Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0616244
Nº Convencional: JTRP00040059
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
RESISTÊNCIA
Nº do Documento: RP200702210616244
Data do Acordão: 02/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 475 - FLS. 99.
Área Temática: .
Sumário: I- è matéria de direito, e como tal não deve constar da descrição dos factos, afirmar que
- determinada expressão é "difamatória e atentatória da honra e consideração";
- o agenteimputou factos e formulou juízos "ofensivos da dignidade, honra e consideração".
II- Não fica Coberto pelo direito de resistência o acto de empurrar um agente de autoridade para evitar a apreensão de um objecto de que se é proprietário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
No Círculo Judicial de Vila do Conde, foram julgados em processo comum e perante tribunal colectivo, os arguidos B……………. e C………….., devidamente identificados nos autos, tendo sido proferida a seguinte decisão:
“A) Parte criminal:
Pelo exposto, os juízes acordam em:
a) Absolver o arguido B………….., como autor material de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo art. 205°, n°s 1 e 5 do Código Penal;
b) Absolver o arguido C………….. como autor material de um crime de abuso de confiança previsto e punido pelo art. 205°, n°s 1 e 5 do Código Penal;
c) Absolver o arguido C…………. como autor material de um crime de difamação previsto e punido pelo artigo 180° do Código Penal, relativamente à Assistente D…………, Lda.;
d) Condenar o arguido C…………… como autor material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário previsto e punido pelo art. 347º do Código Penal na pena de 180 dias de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 4,00 Euros, o que perfaz a multa de 720,00 Euros;
e) Condenar o arguido C…………… como autor material de um crime de difamação previsto e punido pelo artigo 180° do Código Penal, na forma agravada, por força da remissão para o art. 132º, nº 2, al. j) pelo art. 184º do mesmo código na pessoa do Assistente E……………. na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 4,00 Euros, o que perfaz a multa de 480,00 Euros;
f) Condenar o arguido C……………. como autor material de um crime de difamação previsto e punido pelo artigo 180° do Código Penal, na pessoa do Assistente D1……………… na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 4,00 Euros, o que perfaz a multa de 320,00 Euros;
g) Operando o cúmulo jurídico das penas referidas em e) e f), condeno o arguido C…………….. na pena única de 160 dias de multa à taxa diária de 4,00 Euros, o que perfaz a multa de 640,00 Euros
h) Condenar o arguido C…………… no pagamento das custas do processo, fixando-se no mínimo – 4 U.C. – a taxa de justiça – art. 85º nº1 al. a) do C.C.J., com procuradoria em ¼ da taxa de justiça devida. Acresce 1% da mesma a favor da A.P.A.V.
i) Condenar a assistente D……………, Lda. em taxa de justiça que se fixa em 2 UC’s, na qual será levada em conta a taxa de justiça já paga – art°s. 515º n° 1 al. a), 519° do Código de Processo Penal e 85° nº 1 al. b) do Código das Custas Judiciais.

B) Parte Civil:
a) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido cível deduzido pelo demandante E…………. e, em consequência, condenar o demandado C……………. a pagar ao demandante E……………. a quantia de 500,00 Euros (quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos morais sofridos;
b) Julgar parcialmente procedente por provado o pedido cível deduzido pelo demandante D1……………. e, em consequência, condenar o demandado C…………… a pagar ao demandante D1……………. a quantia de 375,00 Euros (trezentos e setenta e cinco euros), a título de indemnização pelos danos morais sofridos;
c) Julgar improcedentes os demais pedidos cíveis e em consequência, deles absolver os demandados;
d) As custas dos pedidos cíveis serão suportadas por demandantes e demandados na proporção do respectivo decaimento – art.º 446° do Código de Processo Civil.”

Inconformado com a decisão condenatória, o arguido C………………. recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:

Relativamente ao processo ……/03.
1. O acórdão recorrido enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410° n°2 ala c) do CPP;
2. Desde logo da prova produzida em audiência não resultaram provados os factos que o Tribunal a quo deu como provados;
3. O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos depoimentos de várias testemunhas;
4. O Tribunal a quo considerou como provado que só o assistente D…………. e filha é que não receberam a carta do arguido;
5. Quatro das testemunhas ouvidas em julgamento, disseram não ter recebido essa carta (2), ou não se lembrarem de a terem recebido (2);
6. Dum total de 27 condóminos, só foram ouvidos 7, ignorando-se se os demais terão ou não recebido a dita carta;
7. O Tribunal a quo considerou que o assistente D………….., sempre pautou o seu comportamento com respeito e educação para como os demais condóminos (ponto 16 da matéria provada);
8. A carta subscrita pelo arguido é datada de 4 de Junho de 2003;
9. O assistente D1…………., em nome do assistente D…………. Lda, dirigiu no dia 2 de Junho de 2003, A TODOS OS CONDÓMINOS, uma carta assinada por si, em que chama o arguido, que na altura era o administrador do condomínio, de irresponsável e de praticar actos criminosos;
10. Mesmo antes da carta de 4 de Junho de 2003, o arguido, enquanto administrador do condomínio, dirigiu ao assistente D1………….., várias cartas, constantes dos autos, pedindo-lhe colaboração na resolução de problemas referentes às partes comuns, e de que o mesmo era responsável, às quais o assistente nunca deu qualquer satisfação;
11. Esses problemas já remontavam a administrações anteriores à do arguido;
12. O Tribunal a quo indica no acórdão recorrido, que a sua convicção muito assentou na prova testemunhal;
13. De entre as testemunhas inquiridas, é particularmente importante o testemunho dos condóminos e de F………….. e G……………;
14. Todavia o Tribunal a quo não fundamentou esses testemunhos, deveria tê-los examinado criticamente e não o fez;
15. O Tribunal a quo tem de mostrar na decisão o raciocínio lógico, as razões porque decidiu duma forma e não de outra;
16. O Tribunal a quo violou o disposto no art. 374° n°2 do CPP;
17. Entre a matéria considerada provada e não provada, constante do acórdão recorrido, existem várias contradições;
18. Por um lado diz-se que a carta do arguido extravasou para o domínio público (matéria provada), para adiante se dizer que a mesma não foi objecto de comentários na vizinhança (não provada);
19. Que a carta não teve reflexos na vida profissional dos dois assistentes (não provado), mas que o teve a nível pessoal;
20. A ser assim que sentido faz que um advogado, no exercício das suas funções profissionais, seja confrontado com uma carta em que lhe chamam arrogante, e dizer-se que tal teve reflexos apenas na sua vida pessoal;
21. E o mesmo se diga quanto ao assistente D1………….., com a particularidade de ter sido a empresa D………….. Lda, quem contratou o advogado, sendo também certo que os problemas que estão na origem da carta feita pelo arguido, têm a ver com a empresa, e não tanto com o cidadão D1…………….;
22. Tendo sido deduzida acusação particular — assistente D1………… e empresa D……….. Lda., a mesma foi julgada improcedente e absolvido o arguido, por ausência do preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime;
23. A acusação particular é exactamente igual à acusação pblíca — factos, testemunhas, prova;
24. O acórdão recorrido veio considerar que o arguido agiu voluntariamente e com consciência do carácter objectivamente difamatório do conteúdo da carta, o que, entre outros, até é contrário a alguns dos factos considerados não provados;
25. O arguido actuou com um “animus corrigendi”, no sentido em que sendo administrador do condomínio, procurava que o condómino D1……………, acatasse as decisões da administração, que resolvesse problemas existentes nas partes comuns de que ele era responsável;
26. O Tribunal a quo violou as normas dos arts. 180º, 184° e 132° n°2 ala j) do Código Penal, bem como os arts 374° n°2, 379° n.º 1 ala a), 410° nº 2 al. c), todos do CPP, sendo o acórdão ilegal e nulo por força do disposto no art. 412° n°2 ala c) igualmente do CPP;
27. Para efeitos do art.º 412° nº 3 e 4 do CPP, o recorrente considera incorrectamente julgados os factos provados no acórdão recorrido;
28. O recorrente considera que os depoimentos das testemunhas impõem decisão diversa, estando gravados e devendo proceder-se à respectiva transcrição.

Relativamente ao processo …../03
1. O acórdão recorrido enferma do vício de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410° nº 2 al. c) do CPP;
2. Desde logo da prova produzida em audiência, não resultaram provados os factos que o Tribunal a quo deu como provados — nºs 1 a 5 dos factos provados;
3. O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos depoimentos de várias testemunhas;
4. No entanto, e sem se conseguir perceber porquê, omitiu na sua motivação, o depoimento da testemunha H…………., testemunha presencial e fundamental na descoberta do apuramento da verdade material;
5. Existem várias contradições entre os depoimentos de várias testemunhas — chefe I………….., comandante J………… e agente da polícia marítima J…………..;
6. O pedido de reforços dirigido pelo agente L……….. ao chefe I…………., NADA teve a ver com o arguido, mas porque os demais intervenientes nos factos, particularmente um tal M…………., não se queriam identificar, e este último até levantou problemas;
7. O arguido foi o único dos quatro (4) intervenientes, que se identificou com o bilhete de identidade, e que até interveio para garantir a identificação dos demais;
8. Duas das testemunhas presenciais — M………… e H…………., não viram o arguido empurrar, e muito menos agredir, fosse quem fosse;
9. O arguido identificou-se perante o agente L……….., logo que este o solicitou, o que sucedeu, ANTES, da chegada do chefe I…………;
1O. Este último, e alegado ofendido, ao ser inquirido sobre a suposta agressão”, respondeu em julgamento — Agressão? é subjectiva!
11. O comandante J……………, autoridade máxima na capitania da Póvoa do Varzim, embora entendendo que terá havido uma agressão por parte do arguido ao chefe I…………., que terá ocorrido à sua frente, não deu voz de prisão ao arguido;
12. Ao actuar desse modo, não deu cumprimento ao disposto no CPP e na Lei Orgânica e Regulamento Disciplinar da Polícia Marítima;
13. As testemunhas N………… e O…………., que constituíam o piquete da polícia marítima, e que foram chamados ao local, nada presenciaram, e nem sequer procederam a identificações, ao contrário do que disse o comandante J………….;
14. O arguido encontrava-se a praticar mergulho, o que foi confirmado pelo agente L…………. — saiu da água com barbatanas e botija;
15. Os demais intervenientes, saíram da água com armas de caça e pescado;
16. O arguido, face às declarações do chefe I………… e do comandante J………….., encontrava-se, correcta e legalmente a efectuar mergulho;
17. Detinha na sua posse licenças internacionais de mergulho, que foram exibidas aos responsáveis, cujas cópias se encontram junto aos autos;
18. Quer o chefe I…………., quer o comandante J…………, reconheceram a validade de tais licenças de mergulho;
19. O arguido tinha na altura, nacionalidade portuguesa e brasileira;
20. O seu sotaque de brasileiro era, e é, manifesto, uma vez que nasceu e foi criado no Brasil;
21. À data dos factos encontrava-se de férias em Portugal;
22. A legislação ordinária que regula a prática do mergulho — decretos 48365 de 2/5/68 e 321/71 de 26/7, no seu art. 27°, definem as condições em que um cidadão estrangeiro que s encontre em Portugal, pode fazer mergulho;
23. O arguido reunia todas as condições legais exigidas;
24. A apreensão do material pertencente aos envolvidos nos factos, ordenada pelo chefe I…………, apenas se deveu à eventual práticas de caça submarina praticada de forma ilegal;
25. O arguido não estava a praticar pesca submarina, mas apenas mergulho
26. Não havia nenhuma razão, de ordem legal ou outra, que determinasse a apreensão do material do arguido;
27. Nenhum dos elementos da polícia marítima, informou o arguido do que se passava, dos seus direitos, das suas obrigações;
28. Os elementos da polícia marítima que participaram neste processo, têm particulares responsabilidades, uma vez que um era o comandante máximo e o outro, o segundo comandante;
29. O chefe I………….., que procedeu à apreensão do material do arguido, fê-lo sem se identificar, trajando à civil;
30. O arguido não o conhecia, não sabia quem ele era, apenas tendo presenciado que este, sem mais, agarrou no seu material de mergulho e o levava para uma viatura, que nem sequer sabia qual;
31. O arguido limitou-se a agarrar-se à botija de mergulho, quando o chefe I…………. a agarrou, de forma a impedir que o mesmo a levasse;
32. Não houve qualquer agressão, nem um mero empurrão;
33. Ao contrário do que diz o acórdão, as divergências nos depoimentos das três (3) testemunhas de acusação, elementos da polícia marítima, não foram de pormenor, mas contraditórios e significativos;
34. O chefe I…………. e o comandante J…………, reconheceram que o arguido estava a exercer mergulho de forma correcta e legal, o que não sucedeu com o agente L…………..;
35. O chefe I………….., e alegado ofendido, diz que foi empurrado pelo arguido, e que bateu com a perna num murito, dizendo o comandante J………… que foi empurrado com força contra um muro, e o agente L…………. que foi encostado a uma parede;
36. Quanto à apreensão do material o chefe I…………… refere nas suas declarações que após ter perguntado à testemunha H………… se aquele material era seu, disse logo que o material estava todo apreendido, ao passo que o comandante J………. e o agente L……….., dizem tê-lo feito posteriormente;
37. Quanto à identificação do arguido, o agente L……………, afirma que o arguido o fez logo que o solicitou, apresentando-lhe o seu B.I., e posteriormente ficando responsável pela identificação dos demais, ao passo que o chefe I…………. diz que ninguém se identificou, e o comandante J…………., que a identificação só se processou após a vinda do piquete;
38. Quanto ao facto do arguido se encontrar a fazer apenas mergulho, isso foi confirmado pelo agente L………….., e sobretudo pelo chefe I.............., que afirmou categoricamente essa situação, sendo que o comandante J.............., assim o não entendeu;
39. Quanto à suposta agressão, o agente L.............. diz que não presenciou nenhuma agressão, que viu o seu chefe, I.............. ser empurrado pelo arguido contra uma parede, este último afirmou ter sido agarrado pelo arguido, que tinha a sua botija nas mãos, que o arguido a tentou tirar e que foi empurrado por este, e o comandante J.............., sem mais, considerou ter havido agressão;
40. Uma vez que a prova foi gravada, procedeu-se à transcrição das sessões de julgamento, constatando-se que a cassete contendo as declarações da testemunha M…………., nada tem gravado;
41. A confirmar-se tal situação estar-se-ia perante uma nulidade, que expressamente se arguí;
42. Os erros notórios que o acórdão detém, são facilmente detectáveis para a generalidade das pessoas, atentas as divergências e contradições que existem nos testemunhos dos três elementos da polícia marítima;
43. O princípio da livre apreciação da prova, contido no art° 127° do CPP, não pode sobrepor-se a uma apreciação que o cidadão comum faz dos factos;
44. Existe o depoimento de 2 (duas) testemunhas presenciais, M…………. e H.............., que não viram o arguido empurrar o chefe I.............., muito menos agredi-lo;
45.As demais testemunhas — todos elementos da polícia marítima, prestaram declarações da forma anteriormente referida;
46. Impunha-se, face às contradições e divergências, fazer aplicar o princípio IN DUBIO PRO REO, o que não aconteceu;
47. O acórdão encerra insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
48. Violou-se o princípio do in dubio pro reo;
49. O arguido, ao ver-se confrontado com o facto de se encontrar a praticar mergulho de forma correcta e legal, bem como ao facto d ver um indivíduo trajando à civil, sem identificação, sem ninguém lhe explicar fosse o que fosse, e que agarrou a sua botija de mergulho para a levar, nem sequer sabendo para onde, mais não fez do que reagir;
50. Este direito de resistência está consagrado no art. 21° da CRP;
51. O arguido nunca teve qualquer intenção de empregar qualquer violência, fosse contra quem fosse;
52. Tratou-se duma mera reacção, o de se agarrar a sua botija de forma a impedir que a levassem;
53. Mas essa sua reacção foi feita, dentro do âmbito atrás mencionado;
54. O Tribunal a quo violou as normas dos arts 127°, 355° e 4100 n°2 ala c) do CPP, o princípio in dubio pro reo, o art. 21° da CRP, os Decretos 48365 de 215/68 e 321/71 de 26/7, o Dec-Lei nº 97/99 de 24I3, o art. 522-B do CPC, aplicável ao processo penal por via do art. 4° do CPP, sendo o acórdão ilegal e nulo por força do disposto no art. 412° do CPP;
55. Para efeitos do art. 412° o recorrente considera incorrectamente julgados os factos provados — 1 a 5, da matéria de facto considerada provada;
56. O recorrente considera que os depoimentos das testemunhas — I……………, J…………. e L…………, impõem decisão diversa.

O Ministério Público junto do Tribunal “a quo” respondeu, defendendo a manutenção do acórdão recorrido.

Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, considerando ainda que a falta de gravação do depoimento de M…………. constitui mera irregularidade, não arguida tempestivamente.

Cumprido o disposto no artigo 417º, 2 do CPP o arguido respondeu, sustentando que a irregularidade suscitada no recurso (não gravação das declarações prestadas em audiência) foi tempestivamente arguida, pois só teve conhecimento dela quando lhe foram entregues as transcrições da prova. Daí que, tendo arguido tal irregularidade no recurso, o fez tempestivamente.

Colhidos os vistos legais, procedeu-se à audiência de julgamento.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto

O acórdão recorrido considerou provada seguinte matéria de facto:

A) Matéria de facto provada nos autos nº 577/03:
1. Os arguidos acima identificados, para o período de 01 de Janeiro de 2003 a 31 de Dezembro de 2003, foram eleitos administradores do condomínio do edifício "P………..", constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n°1.208 e inscrito na matriz predial da respectiva freguesia de A ver o Mar sob o art. 540.
2. Nessa ocasião foram-lhes entregues para o exercício daquelas funções de administração e apenas enquanto as mesmas durassem os documentos e objectos do condomínio, tendo os mesmos ficado na posse do arguido C…………...
3. Entre os referidos objectos encontravam se os documentos do edifício, o livro de actas, os livros e notas de contabilidade, facturam/recibos e chaves das partes comuns e dos elevadores, tudo de valor não concretamente apurado.
4. Na assembleia-geral extraordinária de 15 de Junho de 2003 os mesmos arguidos foram instados a prestar contas do seu exercício e exonerados da administração do edifício.
5. O tempo foi passando e os arguidos nunca mais procuraram os elementos da nova administração para procederem à entrega dos referidos objectos apesar de bem saberem que os mesmos não lhes pertenciam e que lhes foram confiados apenas para uso enquanto permanecessem como administradores do condomínio do referido edifício.
6. Os arguidos sempre entenderam que a assembleia-geral extraordinária de 15 de Junho de 2003 não era válida, pelo que os mesmos continuavam como administradores do condomínio em causa e nada tinham a entregar.
7. Entretanto o arguido C.............. entregou os referidos objectos a um advogado de nome Q………….
8. No decurso da audiência de julgamento o referido advogado veio apresentar os documentos que se encontram apensos por linha aos presentes autos.
9. Os arguidos confessaram a não entrega dos objectos em causa.
10. Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais.

B) Matéria de facto provada no processo apenso nº …../03.3MAPVZ:
1. No dia 22 de Maio de 2003, pelas 14h e 15 m., o chefe da Polícia Marítima, desta cidade, I…………., e demais elementos dessa entidade, de nome J………….., L…………… e N……………, no exercício das suas funções, dirigiram se à praia de Santo André, Aguçadoura, área desta comarca, por suspeitaram que o arguido e os três indivíduos que o acompanhavam, para além de mergulho, andavam a praticar caça submarina, sem estarem devidamente legalizados para a prática desta última actividade.
2. Chegado ao local, o chefe I…………, que trajava à civil, acompanhado do Comandante, J……………., identificou se, exibindo o seu cartão profissional, sendo certo que no local se encontrava o agente L.............., devidamente uniformizado e com um veículo automóvel devidamente caracterizado.
3. Posteriormente apareceram os demais elementos daquela entidade, já que o arguido, apesar de se ter identificado, e demais acompanhantes, se opunham à apreensão do material que se suspeitava estar a ser utilizado na prática das referidas actividades.
4. Entretanto, o chefe I……….., que suspeitava estar a ser praticada caça submarina, ordenou ao agente L.............. para apreender e introduzir todo o material na viatura da Policia Marítima, colocando se o arguido entre ambos para impedir a apreensão.
5. Então o chefe I.............. pegou nalgum do material e o arguido empurrou o com força, indo de encontro a um muro, só não sendo mais empurrado e acabando por ser feita a apreensão do material, porque o agente L.............. o impediu, segurando o arguido, deitando lhe uma mão ao pescoço e outra a um dos braços.
6. Na ocasião o arguido não tinha consigo o caderno de mergulho e livrete do material.
7. O arguido é portador de licença internacional de mergulho.
8. O arguido actuou da forma descrita, com violência, para impedir que o ofendido e demais elementos da Policia Marítima praticassem actos relativos ao exercício das suas funções.
9. Agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta violava preceitos legais.

C) Matéria de facto provada no processo apenso nº 298/03:
1. O assistente E………… é advogado de profissão, encontrando se devidamente inscrito e autorizado para o exercício dessa actividade pela Ordem dos Advogados Portugueses, desde 5 de Julho de 1979, exercendo tal actividade nesta e noutra comarcas.
2. Tal facto é de conhecimento público tanto nesta comarca como nas comarcas vizinhas.
3. No exercício da sua profissão, há já longos anos que o Assistente presta serviços ao Sr. D1…………. e à firma D…………, Lda., da qual aquele é sócio gerente, designadamente, representando os em assembleias de condóminos realizadas no Edifício P…………, situado no gaveto da …… e Rua ……. (em A-ver-o-Mar, Póvoa de Varzim), no qual a referida sociedade possui duas fracções autónomas, destinadas ao exercício da sua actividade industrial e comercial e onde tem instalados, há já vários anos, os estabelecimentos comerciais.
4. A algumas dessas assembleias compareceu também o arguido como condómino duma fracção do referido edifício, sendo que, no decurso de tais assembleias houve várias divergências entre ele e o assistente quanto à legalidade aplicável a situações verificadas no prédio.
5. Na assembleia de condóminos realizada em 18/01/2002, presidida pelo Assistente, foi apresentada pelo condómino e ora arguido C……….., uma proposta no sentido de a administração do condomínio de referido edifício passar a ser exercida, a título gratuito, por este juntamente com o condómino B……………, proposta essa que foi aprovada, tendo então o arguido e o B………… substituído à até então administradora do condomínio que era a “R…………….., Lda.”.
6. A referida proposta não mereceu aprovação do Assistente que, em nome dos seus representados, se absteve e fez exarar declaração de voto justificativa do mesmo.
7. Decorridos cinco meses, e porque não concordavam com a forma como a administração estava a ser exercida e conduzida, os representados do Assistente, juntamente com outros condóminos, convocaram uma Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos, por carta de 03/06/2003, com vista á destituição do Arguido daquele cargo.
8. Tendo tomado conhecimento dessa convocatória, resolveu o Arguido denegrir e descredibilizar a imagem do Assistente, com o objectivo de demover os restantes condóminos de comparecerem àquela assembleia e assim continuar no exercício daquele cargo de administrador do condomínio.
9. Através de carta datada de 04/06/2003, redigida e subscrita por aquele, a qual enviou e entregou a vários condóminos, à excepção da aludida sociedade e da condómina S…………….
10. Na referida carta o Arguido exarou: “… é do interesse de todos e dever do Sr. D1………… explicar a situação aos condóminos e não de os tentar intimidar em assembleia com a sua arrogância e com a do seu advogado”.
11. O segmento “… e com a do seu advogado”, tinha claramente como destinatário o aqui Assistente enquanto advogado no exercício das suas funções.
12. A afirmação acabada de transcrever, dirigida a terceiros, é, por si e em face do contexto em que foi inserida, claramente difamatória e atentória quanto à honra e consideração devidas ao ofendido E………… não só como cidadão mas também como Advogado, já que de forma inequívoca e claramente atendível lança a suspeita de que ele não exercia as suas funções de Advogado no estrito cumprimento da legalidade, nem pelos ditames da deontologia profissional, usando de arrogância e causando medo aos restantes condóminos como arma para impor a sua vontade e decidir contra a lei.
13. O Arguido agiu voluntariamente e com consciência do carácter objectivamente difamatório do conteúdo da carta referida e designadamente do extracto transcrito, bem sabendo que a sua conduta violava preceitos legais.
14. A atitude do arguido teve reflexos na vida pessoal do assistente E…………, o qual se sentiu atingido e sofreu psicologicamente com tal incómodo.
15. O Assistente D1…………, representou a sociedade – enquanto condómina – em diversas assembleias de condóminos, sendo, à época, administradora do prédio a “T………….., Lda.
16. Nessa qualidade, o Assistente D1………., sempre pugnou pela defesa da legalidade, quer das assembleias de condomínio, quer do funcionamento do mesmo, quer, ainda, da respectiva administração, tendo permanentemente pautado a sua actuação com o respeito e a educação devidos aos demais condóminos e seus representantes.
17. No referido escrito datado de 04/06/2003, o arguido exarou ainda:
“Assunto: Os problemas causados pela arrogância e pela falta de educação do Sr. D1………….
Caros Condóminos, Ex.º (s) Sr.(s).
Como já é sabido, há muito tempo que o Sr. D1………… vem incomodando os condóminos deste edifício por se negar a respeitar as leis e as regras de condomínio, por achar que é o único dono do prédio e por pensar que pode fazer o que bem entender sem pedir autorização a ninguém.
Quantas vezes somos impedidos de entrar ou de sair da nossa própria garagem devido às suas carrinhas estarem estacionadas nas partes comuns do prédio.
Quantas vezes somos acordados de madrugada por estarem a descarregar o contentor metálico do Sr. D1………….. que é deixado no interior das nossas partes comuns. Quantas vezes a nossa garagem é inundada devido ao mal funcionamento das suas instalações, quantas preocupações a instalação de gás provocou e ainda provoca aos demais moradores, quantos problemas, quantos, quantos, quantos…
A arrogância e a falta de educação do Sr. D1………. destruíram a vida comunitária deste edifício, o que é lamentável por estarmos numa pequena comunidade, com condóminos simpáticos e sobretudo por este edifício estar situado numa zona tranquila, de vocação balneária, onde as pessoas procuram descanso.
A actual administração foi eleita no final de Janeiro. No início de Abril, quando esta foi procurada pela Sra. S…………. para efectuar o pagamento das quotizações condominais, aproveitei mais uma vez para assinalar os vários problemas por eles ocasionados como:
1. Sujidade na área de acesso às garagens provocadas por restos de farinha, papeis, restos de óleo de automóvel, etc. …
2. Barulhos entre as 5:00 e 6:00 causados pelos empregados da fábrica que estacionam os seus veículos privados nas partes comuns do edifício,
3.A carga e descarga diária de pães e bebidas impedem os moradores de ter acesso às mesmas e às garagens,
4. O contentor de detritos industriais que se encontram nas partes comuns do prédio, causa mal aspecto, destrói a tijoleira das partes comuns do edifício e provoca distúrbios aos demais moradores que são acordados de madrugada por estarem a descarregar o contentor metálico do Sr. D1………….
5. A tijoleira exterior do edifício foi danificada pela utilização de botijas de gás,
6. Os tubos de ar condicionado no interior e no exterior do edifício, o gás, etc. …
Para a minha grande surpresa, a Sra. S…………. queixou se muito dos moradores deste edifício, por «ter sido atacada em relação ao problema do gás» entre outras coisas e sempre se mostrando de vítima. Ora, só o facto da existência de uma instalação de gás dá a todos os moradores o direito de indagar e serem informados da mesma, o que a meu ver, é do interesse de todos e dever do Sr. D1………. explicar a situação aos condóminos e não de os tentar intimidar em assembleia com a sua arrogância e com a de seu advogado.
No sábado passado houve um problema muito grave com o Sr. D1……….. Ao entrar na garagem, fui agredido por esta pessoa e depois por dois de seus empregados, um deles com uma arma (a pessoa que estava armada também agrediu o U……….. que me acompanhava neste momento). Depois de ter conseguido dar marcha a traz no meu automóvel e sair da garagem, impedi que estas pessoas saíssem da garagem com a ajuda das pessoas que passavam pela frente do prédio. Telefonei para a polícia que se deslocou ao edifício, revistou a garagem do mesmo e encontrou a arma em questão que o empregado do Sr. D1………… tinha tentado esconder.
A polícia levou a arma e o empregado do Sr. D1…………… à esquadra para prestar esclarecimentos, tendo a arma ficado apreendida. Este caso já está em tribunal, onde o Sr. D1…………….. e o seu empregado vão se julgados.
Não é normal que eu tenha sido agredido e no mais com uma pistola ao entrar em casa.
Também não é normal ter tantos problemas com um estabelecimento comercial mas, a meu ver, os problemas não foram ocasionados agora pois existem há vários anos.
A única diferença é que a antiga empresa administradora não fez o que a lei estipula e portanto o que lhe competia como administrador a fim de impedir que esta situação se instalasse neste condomínio, o que causa agora aos actuais administradores muito mais dificuldades para resolver esta situação.
Em último lugar, eu lamento muito toda esta situação pelos motivos acima expostos mas não vai ser por estas agressões, intimidações e mentiras do Sr. D1………… que eu vou deixar de zelar pelos interesses dos moradores deste condomínio com a segurança e o conhecimento jurídico do lado da administração deste condomínio.
Se nada foi feito agora, vamos perder para sempre a possibilidade de resolver estes problemas que tanto incomodam esta comunidade e podemos então entregar as chaves de nossos apartamentos para o dono do prédio, que sempre desprezou os demais condóminos.
No mais, eu gostaria que a transparência fosse a base das relações neste condomínio.
Por isso me ponho à vossa inteira disposição para quaisquer outros esclarecimentos.
Com os meus melhores cumprimentos,
Dr. C…………….”
18. O Arguido, dirigindo se a terceiros, imputou factos e formulou juízos de valor, relativamente ao Assistente D1………….., ofensivos da dignidade, honra, consideração social, bom-nome e imagem deste.
19. Ao endereçar a missiva aos demais condóminos do “Edifício P………….”, o Assistente lançou junto dos mesmos a suspeita de que o Assistente age contra a lei e ao arrepio das regras de boa conduta moral e social, e da “praxis” negocial, denegrindo, desta forma, a imagem do Assistente, na sua esfera pessoal.
20. A carta em causa foi escrita no seguimento de várias divergências havidas entre o arguido, o assistente e o advogado deste (assistente E…………) quanto à legalidade aplicável a situações verificadas no prédio, e após ter sido escrita a carta junta a fls. 962 e 963, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21. O Arguido agiu voluntariamente e com consciência de que o seu comportamento ofendia a dignidade, honra e consideração do Assistente D1…………., o qual, era contrário à lei.
22. O conteúdo do mesmo extravasou para o domínio público, nomeadamente dos condóminos.
23. O Assistente D1………….., viu se atingido no seu bom-nome como cidadão, sentindo humilhado e vexado, o que lhe constituiu particular incómodo e desgosto.

Mais se provou que:
O arguido C.............. confessou ter sido o autor da carta em causa.
O arguido nunca respondeu criminalmente.
Actualmente encontra-se preso em prisão preventiva à ordem do processo nº …../05.4.PBAMD da …ª vara criminal, 3ª secção de Lisboa.
Não lhe são conhecidos filhos.

Factos não Provados no processo nº …../03:
- Que os arguidos tenham sido diversas vezes interpelados para entregarem os referidos bens pela empresa T……….., Lda., na sua qualidade de representante do condomínio do Edifício, tendo os guardado em local desconhecido para os utilizar como coisas de sua propriedade;
- Que os arguidos agiram de comum acordo e em conjugação de esforços com intenção de integrarem os referidos objectos no seu património, conscientes de que actuavam sem consentimento e contra a vontade dos legítimos proprietários;
- Que os arguidos actuaram ainda de forma livre, voluntária e consciente bem sabendo que tal conduta é proibida e punida por Lei.
- Que a retenção dos documentos do edifício, o livro de actas, elementos contabilísticos (facturas/recibos) e chaves das partes comuns provocaram incómodos e transtornos no condomínio, representado por cada um dos condóminos, nomeadamente:
a) Obrigou à convocação e realização de assembleias extraordinárias, originando acréscimo de despesa com a expedição de correspondência, sendo que os condóminos tiveram que prescindir do seu tempo, trabalho e descanso para nelas intervirem.
b) Provocou incerteza e angústia no condomínio, representado na angústia e incerteza de cada condómino, sobre a eficácia e autoridade da administração e sobre quem efectivamente estava a administrar o condomínio.
c) Obrigou à recolha extraordinária de elementos do edifício, nomeadamente a averiguação dos pagamentos efectuados por cada condómino, das despesas existentes e as que efectivamente foram liquidadas.
d) Provocou incerteza e angústia no condomínio, representado na incerteza e angústia de cada condómino, se a administração possuiria todos os elementos necessários ao normal exercício das suas funções.
e) Provocou um grave atraso na recolha de elementos e na propositura da acção contra a sociedade construtora do edifício para reclamação da eliminação dos defeitos existentes, colocando em sério risco o êxito da mesma.
f) Causou graves transtornos e incómodos ao condomínio, na pessoa de cada um dos condóminos, na cobrança das prestações devidas por cada um e no pagamento das despesas comuns.
g) Impossibilitou a cobrança coerciva dos condóminos relapsos.
h) Obrigou a que fossem solicitadas segundas vias (e/ou cópias) do cartão de pessoa colectiva (equiparada), acta da apólice de seguro, contratos de manutenção dos elevadores, certificados de inspecção, escritura da propriedade horizontal, alvará de habitabilidade do edifício, provocando um acréscimo nas despesas comuns.
- Que os arguidos foram por diversas vezes interpelados pela administração para procederam à entrega dos bens comuns do edifício.
- Que essa não entrega causou ao condomínio atrasos na administração de todas as partes comuns que compõem a propriedade horizontal.

C) Factos não provados no processo apenso nº …../03:
- Que o arguido e demais acompanhantes se opuseram a identificarem-se;

D) Factos não provados no processo apenso nº ……/03:
- Que o Arguido fazia publicamente constar que é licenciado em Direito e advogado, não exercendo a profissão por não precisar;
- Que o mesmo usava de tal argumento para dar credibilidade às suas afirmações e decisões perante os condóminos, quer a título pessoal, quer nas próprias assembleias;
- Que o conteúdo da carta passou a ser objecto de comentários na vizinhança, principalmente nos estabelecimentos de restauração e bebidas situados na zona;
- Que a atitude do arguido teve reflexos na vida profissional do assistente E……………, tendo-se repercutido no seu desempenho profissional;
- Que a Assistente sociedade, representada pelo Assistente D1………., celebrou contrato promessa de compra das já aludidas fracções do "Edifício P………..", à firma "V…………., Lda.", ainda durante a fase de construção;
- Que o Assistente D1………… tenha acompanhado, sempre na referida qualidade de representante, a aquisição de equipamentos para instalação dos estabelecimentos, fim a que se destinavam as fracções, com a correspondente aceitação da firma vendedora;
- Bem como o respectivo licenciamento;
- E ainda a celebração da escritura pública da aquisição definitiva das fracções, simultaneamente com a constituição da propriedade horizontal;
- Que o conteúdo da carta foi objecto de comentários e conversas entre os vizinhos do prédio, nos estabelecimentos de restauração e bebidas da zona e pelos clientes da firma;
- Que o conteúdo da carta produziu evidentes repercussões na condução dos negócios por parte do assistente D1……….. uma vez que o mesmo é também gerente da firma X…………, Lda.;
- Que o Assistente D1………… se viu atingido no seu bom-nome como empresário;
- Que o Arguido, dirigindo se a terceiros, imputou factos e formulou juízos de valor, relativamente à Assistente D…………, Lda., ofensivos da dignidade, honra, consideração social, bom-nome e imagem destes;
- Que ao endereçar a missiva aos demais condóminos do "Edifício P…………", o Arguido lançou junto dos mesmos a suspeita de que a Assistente D…………, Lda. age contra a lei e ao arrepio das regras de boa conduta moral e social, e da "praxis" negocial, denegrindo, desta forma, a sua imagem, quer na sua esfera pessoal, quer na sua esfera comercial;
- Que o Arguido agiu voluntariamente e com consciência de que o seu comportamento ofendia a dignidade, honra e consideração da Assistente D………….., Lda.;
- Bem como prejudicava a imagem e reputação comercial da Assistente D…………….., Lda. cujo bom-nome no mercado ficou indelevelmente afectado, com a consequente repercussão nos negócios.
- Que a firma D…………., Lda., foi objecto dos mais diversos comentários e rumores, sendo os seus empregados constantemente confrontados pelas mais diversas pessoas, mormente clientes com questões relacionadas com "histórias" que sobre a firma corriam na praça pública.

Motivação
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada e não provada resultou de uma análise crítica do todo da prova produzida.
Assim, consideraram-se as declarações dos arguidos que confessaram parte dos factos dados como provados.
Quanto aos factos atinentes ao processo principal (autos nº …../03) foram relevantes os depoimentos das testemunhas F……….., sócio gerente da “T……….., Lda., que iniciou funções como administradora do condomínio em causa antes e depois dos arguidos; G………., funcionário da “T………”, e o qual fazia a manutenção do edifício P………., aquando da administração do condomínio por parte da mesma; Z………., condómino do prédio em causa e que participou nas assembleias quer de nomeação, quer de destituição dos arguidos. Tais testemunhas souberam, por isso, explicar em que condições ocorreram quer a nomeação quer a exoneração dos arguidos como administradores, tendo sido unânimes em afirmar que os mesmos não procederam à entrega dos objectos referentes a tal condomínio.
Quanto à forma como ocorreram os factos no dia 22 de Maio de 2003 foram relevantes os depoimentos das testemunhas I…………, 2º comandante (chefe) da polícia marítima; L…………..; e J…………, capitão do Porto de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, comandante local da polícia marítima. Tais testemunhas deslocaram-se, no dia em causa, no exercício das respectivas funções, à praia de Santo André, na Aguçadoura. Descreveram ao tribunal, embora com algumas divergências de pormenor, já que as respectivas versões coincidiram no essencial, a actuação de cada um e a do arguido. Explicaram como se desenvolveu toda a situação desde que aí chegaram. Foram unânimes em considerar que o arguido empurrou o chefe I.............. quando este pegou no material, por forma a impedi-lo de proceder à apreensão do mesmo material, bem como descreveram a conduta do agente L.............. para impedir o arguido de concretizar os seus intentos.
Relevou ainda o depoimento da testemunha M……………., uma das pessoas que na ocasião acompanhava o arguido, e o qual confirmou a apreensão do material por parte dos agentes da polícia marítima, bem como a acção do agente L.............. sobre o arguido no sentido de impedir o mesmo a obstar a tal apreensão.
Quanto aos factos relacionados com a carta datada de 04.06.2003, subscrita pelo arguido foram relevantes os depoimentos das testemunhas Z……………., BB………….. e BC……………., todos condóminos do prédio em causa e os quais receberam ou leram a carta em questão. Pronunciaram-se sobre o seu teor, bem como o contexto em que a mesma foi escrita. Interpretaram à sua maneira tal escrito e explicaram o efeito que o mesmo produziu quer nos assistentes, quer nos restantes condóminos. Referiram-se ainda à participação do assistente E…………. nas assembleias de condóminos e explicaram a que título o fazia.
Relevou ainda o depoimento das testemunhas BD…………, BE…………., ambos condóminos que participaram em assembleias do condomínio em que esteve presente o assistente E……………. Souberam, por isso, explicar em que condições e a que título o mesmo ia e participava nas referidas assembleias.
Foram ainda relevantes o depoimento das testemunhas F…………….. e G……………., a primeira faz parte da administração da “R………….” e a segunda trabalha para a mesma, tendo ambas estado presente em assembleias. Pronunciaram-se sobre a presença do assistente E…………… e a sua intervenção nas mesmas assembleias
Teve-se ainda em conta o depoimento das testemunhas BF………….., BG…………, ambos advogados, sendo a primeira também sócio da “T……………”, e BH…………, empregado no escritório de advocacia do assistente E……….., as quais por terem tido conhecimento do teor da carta em causa e conviverem com o mesmo, souberam exprimir em tribunal que efeito teve tal escrito sobre o assistente.
Quanto à matéria de facto considerada não provada tal deveu-se à circunstância de não ter sido produzida qualquer prova ou prova suficiente por as testemunhas ouvidas não terem conseguido convencer o tribunal da respectiva versão.
Baseou-se ainda o tribunal no teor dos documentos juntos a fls. 7 a 20, 232 a 243, 638 a 643, 846 a 852 e ainda no teor dos CRC’ s juntos a fls. 158 e 159, dos autos principais, bem como no teor de fls. 7 a 9 do processo apenso nº ……/03.

2.2. Matéria de direito
O arguido C…………… recorre da decisão condenatória, arguindo a nulidade resultante da falta de gravação do depoimento de uma testemunha (M……………) e insurgindo-se contra a decisão proferida em cada um dos processos julgados conjuntamente (…../03.2 TAPVZ e …./03.3. MAPVZ). Apreciaremos separadamente cada um destes grupos de questões, começando pela falta de gravação do depoimento da testemunha M………..

i) Falta de gravação de depoimento da testemunha M…………..
É a nosso ver manifesto que a inaudibilidade das reproduções magnéticas, implicando a impossibilidade de o recorrente poder impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, configura a inobservância de uma disposição legal com relevo para a decisão da causa.
As disposições legais violadas são, desde logo, as que impõem a gravação das declarações prestadas oralmente em audiência, quando não tenha sido prescindida a respectiva documentação, ou seja, quando a parte não tenha prescindido do recurso da matéria de facto – artigos 363º e 364º do CPP. E é também manifesto que a violação de tais disposições legais se projecta sobre a decisão final, uma vez que só perante tal documentação se pode impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 412º, nºs 3 e 4 do C. P. Penal.

Nos termos do artigo 118º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo só determina a nulidade do acto, quanto esta for expressamente cominada na lei. Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular. De acordo com a respectiva classificação legal, as nulidades podem ser sanáveis ou insanáveis, estando estas também expressamente previstas na lei, quer no art. 119º, quer noutras disposições legais (v.g. artigos 330º, 1 e 321º, 1 do CPP). As nulidades sanáveis, ou relativas, dependem de arguição e o seu regime aproxima-as das meras irregularidades. Como refere GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 87, “não existe grande diferença entre o regime das nulidades relativas (dependentes de arguição) e o das irregularidades. Num caso e noutro o vício necessita ser arguido pelos interessados dentro de certos prazos, sob pena de se considerar sanado e a declaração da nulidade ou da irregularidade produz igualmente a invalidade do acto em que se verificar o vício, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar (art. 122º, 1 e 123º, 1 do C. P. Penal) ”.

Dado que a inaudibilidade do suporte magnético (contendo o registo das declarações produzidas em audiência), impossibilitando a sua transcrição, não vem expressamente prevista no elenco das nulidades dos arts. 119º e 120º do CPP, nem em qualquer outra disposição legal, não configura qualquer nulidade, mas antes “mera irregularidade” – arts. 118º e 123º do Cód. Proc. Penal.

Este entendimento veio de resto a ser consagrado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para Fixação de Jurisprudência n.º 5/2002, de 27-06-2002, nos seguintes termos: “A não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no art.º 363.º do Código de Processo Penal, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no art.º 123.º do mesmo diploma legal, pelo que, uma vez sanada, o tribunal já dela não pode conhecer” – D.R. I-A, n.º 163, de 17-07-2002

No presente caso, foram entregues ao recorrente, em 21 de Março de 2006, as cassetes contendo o registo magnético de todas as sessões de julgamento (cfr. fls. 1014 e 1149) e só em 20 de Abril de 2006 o mesmo veio arguir “a possível nulidade da não gravação das declarações da testemunha M…………” (data do fax com a motivação do recurso), como se vê de fls. 1108 dos autos.

É pois manifesto que foi largamente ultrapassado o prazo de arguição da referida irregularidade, pelo que, nos termos do art. 123º do CPP, a mesma deve considerar-se sanada.

ii) Processo ……/03.2 TAPVZ
Relativamente ao processo n.º ……/03.2TAPVZ (onde foi condenado pela prática de dois crimes de difamação), o recorrente levanta as seguintes questões: (i) erro notório na apreciação da prova; (ii) nulidade do acórdão, por falta de fundamentação (falta de exame crítico das provas); (iii) erro notório na apreciação da prova e (iv) contradição insanável da fundamentação.

Vejamos cada uma das questões suscitadas, começando por analisar a nulidade do acórdão, por falta de fundamentação, seguindo depois a ordem de arguição dos demais vícios, sem prejuízo das inerentes relações de prejudicialidade.

Falta de fundamentação (exame crítico da prova).
Nesta sede, o arguido alega resumidamente que o Tribunal assentou a sua convicção na prova testemunhal. Ora, de entre as testemunhas inquiridas, é (na sua óptica) particularmente importante o testemunho dos condóminos, de F……….. e G………... Todavia, o Tribunal não referiu na fundamentação esses testemunhos, nem fez o respectivo exame crítico. Violou, assim, o disposto no artigo 374º, 2 do CPP.

O art. 374º do CPP, descrevendo os requisitos da sentença, estabelece (além do mais) que a mesma deve conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal ” – cfr. n.º 2 do citado artigo.

Como decorre da letra do preceito em análise, o julgador deve fazer um exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, devendo desse modo deixar claras as razões por que as provas apresentadas levaram àquela conclusão e não a qualquer outra. Assim, desde que o destinatário normal de uma decisão judicial possa compreender o percurso da formação da convicção, deve considerar-se que a mesma está suficientemente fundamentada – cfr neste sentido GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, Lisboa, 2000, pág. 293 e MARQUES FERREIRA, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, pág. 228.

No presente caso, a falência da argumentação do recorrente é óbvia.

Na verdade, a leitura da motivação evidencia que o depoimento das testemunhas F…………. e G…………. foi tomado em consideração, nos seguintes termos: “…Foram ainda relevantes o depoimento das testemunhas F………… e G……..; a primeira faz parte da administração da “T……….” e a segunda trabalha para a mesma, tendo ambas estado presente em assembleias. Pronunciaram-se sobre a presença do assistente E………… e a sua intervenção nas mesmas assembleias.”

Note-se finalmente que o elemento essencial do crime imputado ao arguido (difamação) foi um escrito por ele assumido (“O arguido C.............. confessou ter sido o autor da carta em causa”), pelo que a análise crítica da prova que serviu para formar a convicção nem sequer se prende com a prática do facto, mas com as circunstâncias que a rodearam e de alguma forma a determinaram. E foi sobre esses pontos (relacionados com o condomínio) que as testemunhas depuseram, como se diz claramente na motivação da decisão sobre matéria de facto.

É assim particularmente claro que, no presente caso, não ocorreu a invocada nulidade da sentença, por falta de exame crítico da prova.

Erro notório na apreciação da prova
O arguido defende que o acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, ao ter considerado provado que “só o assistente D1…….. e a filha é que não receberam a carta do arguido”; entende também que não se pode dar como provado o ponto 16 (onde se diz que o assistente D1………… permanentemente pautou o sua actuação com o respeito e a educação devidos aos demais condóminos), pois já antes da carta escrita pelo arguido, o assistente D1……….. (através da carta de 2/06/03) acusara o arguido, então administrador do condomínio, de “irresponsável e de praticar actos criminosos”.

Vejamos cada um destes aspectos.

No ponto 9 da matéria de facto deu-se como provado:
“Através de carta datada de 04/06/2003, redigida e subscrita por aquele, a qual enviou e entregou a vários condóminos, à excepção da aludida sociedade e da condómina S………………..”.
A matéria dada como assente não tem o sentido contra o qual se insurge o arguido, pois não se diz que a carta foi entregue a todos, com excepção da aludida sociedade e S…………….. O que se diz é que a carta foi entregue a “vários condóminos”, sendo certo que o não foi a dois deles.
Com este sentido (e a redacção do ponto 9 não permite outro), não há qualquer erro de julgamento, mesmo que alguns dos condóminos (para além dos excepcionados) não tenham recebido a carta.
Assim e neste ponto, o recorrente não tem razão.

No ponto 16 da matéria de facto, deu-se como provado:
“Nessa qualidade, o Assistente D1……………, sempre pugnou pela defesa da legalidade, quer das assembleias de condomínio, quer do funcionamento do mesmo, quer, ainda, da respectiva administração, tendo permanentemente pautado a sua actuação com o respeito e a educação devidos aos demais condóminos e seus representantes”.
E no ponto 20 deu-se como assente:
“ A carta em causa foi escrita no seguimento de várias divergências havidas entre o arguido, o assistente e o advogado deste (assistente E…………) quanto à legalidade aplicável a situações verificadas no prédio, e após ter sido escrita a carta junta a fls. 962 e 963, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.”
Na carta subscrita pelo assistente (dada por reproduzida), diz-se a dado passo o seguinte: “Notas para conhecimento de todos os condóminos do edifício P………….: Comportamentos irresponsáveis e criminosos da Administração do condomínio em nome dos condóminos…”.

Apesar de ter dado por reproduzida a carta junta a fls. 962 e 963, o tribunal considerou que o assistente actuou “com o respeito e a educação devidos aos demais condóminos”, o que para o arguido configura um erro na apreciação da prova.
Pensamos que tem razão.
O tribunal não pode dizer que o assistente (imputando à administração do condomínio “comportamentos irresponsáveis e criminosos”) agiu com todo o respeito e educação, uma vez que imputar a alguém comportamentos criminosos não se enquadra nas mais elementares regras de educação cívica ou de vizinhança.

Não poderia deste modo dar-se como provado o ponto 16, na parte onde se disse que o assistente “permanentemente pautou a sua actuação com o respeito e a educação devidos aos demais condóminos e seus representantes”.

Nestes termos, o referido ponto 16 passará a ter a seguinte redacção:
“16. Nessa qualidade, o Assistente D1…………….., sempre pugnou pela defesa da legalidade, quer das assembleias de condomínio, quer do funcionamento do mesmo, quer, ainda, da respectiva administração”.

Contradição insanável da fundamentação
Diz ainda o recorrente que “entre a matéria provada e não provada” existem várias contradições. Em seu entender, é contraditório a) dizer-se que a carta do arguido extravasou para o domínio público (matéria provada) e, ao mesmo tempo, que não foi objecto de comentários na vizinhança (matéria não provada); b) dizer-se que a referida carta não teve reflexos na vida profissional dos dois assistentes, mas que os teve na vida pessoal; c) absolver-se o arguido da acusação particular e condená-lo pela acusação pública, quando ambas são exactamente iguais.

A nosso ver, não existem as apontadas contradições. A carta pode “ter extravasado para o domínio público, nomeadamente dos condóminos” (ponto 22), mesmo não se tendo provado “que o conteúdo da carta passou a ser objecto de comentários na vizinhança.” Isto quer apenas dizer que os condóminos tiveram conhecimento do conteúdo da carta e, apesar disso, não fizeram comentários a tal respeito na vizinhança. Do mesmo modo, um facto pode reflectir-se na vida pessoal de alguém, sem se repercutir na sua vida profissional. Finalmente, a absolvição do arguido do crime imputado na acusação particular e a sua condenação pelo crime imputado na acusação pública é uma questão de direito e não uma contradição entre factos “provados” e “não provados”.

Improcedem, assim, as alegadas contradições da fundamentação.

Contudo, uma leitura atenta da matéria de facto “provada” (pontos 12, 13, 18, 19, 21 e 23) evidencia a alusão a muitos conceitos estritamente jurídicos que não podem considerar-se “provados”.
Na verdade, deu-se aí como provado:
“12. A afirmação acabada de transcrever, dirigida a terceiros, é, por si e em face do contexto em que foi inserida, claramente difamatória e atentória quanto à honra e consideração devidas ao ofendido D1…………… não só como cidadão mas também como Advogado, já que de forma inequívoca e claramente atendível lança a suspeita de que ele não exercia as suas funções de Advogado no estrito cumprimento da legalidade, nem pelos ditames da deontologia profissional, usando de arrogância e causando medo aos restantes condóminos como arma para impor a sua vontade e decidir contra a lei.
13. O Arguido agiu voluntariamente e com consciência do carácter objectivamente difamatório do conteúdo da carta referida e designadamente do extracto transcrito, bem sabendo que a sua conduta violava preceitos legais.
18. O Arguido, dirigindo-se a terceiros, imputou factos e formulou juízos de valor, relativamente ao Assistente D1……………….., ofensivos da dignidade, honra, consideração social, bom-nome e imagem deste.
19. Ao endereçar a missiva aos demais condóminos do “Edifício P…………”, o Assistente lançou junto dos mesmos a suspeita de que o Assistente age contra a lei e ao arrepio das regras de boa conduta moral e social, e da “praxis” negocial, denegrindo, desta forma, a imagem do Assistente, na sua esfera pessoal.
21. O Arguido agiu voluntariamente e com consciência de que o seu comportamento ofendia a dignidade, honra e consideração do Assistente D1…………., o qual, era contrário à lei.
23. O Assistente D1………….., viu-se atingido no seu bom-nome como cidadão, sentindo-se humilhado e vexado, o que lhe constituiu particular incómodo e desgosto.

O Tribunal Colectivo não pode dar como provado que determinada expressão é “claramente difamatória e atentatória da honra e consideração”, ou que o arguido imputou factos e formulou juízos “ofensivos da dignidade, honra e consideração”, tal como acima transcrevemos. Tais afirmações não são juízos sobre factos, mas sim a subsunção dos dizeres da carta em categorias jurídicas descritas no tipo de ilícito: honra e consideração. Do mesmo modo, não se pode afirmar que o arguido agiu com consciência do “carácter objectivamente difamatório” (do conteúdo da carta), pois como é evidente o arguido agiu apenas com consciência de que estava a escrever as palavras que efectivamente escreveu, sendo já subsunção jurídica a conclusão de que tais expressões são objectivamente difamatórias.
Assim, a matéria de direito incluída na referida matéria de facto deve ter-se por não escrita, nos termos do art. 646º, n.º 4 do C. P. Civil.

Daí que os pontos 12 e 23 da matéria de facto provada devam ser pura e simplesmente eliminados, por conterem apenas matéria de subsunção jurídica, passando os pontos 13, 16, 18, 19 e 21 a ter a seguinte redacção:

“13. O Arguido agiu voluntariamente e com consciência do sentido das expressões usadas na referida carta.
(…)
16. Nessa qualidade, o Assistente D1…………, sempre pugnou pela defesa da legalidade, quer das assembleias de condomínio, quer do funcionamento do mesmo, quer, ainda, da respectiva administração.
(…)
18. O Arguido, dirigindo se a terceiros, imputou factos e formulou juízos de valor, relativamente ao Assistente D1…………., constantes da carta descrita no ponto 17.
19. Ao endereçar a missiva aos demais condóminos do “Edifício P…………”, o Assistente lançou junto dos mesmos a suspeita de que o Assistente age contra a lei e ao arrepio das regras de boa conduta moral e social, e da “praxis” negocial.
(…)
21. O Arguido agiu voluntariamente e com consciência do sentido das expressões usadas na referida carta.

Quais as consequências desta modificação da matéria de facto?

A nosso ver, a referida modificação da matéria de facto torna clara a não verificação dos elementos do crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º do C. Penal.

Na verdade, a divergência de posições relativamente ao funcionamento do condomínio gerou entre os assistentes e o arguido um clima de conflito, tendo a carta do arguido surgido na sequência de uma outra carta do assistente, qualificando alguns actos da administração do condomínio (a cargo do arguido) como “irresponsáveis e criminosos”.

Em reacção a estas expressões, o arguido considerou que o assistente e o seu advogado tinham atitudes arrogantes e intimidatórias, como referiu na carta que escreveu: “…é do interesse de todos e dever do Sr. D1……….. explicar a situação aos condóminos e não de os tentar intimidar em assembleia com a sua arrogância e com a de seu advogado”.

Julgamos inquestionável que os valores da honra e consideração assentam na dignidade da pessoa humana (ideia basilar do Estado Direito) e no direito que cada um tem a ser respeitado e considerado como pessoa digna. Tais valores são no entanto compatíveis com a existência de conflitos e com alguma deselegância e menor educação no confronto dos pontos de vista. O Direito Penal, ao defender a “honra e consideração”, pretende salvaguardar essencialmente a dignidade da pessoa humana, impondo aos demais esse respeito. Contudo, só há ofensa da honra e consideração relevante para o preenchimento do tipo de ilícito previsto no artigo 180º do C. Penal, quando as imputações tenham conotações axiologicamente inaceitáveis para os padrões médios da sociedade onde as mesmas ocorreram.

Esta Relação tem considerado que a confrontação de ideias, numa sociedade aberta e plural como a nossa, é compatível com alguma linguagem menos educada, sem que isso implique qualquer censura penal – cfr. entre outros, os Acórdãos de 28-06-06, processo 0612206, de 15-12-06, recurso 0514321 e de 1-03-06, processo 0515461.

Na doutrina também se tem notado esta visão, como se pode ver do seguinte trecho: “…Por outro lado, cremos ser também indesmentível a erosão externa a que a honra tem sido sujeita, quer por força da banalização dos ataques que sobre ela impendem - tão potenciados pela explosão dos meios de comunicação social e pela generalização do uso da internet, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal – Faria e Costa”Direito Penal Especial”, Coimbra Editora, 2004, págs. 104-105,

As expressões usadas na carta escrita pelo arguido (em causa nos autos), cujo passo mais significativo se traduzia em imputar ao assistente e ao seu advogado atitudes arrogantes e intimidatórias nas assembleias de condóminos, não foram, no contexto em que foram inseridas, as mais adequadas, mas não põem em causa a dignidade e honra do assistente. Na verdade, tais expressões devem antes ser vistas no âmbito de uma luta pela defesa da legalidade, quer das assembleias de condomínio, quer do funcionamento das mesmas.
Expressões mais ousadas como “arrogância”, “falta de educação” e “tentativa de intimidação em assembleia” são, no contexto em que foram proferidas, deselegantes, mas não revestem uma conotação axiológica susceptível de denegrir a imagem daqueles a quem são dirigidas, em termos que se justifique a sua integração no tipo de ilícito da difamação (art. 180º do C. Penal).

Nestes termos, o recurso merece provimento nesta parte, devendo o arguido ser absolvido dos (2) crimes de difamação por que foi condenado.

iii) Processo ……/03.3 MAPVZ
No processo n.º …../03.3 MAPVZ (onde foi condenado pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347º do C. Penal), o arguido insurge-se contra a decisão, imputando-lhe i) erro na apreciação da prova, com violação do princípio “in dubio pro reo” e (ii) erro de julgamento, ao não ter considerado que agiu no âmbito de um direito de resistência, consagrado no art. 21º da C.R.P.

Vejamos então.

Erro na apreciação da prova
Neste ponto, o arguido começa por dizer que a decisão recorrida omitiu o depoimento da testemunha H..............; existem contradições entre os depoimentos de várias testemunhas (Chefe I.............., Comandante J.............. e agente da polícia marítima L..............); duas das testemunhas presenciais não viram o arguido empurrar o agente L..............; não foi dada voz de prisão ao arguido, na ocasião em que os factos ocorreram; o arguido encontrava-se a praticar mergulho, para o qual estava devidamente licenciado; a apreensão do material foi ilegal; o arguido limitou-se a agarrar a botija de mergulho quando o chefe I.............. a agarrou; não houve agressão, nem um mero empurrão; os erros de apreciação da prova são facilmente detectáveis; o princípio da livre apreciação da prova, contido no art. 127º do CPP, não pode sobrepor-se à apreciação que o cidadão comum faz dos factos; impunha-se a absolvição do arguido, com fundamento no princípio in dubio pro reo.

De acordo com a jurisprudência que esta Relação tem vindo a firmar, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas, ou contra a força probatória plena de certos meios de prova), ou quando afrontar, de forma manifesta, as regras da experiência comum. Há aqui, é certo, um juízo com alguma margem de subjectividade, mas que é controlável racionalmente através da plausibilidade da convicção. Como esta Relação tem repetidamente afirmado, não é suficiente contrapor à plausível convicção do julgador, uma outra convicção. É necessário demonstrar que essa convicção é impossível ou, como diz a lei, as provas produzidas “impõem” decisão diversa da recorrida (art. 412º, 3 do CPP) – cfr. entre muitos outros, o Acórdão de 12-05-04, processo 0410430.
Assim, sempre que a convicção seja possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.

Este entendimento mostra que o arguido não pode limitar-se a opor a sua convicção à convicção do tribunal. Deve fazer um esforço argumentativo e demonstrativo de que a convicção do julgador não é possível nem plausível, o que não foi feito, como facilmente se demonstrará.

Os factos que o recorrente considera incorrectamente julgados constam dos pontos 1 a 5 da matéria provada:
“1. No dia 22 de Maio de 2003, pelas 14h e 15 m., o chefe da Polícia Marítima, desta cidade, I………., e demais elementos dessa entidade, de nome J…………, L…………. e N…………, no exercício das suas funções, dirigiram se à praia de Santo André, Aguçadoura, área desta comarca, por suspeitaram que o arguido e os três indivíduos que o acompanhavam, para além de mergulho, andavam a praticar caça submarina, sem estarem devidamente legalizados para a prática desta última actividade.
2. Chegado ao local, o chefe I……………., que trajava à civil, acompanhado do Comandante, J……………., identificou-se, exibindo o seu cartão profissional, sendo certo que no local se encontrava o agente L.............., devidamente uniformizado e com um veículo automóvel devidamente caracterizado.
3. Posteriormente apareceram os demais elementos daquela entidade, já que o arguido, apesar de se ter identificado, e demais acompanhantes, se opunham à apreensão do material que se suspeitava estar a ser utilizado na prática das referidas actividades.
4. Entretanto, o chefe I…………, que suspeitava estar a ser praticada caça submarina, ordenou ao agente L.............. para apreender e introduzir todo o material na viatura da Policia Marítima, colocando-se o arguido entre ambos para impedir a apreensão.
5. Então o chefe I.............. pegou nalgum do material e o arguido empurrou-o com força, indo de encontro a um muro, só não sendo mais empurrado e acabando por ser feita a apreensão do material, porque o agente L.............. o impediu, segurando o arguido, deitando lhe uma mão ao pescoço e outra a um dos braços”.

Antes de mais, deve dizer-se que as alegações do recorrente, relativas ao facto de ser titular de uma licença internacional de mergulho (provado) e de se encontrar, na altura, licitamente nessa prática, são irrelevantes. O recorrente não foi punido por esses factos, nem eles afastam a possibilidade da ocorrência dada como provada.

Também não são decisivas as alegadas “contradições dos depoimentos” que o arguido considera “FLAGRANTES E EVIDENTES” (art. 63º das alegações), como facilmente se demonstrará.
Quanto “…à legalidade de o arguido estar a fazer mergulho”, a sua irrelevância decorre de tal facto não ter tido qualquer reflexo na incriminação;
Quanto às divergências sobre o “muro” (“o chefe I.............. fala em murito, o comandante J.............. em muro e o gente L.............. em parede”) as mesmas são irrelevantes: falar em “muro”, “murito” e “parede” são divergências de palavras, sendo evidente que o objecto nomeado é o mesmo.
A apontada contradição “quanto ao momento da apreensão do material” (o chefe I.............. diz que a determinou após falar com o H.............., o agente L.............. diz depois e o comandante J.............. também) não tem qualquer relevo. Na verdade, a questão de saber se a apreensão foi determinada antes ou depois de o chefe I.............. falar com o H.............. não tem qualquer significado.
A apontada contradição relativamente à identificação do arguido, (“o chefe I.............. diz que ninguém o fez, o agente L.............. diz que o arguido o fez logo que o solicitou”) também não tem qualquer interesse, dado que não tem repercussões no ilícito;
Quanto à alegação de que “o arguido se encontrava apenas a fazer mergulho” é (como vimos) irrelevante, já que esse facto foi dado como provado e não teve influência na condenação;
Finalmente e quanto à agressão, diz o arguido: “quanto à suposta agressão, o chefe I.............. disse que sofreu um empurrão que bateu com a perna num murito, acrescentando que a agressão é subjectiva; o agente L.............. disse que o Chefe I.............. foi empurrado pelo arguido contra uma parede não reconhecendo ter havido agressão, e o comandante J.............. entende ter havido uma agressão”. Neste ponto, é irrelevante sabermos se as testemunhas entendem que o empurrão é ou não uma agressão. O facto provado no ponto 5 não se refere a qualquer agressão, mas sim a um “empurrão com força”, implicando que o Chefe I.............. tenha ido “de encontro a um muro”. Os depoimentos das testemunhas não põem em causa este facto, pois a divergência está apenas na qualificação que cada uma delas atribui a esse empurrão, considerando-o ou não uma “agressão”. Portanto, no que respeita ao facto dado como provado, nenhuma contradição existe.
De resto e quanto a este ponto, o Tribunal Colectivo explicitou (na motivação da matéria de facto) que as testemunhas I.............., L.............., e J………… “… foram unânimes em considerar que o arguido empurrou o chefe I.............. quando este pegou no material, por forma a impedi-lo de proceder à apreensão do mesmo material, bem como descreveram a conduta do agente L.............. para impedir o arguido de concretizar os seus interesses” (fls. 1040).

A convicção do julgador é assim possível e plausível, tendo em conta as regras da experiência comum, sendo manifestamente inconcludente a invocação da violação do princípio in dubio pro reo.

Direito de resistência
Diz ainda o arguido que agiu no âmbito do direito de resistência consagrado no art. 21º da CRP. De facto, acrescenta, não teve qualquer intenção de empregar violência, tendo-se tratado de “mera reacção” (agarrar a sua botija, de forma a impedir que a levassem).

Vejamos este ponto

De acordo com o art. 21º da CRP (direito de resistência)), todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.
No caso dos autos, o direito que o arguido pretendia proteger era a sua botija de mergulho (direito de propriedade), perante a ordem de apreensão da autoridade pública. É assim totalmente deslocada a invocação do direito de resistência, uma vez que o arguido tinha todas as garantias de defesa do seu direito de propriedade, caso a botija fosse apreendida pelas autoridades (cfr. arts 178º e seguintes do C. P. Penal).

O argumento fundado na mera reacção (falta de dolo), também não tem razão de ser. O recorrente alega a este respeito uma factualidade algo diversa daquela que se provou. Na verdade, o que se provou foi algo mais do que a “mera reacção”, pois deu-se como assente que o arguido empurrou com força o Chefe I.............., com vista a evitar a apreensão da botija. “Empurrar alguém com força para evitar uma apreensão” não pode de forma alguma reconduzir-se a uma mera acção reflexa; trata-se de facto de uma atitude evidenciando consciência da situação, com a qual se discorda e contra a qual se reage agressivamente.

É assim manifesto que o recorrente não tem, neste ponto, qualquer razão.

A procedência do recurso do arguido, relativamente aos crimes de difamação por que foi condenado, implica a sua absolvição dos pedidos de indemnização cível, uma vez que estes tinham por base a prática dos referidos crimes de difamação e implica também a desnecessidade de se proceder ao cúmulo jurídico.

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:
a) Modificar a matéria de facto provada no processo n.º …../03.2 TAPVZ, nos termos acima expostos;
b) Revogar o acórdão recorrido quanto à condenação do arguido C…………. como autor material de dois crimes de difamação, p. e p. pelo art. 180º do C. Penal e, consequentemente, absolvê-lo da prática de tais crimes, bem como dos pedidos de indemnização cível baseados em tais ilícitos.
c) Manter, no mais, o acórdão recorrido.
d) Condenar o arguido e o assistente E……….. nas custas, na proporção dos respectivos decaimentos, fixando a taxa de justiça em 3 UC.

Porto, 21 de Fevereiro de 2007
Èlia Costa de Mendonça São Pedro
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
José Manuel Baião Papão