Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ALEXANDRA PELAYO | ||
Descritores: | ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA COMPETÊNCIA COMISSÃO DE CREDORES CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP202410081779/21.1T8AMT-I.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A atividade do administrador de insolvência é predominantemente dirigida à preparação do pagamento das dívidas do insolvente, o que passa necessariamente pela liquidação do património do devedor. II - Esta competência exclusiva é feita sob a fiscalização da assembleia de credores – independentemente da existência ou não de comissão de credores – e do juiz. III - O administrador pode ser coadjuvado na função da venda (e noutras, em que ocorra necessidade) contratando, nomeadamente, os serviços de uma leiloeira, encontrando-se porém, tal contratação, sujeita a prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão, nos termos do nº 3 do art. 55º do CIRE. IV - Inexistindo tal concordância, não pode subsistir o contrato celebrado pelo anterior administrador de insolvência, entretanto substituído. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1779/21.1T8AMT-I.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 2
Juíza Desembargadora Relatora: Alexandra Pelayo Juízes Desembargadores Adjuntos: Maria Eiró Alberto Eduardo Paiva Taveira
SUMÁRIO: ……………………………… ……………………………… ………………………………
Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO Nos autos de Incidente de Liquidação, no processo de Insolvência de “AA”, em 21.11.2023 veio BB, administradora Judicial/Fiduciária nomeada em substituição do Dr. CC, anterior Administrador de Insolvência, requerer que seja declarado ineficaz o contrato de prestação de serviços celebrado com a A..., SA, por falta de autorização do Juiz ou dos credores, para que posteriormente, se colocassem os imóveis à venda na plataforma e-leilões tal como requerido pelo credor garantido ao anterior Administrador Judicial em funções. Foram notificadas a leiloeira e o devedor para se pronunciarem nada tendo dito. De seguida, foi proferido o seguinte despacho em 7.12.2023: “Nos termos do art.º 55/3 do CIRE, o Sr. AI pode ser coadjuvado no exercício das suas funções, mediante autorização da comissão de credores ou na falta deste pelo juiz. In casu, mostra-se claro que essa autorização não existiu. Por outro lado, a lei dá preferência à modalidade de venda sugerida pela Sra. AI atualmente em funções. Por fim, cumprido o contraditório, nem o devedor nem a indicada sociedade vieram deduzir qualquer oposição. Em face disso, consigna-se que não se autoriza a contratação da leiloeira para proceder à venda dos bens, devendo a Sra. AI em funções agir em conformidade com o pretendido pelo credor garantido.” Em 18.6.2024, A..., S.A., apresentou requerimento invocando a nulidade daquele despacho por não lhe ter sido notificado, concluindo que deve ser viabilizado o contrato consigo celebrado pelo anterior AI. Sem prejuízo, assim não ocorrendo, e independentemente da posição da EVJ em defesa do que entende serem os seus legítimos direitos, pede que sejam determinados e fixados honorários e ressarcimento a título de despesas, e no caso de prejuízos afetos a lucros cessantes por expectativas negociais legitimas criadas e inusitadamente impossibilitadas, nos termos e para efeitos do CPC (responsabilidade civil e por custas) e 17º/6 do RCP, pela posição processual que lhe foi acometida, e processualmente perante si injustificadamente derrogada. A Srª Juíza por despacho de 15.7.2024, constatando a falta de notificação, da A..., S.A do despacho proferido em 7.12.2023, mandou proceder a essa notificação, comunicando-se-lhe o conteúdo dos precedentes despachos proferidos em 07.12.2023 e em 15.07.2024 Notificada, a interveniente acidental A..., S.A., não se conformando com o despacho de 07.12.2023, dele veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes conclusões: “A. A Recorrente foi inicialmente contactada pelo Exmº. Sr. Dr. CC, Administrador de Insolvência nomeado no presente processo, para desempenhar a atividade de Encarregada de Venda no mesmo. B. Mediante Requerimento de 09.06.2023 [Refª. 8847139], o Exmº. Sr. Dr. CC informou os autos que, quanto às verbas 2 e 3 dos bens apreendidos, havia optado pela promoção de venda através da modalidade de leilão eletrónico, tendo encarregado a Recorrente para tal efeito. C. Posteriormente, foi o Exmº. Sr. Dr. CC substituído nas funções de Admin. De Insolvência pela Exmª. Srª. Drª. BB, a qual, mediante Requerimento submetido aos autos [Refª. 15436431], comunicou aos autos que o seu antecessor não havia dado conhecimento aos credores e ao processo da celebração do contrato de prestação de serviços que celebrou com a Recorrente. D. Aduziu ainda que os bens apreendidos nos autos o haviam sido posteriormente à sua nomeação como Administradora de Insolvência em substituição do Exmº. Sr. Dr. CC. E. Nesta sequência, mediante despacho da MMª. Juíz do Tribunal a quo, datado de 07.12.2023, de que a Recorrente viria a ser notificada posteriormente na sequência de despacho de 16.07.2024, decidiu o Tribunal a quo não autorizar a contratação da Recorrente enquanto Encarregada de venda. F. Todavia, de acordo com comunicação datada de 11.10.2023, remetida pelos serviços da CAAJ –Comissão de Acompanhamento aos Auxiliares de Justiça ao Juízo de Comércio de Amarante [J1], na sequência de pedido de informação dirigido pelo Exmº(ª) Sr.(ª) Juíz do Processo de Insolvência nº 1115/23.2T8AMT –..., a correr termos naquele Tribunal, não obstante o Órgão de Gestão da CAAJ, mediante a referenciada Deliberação nº..., ter proferido decisão final no sentido de considerar o Exmº. Sr.Dr. CC inidóneo para o exercício da atividade de Administrador Judicial, «Tal deliberação foi notificada ao interessado, tendo sido o mesmo retirado das Listas Oficiais dos Administradores Judiciais em 20.09.2023, data a partir da qual a deliberação se tornou eficaz». G. Ou seja, conforme informação da própria CAAJ, à data de 19.09.2023, não obstante já existir uma deliberação dos órgãos daquela comissão, carecia aquela de eficácia. H. Uma vez que o Administrador de Insolvência constava das Listas Oficiais dos Administradores Judiciais em 19.09.2023, não tinha então a Recorrente informação pública e consultável que obstasse à celebração do contrato de prestação de serviços em questão. I. Para mais, quando o mesmo Administrador de Insolvência exercia então semelhantes funções em demais processos de insolvência na qual a Recorrente prestava semelhantes serviços, mantendo aquelas funções nesses processos até hoje, sem que tenha sido dos mesmos removido. J. Pelo que, salvo melhor entendimento, a Recorrente celebrou o referido contrato de prestação de serviços com o Exmº. Sr. Dr. CC, quando este mantinha a sua legitimidade para o exercício das funções de Administrador de Insolvência no processo. K. Acresce que, ao abrigo do nº 1 do Art. 46º do CIRE, a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como bens e direitos que ele adquira na pendência do processo. L. Nos termos da al. d) do nº 1 do Art. 51º do CIRE, são dívidas da massa insolvente as resultantes da atuação do Administrador de Insolvência no exercício das suas funções. M. Com a declaração de insolvência, fica imediatamente o insolvente privado, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao Administrador de Insolvência, assumindo este a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, conforme nº 1 e 4 do Art. 81º do CIRE. N. Isto é, quando o Administrador de Insolvência contrata em representação da massa insolvente, os atos ou negócios jurídicos contratados produzem os seus efeitos na esfera jurídica desta, e não na sua. O. Pelo que, quando o Administrador de Insolvência contrata com terceiros, nos quais se incluem os serviços de uma Encarregada de Venda (leiloeira) para o auxiliar na venda de bens apreendidos para a massa insolvente, em nome e em representação da massa insolvente, e dentro dos seus poderes de administração e liquidação, os quais recorde-se que, in casu, se mantinham à data de 19.09.2023, os atos jurídicos com aquela contratados produzem efeitos na esfera jurídica da massa insolvente, e não na esfera jurídica do seu representante. P. Reiterando-se ademais que, ao contrário do que resulta do despacho recorrido, não deverá a Recorrente ser prejudicada pela alegada ineficácia de um contrato de prestação de serviços celebrado com o Administrador de Insolvência no processo, então idóneo para o celebrar, porquanto em momento algum não concorreu para essa suposta ineficácia, tendo sempre atuado de boa-fé. Q. Logo, resulta manifestamente irrazoável e injusto que, uma vez prestado aquele serviço, ainda que se possa considerar a prestação do mesmo como parcial, se veja a Recorrente confrontada com uma decisão do Tribunal a quo que, a título de uma alegada ineficácia do contrato celebrado com o então Administrador de Insolvência e em que é exclusivamente acometida a este a causa dessa mesma ineficácia, vem inviabilizar a prossecução / continuidade da atividade para a qual a Recorrente foi contratada e alocou os seus recursos na expectativa de respetiva remuneração. R. Acresce que a atividade de liquidação da massa insolvente não se enquadra no âmbito da previsão do Art. 161.º do CIRE, pelo que não compete ao Juiz do processo de insolvência consentir / autorizar / ordenar os concretos atos ou termos do cumprimento de liquidação da massa insolvente cuja iniciativa / decisão são, por inerência de funções, da responsabilidade do Administrador de Insolvência, em articulação, consoante o caso, com a comissão de credores, credores ou aqueles que beneficiam de garantia real. S. Carece o Juiz do processo de insolvência de legitimidade para ordenar ao Administrador de Insolvência a prática de atos em representação da insolvente / massa insolvente, limitação / restrição que se verifica relativamente a vários atos previstos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, cujo cumprimento / realização o legislador deixou no poder de decisão / iniciativa / responsabilidade do Administrador de Insolvência. T. In casu, o recurso à prestação de serviços de uma leiloeira pelo Administrador de Insolvência, aparentemente (pois que desconhecido da Recorrente), terá sido feita sem prévia permissão. U. É largamente maioritário o entendimento jurisprudencial e doutrinal segundo o qual, apurando-se a existência de irregularidades formais no processamento dos trâmites da liquidação da massa insolvente imputáveis ao Administrador da Insolvência, estas não deverão ser, em princípio, impeditivas da validade do ato de venda e dos seus efeitos. V. Logo, in casu, não seria no âmbito deste incidente que caberia apreciar da nulidade, por falta de autorização, do ato de contratação de Recorrente sem autorização, pelo anterior Administrador de Insolvência. W. Pelo que não se aceita a decisão do Tribunal a quo de não autorizar a contratação da Recorrente para proceder à venda dos bens, a qual se afigura terceira de boa fé, reputada e capaz aos atos a praticar, e que, ademais, bastando olhar para o clausulado contratual em apreço, manifestamente se verificará que a sua atividade pode nem sequer representar custo para a massa insolvente, pelos fundamentos invocados. X. Motivos suficientes e bastantes, pelos quais, salvo melhor entendimento, ao contrário da decisão do Tribunal a quo em crise, deverá o contrato celebrado pelo Exmº. Sr. Dr. CC, na sua condição de anterior Administrador de Insolvência no processo, entretanto substituído, ser cumprido, encontrando-se a Recorrente capacitada e munida de cooperação para o exercício da sua atividade e funções a que está contratualmente acometida. Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V/Exas., deverá ser dado provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida.” Não houve resposta ao recurso. O recurso foi admitido como apelação (art.º 644.º n.º1 do CPC), com subida de imediato, nos próprios autos por natureza (645.º), e com efeito meramente devolutivo (art.º 647.º do CPC. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II-OBJETO DO RECURSO: Sem prejuízo do conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este Tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas. A questão decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso é a de saber se é de manter ou não a decisão que não autorizou a contratação da leiloeira apelante para proceder à venda dos bens, no âmbito da liquidação dos bens do insolvente.
III-FUNDAMENTAÇÃO: Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais mencionados no relatório.
IV-APLICAÇÃO DO DIREITO: Através deste recurso pretende a Apelante, que seja revogado o despacho proferido em 7.12.2023, que não autorizou a contratação da leiloeira para proceder à venda dos bens do insolvente no âmbito do incidente de liquidação. A contratação da leiloeira aqui Apelante havia sido feita, segundo a própria, no dia 19.09.2023, pelo anterior administrador de insolvência, para proceder á venda das verbas 2 e 3 dos bens apreendidos. Aquele administrador de insolvência (que veio a ser afastado do processo em consequência de cumprimento de sanção disciplinar) havia optado pela promoção de venda através da modalidade de leilão eletrónico, tendo encarregado a Recorrente para tal. Defende a apelante que deverá ser cumprido o contrato celebrado pelo anterior Administrador de Insolvência, encontrando-se a Recorrente capacitada e munida de cooperação para o exercício da sua atividade e funções a que está contratualmente acometida, inexistindo razões, a seu ver, pese embora a substituição daquele administrador de insolvência por outro, para que o contrato consigo celebrado não deva subsistir. Vejamos. O processo de insolvência, tal como resulta do artigo 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL53/2004 de 18.3, com as alterações entretanto introduzidas, (a seguir designado CIRE), tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e na repartição do produto obtido pelos credores. O processo de insolvência é um processo de execução universal, cuja finalidade se reconduz à satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência ou, quando tal não se afigure possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e subsequente repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º n.º 1 do CIRE). Resulta assim do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que, transitada em julgado a sentença declaratória da insolvência e realizada a assembleia de apreciação do relatório, o administrador da insolvência procede com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa insolvente, independentemente da verificação do passivo, na medida em que a tanto se não oponham as deliberações tomadas pelos credores na referida assembleia (art. 158º n.º 1 do CIRE). E uma vez encerrada a liquidação da massa insolvente, segue-se a distribuição e rateio final, efetuados pela secretaria do tribunal quando o processo é remetido à conta e em seguida a esta (art. 182º, n.º 1 do CIRE). Maria do Rosário Epifânio[1] define a liquidação do ativo, como sendo a fase do processo de insolvência que visa “a conversão do património que integra a massa insolvente numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores havendo, para isso que, proceder à cobrança dos créditos e à venda dos bens da massa insolvente, por forma a obter os respetivos valores (art.s 55º nº 1 al. a) e 158º)”. A competência da liquidação pertence em exclusivo ao administrador de insolvência (art. 55º nº 1 do CIRE e art. 2º nº 1 do EAJ). A atividade do administrador de insolvência é, aliás, predominantemente dirigida à preparação do pagamento das dívidas do insolvente, o que passa necessariamente pela liquidação do património do devedor. No âmbito do Incidente de Liquidação, o então Administrador da Insolvência decidiu concretizar a liquidação através da venda em estabelecimento de leilão, relativamente a dois bens que integram a massa insolvente, contratando para o efeito a ora Apelante. Conforme se preceitua no nº1 do art. 164º do CIRE, “O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”. Assim, a decisão quanto à escolha da modalidade de alienação dos bens integrantes da massa insolvente é cometida, em exclusivo, ao administrador da insolvência, segundo o seu critério e tendo em conta o que entenda ser mais conveniente para os interesses dos credores. Para o cabal desempenho das suas funções a lei permite-lhe ainda que seja coadjuvado por auxiliares, remunerados ou não, “mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão”, nos termos do disposto no art. 55º nº 3 do CIRE. Tendo em vista do benefício dos credores, no âmbito das competências que lhe são atribuídas, (nomeadamente no âmbito do art. 164º do CIRE), pode, com efeito, o administrador de insolvência socorrer-se do auxílio de terceiros, nomeadamente duma leiloeira, para dessa forma conseguir vender melhor o bem/bens. Não é questionada no despacho sob recurso a eventual falta de poderes daquele administrador de insolvência, que a apelante menciona inexistir nas alegações de recurso, sendo que aquele, enquanto liquidatário nomeado dispunha dos necessários poderes para o efeito, na data da celebração do acordo com a leiloeira ora apelante. Com efeito, a deliberação do Órgão de Gestão da CAAJ, mediante a referenciada Deliberação nº..., que proferiu decisão final no sentido de considerar o Dr. CC inidóneo para o exercício da atividade de Administrador Judicial, só se tornou eficaz em data posterior, pois tal como alega a apelante «Tal deliberação foi notificada ao interessado, tendo sido o mesmo retirado das Listas Oficiais dos Administradores Judiciais em 20.09.2023, data a partir da qual a deliberação se tornou eficaz», no dia seguinte à celebração do contrato, não interferindo assim, por esse motivo com a sua validade. O que aconteceu foi que, a administradora da insolvência que foi nomeada nos autos em substituição do Dr. CC, veio ao processo requerer que fosse declarado o contrato de prestação de serviços celebrado com a A..., SA ineficaz por ter constatado a falta de autorização do Juiz ou dos credores, “para que posteriormente, se colocassem os imóveis à venda na plataforma e-leilões tal como requerido pelo credor garantido ao anterior Administrador Judicial em funções.” No despacho sob recurso, foi reconhecida a falta de autorização, nos termos do art.º 55/3 do CIRE, do o Sr. AI para poder ser coadjuvado no exercício das suas funções, da comissão de credores ou na falta deste pelo juiz, pelo que “Em face disso, consigna-se que não se autoriza a contratação da leiloeira para proceder à venda dos bens, devendo a Sra. AI em funções agir em conformidade com o pretendido pelo credor garantido.” Como vimos, a atividade do administrador de insolvência é predominantemente dirigida á preparação do pagamento das dívidas do insolvente, o que passa necessariamente pela liquidação do património do devedor, sendo tal competência exclusiva, mas feita sob a fiscalização da assembleia de credores – independentemente da existência ou não de comissão de credores – e do juiz. Com efeito, o administrador, no exercício das atribuições próprias de administração e liquidação da massa insolvente está sujeito à fiscalização do juiz (art. 58º do CIRE) e da comissão de credores, quando exista (art. 68º nº 1), e conta com a cooperação desta. Além da fiscalização judicial e dos credores, o administrador judicial está ainda sujeito ao controlo de entidade responsável pelo acompanhamento fiscalização e disciplina dos administradores judiciais (CAAJ).[2] Ora, no que respeita a contratação de auxiliares no exercício das funções do administrador de insolvência, os nº 2 e 3 do art. 55º do CIRE estabelecem que: “2 - Sem prejuízo dos casos de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de atos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais. 3 - O administrador da insolvência, no exercício das respetivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por advogados, técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão. (sublinhado nosso). Constituem caraterísticas basilares do cargo de administrador da insolvência a pessoalidade e intransmissibilidade do cargo, encontrando-se porém ressalvada a possibilidade de recurso ao auxilio de terceiros, ressalvando-se nessa situação, a necessidade de prévia concordância da comissão de credores. A lei adotou neste particular, uma solução que favorece o maior controlo da atividade do administrador e do seu exercício em consonância com a sua responsabilização pessoal (ver art. 59º do CIRE), ao exigir, para o efeito a prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão. E a necessidade de concordância dos credores, justifica-se desde logo, porque a contratação de auxiliares, em princípio, acarreta despesas. Ora, na situação em apreço, não tendo existido a concordância exigida, nem prévia, nem posterior, já que o juiz (na ausência da comissão de credores), não havia autorizado mediante despacho prévio à celebração do contrato com a apelante, nem posteriormente (uma vez que tal autorização foi negada no despacho sob recurso). Desta feita, não pode proceder a pretensão da Apelante de ver executado o contrato celebrado pessoalmente pelo anterior administrador sem prévia concordância daqueles a quem cabe a fiscalização dos seus atos, no caso do juiz, nos termos dos artigos 58º e 55º nº 3 do CIRE. Tendo havido substituição do administrador da insolvência que subcontratou a apelante no decurso da tramitação do processo de insolvência, (que para o efeito não cuidara obter a necessária autorização para a validade do ato), impunha-se, tendo sendo presente o interesse dos credores, reavaliar a necessidade do auxílio da leiloeira aqui apelante, concedendo-se ou não a necessária autorização, para a execução daquele contrato o que não ocorreu. A administradora judicial nomeada em substituição atuou deste feita, no cumprimento dos seus deveres funcionais, tendo em consideração que os poderes atribuídos aos administradores judiciais são atribuídos para tutela de interesses que não são seus, ao colocar a questão da eventual manutenção do contrato anteriormente celebrado, sem prévia autorização judicial, ao tribunal, o qual, no âmbito dos poderes de fiscalização que lhe são atribuídos, não a concedeu. Desta forma terá o recurso que ser julgado improcedente, sem necessidade de outras considerações.
V-DECISÃO: Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida. |