabalho que a parte que faltar culposamente ao cumprimento dos seus deveres é responsável pelo prejuízo causado à parte contrária, numa reafirmação ou transposição, para o contrato de trabalho, do que já se previa no demais direito contratual cível, em que o art.º 798.º do Cód. Civil dispõe que “[o] devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”. O art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil dispõe que «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», sendo que o art.º 496.º do Código Civil prevê que «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito» (n.º 1), rezando o seu n.º 3 que a indemnização por danos não patrimoniais será fixada equitativamente, devendo o tribunal atender, em qualquer caso, às circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código, o qual determina, por seu turno, que na fixação do montante da indemnização se deve ter em conta «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso». São, pois, quatro os requisitos da tutela dos danos não patrimoniais: (a) comportamento ilícito e culposo do agente; (b) existência de danos; (c) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (não bastando um mero incómodo); (d) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja daquele consequência. Por outro lado, não esclarecendo a lei quais são os danos que pela sua gravidade merecem a tutela instituída, cabe ao julgador decidir caso a caso, se a gravidade é de tal ordem que justifique a tutela. Ora, compete ao autor que invoca o direito a tal indemnização, nos termos do disposto pelo art.º 342º, nº 1 do Código Civil, alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, designadamente os danos sofridos e os factos demonstrativos da gravidade de tais danos. No caso, porém, apesar de a sentença recorrida, por decisão que transitou em julgado, ter concluído pela ilicitude do despedimento, não ficou provado que, em consequência da atuação da recorrida, a recorrente sofreu quaisquer danos, pelo que nenhum motivo existe para discordar da decisão recorrida que conclui exatamente naquele sentido. Por isso, improcede o recurso nesta parte e em, consequência, improcede o recurso na totalidade. * Nos termos do disposto pelo art.º 527.º do CPC, uma vez que a recorrente decaiu integralmente no recurso, a responsabilidade pelas custas do recurso recai sobre a mesma, que delas se encontra, contudo isenta, pelo que responde nos termos do art.º 4.º, n.ºs 6 e 7 do Regulamento das Custas Processuais. * Decisão Pelo exposto, acorda-se julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, sem prejuízo das alterações à matéria de facto supra determinadas. * Custas pela recorrente, nos termos supra definidos. *
Porto, 28/04/2025 Maria Luzia Carvalho (Relatora) Nelson Fernandes (1.º Adjunto) António Luís Carvalhão (2.º Adjunto) ________________________________ |