Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0720991
Nº Convencional: JTRP00040910
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: SERVIDÃO DE VISTAS
JANELAS
FRESTA
Nº do Documento: RP200712190720991
Data do Acordão: 12/19/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: LIVRO 260 - FLS 118.
Área Temática: .
Sumário: I - Só a existência de janelas – aberturas através das quais possa projectar-se a parte superior do corpo humano e em cujo parapeito as pessoas possam apoiar-se ou debruçar-se – e das outras aberturas mencionadas no art. 1362º nº 1 do CCiv., pode conduzir à aquisição da servidão de vistas por usucapião.
II - As frestas, mesmo que em condições não permitidas, não se podem considerar janelas para fundamentar a servidão de vistas por usucapião, pois não deitam directamente sobre o prédio alheio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1.

B………. e mulher C………., intentaram contra D………., acção declarativa de condenação, com processo sumário.

Peticionaram que a mesma seja condenada a reconhecer-lhes o direito de usufruto sobre os prédios melhor identificados no art. 1º da P.I., bem como das servidões de vistas, de passagem e de estilicídio que alegam deter sobre o prédio da ré, contíguo ao seu, e ainda que seja esta condenada a abster-se de não construir no espaço de 1,5 m existente entre ambos os prédios.
Para o efeito, alegam que a ré se encontra a efectuar obras no seu prédio, obras essas que invadiram já os prédios a si pertencentes, as quais, a continuarem, irão tapar as janelas e o portão existente nos mesmos. Acresce que os autores ficam ainda impedidos de acederem às traseiras dos respectivos prédios.

Regularmente citada veio a ré contestar invocando desde logo inexistir qualquer servidão sobre o seu prédio.
Quanto à alegada servidão de vistas, nunca a mesma poderia constituir-se desde logo por os prédios dos autores não terem janelas, mas simples “óculos para luz e ar”.
Quanto à servidão de passagem é a mesma igualmente inexistente. Com efeito, pese embora tenha em tempos existido, não beneficiou nunca o prédio dos autores mas sim um outro contíguo àquele. Acresce que tal servidão foi extinta por acordo efectuado entre todos os interessados.
Pese embora reconheça a existência de uma faixa de terreno nas traseiras dos prédios dos autores refere que a mesma tem apenas 30 cm de largura (e não 40 cm como os autores alegam), distância esta respeitada aquando da construção aqui em causa.
Conclui pela improcedência da acção.

Em resposta, os autores reiteraram a sua posição inicial.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:
Julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente:
a) condenou a ré a reconhecer o direito de usufruto dos autores sobre os prédios melhor identificados. nos pontos 1 e 2 da factualidade provada;
b) absolveu a ré dos demais pedidos.

3.

Inconformados apelaram os autores.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) A questão central que norteou todo este Processo, prende-se com o conceito legal de JANELA e o conceito legal de FRESTA.
2) Foi dado como provado nos n.ºs 6, 8, 18 e 19 dos Factos Provados, a existência de Janelas. Em todos estes pontos, vem expressamente referido o termo JANELA.
3) Quando está em profunda discussão o significado técnico-jurídico do vocábulo “janela”, é absolutamente desadequado e desaconselhado o uso desse termo com um significado de uso corrente.
4) Ao misturar os dois conceitos, quando o que importa é unicamente a definição do primeiro (técnico-jurídico), a Douta Sentença acabou por perverter o sentido que ela própria queria dar e atribuir ao vocábulo.
5) Se o Tribunal recorrido entende que estas aberturas na parede do prédio constituem FRESTAS, nunca deveria, nem poderia, ter dado como provado que as mesmas são JANELAS.
6) Diz-se expressamente e claramente a fls. 11 da Douta Sentença que “Embora a lei civil não formule expressamente o conceito de janela, tal conceito retira-se do disposto no art.º 1363.º n.º 2, segundo o qual as frestas se devem situar a, pelo menos, 1,80 cm de altura e não devem ter, nas suas dimensões, mais de 15 cm. Assim, sendo, retira-se, a contrario, que se deve classificar como janela a abertura que não reúna esses requisitos.
7) A Douta Sentença reforça ainda esta ideia com o pensamento jurídico do Professor Antunes Varela.
8) O Professor Antunes Varela, ao dizer que “toda a abertura que não obedeça, quer pelas suas dimensões, quer pela respectiva localização aos requisitos indicados no art.º 1363.º C.C., não pode qualificar-se como abertura de tolerância (fresta, seteira ou óculo para luz), devendo considerar-se sujeita ao regime que o n.º 1 do art.º 1360.º estabelece para as janelas” vem dar inequivocamente razão aos AA., ora Recorrentes.
9) Conforme vem dito a fls. 12 da Douta Sentença ora recorrida, sic: “Resultou ainda provado que, no prédio dos autores existem há, pelo menos, 38 anos, umas janelas que deitam sobre o prédio da ré, as quais se encontram, no seu interior, a cerca de um metro de altura…”. E depois, na pág. 13: “…situam-se a uma altura inferior a 1,80 m.”.
10) Se ficou provado que as “janelas” se encontram, na única medida apurada pelo Tribunal, a cerca de um metro de altura, essa abertura não poderá ser qualificada como abertura de tolerância, devendo considerar-se sujeita ao regime das janelas.
11) Face ao actual regime normativo estabelecido no Código Civil, corroborado pelo entendimento do nosso Muito Ilustre Causídico, se a abertura da parede em causa não respeitar os requisitos previstos no n.º 2 do art.º 1363.º, terá necessariamente que ser integrada no regime do n.º 1 do art.º 1360.º do Código Civil.
12) O Tribunal a quo inovou, criando uma nova categoria legal para aberturas em paredes de prédios: a das FRESTAS IRREGULARES; categoria, inexistente na nossa actual Lei Civil.
13) Se fosse assim, porque razão é que não poderíamos, ao invés, considerar que estamos perante umas outra nova categoria: a das JANELAS IRREGULARES?
14) Tanto um como outro conceito (janelas e frestas irregulares) não pode nunca ser defendido por total ausência de sustentação legal.
15) Não existe qualquer alternativa, dentro do actual quadro legal, que não seja a de proceder à operação proposta pelo Professor Antunes Varela – de julgar e considerar estas aberturas como janelas.
16) A questão da servidão de vistas ficou apenas prejudicada pelo facto de as aberturas das paredes dos prédios dos AA. terem sido qualificadas, erroneamente, como frestas.
17) Uma vez que foi dado como provado, no ponto n.º 8 dos Factos Provados, que “tais janelas e portão deitam directamente para o prédio da Ré e existem há, pelo menos, 38 anos”; uma vez qualificadas correctamente aquelas aberturas como janelas, deverá, em consequência, ser reconhecida a respectiva servidão de vista.
18) Ficou também prejudicado o principal pedido efectuado pelos AA. na Acção: que a R. não levantasse qualquer construção no seu prédio, sem que deixasse o espaço mínimo de metro e meio entre essa construção e o prédio dos AA..
19) Impõe-se, por isso que, seja a R. condenada a não levantar qualquer construção no seu prédio, sem que deixe o espaço mínimo de metro e meio entre essa construção e os prédios dos AA..
20) Douta Sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 1360.º, n.º1, 1362.º, 1363.º, n.º2, todos do Código Civil.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Estamos, in casu e perante os factos apurados, perante uma janela que acarretou a constituição de uma servidão de vistas para o prédio da ré, ou antes perante uma mera fresta?

5.

E Os factos dados como apurados e que devem ser considerados são os seguintes:

1) Os autores são usufrutuários de três casas de habitação, de r/c e sótão, sitas na ………., n.º .., .. e .., ………., Vila do Conde, descritas na CRP como parte do n.º 32617 do Livro B-85, posição essa que lhes adveio da celebração da escritura pública de doação, com reserva de usufruto, em 27/12/82 – cfr. doc. junto de fls. 7 a 20 do Apenso A, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. – Alínea A) da factualidade assente.
2) Dos prédios referidos na alínea anterior, aqueles aos quais correspondem os números de polícia .. e .. confrontam, pelo lado Sul, com o prédio sito na ………., n.º …, ………., Vila do Conde, descrito na CRP desta cidade sob o n.º 347, propriedade da aqui ré. – Alínea B) da factualidade assente.
3) Por sentença já transitada em julgado e proferida no âmbito dos autos de acção sumária n.º …/1978, que correu termos pela então .ª Secção deste tribunal, foi homologada a transacção constante do termo cuja cópia certificada se encontra junta a fls. 83/84 do Apenso A, para a qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. – Alínea C) da factualidade assente.
4) A 04/01/79 foi assinada a declaração cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 35 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. – Alínea D) da factualidade assente.
5) Teor da carta cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 34 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. – Alínea F) da factualidade assente.
6) Na fachada posterior dos prédios melhor id. no facto 1º existem duas janelas, as quais, pelo seu interior, encontram-se a cerca de um metro de altura – respostas aos factos 1º e 2º da B.I.
7) Nessa mesma fachada existe ainda um portão – resposta ao facto 3º da B.I.
8) Tais janelas e portão deitam directamente para o prédio da ré e existem há, pelo menos, 38 anos – respostas aos factos 4º e 5º da B.I.
9) O portão supra mencionado destina-se a permitir o acesso dos autores às traseiras das referidas casas, nomeadamente para procederem ao arranjo da fachada posterior das mesmas – resposta ao facto 6º da B.I.
10) Nas traseiras das três casas aqui em causa existe uma faixa de terreno com cerca de 35 cm de largura, em toda a sua extensão Nascente/Poente – resposta ao facto 7º da B.I.
11) Nessa mesma faixa encontram-se implantados os alicerces das respectivas casas, os quais eram formados por dois “degraus” – resposta ao facto 8º da B.I.
12) Tal faixa compreende ainda, no topo dos edifícios, os respectivos beirais, numa largura correspondente a 20 cm – resposta ao facto 9º da B.I.
13) A construção levantada pela ré nas traseiras do seu terreno iniciou-se, pelo menos, em Março de 2004, tendo então os respectivos operários aí instalado uma betoneira – respostas aos factos 10º e 28º da B.I.
14) Tal construção invadiu a área a que alude o facto 10º em, pelo menos, 5 cm – resposta ao facto 13º da B.I.
15) Tendo sido inclusive retirado um dos degraus a que alude o facto 11º - resposta ao facto 14º da B.I.
16) Na mesma área foram ainda construídas duas colunas em cimento, sendo que as mesmas se encontram a escassos centímetros da parede das traseiras dos prédios dos autores – resposta ao facto 15º da B.I.
17) Posteriormente, a ré iniciou a construção de uma parede em tijolos, sobre os alicerces que havia construído, e no espaço compreendido entre as referidas colunas, o qual se encontra a 25 cm das paredes das traseiras das casas dos autores – respostas aos factos 16º e 17º da B.I.
18) Tal parede, a ser concluída, irá tapar as janelas e portão referidos nos factos 6º e 9º - resposta ao facto 18º da B.I.
19) Tais janelas visam assegurar a ventilação transversal das habitações – resposta ao facto 19º da B.I.
20) Igualmente foi construída uma parede em fiadas de tijolos assentes, totalmente encostada à parede da casa dos autores, tapando o portão e impedindo o acesso o acesso à faixa de terreno referida no facto 10º - resposta ao facto 20º da B.I.
21) Tais aberturas mencionadas nos factos 6º, 8º e 19º permitem a entrada de ar e luz e apresentam uma dimensão não superior a 15 cm – respostas aos factos 21º e 23º da B.I.
22) O portão aqui em causa foi colocado no local onde actualmente se encontra por acordo entre os autores e os ante-possuidores do prédio da ré – resposta ao facto 25º da B.I.
23) A Nascente do prédio da ré existe um outro muro, não tendo sido possível apurar a distância a que o mesmo se encontra da casa dos autores – resposta ao facto 27º da B.I.

6.

Apreciando.

6.1.

Como nota prévia há a considerar que o termo janela usado nos pontos 6, 8,18 e19 dos factos provados não deve ser considerado no seu sentido técnico-jurídico – o que a acontecer resolveria a questão e retiraria qualquer utilidade á acção e ao presente recurso – nem tal termo deveria ser utilizado, para evitar confusões e inexactidões, sendo que ele deve ser interpretado com o significado de uma simples abertura na parede, a partir da qual se tem de concluir pela sua classificação de janela ou freta, como infra se expenderá.

Estatui o art. 1.360º, nº 1 do Cód. Civil que:
O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.
Prescrevendo o art. 1.362º, nº 1 que:
A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.
Por seu turno, dispõe o art. 1.363º, nº 1 que.
Não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas.
Acrescentando o nº 2 desta norma que:
As frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram.

Tal como se expende na sentença, o Código Civil não diz o que deve entender-se por janela.
Mas definindo o conceito de fresta, poder-se-á, a contrario sensu, e pelo menos tendencialmente, atingir o conceito de janela.
Certo é que as janelas e as frestas são aberturas feitas nas paredes dos edifícios.
Distinguindo-se pela sua localização na parede, pelas dimensões e pelo fim a que se destinam.
Estes critérios não têm, porém, a mesma dignidade e relevância, sendo que os dois primeiros são meramente instrumentais ou circunstanciais para se atingir o último.
Na verdade enquanto que as frestas têm apenas uma finalidade de permitirem a entrada de ar e luz, as janelas visam, para além destes desideratos, outrossim que o dono ou usufrutuário do prédio onde se encontram, desfrute comodamente das vistas que tais aberturas proporcionam, olhando quer em frente, quer para os lados, quer para cima ou para baixo. Ou seja, proporcionam um maior leque de funcionalidades e comodidades, assumindo uma função hedonista.– cfr. Ac. do STJ de 22.04.2004, dgsi.pt, p.04652, citado na sentença.
O que não se pretende para as frestas as quais devem desempenhar, em limites – rectius dimensões – mínimos, as suas basilares funções supra aludidas. Pretendendo-se com isto que o seu beneficiário possa perscrutar o menos possível o prédio para onde convergem de sorte a impedir a devassa da privacidade do respectivo dono.
Ora tais fitos atingem-se desde logo pela fixação de medidas máximas para as frestas, as quais não podem ter mais de 15 centímetros numa das suas dimensões.
Restrição porque não imposta á janela, representava, já no nosso direito antigo, um factor diferenciador para com a fresta, pois que aquela seria toda a abertura, deixada na parede de um edifício, por onde coubesse uma cabeça humana.
Assim sendo, mesmo que a abertura tenha mais de quinze centímetros numa das suas dimensões, mas não permitir aquela liberdade de movimentos e de vistas, nem por isso se pode deixar de considerar fresta.
Nem a tal obstando o facto de não respeitar a altura ao solo de 1,80 metros.
Pois que, mesmo assim, a fruição de tal abertura nunca atingirá a dimensão e o proveito proporcionados por aqueloutra cuja dimensão e inexistência de entraves, pode proporcionar um incondicional acesso, trespasse e liberdade de movimentos para um corpo humano, necessários a uma total amplitude de vistas, os quais, como se viu, constituem a essência da natureza do conceito, material e legal, de janela e o seu elemento diferenciador relativamente à fresta.

6.2.
No caso vertente está provado no que para o caso interessa que:
Na fachada posterior dos prédios melhor id. no facto 1º existem duas janelas, as quais, pelo seu interior, encontram-se a cerca de um metro de altura.
Tais janelas visam assegurar a ventilação transversal das habitações
Tais aberturas mencionadas nos factos 6º, 8º e 19º permitem a entrada de ar e luz e apresentam uma dimensão não superior a 15 cm.

Ora perante tal acervo fáctico há que concluir, em consonância com o supra exposto, que as aberturas em causa se assumem como simples frestas e não como janelas.
Nem se podendo argumentar, como fazem os recorrentes, que a abertura não pode ser considerada fresta, mas antes janela, porque não respeita a altura de 1,80 metros ao solo.
Tal, e recorrendo a um ditado popular que semântica e literalmente se aplica ao caso, seria: «querer fazer entrar pela janela o que não se consegue fazer entrar pela porta». Ou seja, da não verificação de um requisito legal – com a agravante de nem sequer ser essencial - seria pretender atingir-se uma realidade material diversa à qual são atribuídos certos e antagónicos efeitos jurídicos, sem que para a mesma esteja presente o seu requisito fundamental, qual seja o de proporcionar desafogo de vistas. E seria, da constatação de uma ilegalidade ou irregularidade - que nem sequer se apurou tenha resultado da anuência da ré ou dos antepossuidores do seu prédio, antes pelo contrário sendo de presumir que resultou da actuação dos autores na medida em que a menor distância ao solo da abertura lhes facilita a visão para o exterior - retirar benefícios, numa actuação de venire contra factum proprium.
Assim sendo a dita desconformidade vale o que vale e tem os restritos efeitos que deve ter, isto é, apenas serve para assacar de irregular a construção das frestas e nada mais.
Sendo que, como é dito na sentença, sufragando-se no Ac. do STJ de 20.05.2004, dgsi.pt, p 0431297 o qual já corroborava a jurisprudência do Acórdão do mesmo Alto tribunal de 3/4/91, B.M.J. nº 406, pág. 649, «A existência de frestas, seteiras ou óculos nas condições não permitidas não as transforma em janelas ...A única consequência é poderem ser eliminadas a todo o tempo, a pedido do proprietário vizinho, independentemente de este fazer ou não qualquer edificação que as tape, ou substituídas por outras aberturas que obedeçam às exigências da primeira parte do nº 2 do artigo 1363º.»
O que dimana impressivamente das fotografias juntas aos autos - maxime à providência cautelar - nas quais se verifica claramente que as aberturas foram ”ripadas” com colunas em cimento que distam entre si numa medida inferior a 15 cm o que, obviamente, lhe retira qualquer outra utilidade que não a de arejarem e proporcionarem alguma luminosidade ao prédio.
Ora só a existência de janelas - «aberturas através das quais possa projectar-se a parte superior do corpo humano e em cujo parapeito as pessoas possam apoiar-se ou debruçar-se, para descansar, para conversar com alguém que esteja do lado de fora ou para disfrutar as vistas » - cfr. Prof. Mesquita Machado, R.L.J., ano 128, pág. 152 cit. no Ac. do STJ de 20.05.2004 supra citado - e das outras aberturas mencionadas no art. 1.362º, nº 1, pode conduzir à aquisição da servidão de vistas por usucapião».
Sendo que a existência de frestas em condições não permitidas, não se podem considerar janelas para fundamentar a servidão de vistas por usucapião pois não deitam directamente sobre o prédio alheio - art. 1.360º nº 1 -, não permitindo a sua devassa - cfr., para além dos citados arestos, ainda os Acs. desta Relação do Porto de 03.04.2003 e de 13.03.2007, dgsi.pt, p. 0330970 e 0720243, respectivamente.

Assim se concluindo pelo acerto da decisão ora posta sub sursis no que a este particular concerne, inexistindo constituída qualquer servidão de vistas para o prédio da ré.
Do que resulta a inexistência dever de esta respeitar, na construção do muro, o legalmente imposto intervalo de 1,5 metros, o qual, aliás, se se impusesse, retiraria grande parte da utilidade económica do espaço pertencente à ré, dada a relativa exiguidade do mesmo – tanto quanto se alcança dos documentos juntos - o que, mesmo que o direito que os dos autores se arrogam existisse, sempre poderia chamar à colacção as figuras da colisão de direitos e/ou do abuso do seu exercício.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Porto, 2007.12.19
Carlos António Paula Moreira
Maria da Graça Pereira Marques Mira
António Guerra Banha