Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6875/16.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: EXISTÊNCIA DE ACIDENTE DE TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
DESMAIO
SINISTRADO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACIDENTE DE TRABALHO
LESÕES
PRESUNÇÃO ILIDÍVEL
Nº do Documento: RP201902186875/16.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 02/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º290, FLS.17-25)
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTIGO 10º/1 DA LEI 98/2009 DE 4.09
Sumário: I - A presunção de natureza ilidível estabelecida no art.º 10.º/1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, liberta o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões, mas já não o desonera do ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões, que lhe compete nos termos do disposto no art.º 342.º CC.
II - A montante da verificação cumulativa dos pressupostos que fazem operar aquela presunção do art.º 10.º n.º1, é necessário que previamente se possa concluir que determinado evento possa ser havido como “acidente de trabalho”. Verificada essa condição, então, sim, poderá operar a presunção, por efeito da mesma considerando-se que determinada lesão é consequência do acidente.
III - Não tendo a apelante alegado e provado que o desmaio do sinistrado foi a consequência de uma doença de que ele padecia, pode afirmar-se que a perda de sentidos foi involuntária e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado, causador do acidente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 6875/16.4T8VNG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 Iniciou-se a fase litigiosa dos presentes autos emergentes de acidente de trabalho, em que é autor B… e são rés C…, SA", e D…, EM, mediante a apresentação de petição inicial pelo sinistrado, nos termos do artigo 117.º n.º1, do CPT, em razão de não ter sido obtido acordo na tentativa de conciliação realizada no termo da fase conciliatória.
Naquele acto, a entidade empregadora aceitou a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, o resultado do exame médico e o valor da retribuição declarada pelo sinistrado, mas rejeitou a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho na consideração de ter a sua responsabilidade infortunística transferida para a seguradora.
Por seu turno, a Ré seguradora recusou a existência e a caracterização do acidente como sendo trabalho e o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, declinando a responsabilidade pelo pagamento das quantias reclamadas pelo sinistrado.
Na petição inicial, o autor alega, em síntese, que sofreu um acidente de trabalho no dia 03 de Maio de 2016, quando se encontrava ao serviço da sua entidade empregadora, a aqui 2ª Ré, de que lhe resultaram lesões que acarretaram incapacidades temporárias para o trabalho. Das mesmas resultaram sequelas que lhe causam uma IPP de 6%.
À data do acidente, a entidade empregadora do Autor tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a 2ª Ré.
Contudo, esta nega qualquer responsabilidade pela reparação dos danos.
Conclui pedindo o reconhecimento do acidente dos autos como de trabalho, e, em consequência, a condenação das rés, de acordo com as respectivas responsabilidades, no pagamento das prestações seguintes:
A) – O montante global de €9.245,34 discriminado e justificado supra no item 9º da PI;
B) – A pensão anual e vitalícia do montante de €388,30 com efeitos a partir de 29/11/2016, calculada com base no salário referido supra e na IPP de 6% - a ser remida;
C) – O montante de €15,00 respeitantes às despesas de deslocação dele A. ao Tribunal de Vila Nova de Gaia e ao INML do Porto;
D) – O montante das diferenças encontradas nos montantes das indemnizações temporárias, pelo montante de €735,11, relativa ao período compreendido entre 3 de Maio de 2016 e 28 de Novembro de 2016, ITA de 61 dias e ITP (20% ) de 147 dias, conforme melhor consta do alegado no item 12º da Pi, acrescido dos Juros de mora calculados à taxa legal e a contar do respectivo vencimento.
A Ré empregadora contestou, alegando que todos os valores mensalmente auferidos pelo Autor se encontravam transferidos para a 1ª Ré, por força do contrato de seguro que com esta celebrou, pelo que nenhuma responsabilidade tem no ressarcimento do Autor.
Conclui, pedindo a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
Contestou igualmente a ré seguradora, impugnando parcialmente a factualidade alegada pelo Autor e defendendo que este não sofreu qualquer acidente de trabalho, antes tendo sido vítima de uma síncope ou desmaio, de origem endógena e não provocada por qualquer agente externo.
Alegou ainda que pagou ao Autor a quantia de 1 984,94€, a título de incapacidades temporárias, transportes e despesas médicas; e que a sua responsabilidade está limitada aos montantes retributivo que foram transferidos pela 2ª Ré, no âmbito do contrato de seguro celebrado com a mesma.
Concluiu, pedindo a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
A 2ª Ré respondeu à contestação deduzida pela 1ª Ré reiterando o alegado na sua contestação.
O Tribunal proferiu despacho através do qual formulou convite ao Autor, no sentido de este vir concretizar quais as lesões e subsequentes sequelas que sofreu em consequência do acidente.
O Autor acedeu a tal convite e foi respeitado o direito ao contraditório.
Foi proferido despacho saneador e elaborada a seleção dos factos assentes e organizada base instrutória.
Realizou-se audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
I.2 Subsequentemente o Tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «(..)Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a presente acção parcialmente procedente, em consequência do que:
a) Absolvo a ré “D…, EM” dos pedidos formulados pelo Autor;
b) Condenar a ré "C…, SA" a pagar ao autor:
- O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 291,23€, devida desde 29/11/2016 (dia seguinte ao da alta);
- A quantia de 735,11€, a título de indemnização por incapacidades temporárias;
- A quantia de 15,00€, a título de despesas com transportes;
- Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.
Custas por Autor e 1ª Ré, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza o Autor.
Registe e notifique.
Oportunamente proceda-se ao cálculo do capital de remição, indo depois os autos ao Ministério Público, nos termos e para os fins do artigo 148º nº 4, “ex vi” do artigo 149º, ambos do valor da acção para efeitos de custas: o correspondente ao resultado da aplicação do disposto no artigo 120º nº 1 do Código de Processo do Trabalho e na Portaria nº 11/2000, de 13/01, com base no capital de remição que vier a ser apurado (..)».
I.3 Inconformada com esta decisão, o Ré Seguradora apresentou recurso de apelação,
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I.5 O Ministério Público junto deste tribunal de recurso emitiu o parecer
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I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão suscitada consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos ao caracterizar o evento que vitimou o A. como acidente de trabalho.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
2.1 – Factos provados:
a) No dia 10 de Julho de 2015 o Autor e a 2ª Ré celebraram um “Contrato Emprego-Inserção”, ao abrigo do disposto na Portaria nº 128/2009, de 30/01, mediante o qual, entre outras coisas, declararam que:
“(…)
1. O primeiro outorgante obriga-se a proporcionar ao segundo outorgante, que aceita, a execução de trabalho socialmente necessário, na área de trabalhador não qualificado de engenharia civil.
(…)
A prestação de trabalho socialmente necessário (…) terá lugar na Rua …, nº …, …. - …
1. O segundo outorgante tem direito a receber do primeiro outorgante:
a. Uma bolsa de ocupação mensal de montante igual ao valor do Indexante dos Apoios Sociais mensal (fixado em 419,22);
b. Refeição ou subsídio de alimentação referente a cada dia de actividade, de valor correspondente ao atribuído à generalidade dos trabalhadores do primeiro outorgante ou, na sua falta, ao atribuído aos trabalhadores que exerçam funções públicas;
c. O pagamento das despesas de transporte, entre a residência habitual e o local de actividade, se não for assegurado o transporte até ao local de execução do projecto;
d. Um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das actividades integradas no projecto de trabalho socialmente necessário;
(…)
10ª
5º - O presente contrato (…) tendo início de vigência em 2015/07/13 e terminando no dia 2016/07/12. (…)”.
(A)
b) No dia 03 de Maio de 2016, o Autor encontrava-se a exercer funções para a 2ª Ré no âmbito do contrato mencionado em a), ajudando em trabalhos de colocação de tubos para as águas pluviais. (B e 1º)
c) A dada altura, o Autor sentiu uma sensação de síncope ou lipotimia. (11º e 12º)
d) Imediatamente após o mencionado em c), o Autor caiu na vala onde estavam a ser colocados os tubos. (11º, 12º, B) e 2º)
e) Em consequência do mencionado em d), o Autor sofreu lesões no ombro direito.(3º)
f) Em consequência do mencionado em e), o Autor esteve com ITA desde 05 de Maio de 2016 até 04 de Julho de 2016; e com ITP de 20% desde 05 de Julho de 2016 até 28 de Novembro de 2016. (4º e 5º)
g) O Autor teve alta clínica no dia 28 de Novembro de 2016. (6º)
h) Em consequência das lesões referidas em e), o Autor apresenta actualmente deformidade acrómio-clavicular à direita, o que lhe acarreta uma IPP de 4,5%. (7º; e decisão proferida a fls. 09 do apenso “A”)
i) Aquando do mencionado em b), o Autor auferia o salário mensal de 419,22€, acrescido de 66,00€, a título de subsídio de transporte; e de 93,94€, a título de subsídio de alimentação. (8º)
j) Nessa data, a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho sofridos pelo Autor encontrava-se transferida da 2ª Ré para a 1ª Ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ......, com referência aos seguintes valores:
- 419,22€ x 14 meses, a título de retribuição mensal;
- 66,00€ x 12 meses, a título de subsídio de transporte;
- 93,94€ x 11 meses, a título de subsídio de alimentação. (C)
k) Aquando da celebração do contrato de seguro mencionado em j), a 2ª Ré comunicou à 1ª Ré que o Autor foi contratado ao abrigo de um “Contrato Emprego-Inserção”, celebrado com o Instituto do Emprego e da Formação Profissional, com a categoria de estagiário. (14º)
l) O Autor despendeu a quantia de 15,00€, em transportes com deslocações ao Instituto Nacional de Medicina Legal e a este Tribunal. (9º)
m) A 1ª Ré pagou ao Autor a quantia global de 867,76€, a título de indemnização por incapacidades temporárias. (13º
II.2 Motivação de Direito
A recorrente Seguradora discorda da sentença, por alegado erro na aplicação do direito aos factos, em razão do tribunal a quo ter caracterizado o evento que vitimou o A. como acidente de trabalho.
O Tribunal a quo, debruçando-se sobre esta questão fulcral, após exaustiva fundamentação sustentada na doutrina e jurisprudência que cita, veio a concluir pela caracterização do evento como acidente de trabalho, com base em dois fundamentos distintos, nomeadamente, os seguintes:
i) Não ficou demonstrado que a queda do autor na vala tenha sido consequência da sensação de síncope que sentiu e, logo, a Ré não logrou afastar a presunção legal estabelecida no art.º 10.º n.º1, da Lei 98/2009;
ii) Ainda que se tivesse provado “que a queda do Autor na vala teria sido consequência de um desmaio do Autor, sempre tal acontecimento teria que considerar-se como súbito, imprevisto e involuntário, pelo que o mesmo acabaria por consubstanciar igualmente um acidente de trabalho, nos termos e para os fins do artigo 8º nº 1 da Lei dos Acidentes de Trabalho”, acompanhando-se, de entre a doutrina e outra jurisprudência citadas, o acórdão desta Relação de 09/10/2017, [proc.º 326/14.6T8PNF.P1, Desembargadora Fernanda Soares, disponível em www.dgsi.pt], no qual, estando em apreciação situação similar, concluiu-se, como sintetizado no respectivo sumário que “Não tendo a seguradora alegado e provado que o desmaio do sinistrado foi a consequência de uma doença de que ele padecia, pode-se afirmar que a perda de sentidos foi involuntária e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado causador do acidente, de trabalho”.
II.2.1 Defende a recorrente que “considerando a resposta positiva à matéria de facto correspondente aos artigos 11.º e 12.º da base instrutória, impõe-se concluir pela inexistência de um acidente de trabalho”. Na sua perspectiva “inexiste igualmente nexo de causalidade entre o evento participado e as lesões daí decorrentes e a actividade profissional do autor”, dado que “as lesões que o autor apresenta devem-se, na realidade, a uma síncope, que constitui uma doença natural súbita e uma patologia de origem endógena, sem qualquer relação com a actividade profissional – não se trata (..) de um acontecimento súbito e exterior à constituição física do Autor”.
Impõe-se, desde já, repor o rigor das coisas. Contrariamente ao que sugere a alegação da recorrente, não é correcto afirmar-se que a resposta dada aos factos controvertidos 11.º e 12.º da base instrutória foi “positiva”. Seria positiva se ambos tivessem sido considerados provados tal qual foram fixados na base instrutória, mas não é isso que acontece. Senão vejamos.
Questionava-se nesses factos, retirado da alegação da Ré na contestação, o seguinte:
11º) Nessa altura, o Autor sofreu uma síncope ou uma lipotimia?
12º) Foi em consequência do mencionado em 11º) que o Autor caiu na vala?
Ora, como se vê da matéria de facto que resultou assente, o tribunal a quo respondeu restritivamente a essa matéria, nomeadamente, ao considerar provado o seguinte:
c) A dada altura, o Autor sentiu uma sensação de síncope ou lipotimia. (11º e 12º)
d) Imediatamente após o mencionado em c), o Autor caiu na vala onde estavam a ser colocados os tubos. (11º, 12º, B) e 2º)
Retira-se daqui que nem resultou provado que o Autor tenha sofrido uma síncope ou desmaio, nem tão pouco que a queda do autor na vala tenha sido consequência da “sensação de síncope ou lipotimia” que sentiu.
Com efeito, em termos médicos, lipotimia significa perda de sentidos, desfalecimento, desmaio, síncope "lipotimia" [in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/lipotimia].
Mas em rigor, o que resultou provado foi que o autor “sentiu uma sensação de síncope ou lipotimia”, ou seja, a sensação de desmaio, que ainda que tenha associada determinados sintomas que precedem o desmaio, por exemplo, tontura, perda de forças, não é o mesmo, ficando aquém do desmaio ou perda de sentidos por completo.
Por outro lado, o facto da queda na vala ter ocorrido imediatamente após o momento em que o autor sentiu “uma sensação de síncope ou lipotimia”, também não é o bastante para dai se extrair uma relação de causa efeito, dado que não ficou excluída a possibilidade da queda ter sido provocada por um outro factor não apurado.
Contudo, concordando-se com o tribunal a quo quando afirma que não ficou demonstrado que a queda do autor na vala tenha sido consequência da sensação de síncope que sentiu, já não se acompanha o percurso seguido nessa primeira linha de fundamentação, que parte daquela consideração para depois concluir que a Ré não logrou afastar a presunção legal estabelecida no art.º 10.º n.º1, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro. Passamos a explicar as razões desta asserção.
O conceito de acidente de trabalho é-nos dado pelo art.º 8º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, dispondo:
-“É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
Completa-o de seguida o n.º2, do mesmo artigo, que referindo-se à limitação espacial e temporal do acidente de trabalho, vem dar-nos as noções de local de trabalho e tempo de trabalho para além do período normal de trabalho, nos termos seguintes:
- [2] Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
Em face do estabelecido nas referidas normas é pacificamente entendido que a caracterização de um acidente como de trabalho pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
- um elemento espacial (em regra, o local de trabalho);
- um elemento temporal (correspondente, por norma, ao tempo de trabalho);
- um elemento causal (nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, por um lado, e entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte).
Tratando-se de factos constitutivos do direito invocado, a alegação e prova dos pressupostos que integram a noção do “acidente de trabalho” compete àquele que reclama a respectiva reparação – artigo 342.º nº 1 do Código Civil.
Não obstante esse princípio geral, com propósito de facilitar o encargo alegatório e probatório a cargo dos sinistrados (ou beneficiários legais, em caso de acidente de trabalho de onde resulte a morte) o n.º1 do art.º 10.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, vem dispor que “[A] lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho”, estabelecendo assim uma presunção juris tantum entre o acidente e a suas consequências.
Como elucida o acórdão do STJ de 19-11-2008 [proc.º 08S2466, Conselheiro Mário Pereira, disponível em www.dgsi.pt] esta presunção “assenta a sua razão de ser na constatação imediata ou temporalmente próxima, de manifestações ou sinais aparentes entre o acidente e a lesão (perturbação ou doença), que justificam, na visão da lei e por razões de índole prática, baseadas na normalidade das coisas e da experiência da vida, o benefício atribuído ao sinistrado (ou aos seus beneficiários), a nível de prova, dispensando-os da demonstração directa do efectivo nexo causal entre o acidente e a lesão (..)”.
Porém, importa precisar, esta presunção de natureza ilidível liberta o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões, mas já não o desonera do ónus de provar a verificação do próprio evento causador das lesões, que lhe compete nos termos do disposto no art.º 342.º CC. [cfr. Ac. STJ de 19-11-2008, acima citado; e, Ac. STJ de 01-06-2017, proc.º 919/11.3TTCBR-A.C1.S1; Ac. TRP de 30-05-2018, 1718/16.1T8MTS.P1; Ac. TRL de 24-10-2018, Proc.º 2200/14.7TTLSB-4; todos disponíveis em www.dgsi.pt]
Por conseguinte, a montante da verificação cumulativa dos pressupostos que fazem operar aquela presunção do art.º 10.º n.º1, é necessário que previamente se possa concluir que determinado evento possa ser havido como “acidente de trabalho”. Verificada essa condição, então, sim, poderá operar a presunção, por efeito da mesma considerando-se que determinada lesão é consequência do acidente.
Visto noutra perspectiva, vale isto por dizer que a presunção apenas tem utilidade nos casos em que esteja em dúvida o nexo causal entre o evento qualificável como acidente de trabalho e determinadas lesões cuja verificação se constatem – na sequência do mesmo – no local e no tempo de trabalho.
Ora, com o devido respeito essa é questão que nem se coloca aqui. Não há qualquer dúvida que as lesões sofridas pelo sinistrado, cujas sequelas lhe vieram a determinar a IPP de 4,55% [facto h)], resultaram directa e necessariamente da queda na vala onde estavam a ser colocados os tubos. Com efeito, está provado que foi em consequência dessa queda que “o Autor sofreu lesões no ombro direito.” [factos d) e e)].
A recorrente, não questionou esse nexo entre as lesões e a queda. O que pôs em causa foi que a queda na vala possa ser caracterizada como acidente de trabalho. É a partir desse pressuposto que depois defende que as lesões não resultaram de um acidente de trabalho.
Com efeito, na contestação alegou, no essencial, o seguinte:
- [21.º] «(..) a queda de que o autor foi vitima não foi precedida ou animada por qualquer agente externo, (..)foi consequência de uma síncope [vg. desmaio].
(..)
[23.º] Assim, não pode a queda sofrida pelo autor, em consequência de uma síncope, ser considerada um acidente de trabalho.
[24.º] O Autor caiu devido a patologia de origem endógena, sem qualquer relação com a sua actividade profissional.
[26.º] Como não foi qualquer acontecimento súbito e exterior à constituição física do Autor que provocou o desmaio, a queda e as lesões – falhando o elemento causa efeito, por ausência de causa -, não se pode afirmar que houve um acidente de trabalho.
(..)
[28.º] De facto, as lesões invocadas pelo autor resultaram de doença natural súbita.
É essa posição que a recorrente aqui vem reiterar, invocando também que o Autor não logrou provar que a síncope que sofreu estava relacionada com a actividade profissional que desempenhava e não com uma patologia clínica de que padecia.
Em suma, defendendo que face ao elenco factual apurado “(..) não pode considerar-se que o acidente do qual resultaram as lesões reconhecidas nos autos decorreram de um evento qualificado como acidente de trabalho, nos termos e para os efeitos do artigo 8.º da lei 98/2009, de 4 de Setembro”.
II.2.2 Como assinalámos acima a Ré parte de pressupostos que não são rigorosamente válidos, na medida em que não ficou cabalmente provado o que veio alegar na acção. Não se provou que o autor tenha desmaiado, mas apenas que tenha sentido uma sensação de desmaio, nem tão pouco pode asseverar-se que essa sensação tenha sido a causa exclusiva, imediata e directa da queda do autor na vala.
Não obstante, como também se extrai do que referimos inicialmente, acontece que o Tribunal a quo até apreciou a questão no quadro traçado pela recorrente, ou seja, partindo da hipótese “que a queda do Autor na vala teria sido consequência de um desmaio do Autor”, veio a concluir que “sempre tal acontecimento teria que considerar-se como súbito, imprevisto e involuntário, pelo que o mesmo acabaria por consubstanciar igualmente um acidente de trabalho, nos termos e para os fins do artigo 8º nº 1 da Lei dos Acidentes de Trabalho”.
Adiantamos já que nesta parte da fundamentação acolhemos sem qualquer reserva a fundamentação do tribunal a quo e o sentido do decidido, desde logo quando acompanha o acórdão desta Relação de 09/10/2017, [proc.º 326/14.6T8PNF.P1, Desembargadora Fernanda Soares, disponível em www.dgsi.pt], no qual, estando em apreciação situação similar, concluiu-se, como sintetizado no respectivo sumário, que “Não tendo a seguradora alegado e provado que o desmaio do sinistrado foi a consequência de uma doença de que ele padecia, pode-se afirmar que a perda de sentidos foi involuntária e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado causador do acidente, de trabalho”.
Não se revelando necessário trazer aqui a fundamentação da sentença em toda a sua extensão, limitamo-nos a transcrever o essencial para perceber o percurso lógico seguindo, designadamente, na parte em que invoca aquele aresto desta Relação e Secção. Assim:
-«4. Vamos então partir do pressuposto que a Ré teria demonstrado a sua tese de que o acidente ocorreu em consequência da síncope ou lipotimia sentida pelo Autor.
Seria tal factualidade suficiente para considerar, como defende a Ré, que não estaríamos perante um acidente de trabalho?
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 8º nº 1 da Lei dos Acidentes de Trabalho, considera-se acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
(..)
Ou seja, são já vários os autores que, demarcando-se da tradicional jurisprudência, vêm defendendo que um acidente de trabalho não tem de ser provocado exclusivamente por um acontecimento externo ou exógeno ao do trabalhador sinistrado; antes o podendo ter também na sua génese um evento endógeno àquele.
Aliás, esta nova tendência tem vindo também a ser cristalizada na própria jurisprudência. Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2009, de que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro Fonseca Ramos, e que pode ser consultado in www.dgsi.pt, escreveu-se (os sublinhados são da minha responsabilidade): “O acidente pessoal é externo à vítima, a doença é um facto que ocorre no interior do seu corpo por factores vários que nem sequer o estado da ciência pode determinar com rigor, pense-se no caso do cancro. Este critério não exclui que factores que possam ocorrer no decurso de actividade profissional, possam ser incluídos no conceito de acidente pessoal, se pelo seu carácter fortuito, imprevisível e alheio à vontade do segurado causarem danos na sua saúde, como será o caso da existência de enfarto de miocárdio, num quadro em que a vítima não apresentava sinais de doença ou factores predisponentes”.
(..)
Igual entendimento foi sufragado também no Acórdão da Relação do Porto de 09/10/2017, de que foi relatora a Sr.ª Juíza Desembargadora Fernanda Soares, e que se encontra disponível in www.dgsi.pt.
Aliás, tendo em consideração que este mencionado Aresto se pronunciou sobre um caso em tudo idêntico àquele que aqui se nos coloca, permito-me transcrever um excerto do mesmo:
“(…) O Tribunal a quo concluiu, em face da factualidade dada como provada, que “o evento que vitimou o Autor tratando-se de acontecimento súbito, imprevisto, incontrolável, não assente em doença natural ou patologia prévia, ocorrido no local e no tempo de trabalho é caracterizável como acidente de trabalho” (…).
Diz a apelante que a queda sofrida pelo sinistrado não deve considerar-se resultante de acidente de trabalho, nos termos previstos na lei, já que se ficou a dever a desmaio. Sendo assim, ficou realmente provado que a queda do sinistrado não ocorreu na sequência de qualquer acidente, como acontecimento súbito, inesperado e de origem externa, mas antes devido a causas internas ou naturais, como é o desmaio. Ora, se a queda do sinistrado ocorreu no tempo e no local de trabalho, ficou a dever-se ao desmaio, pelo que não é possível extrair os efeitos da presunção que assenta na existência de um acidente, sendo que o Autor não logrou provar, como lhe cabia – artigo 342º, nº1 do CC – que os ferimentos se ficaram a dever ao desmaio como acidente de trabalho. Vejamos então.
A prova da existência de um acidente de trabalho compete ao sinistrado/Autor, atento o disposto no artigo 342º, nº1 do C. Civil. E será que o Autor logrou provar ter sofrido um acidente de trabalho? É o que vamos analisar de seguida.
Nos termos do disposto no artigo 8º, nº1 da Lei nº98/2009 de 04.09, “É acidente de trabalho, aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
A noção de acidente de trabalho, conforme é defendido pelo nosso mais alto Tribunal, (…) “reconduz-se a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença” – acórdão de 13.01.2010, proferido no processo 1466/03.2 TTPRT.S1 em www.dgsi.pt. No mesmo sentido é o acórdão do STJ de 30.05.2012 onde se defende que “a qualificação como acidente de trabalho pressupõe, em regra, a ocorrência de um evento súbito, imprevisto, exterior à vítima e que lhe provoque uma lesão na saúde ou na sua integridade física e que este evento ocorra no local e tempo de trabalho”, publicado na CJ, acórdãos do STJ, ano 2012, tomo II, página 261 e seguintes.
A propósito da causa exterior refere Carlos Alegre (…) “em torno da causa exterior se levantam inúmeras dúvidas: se a origem da lesão tinha que resultar de uma acção directa sobre o corpo humano ou se bastava uma acção indirecta; se ela tinha que ser clara, visível, evidente ou se podia actuar insidiosamente, se devia ser de percepção imediata; se tinha que actuar de forma violenta, através de choque, de golpe ou de qualquer outro contacto semelhantemente violento ou se podia insinuar-se sem violência. A verdade é que, nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias.
Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente” (…) – Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ªedição, página 36.
E segundo Victor Ribeiro (…) “ Para que se desencadeie o dispositivo legal reparatório, torna-se necessário que alguma coisa aconteça no plano das coisas sensíveis. Algo que seja, enfim, uma condição ou causa próxima e dinâmica da produção do dano indemnizável” (…) “tudo que é susceptível de alterar o equilíbrio anterior; tudo quanto «viole» esse equilíbrio, quer seja uma explosão, quer seja uma emanação de gás tóxico, um golpe de frio ou calor, ou mesmo uma situação particularmente angustiante, ou de trabalho excessivo que faça, por exemplo, desencadear um ataque cardíaco ou uma perturbação mental” – Acidentes de Trabalho, reflexões e notas práticas, páginas 208/210.
Também Júlio Vieira Gomes defende que “não há que exigir sempre uma causa externa ou exterior ao corpo do trabalhador” – O Acidente de Trabalho, página 24.
No seguimento do exposto é o acórdão da Secção Social da Relação de Lisboa, de 11.10.2011 onde se defende “aceita-se, actualmente, que nem o acontecimento exterior, directo e visível, nem a violência, são critérios indispensáveis à caracterização do acidente” – CJ, ano 2011, tomo IV, página 162.
Acolhemos aqui tais ensinamentos. Segundo a factualidade assente não existem dúvidas de que o Autor se encontrava a trabalhar no seu local de trabalho e no seu tempo de trabalho quando ocorreu a sua queda ao solo. E igualmente decorre da matéria de facto provada que o desmaio constituiu um acontecimento súbito e inesperado, o qual causou a queda do sinistrado.
Diz a apelante que a queda do sinistrado foi a consequência do desmaio e este traduz-se numa causa interna ou natural não integrando assim a noção de acidente de trabalho.
Discordamos pelas razões já referidas e ainda pelas que vamos a seguir adiantar.
O desmaio traduz-se na perda dos sentidos e, deste modo, do uso da razão. O artigo 14º nº1, al. c) da LAT determina que “O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação”.
Carlos Alegre refere, a respeito do citado artigo – correspondente ao artigo 7º da Lei 100/97 de 13.09 – o seguinte:
(…) “a privação acidental do uso da razão pode ter as mais variadas origens” (…) “seja qual for o tipo de privação do uso da razão que esteja na origem do acidente, este, ainda assim, será reparado, desde que ocorra uma das seguintes circunstâncias: 1ª que tal privação derive da própria prestação do trabalho” (…) “ou 2ª que tal privação seja independente da vontade do sinistrado; ou 3ª que a entidade patronal ou o seu representante, conhecendo o estado inadequado à prestação do trabalho da vítima, consinta essa prestação” (…) – obra citada, páginas 63/64.
Ora, não tendo a apelante alegado e provado que o desmaio do sinistrado foi a consequência de uma doença de que ele padecia, podemos afirmar que a perda de sentidos foi involuntária e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado, causador do acidente.
Assim sendo, nenhum reparo merece a decisão recorrida ao ter concluído pela existência de um acidente de trabalho. (…)”.
Concordo integralmente com esta fundamentação, a qual subscrevo.
Assim sendo, e em consequência de tal entendimento, mesmo provando-se que a queda do Autor na vala teria sido consequência de um desmaio do Autor, sempre tal acontecimento teria que considerar-se como súbito, imprevisto e involuntário, pelo que o mesmo acabaria por consubstanciar igualmente um acidente de trabalho, nos termos e para os fins do artigo 8º nº 1 da Lei dos Acidentes de Trabalho.
Ou seja, em qualquer caso sempre improcederia, portanto, a tese defendida pela Ré.
Assim sendo, e face à conclusão a que acabamos de chegar, encontram-se integralmente demonstrados os elementos constitutivos do direito invocado pelo Autor; pelo que tem o mesmo direito a ser reparado por todos os danos por ele sofridos em consequência do acidente.
Cumpre então agora apreciar e ponderar quais os montantes que lhe são devidos.
(..)».
Cremos que a citada fundamentação do Acórdão desta Relação, que como refere a sentença e se extrai da mesma apreciou caso similar ao aqui presente, dá resposta à tese da recorrente, deixando afirmadas com clareza as razões que obstam ao seu acolhimento.
Justamente por isso, procurando não repetir o ali enunciado e que para aqui se convoca, apenas acrescentaremos algumas notas.
No caso não há qualquer dúvida em que a queda para a vala, da qual para resultaram para o sinistrado as lesões que vieram a determinar a IPP, ocorreu no tempo e no local de trabalho.
A questão coloca-se em saber se essa queda pode qualificar-se como acidente de trabalho à luz do disposto no art.º 8.º da L98/2009 ou, pelo contrário, como defende a Ré, se é de excluir essa qualificação, invocando que “queda sofrida pelo autor”, foi consequência de uma síncope” e que “O Autor caiu devido a patologia de origem endógena, sem qualquer relação com a sua actividade profissional”.
Já deixámos dito apenas se ter provado que o autor “sentiu uma sensação de síncope ou lipotimia” (desmaio, desfalecimento), o que fica aquém do que foi alegado e continua a ser invocado pela recorrente, bem assim que os factos provados – e não impugnados - não permitem sequer concluir com a segurança necessária, como é exigível, que a queda tenha sido devida àquele facto.
Significa isso, que logo por ai soçobra a tese da Ré.
Não obstante, tal como fez o tribunal a quo, ainda que por hipótese se admita que a queda na vala foi consequência do facto do autor ter “senti(do) uma sensação de síncope ou lipotimia”, ainda assim não assistiria razão à recorrente. É este o ponto que importa deixar claro.
Numa breve consulta na internet [MANUAL MSD-Versão Saúde para a Família, em https://www.msdmanuals.com/pt-pt/casa; A tua saúde, em https://www.tuasaude.com/; e, Dicionário Médico on-line, disponível em https://www.xn--dicionriomdico-0gb6k.com/lipotimia.html] recolhe-se informação com a fidelidade necessária para a indagação que o caso exige, de onde se retira que a lipotimia ou desmaio (síncope) é uma perda repentina e rápida de consciência em que a pessoa cai, em regra, no chão, seguida pelo retorno da consciência. A pessoa fica sem movimento e enfraquecida. Algumas pessoas sentem vertigem ou tontura antes de desmaiar.
Com menor gravidade, a sensação de desmaio iminente (quase síncope) é a sensação de que se está prestes a desmaiar.
O desmaio e a sensação de desmaio iminente, podem acontecer em pessoas de qualquer idade e por uma multiplicidade de factores. Em geral são quadros benignos, onde se inscrevem diversas situações comuns, por exemplo, ficar de por tempo prolongado, esforços físicos elevados, exposição a calor excessivo ou frio excessivo, levantar-se rapidamente, um choque emocional, etc. Noutros casos, a causa poderá ter a ver com problemas de natureza cardíaca ou neurológica.
No caso em apreço sabe-se que o sinistrado “A dada altura, (..) sentiu uma sensação de síncope ou lipotimia”, mas não se sabe qual foi a causa que esteve na origem desse facto.
O que vale por dizer, desde logo, que não se pode excluir a possibilidade do autor ter sentido essa “sensação de síncope ou lipotimia”, em razão de uma qualquer situação relacionada com o exercício da actividade que estava a desempenhar.
Por identidade de razões, é certo que também não poder excluir-se a possibilidade da causa dessa situação estar directa e exclusivamente relacionada com problemas de saúde do autor, designadamente, como alvitra a Recorrente, em razão de “patologia de origem endógena, sem qualquer relação com a sua actividade profissional”.
Contudo, contrariamente ao que aqui veio sustentar a recorrente, não era ao autor que cabia provar a existência de uma causa relacionada com o exercício da actividade que tenha despoletado a sensação de síncope ou lipotimia que a dada altura sentiu, antes recaindo sobre ela, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus da prova, o dever de ter alegado factos para concretizar aquela alegação conclusiva e, naturalmente, deles fazer prova, por se tratar de facto impeditivo do direito reclamado (art.º 342.º 2, do CC).
Ora, não tendo a apelante alegado e provado que o desmaio do sinistrado foi a consequência de uma doença de que ele padecia, podemos afirmar que a perda de sentidos foi involuntária e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado, causador do acidente.
Valem aqui, pois, as razões constantes da fundamentação do acórdão desta Relação de 19-10-2017, invocado na sentença e acima expressas por via da transcrição que se fez da fundamentação daquela, as quais acompanhamos, para também aqui concluirmos que “não tendo a apelante alegado e provado que o desmaio do sinistrado foi a consequência de uma doença de que ele padecia, podemos afirmar que a perda de sentidos foi involuntária e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado, causador do acidente”.
Por conseguinte, improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).
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Porto, 18 de Fevereiro de 2019
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira