Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2114/23.0YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
ADMISSIBILIDADE DA OPOSIÇÃO
PAGAMENTO DA CAUÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RP202410072114/23.0YLPRT.P1
Data do Acordão: 10/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No procedimento especial de despejo com base no nº 3 ou no nº 4 do artigo 1083º do C. Civil, quer o pagamento da taxa de justiça, quer o pagamento da caução exigidos pelo art. 15º-F, nº 3 do NRAU, na redacção da Lei nº79/2014, são condições da admissibilidade da oposição ao despejo.
II - A caução exigida pelo nº 3 do art. 15º-F do NRAU visa garantir a posição do senhorio, não tendo qualquer repercussão sobre o mérito da causa, sendo o seu valor calculado em função do valor das rendas, encargos ou despesas alegadamente em atraso, apesar de constituir matéria controvertida o montante devido a esses títulos.
III - No artigo 15ºF, nº3, da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a alteração da Lei 79/2014, o legislador não distinguiu as duas condições, sendo o segmento “salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento” precedido quer do pagamento da taxa de justiça devida, quer do pagamento de caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso.
IV - Não tendo o legislador diferenciado as duas condições, o beneficiário de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo encontra-se isento de comprovar a prestação de caução prevista no artigo 15ºF da Lei nº 6/2006, com as alterações introduzidas pela Lei nº 79/2014.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2114/23.0YLPRT

Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Mendes Morais;

Primeiro Adjunto: Desembargador Jorge Martins Ribeiro; e

Segunda Adjunta: Desembargadora Ana Paula Amorim.

I_ Relatório

A Requerente A..., Lda. intentou o procedimento especial de despejo contra AA, com fundamento na resolução do contrato de arrendamento celebrado em 15 de Outubro de 2020, entre ambas, por falta de pagamento de rendas, nos termos do artigo 1083º, nº4, Código Civil.

Concluiu, pedindo que seja “judicialmente declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a Requerente e a Requerida com fundamento no não pagamento das rendas vencidas dos meses de Janeiro de 2022 a Outubro de 2023”; “ordenada a desocupação do imóvel pela Requerida” e entrega do mesmo à Requerente devoluto de pessoas e bens”; e a Requerida condenada a pagar-lhe a quantia de € 29.700,00 (vinte e nove mil e setecentos euros) correspondente à renda dos meses de Janeiro de 2022 a Outubro de 2023 e das rendas que se vencerem até entrega efectiva do locado.

I.1_ Notificada, nos termos do disposto no artigo 15.º-D da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, a Requerida deduziu oposição, nos termos do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, coma redacção introduzida pela Lei nº 79/2014.

Alegou, em síntese, ter efectuado o pagamento, no dia da celebração do contrato de arrendamento, de uma caução correspondente a três meses de renda. Na data da apresentação da oposição, efectuou o pagamento de todas as rendas em dívida vencidas no ano de 2021. As rendas vencidas entre Janeiro de 2022 e Outubro de 2023, encontram-se pagas, não tendo a Requerente emitido os correspondentes recibos.

Alegou, ainda, a realização de diversas obras no imóvel arrendado, pelo que “tem, naturalmente, contas a acertar com a Requerente em virtude de não ter existido qualquer compensação”.

Concluiu, pugnando pela improcedência do procedimento especial de despejo.

Procedeu à junção de cópia do requerimento apresentado nos serviços da Segurança Social para concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

I.3_ Em 22/11/2023, foram os autos remetidos à distribuição, ao abrigo do disposto no artigo 9º, nº3, da Portaria nº 9/2013, de 10 de Janeiro.

I.4_ Em 24/11/2023, foi proferido o seguinte despacho:

“Salvaguardando todas as soluções plausíveis em direito, admito liminarmente a oposição.

A fim de agilizar os actos processuais legalmente previstos, notifique os requerentes para exercício do contraditório quanto à oposição – artigos 15.º-H do N.R.A.U. e 3.º do C.P.C.

Prazo: 10 (dez) dias.”.

I.5_ Notificada, a Requerente apresentou resposta, invocando que:

_ Com a apresentação da oposição à presente acção especial de despejo, a Requerida não juntou comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, nem decisão sobre a concessão de apoio judiciário, tendo apenas sido junto um comprovativo de pedido de apoio judiciário.

_ Com a apresentação da oposição, a Requerida não procedeu ao depósito de caução correspondente a 6 (seis) rendas em atraso, em conformidade com o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27/02, e nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil.

_ Ainda que tivesse junto comprovativo de concessão de apoio judiciário, não estava isenta do depósito da caução.

_ Impugnou os factos respeitantes ao alegado pagamento das rendas vencidas entre Janeiro de 2022 e Outubro de 2023 e modo de pagamento e, ainda, às alegadas obras efectuadas no locado.

Invoca a litigância de má-fé da Requerida com fundamento na dedução de “pretensão cuja falta de fundamento não deveria ignorar” e “omite deliberada e ostensivamente, factos relevantes e de seu conhecimento”.

Concluiu, pedindo, com fundamento no artigo 15-F nº 4 NRAU, que a oposição não seja admitida e a condenação da Requerida como litigante de má-fé, “em multa exemplar e indemnização”, à Requerente, em quantia a fixar pelo Tribunal.

I.6_ Em 15/1/2024, foi proferido o seguinte despacho:

Atento o tempo decorrido, oficie, com menção de urgência, à Segurança Social para que informe se foi proferida decisão sobre o pedido de apoio judiciário.

Prazo: 05 (cinco) dias.”.

I.7_ Por email de 6/2/2024, a Segurança Social informou ter sido deferido o pedido de apoio judiciário apresentado pela Requerida.

I.8_ Em 14/2/2024, foi proferido o seguinte despacho:

“De modo a evitar decisão surpresa, notifique a opoente para exercício do contraditório quanto à matéria de excepção da resposta à oposição.

Prazo: 05 (cinco) dias, atenta a simplicidade das questões suscitadas e notificação entre mandatários.


*

Sem prejuízo da decisão a proferir sobre a matéria de excepção, desde já se designa dia para tentativa de conciliação e de produção de prova se tal se revelar necessário.

Para o efeito, designa-se o próximo dia 11/03/2024, pelas 14H00.”.

I.9_ Realizada a tentativa de conciliação, na data designada, foi deferida a suspensão por dois dias, com vista a ser alcançada uma solução consensual.

I.10_ Por requerimento de 25/3/2024, a Requerente informou não ter sido alcançado o acordo e requereu o prosseguimento dos autos.

I.11_ Frustrada a possibilidade de acordo extrajudicial, por decisão proferida em 28/3/2024,[1] foi apreciada a questão da omissão do depósito da caução das rendas em falta, suscitada pela Requerente, decidindo o Tribunal a quo:

“Pelo exposto, tem-se por não deduzida a oposição apresentada, ao abrigo do artigo 15.º-F, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na redacção anterior à Lei n.º 56/2023, de 06/10/2023, já que o efeito processual operou nada data da apresentação.

Dessa feita, fica prejudicada a apreciação qualquer outra questão suscitada, inclusivamente, a litigância de má-fé, pois que neste caso pressuporia a aceitação do articulado da oposição, o que não acontece por falta de pressuposto procedimental.

Valor do procedimento: o indicado no requerimento de despejo.

Custas pela requerida, salvaguardando-se a decisão do apoio judiciário.

Registe e notifique.”.

I.12_ Inconformada com a decisão, a Requerida interpôs recurso da mesma, apresentando as seguintes conclusões:

“A) O Tribunal a quo deu por não deduzida a oposição apresentada pela Recorrente, prejudicando a apreciação de qualquer outra questão suscitada.

B) Não existiu da parte do Tribunal a quo uma correta aplicação e interpretação do Direito ao caso concreto, pelo que deverá aquela decisão ser substituída por outra que julgue procedente o requerido pela Recorrente, dando-se por deduzida a oposição e apreciando-se o seu conteúdo.

C) Foi intenção do legislador, com o artigo 15.º-F n.º 5, a criação de uma portaria destinada a regular o regime da oposição e prestação de caução na ação especial de despejo que, nomeadamente, isentasse da obrigação de prestar caução os arrendatários que beneficiassem de apoio judiciário.

D) O texto da lei aponta, pois, no sentido de que a concessão de apoio judiciário imuniza o oponente tanto do ónus de pagamento da taxa de justiça como da prestação de caução, pelo que, não se lobrigando outros elementos interpretativos que imponham interpretação diversa (cfr. n.° 1 do art.° 9.° do Código Civil), mantém-se intocada a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n°3 do art.° 9.° do Código Civil).

E) Não obstante, ao invés de interpretar e respeitar a aquele artigo, que foi sua fonte de produção, a Portaria contraria-o de um modo inconciliável.

F) O Tribunal a quo, ao dar por não deduzida a posição em virtude de não ter sido prestada caução, mesmo tendo sido concedido apoio judiciário à Requerida, violou, desde logo, critérios constitucionais, como sejam o princípio da prevalência ou supremacia da lei em relação a quaisquer atos regulamentares, defendido pelo artigo 112.º, n.º 5 da Constituição.

G) Qualquer Portaria, enquanto ato subordinado e meramente regulamentador, encontra-se jurídico-legalmente vinculada e ordenada pela respetiva lei-habilitante, não podendo estabelecer regras que contrariem a disciplina desta última.

H) Estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, mormente a violação de uma lei por um ato regulamentar, existe, pelo menos, um vício de ilegalidade, podendo inclusive, configurar um problema de inconstitucionalidade orgânica.

I) Se se conclui que o opoente não tem cabedal económico para pagar honorários a advogado e, inclusive, as custas de um processo público a entes públicos, mal se compreende que se lhe exija suportar uma caução para tutelar interesses meramente privados.

J) Se assim não fosse, o inquilino, por falta de meios, podia perder a ação e ser despejado ainda antes de se discutir a substância da questão, o que constituiria uma violação grosseira do direito de defesa e de acesso ao direito e aos tribunais, protegidos pelo artigo 20.º da Constituição, bem como, do princípio da igualdade, consagrado no seu artigo 13.º, que postula que se deve tratar igualmente o que é essencialmente igual e diferentemente o que é essencialmente diferente.

K) A imposição de caução é uma restrição desproporcional ao direito de defesa dos mais desfavorecidos economicamente, que são os que geralmente beneficiam de apoio judiciário, o que não se pode conceber nem pode o Tribunal superior admitir.

L) Considerando que a Recorrente beneficia de apoio judiciário, fazendo preferir a norma de fonte superior, o NRAU, conclui-se que está isenta de do pagamento da caução a que alude o n° 5 do art. 15°-F daquela lei.

M) Assim sendo, ao contrário do que entendeu o Tribunal recorrido, não existe motivo para dar por não deduzida a oposição, pelo que deve proceder o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.

N) Conforme tem decidido, nomeadamente, a jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, do Tribunal da Relação de Lisboa e do Tribunal da Relação de Coimbra.”.

I.13_ Notificada a Requerente/Recorrida apresentou resposta, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. A douta decisão recorrida está muito bem fundamentada e, por conseguinte, não necessita de

ser defendida, pelo que, entendemos que a recorrente, salvo o devido respeito, não tem qualquer razão.

2. Com o devido respeito pelas Alegações apresentadas pela Recorrente, esteve bem o douto Tribunal “a quo” em decidir que “A requerida, opoente, estava obrigada a comprovar o pagamento da caução prevista no artigo 15.º-F, n.º 3 da Lei n.º 6/2006, de 27/02.

Pelo exposto, tem-se por não deduzida a oposição apresentada, ao abrigo do artigo 15.º-F, n.º4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na redacção anterior à Lei n.º 56/2023, de 06/10/2023, já que o efeito processual operou nada data da apresentação.”

3. Com efeito, ao contrário do alegado pela Recorrente, atribuição de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não a isentava do pagamento da caução prevista na supra mencionada norma legal.

4. Isto porquanto, apoio Judiciário e caução são figuras jurídicas, totalmente distintas e que visam acautelar direitos diferentes, ou seja o primeiro refere-se a um direito fundamental de acesso à justiça em termos de igualdade dos cidadãos e a segunda visa acautelar um interesse patrimonial dos senhorios por falta de pagamento de rendas dos arrendatários que deduzem oposição ao procedimento especial de despejo.

5. E ao não prestar a caução, a Recorrente, viu precludido o seu direito.

6. Face ao exposto, custa a compreender como é que a recorrente entende ser de revogar a douta

decisão recorrida.

7. Com efeito, as conclusões do recurso não podem proceder, quer do ponto de vista formal, quer

do ponto de vista material, ou substantivo.

8. Entende-se que o Meritíssimo Juiz “A Quo” decidiu bem e, por conseguinte, a douta decisão

recorrida, só pode ser confirmada.

9. A douta decisão recorrida não violou qualquer dispositivo legal nem qualquer princípio geral

de direito, pelo que, só deve ser mantida.”.

I.14_ Por despacho de 6/5/2024, foi admitido o recurso.


*

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*

II_ Questão a decidir

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Nos presentes autos, a única questão a decidir consiste em saber se o beneficiário de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e de custas, está isento de prestar a caução mencionada pelo nº3 do artigo 15º-F da Lei nº6/2006, na redacção introduzida pela Lei nº 79/2014.

III_ Fundamentação de facto

Os factos a considerar, relevantes para a decisão, são os que decorrem do relatório supra, sem prejuízo dos mais que se ponderarão na apreciação do objecto do recurso.

III_ Fundamentação de direito

Insurge-se a Recorrente contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo, sustentando que foi intenção do legislador, com o artigo 15.º-F n.º 5[2], a criação de uma portaria destinada a regular o regime da oposição e prestação de caução na acção especial de despejo que, nomeadamente, isentasse da obrigação de prestar caução os arrendatários que beneficiassem de apoio judiciário.

Advoga, ainda, que o texto da lei aponta no sentido de que a concessão de apoio judiciário imuniza o oponente tanto do ónus de pagamento da taxa de justiça, como da prestação de caução, indicando no sentido por si defendido o Acórdão de 20/4/2021, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, e o Acórdão de 10/10/2019, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Argumenta, ainda, que entendimento diverso conduz a que o inquilino, por falta de meios, pode perder a acção e ser despejado ainda antes de se discutir a substância da questão, o que constituiria uma violação grosseira do direito de defesa e de acesso ao direito e aos tribunais, protegidos pelo artigo 20.º da Constituição, bem como, do princípio da igualdade, consagrado no seu artigo 13.º da Constituição. Conclui que a imposição de caução é uma restrição desproporcional ao direito de defesa dos mais desfavorecidos economicamente que são os que geralmente beneficiam de apoio judiciário.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o n°1 do artigo 1083° do CC que "Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte", estipulando o n°3 que "É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que ocorram por conta do arrendatário (…), sem prejuízo do disposto nos nº 3 e 5 do artigo seguinte". Nos termos do n°2 do artigo 1084° que “A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.”.

O procedimento especial de despejo encontra-se definido no artigo 15º, n.º1, do NRAU, como «um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes».
Trata-se de um procedimento composto por três fase processuais: a fase injuntória, de natureza administrativa; a fase contenciosa; e a fase executiva.
Notificado o requerimento ao Requerido e sendo pelo mesmo deduzida oposição, inicia-se a fase contenciosa.
Dispõe o nº3 do artigo 15ºF da Lei nº6/2006, com as alterações introduzidas pela Lei nº 79/2014, de 19/12 [vigente à data da apresentação da oposição - cfr. artigo 54º, nº1, da Lei nº. 56/2023], “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”, estipulando o nº4, “Não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida”.
Estabelece o artigo 9º do Decreto-Lei nº 1/2013, de 7 de Janeiro:
1 - As formas de apresentação da oposição, bem como o modo de pagamento da caução devida com a apresentação da oposição nos termos do n.º 3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
2 - Compete exclusivamente ao tribunal, para o qual o BAS remete o processo após a apresentação da oposição, a análise dos requisitos da oposição, nomeadamente os previstos no n.º 6 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.”.

Consta do preâmbulo da Portaria 09/2013, de 10 de Janeiro, “Por via do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, procedeu-se à instalação e à definição das regras do funcionamento do BNA e do procedimento especial de despejo.

Cumpre agora regulamentar as matérias relativas à forma e ao modelo de apresentação do requerimento de despejo, o momento em que se considera o requerimento apresentado, o regime da oposição e da prestação da respetiva caução e das demais peças processuais (…), bem como o regime das notificações, comunicações e da tramitação eletrónica do procedimento.”.

Dispõe o seu artigo 10º [em vigor, à data da apresentação da oposição, encontra-se revogado pela Portaria nº49/2024, de 15 de Fevereiro]:

“1 - O pagamento da caução devida com a apresentação da oposição, nos termos do n.º3 do artigo 15.º-F da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, é efetuado através dos meios eletrónicos de pagamento previstos no artigo 17.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, após a emissão do respetivo documento único de cobrança.

2 - O documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário.”.
Com base no nº3 do artigo 1083º do Código Civil, a Recorrida intentou contra a Recorrente o procedimento especial de despejo, resultando das disposições citadas que no procedimento especial de despejo com base no nº 3 ou no nº 4 do art. 1083º do C. Civil, quer o pagamento da taxa de justiça, quer o pagamento da caução, exigidos pelo art. 15º-F, nº 3, da Lei nº672006, com as alterações introduzidas pela Lei nº79/2014, são condições necessárias da admissibilidade da oposição ao despejo.

Não é unívoca, na jurisprudência, a resposta à questão da obrigatoriedade de prestar a caução, mencionada no artigo 15ºF da Lei 6/2006, com as alterações da Lei nº 79/2014, existindo duas concepções antagónicas.

Entende uma posição que o beneficiário de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo não se encontra isento de comprovar a prestação de caução prevista no artigo 15ºF da Lei nº 6/2006, com as alterações introduzidas pela Lei nº 79/2014.

Para esta posição, no art.º 15.º-F, n.º3, do NRAU, “a ressalva que se faz em relação ao benefício do apoio judiciário só poderá referir-se à obrigação do pagamento da taxa de justiça e não à obrigação de prestar caução no valor das rendas em atraso. Com efeito, o apoio judiciário só abrange o pagamento de custas e encargos referentes ao processo, não abrange, por conseguinte outras dívidas que não as relativas aos processos. Ora, o pagamento da caução de valor equivalente ao das rendas em atraso, destina-se a garantir um direito do respectivo titular às rendas que não foram pagas. O apoio judiciário não isenta o arrendatário da obrigação de pagar as rendas pelo que não faria sentido que o mesmo estivesse isento do pagamento da caução correspondente ao valor das rendas em dívida, no caso de beneficiar do apoio judiciário. (…).

Também o teor do disposto no n.º5 do mesmo artigo 15.º F, nos permite chegar a essa conclusão. Ali se estipula que “A oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efectue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação de decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário (…).” A redacção do n.º5 demonstra que, efectivamente, no n.º3 não se dispensa o beneficiário do apoio judiciário do pagamento da caução. Na verdade, se assim fosse, no n.º5, pressupondo essa dispensa, após a decisão definitiva do indeferimento do pedido de apoio judiciário, referir-se-ia que, no prazo de cinco dias, o requerido deveria efectuar o pagamento de taxa de justiça e ainda da caução. Ora, o legislador não o diz. E se o não diz é porque pressupõe que o requerido já pagou a caução[3].

Nesta linha de pensamento, o n.º2 do art.º 10.º da Portaria 9/2013, de 10 de Janeiro, não contraria esse sentido, apenas confirma o que já decorre do nº3 do artigo 15ºF ao dispor que “o documento comprovativo do pagamento referido no número anterior deve ser apresentado juntamente com a oposição, independentemente de ter sido concedido apoio judiciário ao arrendatário”.

Defende, ainda, esta posição que «o apoio judiciário não isenta ninguém de dívidas ou encargos de que o seu beneficiário seja titular, mas apenas daqueles para que foi expressamente previsto na lei. É que, doutra forma, o beneficiário do apoio judiciário nunca mais pagava nada nos processos, nem taxa de justiça, nem honorários ao seu defensor, nem multas processuais, nem cauções, nem dívidas exequendas – não sendo assim, como é sobejamente sabido. O artigo em apreço tem de interpretar-se dentro do espírito do sistema, e para preservar precisamente a sua unidade, nos termos do artigo 9.º do Código Civil (o apoio judiciário não foi criado, de maneira alguma, para isentar os seus beneficiários doutras dívidas que não as relativas aos processos).[Note-se que o legislador, mesmo para precaver casos de parcos recursos dos inquilinos, ou de dívidas de rendas já de alto valor, a fim de não inviabilizar a sua oposição, e manter o seu direito constitucional de defesa, fixou um tecto para o depósito da caução “até ao valor máximo correspondente a seis rendas” (citado artigo 15.º-F, n.º 3), o que mostra que as suas preocupações para com os inquilinos mais pobres não passam, nem podiam passar, pelo apoio judiciário, mas pelos outros meios estabelecidos e ao dispor.]».[4]

Esta foi a posição seguida pelo Tribunal a quo, acompanhando o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/2023[5].

Refere, ainda, o Tribunal a quo que “Não poderá ignorar-se que o NRAU prevê, para a acção de despejo (acção declarativa), a obrigatoriedade do pagamento das rendas que se forem vencendo no decurso da acção – artigo 14.º, n.º 3 -, assim como prevê o incidente do despejo imediato, nessa mesma acção, caso se mostre que o inquilino não depositou duas ou mais rendas – artigo 14.º, n.os 4 e 5.

Pese embora neste caso fale em pagamento de rendas e no procedimento especial fale em caução do valor das rendas em atraso até um limite de seis, a verdade é que o legislador consagrou solução semelhante nos dois tipos de processo, não se justificando um tratamento desigual entre o inquilino que é demandado numa acção declarativa e o inquilino que é demandado num procedimento especial de despejo.

Neste seguimento, urge atentar no artigo 9.º, n.º 2 do C.C. impede o interprete de considerar pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – n.º 3 do aludido artigo 9.º.”

Para a outra posição, o beneficiário de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo encontra-se isento de comprovar o pagamento da caução prevista no nº3 do artigo 15ºF da Lei nº 6/2006, com as alterações introduzidas pela Lei nº 79/2014.

Para esta posição, existe um conflito de normas de hierarquia diversa: o nº 1 do artigo 10º da Portaria nº 9/2013, exige o pagamento da caução, independentemente de o arrendatário gozar daquele benefício e, nessa medida, contraria a norma constante do nº3 do artigo 15ºF da Lei nº 6/2006, com as alterações da Lei nº 79/2014.

Pronunciando-se sobre a questão, decidiu esta Relação, por Acórdão proferido em 3/3/2016[6], “atentos os princípios do nosso ordenamento jurídico sobre conflitos de normas, entendemos ser de afastar a aplicação do disposto na parte final do n.º 10 da referida Portaria nº 9/2013, que estabelece a obrigatoriedade do arrendatário pagar a caução, mesmo que lhe tenha sido concedido apoio judiciário, como condição de admissibilidade da oposição ao despejo.”.

Permitimo-nos respeitosamente transcrever a fundamentação do citado Acórdão:

«Como se escreve no citado acórdão da RL de 28.04.2015 [processo n.º 1945/14.6YLPRT-A.L1-7, relatado pela Des. Rosa Ribeiro Coelho], «a interpretação do nº 3 do dito art. 15º-F do NRAU, com recurso aos elementos gramatical – ou letra da lei – e lógico - espírito da lei –, leva-nos a concluir que, com ele, o legislador isentou o beneficiário de apoio judiciário da prestação de caução, em moldes a regulamentar por ulterior Portaria.

De facto “o texto é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei.”

Ora, a expressão verbal do preceito “Com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos nºs. 3 e 4 do artigo 1083.° do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento (…)”, - sublinhado nosso -, não consente outro sentido que não seja o desígnio de isentar o arrendatário que beneficia de apoio judiciário do pagamento da caução no valor descrito, tanto mais que a inexigibilidade do pagamento da taxa de justiça resulta já da Lei do apoio judiciário – cfr., entre outros, o art. 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29.07.

Por outro lado, também o elemento teleológico ou racional – o que terá sido o fim visado pelo legislador - aponta no mesmo sentido. Disse-se na Proposta de Lei nº 38/XII, Exposição de Motivos, além do mais, o seguinte “(…) Por sua vez a transferência para o arrendatário do ónus de impugnação do despejo, de prestação de caução e de pagamento de taxa de justiça no âmbito do procedimento especial visa dissuadir o uso deste procedimento apenas como meio dilatório para a efetivação do despejo.”

Isto mostra que, no intuito de evitar que a oposição seja usada apenas como meio dilatório da efetivação do despejo, o legislador fez impender sobre o arrendatário o ónus de pagar, tanto a taxa de justiça, como a caução em valor que especifica.

Ciente, porém, de que sujeitar a admissibilidade da oposição à prestação de caução pode equivaler a coartar ou anular o direito de defesa de arrendatário que se encontre em precária situação económica, bem se entende que, concomitantemente, tenha querido assegurar o exercício desse direito fundamental aos arrendatários mais carenciados, isentando-os de prestar a caução, em termos a definir por portaria.

Constata-se, então, que, enquanto aquele art. 15º F, nº 3 isenta o beneficiário de apoio judiciário de efetuar o pagamento da caução normalmente exigida como condição de admissibilidade da oposição, a Portaria que, segundo o mesmo preceito, deveria definir os termos dessa isenção, acabou por, contrariando aquela norma, exigir o pagamento da caução, independentemente de o arrendatário gozar daquele benefício.

Ultrapassar o regime excecional e de benefício antes concedido, é o desígnio que transparece deste ato regulamentar.

Somos, assim, confrontados com um conflito de normas de hierarquia diversa.

Uma de lei ordinária da assembleia da República - cfr. art.º 112º, n.º 2, 161º, alínea c), 165º, n.º 1, alínea h), 166º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa - e outra ínsita em Portaria que é regulamento de fonte governamental.

Uma vez que são emanadas por fontes diversas, “prefere a norma de fonte hierárquica superior (critério da superioridade: lex superior derogat ligi inferiori”.»

Refere, ainda, o Acórdão da Relação de Lisboa de 3/3/2016, citando o Ac. 19.02.2015, proferido no processo n.º 4118/14.4TCLRS.L1.-2:

Assim se equacionando a violação de uma Lei da Assembleia da República – cfr. art.º 112º, n.º 3, 161º, alínea c), 165º, n.º 1, alínea h), 166º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa – por uma mera Portaria, supostamente reguladora daquela Lei.

E sendo que a suscitada questão da interpretação dos convocados normativos do PED e Portaria regulamentadora, abarca a matéria de tal violação, aliás de conhecimento oficioso. Mas cfr. 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Que dando pois arredada a consideração da inconstitucionalidade da dita interpretação, e certo que, como se julgou no Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 779/13, de 19 Novembro, 2013,[Proc. n.º 915/2013, 1ª Secção, Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/] “estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, mormente a violação de uma lei por um ato regulamentar – como sucede in casu - existe um vício de ilegalidade, pelo que, não se reintegrando tais situações nos casos de ilegalidade por violação de lei com valor reforçado expressamente previstos na Constituição (cfr. o artigo 280.º, n.º 2, alíneas a), b), c), e d), da CRP), não há que delas conhecer no quadro dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.”.

Estando em causa um conflito entre duas normas de direito infraconstitucional, o mesmo apenas pode ser resolvido pela prevalência da fonte de maior hierarquia.

Note-se ainda que nos termos do art.º 112º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.”.

E Gomes Canotilho e Vital Moreira,[In “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, Vol. II, 4ª Ed., Coimbra Editora, 2010, págs. 67, 70-71.] ressalvando embora os problemas de interpretação levantados por aquela norma constitucional, anotam que “Salvo os casos expressamente previstos na Constituição (cfr. art. 169°), uma lei só pode ser afectada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei. Quando uma lei regula uma determinada matéria, ela estabelece ipso facto uma reserva de lei, pois só uma lei ulterior pode vir derrogar ou alterar aquela lei (ou deslegalizar a matéria).”».
Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 23/4/2024[7]:
«… prescreve o n.º1 do artigo 20.º da CRP que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, “o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente protegidos relevantes - incluindo o próprio interesse de ambas as partes (e não apenas do autor) – e, em conformidade«, disciplinar o âmbito do processo, a legitimidade, os prazos, os poderes de cognição do tribunal e o processo de execução. Não é, por isso, incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes.
Em qualquer caso, e antecipando considerações que não podem ser dissociadas da ideia de um processo equitativo, os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.” (in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, p.190, edição de 2005)
“Assim, quando se aprecia a proporcionalidade de uma restrição a um direito fundamental, avalia-se a relação entre o bem que se pretende proteger ou prosseguir com a restrição e o bem jusfundamentalmente protegido que resulta, em consequência, desvantajosamente afectado. Por sua vez, a observância ou a violação do princípio da proporcionalidade dependerão da verificação da medida em que essa relação é avaliada como sendo justa, adequada, razoável, proporcionada ou, noutra perspectiva, e dependendo da intensidade e sentido atribuídos ao controlo, da medida em que ela não é excessiva, desproporcionada, desrazoável” (Jorge Reis Novais, in Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, p.178).
Assim, a compressão do direito de defesa é consentida pela CRP (citado artigo 18.º, nº.2), desde que não resulte numa solução de indefesa ou de restrição profunda ao direito de defesa, como uma das vertentes do direito à tutela jurisdicional efetiva.
Importa verificar se o regime constante dos n.ºs 3 e 4 do artigo 15.º-F do NRAU é compatível com os princípios e normas constitucionais, de proporcionalidade e de proibição de indefesa, designadamente os artigos 17º, 18º e 20º da CRP.
O citado n.º4 do artigo 15º. – F do NRAU, exigindo a prestação de uma caução no valor das rendas em dívida, com o limite de seis meses, como condição da possibilidade de dedução de oposição ao procedimento especial de despejo fundado na falta de pagamento de rendas, impõe uma efetiva compressão do direito de defesa do inquilino, pois restringe-lhe o seu direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, que lhe são constitucionalmente consagrados no artigo 20.° da CRP, mas sem o seu direito de defesa seja coartado.
No caso, encontram-se em confronto dois direitos, sendo que contrapondo ao direito do inquilino se encontra o direito à propriedade privada (cf. artigos 61.º e 62.º da CRP), sendo que o legislador, perante o incumprimento da obrigação mais básica do inquilino de pagamento de rendas, e tendo em consideração que o exercício do direito de defesa possa constituir um expediente dilatório, retardando-se a entrega do locado e agravando-se a realização do direito do senhorio, com a demora na resolução do litígio – com a dedução de uma oposição àquela pretensão - possa redundar num agravamento irreversível e na eventual frustração do direito do senhorio, limita o direito do inquilino, impondo-lhe a prestação de uma caução (correspondente, no seu limite máximo, a seis rendas) para considerar que a sua oposição seja apreciada.
E apenas fica sujeito à prestação da caução o inquilino que tenha capacidade económica, encontrando-se protegidos os casos de não prestação de caução por dificuldade económica.
Isto é, a compressão do direito de defesa do inquilino apenas contempla a prestação de caução num determinado valor (limite máximo de seis meses de renda) e sempre que os inquilinos estejam em condições económicas de a poderem prestar.
Deste modo, a compressão do direito mostra-se adequada e proporcional, enquanto contraponto ao direito de propriedade do senhorio, pelos motivos atrás referidos, não constituindo aquela restrição uma limitação intolerável ao direito de defesa do inquilino.
Mesmo os montantes a caucionar não se revelam manifestamente excessivos e desproporcionados, não colocando em risco o acesso à justiça do inquilino; sendo que esses mesmos montantes servirão para pagamento das rendas em atraso (que são sempre devidas pelo inquilino e que este terá de proceder ao seu pagamento) se a oposição for improcedente ou, na procedência da oposição, serão restituídos ao inquilino.
Assim sendo, nos termos contidos pelo legislador, a prestação de caução não constitui um fator inibitório do exercício do direito de oposição…”.

Acolhemos a segunda orientação. No procedimento especial de despejo com base no nº 3 ou no nº 4 do artigo 1083º do C. Civil, quer o pagamento da taxa de justiça, quer o pagamento da caução exigidos pelo art. 15º-F, nº 3 do NRAU, na redacção da Lei nº79/2014, são condições da admissibilidade da oposição ao despejo. A caução exigida pelo nº 3 do art. 15º-F do NRAU destina-se a possibilitar ao arrendatário, requerido no procedimento especial de despejo, o exercício do direito à oposição, em vista de impedir a transformação do requerimento em título executivo. Trata-se de uma exigência processual cuja justificação reside, essencialmente, no interesse de garantir a posição do senhorio e por isso, não tem qualquer repercussão sobre o mérito da causa, sendo o seu valor calculado em função do valor das rendas, encargos ou despesas alegadamente em atraso, apesar de constituir matéria controvertida o montante devido a esses títulos.

No artigo 15ºF, nº3, da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a alteração da Lei 79/2014, o legislador fez preceder o segmento “salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento”, quer do pagamento da taxa de justiça devida, quer do pagamento de caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso. Não distinguiu as duas condições colocando o segmento “salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento” logo após “pagamento da taxa de justiça” e imediatamente antes do “pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso”.

Por sua vez, é claro o preâmbulo da Portaria nº9/2013: “Por via do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, procedeu-se à instalação e à definição das regras do funcionamento do BNA e do procedimento especial de despejo.

Cumpre agora regulamentar as matérias relativas à forma e ao modelo de apresentação do requerimento de despejo, o momento em que se considera o requerimento apresentado, o regime da oposição e da prestação da respetiva caução e das demais peças processuais, (…), as formas e o modo de pagamento da taxa de justiça, bem como o regime das notificações, comunicações e da tramitação eletrónica do procedimento.”

Como refere o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 1/7/2021[8]:

É certo que o apoio judiciário está dirigido, numa das suas modalidades, para as custas do processo e não para a inexigibilidade de prestação de cauções. Mas o legislador pode muito bem ter sido sensível, numa área tão melindrosa como é do contrato do arrendamento e das respectivas resoluções contratuais, que queira ter estendido essa excepcional prerrogativa de não prestar caução de rendas a quem não tenha disponibilidade para suportar as custas processuais.

Esta discriminação positiva tem todo o sentido e não se mostra irrazoável. Assim, se o legislador não diferenciou, não cabe aos tribunais distinguir, face ao princípio constitucional de reserva de lei.”.

Salvo o devido respeito, do nº 5 do artigo 15ºF da Lei nº 6/2006 não se pode extrair que o legislador não pretendeu isentar o arrendatário, beneficiário de apoio judiciário, do oferecimento da caução. Os pressupostos para a concessão dessa isenção encontram-se definidos no nº3 do citado artigo. Consequente, não se verificando, a isenção não é concedida. A obrigação do pagamento da taxa de justiça, em caso de indeferimento do pedido do apoio judiciário, que consta do nº5 do artigo 15º F, na redacção introduzida pela Lei nº79/2014, já resultava do nº 4 do artigo 29º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, sendo, nessa medida, uma excrescência.

Refere o Tribunal a quo que “Não poderá ignorar-se que o NRAU prevê, para a acção de despejo (acção declarativa), a obrigatoriedade do pagamento das rendas que se forem vencendo no decurso da acção – artigo 14.º, n.º 3 -, assim como prevê o incidente do despejo imediato, nessa mesma acção, caso se mostre que o inquilino não depositou duas ou mais rendas – artigo 14.º, n.os 4 e 5.

Pese embora neste caso fale em pagamento de rendas e no procedimento especial fale em caução do valor das rendas em atraso até um limite de seis, a verdade é que o legislador consagrou solução semelhante nos dois tipos de processo, não se justificando um tratamento desigual entre o inquilino que é demandado numa acção declarativa e o inquilino que demandado num procedimento especial de despejo.”.

Salvo o devido respeito, as situações não são idênticas. A situação prevista no artigo 14º, nºs 4 e 5, da Lei nº 6/2006, respeita às rendas vencidas na pendência da acção de despejo, caso em que o despejo é decidido em incidente dessa acção declarativa. Isto porque na pendência da acção de despejo, o arrendatário continua obrigado ao pagamento tempestivo das rendas, encargos ou despesas, que se forem vencendo – nº3 do artigo 14º -, como contrapartida do gozo do locado. Não sendo pagas tais quantias, na pendência da acção, o senhorio pode promover que o arrendatário seja notificado para proceder ao pagamento/depósito das quantias em falta, acrescida da indemnização devida (nº1 do artigo 1041º do CC), caso em que faz cessar a mora. No caso do procedimento especial de despejo, a caução não respeita às rendas vencidas durante a sua pendência, nem tem por finalidade por termo à mora.

Ainda por referência ao procedimento especial de despejo, importa ter presente o disposto no nº1 do artigo 15º E da Lei nº 6/2006, com a alteração introduzida pela Lei nº 79/2014: “O BNA converte o requerimento de despejo em título para desocupação do locado se:

a) Depois de notificado, o requerido não deduzir oposição no respetivo prazo;

b) A oposição se tiver por não deduzida nos termos do disposto no n.º 4 do artigo seguinte;

c) Na pendência do procedimento especial de despejo, o requerido não proceder ao pagamento ou depósito das rendas que se forem vencendo, nos termos previstos no n.º 8 do artigo 15.º”, ou seja, “As rendas que se forem vencendo na pendência do procedimento especial de despejo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.”.

Revertendo aos presentes autos, resulta da informação prestada pela Segurança Social [email de 6/2/2024] que o pedido de concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, apresentado pela Recorrente, foi deferido. Assim, encontra-se isenta de prestar caução, nos termos do artigo 15-F, nº 3, da Lei nº6/2006, de 27/02, com a redacção introduzida pela Lei nº79/2014, de 19 de Dezembro, pelo que deve a oposição ser admitida, prosseguindo os autos os ulteriores termos.

Mostra-se, assim, prejudicada a apreciação da questão suscitada na conclusão J) da Recorrente.

Pelo exposto, procede o recurso, revogando-se a decisão recorrida.


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Custas

As custas são integralmente da responsabilidade da Recorrida, considerando a total procedência do recurso (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


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V. Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, julga-se procedente o recurso e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida a substituir por outra que, se a tanto nada mais obstar, admita a oposição apresentada pela Recorrente/Requerida por a mesma beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo e estar isenta da prestação da caução, prevista no nº3 do art. 15º-F/3 da Lei 6/2006 de 27/02, com a redacção introduzida pela Lei nº 79/2014, de 19 de Dezembro, prosseguindo os autos os ulteriores termos.

Custas do recurso a cargo da Recorrida (artigo 527º do CPC).


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Sumário:

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Porto, 7/10/2024
Anabela Morais
Jorge Martins Ribeiro
Ana Paula Amorim
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[1] Consta dessa decisão:
“Os presentes autos tiveram início no B.N.A. no dia 20/10/2023 e foram distribuídos a este Tribunal no dia 22/11/2023, portanto, ao abrigo da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na redacção anterior à Lei n.º 56/2023, de 06/10. Desde então que os autos foram tramitados ao abrigo da lei vigente à data.
Nessa medida, é a redacção em vigor à data da instauração do procedimento que se terá em linha de conta. Apresentando e notificado o requerimento de despejo, a requerida, aqui opoente, deduziu oposição.
Remetidos os autos à distribuição, a requerente alegou não estarem reunidos os pressupostos para se ter como deduzida oposição porquanto a mesma não foi acompanhada do comprovativo da liquidação prévia da taxa de justiça devida, nem, em alternativa, da decisão da concessão de apoio judiciário, mas apenas do comprovativo do pedido formulado nesse sentido.
Mais alegou, nesse contexto, que a opoente não depositou a caução de seis rendas como legalmente previsto.
Em resposta, a opoente invoca a decisão do apoio judiciário e a Jurisprudência dos Tribunais da Relação que vão no sentido de isentar o beneficiário de apoio judiciário do depósito da dita caução.
Aqui chegados, importa, pois, ponderar o seguinte.
No que concerne ao comprovativo do pedido de apoio judiciário – referências 37354143 e 37354144 -, temos como bastante a sua apresentação, sob pena de decorrer o prazo para contestar, sem que a parte obtivesse a decisão da Segurança Social.
Nessa medida, está a instância regular.
A questão que se coloca é a de saber se com a dispensa da taxa justiça e demais encargos do processo está a opoente dispensada igualmente de depositar a caução de seis meses de renda.
Antecipando a conclusão e sempre ressalvando melhor opinião, somos de considerar não assistir razão à opoente, seguindo-se, neste particular e por todos, o acórdão do T.R.L. de 26/10/2023, disponível em www.dgsi.pt.
Como adiantado, a ré não só não depositou a caução prevista, como justificou a omissão na Jurisprudência contrária à que defendemos.
Estatui o artigo 15.º-F, n.º 3 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, que “com a oposição, deve o requerido proceder à junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida e, nos casos previstos nos ns. 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, ao pagamento de uma caução no valor das rendas, encargos ou despesas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário, em que está isento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.
Soma-se o disposto no n.º 4 do mencionado artigo que estatui que “não se mostrando paga a taxa ou a caução previstas no número anterior, a oposição tem-se por não deduzida”.
Acresce a redacção do n.º 5 do mencionado artigo, da qual resulta que “a oposição tem-se igualmente por não deduzida quando o requerido não efectue o pagamento da taxa devida no prazo de cinco dias a contar da data da notificação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de apoio judiciário, na
modalidade de dispensa ou de pagamento faseado da taxa de justiça e dos demais encargos com o processo”.
Isto para concluir que, não existe aqui qualquer menção à caução, impondo-se concluir que o respectivo pagamento se mostra devido independentemente da (eventual) concessão de apoio judiciário na mencionada modalidade.
De outra banda, o artigo 10.º da Portaria n.º 9/2013, de 10/11 prevê o modo de pagamento.
Com efeito, o apoio judiciário de que a opoente beneficia restringe-se ao âmbito da modalidade requerida que é a dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, conceitos que não abrangem o valor de cada uma das rendas objecto do contrato, nem a figura da caução, que mais não é do que uma garantia patrimonial.
Não poderá ignorar-se que o NRAU prevê, para a acção de despejo (acção declarativa), a obrigatoriedade do pagamento das rendas que se forem vencendo no decurso da acção – artigo 14.º, n.º 3 -, assim como prevê o incidente do despejo imediato, nessa mesma acção, caso se
mostre que o inquilino não depositou duas ou mais rendas – artigo 14.º, n.os 4 e 5.
Pese embora neste caso fale em pagamento de rendas e no procedimento especial fale em caução do valor das rendas em atraso até um limite de seis, a verdade é que o legislador consagrou solução semelhante nos dois tipos de processo, não se justificando um tratamento desigual entre o inquilino que é demandado numa acção declarativa e o inquilino que demandado num procedimento especial de despejo.
Neste seguimento, urge atentar no artigo 9.º, n.º 2 do C.C. impede o interprete de considerar pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – n.º 3 do aludido artigo 9.º.
A requerida, opoente, estava obrigada a comprovar o pagamento da caução prevista no artigo 15.º-F, n.º 3 da Lei n.º 6/2006, de 27/02.
Pelo exposto, tem-se por não deduzida a oposição apresentada, ao abrigo do artigo 15.º-F, n.º 4 da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na redacção anterior à Lei n.º 56/2023, de 06/10/2023, já que o efeito processual operou nada data da apresentação.
Dessa feita, fica prejudicada a apreciação qualquer outra questão suscitada, inclusivamente, a litigância de má-fé, pois que neste caso pressuporia a aceitação do articulado da oposição, o que não acontece por falta de pressuposto procedimental.
Valor do procedimento: o indicado no requerimento de despejo.
Custas pela requerida, salvaguardando-se a decisão do apoio judiciário.
Registe e notifique.”
[2] O recorrente invoca o artigo 15º F, nº5, da Lei 6/2006, com a alteração introduzida pela Lei nº 56/2023, sendo aplicável a alteração introduzida pela Lei nº 79/2014.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/06/2016, proferido no Processo nº. 1347/15.7YLPRT.L1-6, acessível em www.dgsi.pt. Neste sentido, Acórdão da Relação de Évora de 25/9/2014, processo nº 1091/14.2YLPRT-A; Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2015, processo nº274/15.2YLPRT.L1-2; Acórdão da Relação de Guimarães de 12/9/2024, processo nº 65/24.0YLPRT-A.G1; todos acessíveis em www.dgis.pt.
[4] Acórdão da Relação de Évora de 25/9/2014, proferido no processo nº 1091/14.2YLPRT-A.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Acórdão da Relação de Lisboa de 26/10/2023, proferido no processo nº 1971/22.1YLPRT.L1-2, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação, proferido em 3/3/2016, no processo nº 3055/15.0YLPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 12/9/2015, processo nº 4118/14.4TCLRS.L1-2; Acórdão da Relação de Lisboa de 09/12/2015, processo nº451/15.6YLPRT.L1-2; Acórdão da Relação do Porto de 03/03/2016, processo nº3055/15.0YLPRT.P1; Acórdão da Relação de Lisboa de 26/04/2016, processo nº4024/15.5YLPRT.L1-7; Acórdão da Relação do Porto de 05/06/2017, processo nº. 2375/16.0YLPRT-A.P1; Acórdão da Relação do Porto de 26/10/2017, processo nº342/16.3YLPRT-A.L1, com voto de vencido; Acórdão da Relação do Porto de 30/05/2018, processo nº. 2678/17.7YLPRT.P1; Acórdão da Relação do Porto de 27/06/2018, processo nº2719/17.8YLPRT.P1; Acórdão da Relação de Coimbra de 20/04/2021, processo nº233/20.3YLPRT.C1; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/10/2019, processo nº381/16.4YLPRT.L1-2; Acórdão da Relação de Lisboa de 1/07/2021, processo nº.21057/19.5T8LSB.L1-8; e Acórdão da Relação de Lisboa de 26/01/2023, processo nº 547/22.8YLPRT.L1-2.
[7]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/4/2024, proferido no processo nº1182/22.6YLPRT.L1.S2, https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/25d1272400e4733580258b09003d95d8?OpenDocument&Highlight=0,despejo,cau%C3%A7%C3%A3o.
[8] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1/7/2021, proferido no processo nº21057/19.5T8LSB.L1-8, https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/28161f081d7f6d1b802587100056ddaf.