Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1190/20.1T8FLG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
COBERTURA
Nº do Documento: RP202312071190/20.1T8FLG-A.P1
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Os interessados na partilha são citados, nos termos do art. 1104.º do CPC, para, no prazo de 30 dias, entre outras coisas reclamarem da relação de bens ou impugnarem os créditos e as dívidas da herança.
II – Se nessa oportunidade for deduzida reclamação à relação de bens seguem-se os termos do art. 1105.º e seguintes; se não for deduzida reclamação, a relação de bens consolida-se para efeitos do processo e o processo avança para a fase seguinte, ficando precludidas as questões que podiam ter sido suscitadas na sequência da notificação e dentro do respectivo prazo legal.
III - Se for ordenado que a cabeça de casal apresente uma relação de bens que sintetize o estado do processo nesse momento, os demais interessados podem exercer o contraditório quanto à relação apresentada, mas não podem exercer direitos processuais anteriormente exercidos ou que se mostram precludidos, como suscitar de novo uma reclamação já antes indeferida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2023:1190.20.1T8FLG.A.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
Em 24.11.2020, AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., Felgueiras, instaurou processo de inventário para partilha das heranças de seus pais BB, falecido em 24 de Fevereiro de 2010 e CC, falecida em 23 de Dezembro de 2017.
Na ocasião identificou os herdeiros, e indicou oito imóveis como sendo os bens a partilhar, afirmando que as heranças «não têm passivo».
Foi nomeada cabeça de casal a interessada DD e ordenada a sua citação nos termos e para os efeitos dos artigos 1100º, nº 2, alínea b), e 1102º do Código de Processo Civil.
Em 23.02.2021, a cabeça de casal apresentou requerimento subscrito pela própria no qual refere que «1. Concorda com os bens indicados por AA, por serem esses os bens a partilhar. 2. Acrescenta, contudo, que suportou com dinheiro próprio despesas relativas à herança e que são as seguintes: Lixo, seguros e electricidade 3.257,45€, contribuição e impostos relativos aos imóveis comuns 1.381,24€, habilitação de herdeiros e registos 626,00 €. 3. Em face do exposto é a herança devedora à minha pessoa da quantia de 5.264,69 €, que terá que ser levada em conta».
Instada a dar cumprimento integral à nota de citação, a cabeça de casal em novo requerimento subscrito pela própria veio singelamente afirmar que «concorda com os bens indicados por AA, por serem esses os bens a partilhar».
Os herdeiros indicados foram de seguida citados e a herdeira requerente notificada nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 1104.º do Código do Processo Civil, podendo, no prazo de 30 dias, deduzir oposição ao inventário, impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros, impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações, apresentar reclamação da relação de bens, impugnar os créditos e as dívidas da herança.
N sequência dessas citações e notificação nenhum dos herdeiros se manifestou ou requereu o que quer que seja.
Em consequência foram de seguida notificados para, nos termos e para os efeitos do artigo 1110º, nº 1, alínea b), do Código de Processo, Civil, proporem forma à partilha, da qual constem os direitos de cada interessado e o preenchimento dos seus quinhões.
A requerente propôs forma à partilha, nela incluindo o passivo de 5.264,69€ a favor da cabeça de casal. Mais ninguém se pronunciou.
Foi proferido despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados e a distribuição da responsabilidade pelo passivo de 5 264,69€, e designado dia para a realização da conferência de interessados.
Em 21.03.2022, foi realizada conferência de interessados na qual pelos mandatários presentes foi dito terem sido «informados de que existirão bens que integram a herança para além dos relacionados e tendo em conta as fortes possibilidade de solução consensual que inclua os mesmos de forma a evitar a necessidade de uma partilha adicional» e por isso «requerem a suspensão instância pelo período de trinta dias», o que foi deferido «nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 4 do Código de Processo Civil».
Em 29.03.2022, os interessados EE e FF apresentaram requerimento dizendo:
A) Da falta de inclusão de activos:
1. Na relação de bens indicada pela cabeça-de-casal, não consta qualquer quantia monetária de que fosse titular o Inventariado.
2. Sucede que, os ora requerentes tiveram agora conhecimento que o inventariado teria contas bancárias na Banco 1... e no Banco 2... – ....
3. Pelo que se requer infra que seja notificada a cabeça de casal para vir aos autos informar e comprovar tais contas, uma vez que os aqui requerentes não têm acesso a quaisquer contas do Inventariado e, por via disso se requer, a notificação da cabeça de casal, do Banco de Portugal, do Instituto de Seguros de Portugal, aos A... e ao Banco 2..., para virem informar os autos quais as contas bancárias ou planos de poupança existentes em nome do Inventariado.
4. Requerendo ainda a notificação das instituições bancárias indicadas para virem aos autos juntar os extractos de todas as contas ou planos de poupança titulados em nome de ambos, até à data da morte do Inventariado.
5. Sendo certo que os valores que eventualmente existam, ou que, existindo, por lapso, não tenham sido indicados pela cabeça de casal, pertencem à herança, devendo ser incluído na relação de bens.
6. Na relação de bens também não constam peças em ouro, como: ouro, cordões, brincos com libras, arrecadas, correntes, trancelim, anéis.
7. Dever-se á ainda de relacionar o valor da exploração dos terrenos identificados nas verbas 3 e 4, que são exploradas por duas herdeiras: AA e DD e que daí extraem fruta, cereais/milho e vinho, usando a água e electricidade dos valores referidos nas despesas do inventário.
8. Bem como devem ser relacionados os móveis e alfaias agrícolas e,
9. Um conjunto de loiça suíça oferecido aos inventariados pelo interessado EE.
B) Quanto aos valores atribuídos pela cabeça de casal:
10. Na relação de bens apresentada pela cabeça de casal a mesma indica os bens imóveis descritos nas verbas 1 e 7, tendo-lhe atribuído o valor patrimonial.
11. Ora, apesar de serem os valores que consta na caderneta predial, a verdade é que tais valores ficam muito aquém do valor de mercado indicado.
12. Pelo que, e também quanto a este particular, se requer seja o mesmo objecto de perícia, onde se determine o real valor de mercado dos imóveis indicados.
De referir ainda que o terreno elencado nas Verba Dois do Activo pertence ao interessado EE, conforme resulta do Doc. n.º 1, ora junto.
E que parte da Verba 1 “in fine” (prédio rústico) pertence à interessada FF, tendo pago a seu pai, à época, 400.000$00 por tal prédio, que continuou a ficar em nome de seus pais. Tal prédio rústico está incluído no Loteamento ..., ..., inscrito na matriz predial rústica ....
Nestes termos, deve o presente aditamento - bens em falta, ser julgada procedente e provada, com as legais consequências
A requerente do inventário opôs-se (req. ref. ª 7876196) dizendo:
«1. Salvo o devido respeito a reclamação é extemporânea e deve ser indeferida.
2. Na verdade, os interessados foram notificados para, querendo reclamar da relação apresentada pela cabeça de casal e nada fizeram, pelo que, estão legalmente impedidos de o fazer neste momento.
Sem prescindir,
3. Quanto à questão suscitada em A, dir-se-á que a conta da Banco 1... encontrava-se titulada pelo pai e pela interessada FF, pelo que deverá ser a mesma a juntar os elementos e saldos relativos à dita conta bancária.
4. Quanto à conta no Banco 2..., não existe qualquer saldo à data da morte do último falecido. O dinheiro que aí existia foi gasto pelos falecidos no que bem entendeu.
5. Não há por isso, qualquer verba a relacionar a tal título.
6. Quanto ao ouro, existe o seguinte: 1 cordão, 2 pares de brincos, alianças e 4 anéis.
7. O alegado em 7 não tem qualquer fundamento, não existindo nada a relacionar. Os terrenos em causa são agricultados sem qualquer rendimento, apenas para se manter limpo.
8. Quanto ao alegado em 8, existe 1 moinho e 1 máquina de limpar milho, mas avariados e sem qualquer valor económico.
9. Quanto ao 9, desconhece a existência de qualquer loiça.
10. No que ao alegado de 10 a 12 respeita: o valor indicado é irrelevante, na medida em que, não havendo acordo, seguir-se-ão licitações, podendo aí, qualquer um dos interessados licitar pelo valor que bem entender.
(…) 13. Impugna-se o documento junto como doc. n.º 1, tanto mais que do mesmo não resulta a propriedade do terreno pelo referido EE, nem faz qualquer sentido atribuir um valor duma dívida no valor de 35.000 € quando o valor gasto foi cerca de 10% disso mesmo – 740.000,00 €.
14. Finalmente é falso e por isso se impugna que a verba 1 in fine pertença à interessada FF, bem como é falso que a mesma tenha pago qualquer valor ao seu pai.
(…) 16. Termos em que deverão os prédios referidos manter-se na relação de bens para partilha.»
Em requerimento de 22.04.2022, a cabeça de casal veio declarar:
«(…) adita ao passivo, o valor pago de IMI - 68,99 € e 68,98 €, bem como facturas de lixo vencidas até Abril de 2022, tudo no valor de 522,53 €.
Quanto ao activo:
Há a relacionar os seguintes bens que por lapso não indicou:
Verba 1
Uma prensa com o valor de 100€
Verba 2
Um ralador de uvas o valor de 50€
Verba 3
Uma cuba em inox com o valor de 100€
Verba 4
Um moinho em mau estado com o valor de 50€.
Verba 5
Recheio da casa, composta de mobiliário usado e incompleto de três quartos, uma sala e louças usadas, tudo com o valor global de 500€.»
Foi cumprido o contraditório em relação aos demais interessados, os quais nada disseram, e depois foi proferido o seguinte despacho:
«Tendo em conta o tramitado observado após a realização da conferência de interessados, constata-se que inexiste qualquer acordo de todos os interessados quanto à composição do acervo talqualmente este resultava definido na relação de bens oportunamente apresentada.
Assim, inexistindo acordo dos interessados e mostrando-se há muito ultrapassado o prazo para apresentação de reclamação à relação de bens, o que ora vem requerido a ref.ª 7876196 é extemporâneo, daqui resultando gorado o propósito que determinou a suspensão da instância em sede de conferência de interessados.
Em face do exposto: julgo cessada a suspensão da instância; para a realização da conferência de interessados, designo o próximo dia 10.10.2022, pelas 10 horas.»
Em 09.10.2022, o interessado EE apresentou requerimento (ref.ª 8243315) no qual afirma:
«I. Por requerimento apresentado em 29/03/2022, relacionou o aqui interessado, os bens que se encontravam em falta na relação de bens apresentada nos autos.
II. (…) por requerimento datado de 19/04/2022, apresentou a requerente a sua resposta àquele, onde atesta não reconhecer qualquer bem dito por adicional à relação de bens apresentada, que não, a efectiva existência de ouro.
III. No entanto, com tal fundamentação vertida no requerimento último mencionado, não pode o requerente conformar-se
IV. Porquanto considera que se está na iminência de uma sonegação de bens na administração da herança que, pelo presente, se pretende partilhar.
(…) V. O aqui interessado, movido pelas suas suspeitas quanto à (i)existência de contas bancárias e saldos bancários, deslocou-se ao Banco de Portugal onde teve acesso ao documento que aqui se junta (…),
VI. Este documento, oficial, atesta a informação das contas bancárias tituladas pelos de cujus. Datas de constituição e datas de encerramento.
VII. Assim, (…) o de cujus BB tinha duas contas bancárias em seu nome: i. (…), constituída em 27/01/1988, e encerrada em 17/07/2018; ii. (…), constituída em 31/10/2000, e encerrada em 30/01/2018.
VIII. (…) a de cujus CC, tinha igualmente as mesmas duas contas bancárias em seu nome: i. (…), constituída em 27/01/1988, e encerrada em 17/07/2018; ii. (…), constituída em 31/10/2000, e encerrada em 30/01/2018.
IX. Repare-se que, os de cujus BB e CC faleceram, respectivamente, em 24/02/2010 e 17/12/2017.
X. Pelo que, ainda que a conta bancária com o IBAN … tenha sido encerrada cerca de um mês e meio após a morte do último, de CC, - o que não se compadece com as alegações da Requerente AA quanto à inexistência de contas e saldos bancários -,
XI. Certo é que, a conta bancária com o IBAN …, foi encerrada somente no mês de Julho do ano de 2018.
XII. Não tendo sido, portanto, prestadas quaisquer contas aos restantes herdeiros sobre tais contas, sobre os seus saldos bancários a 60 dias anteriores ao falecimento, ou após estes.
XIII. Estas contas bancárias estão a ser ocultadas pelas denunciadas, como que se nunca tivessem existido, com o propósito de não serem, com certeza, prestadas as devidas contas.
XIV. Se porventura inexistiam saldos bancários como a denunciada AA alega, porque foi encerrada uma das contas em Janeiro de 2018 e a outra somente em Julho de 2018?
XV. Prestaram-se falsas declarações nestes autos.
(…) XVI. Foi refutado o teor do documento junto com o requerimento apresentado em 29/03/2022, cujo conteúdo atesta uma dívida da herança ao aqui interessado.
XVII. Divida esta e documento este, do profundo conhecimento da requerente, e não de agora. De sempre.
XVIII. Pelo que, foram, uma vez mais, prestadas falsas declarações nestes autos.
XIX. “O herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça-de-casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis.”
XX. Pelo que, considera o interessado, salvo melhor, que é importante que, com clareza, se afira da efectiva existência destes bens,
XXI. Porquanto, a estarem a ser ocultados e/ou omitidos bens – como o estão -, em crise se colocará a certeza dos quinhões que, a cada herdeiro, caberá.
XXII. Uma vez que a consequência legal da sonegação de bens, implica directamente a perda do direito que possa ter sobre qualquer parte dos bens sonegados.
(…) XXIII. Em face de tudo quanto aqui exposto, e porque são claras as intenções subjacentes às falsas declarações que foram prestadas nestes autos,
XXIV. E porque o aqui interessado é a favor da verdade, e da justiça,
XXV. Apresentou o aqui interessado queixa-crime pela suspeita da prática dos crimes de abuso de confiança e burla (…).
XXVI. Almejando que o decurso do inquérito e das investigações ao mesmo adstritas, comprovem a má-fé das ali Denunciadas na presente demanda,
XXVII. Assim como, a má gestão, a gestão e administração danosa da herança até à presente data.»
A requerente do inventário opôs-se dizendo:
«1. Salvo o devido respeito a reclamação é extemporânea e deve ser indeferida.
2. Na verdade, os interessados foram notificados para, querendo reclamar da relação apresentada ela cabeça de casal e nada fizeram, pelo que, estão, legalmente impedidos de o fazer neste momento.
3. Não é pelo facto de mudar de advogado, que a parte «ganha direito» a apresentar nova reclamação.
4. Termos em que deve o requerido ser indeferido.
(…) 5. Quanto à participação criminal apresentada, a mesma, não só não tem qualquer fundamento, como não tem o condão de interferir com o normal andamento dos presentes autos.
6. A seu tempo, se reagirá ao expediente, a que, os interessados se lembraram de recorrer.»
Por despacho de 26.10.2022, foi decidido o seguinte:
«Ref.ª 8243315:
(…) veio o interessado EE alegar a existência de contas bancárias da titularidade dos aqui inventariados (juntando documento impresso de pesquisa do Banco de Portugal) e, bem assim, negar o desconhecimento do cabeça de casal quanto à alegada dívida da herança ao aqui requerente (e a que este já havia feito alusão no seu requerimento de 29.03.2022).
A partir da alegação destes dois pontos, o aludido interessado refere estar-se na iminência de uma sonegação de bens (ponto IV) e afirma ter ocorrido, por banda da requerente dos autos de inventário e da cabeça de casal, a prestação de falsas declarações, dando ademais conta de ter apresentado queixa criminal pela prática dos crimes de burla e abuso de confiança (ponto XXV).
Apreciando.
Logo à cabeça, importará referir que, pese embora discorra ao longo de 27 artigos, em bom rigor, o requerimento do interessado não culmina com a dedução de qualquer pretensão concreta ou que, sem margem para dúvidas, se reconduza à prática de qualquer acto processual previsto na marcha do processo de inventário.
Queremos, com tanto, referir que é, quanto a nós, e tendo em conta o disposto no art.3.º n.º 1 CPC, pelo menos opaca, a pretensão do interessado com o requerimento apreciado já que, de forma expressa, pelo menos, nada é pedido ao tribunal.
Não obstante, e considerando, por um lado, a redacção do ponto XX do requerimento e, bem assim, a interpretação dada pela requerente (cf. ref.ª 7876196), o requerimento ora apreciado apenas poderá, em termos hábeis, ser apreciado como uma reclamação à relação de bens (por via da qual pretende o interessado EE adicionar verbas ao activo e passivo relacionado).
Colocada assim a questão, importa então fazer breve referência ao tramitado observado nos autos:
a) Por requerimento de 10.09.2021 (ref.ª 7334771), a cabeça de casal nomeada, por remissão para o requerimento inicial, indicou a relação de bens;
b) Após, foram todos os interessados citados em conformidade, tendo o aqui interessado EE, 17.09.2021, sido citado para os termos dos autos e para, entre o mais, pretendendo, apresentar a sua reclamação à relação de bens apresentada (cf. ref.ª 7391275);
c) Não tendo sido apresentadas quaisquer reclamações, foram todos os interessados notificados nos termos e para os efeitos do disposto no art.1110.º n.º 1 alínea b) CPC, tendo sido, a 29.01.2022, proferido despacho a dar forma à partilha e convocada a conferência de interessados;
d) Tal conferência de interessados teve lugar a 21.03.2022 e no âmbito da qual os interessados requereram – e foi concedida – a suspensão da instância de forma a fazer abranger do inventário verbas das quais teriam tido entretanto conhecimento e a alcançar uma solução consensual que as abrangesse também de forma a evitar a necessidade de partilhas adicionais;
e) Não obstante o pressuposto da concessão da suspensão de instância, o interessado, por requerimento de 29.03.2022, alegou a existência de uma dívida da herança de que é titular, pretendendo a sua relacionação, pretensão a que a requerente se opôs por extemporaneidade;
f) Após, e dada a falta de consenso – fosse para fazer incluir no acervo verbas não inicialmente consideradas fosse para pôr termo ao processo – foi convocada nova conferência de interessados, realizada no passado dia 10.10.2022, dia seguinte à apresentação do requerimento que ora se aprecia.
Analisando tal tramitação, cremos não restarem grandes dúvidas que, à presente data, a pretensão do interessado EE, tendo sido apresentada quase um ano depois de ter sido citado para os termos dos autos e notificado para, querendo, reclamar da relação de bens, é claramente extemporânea (e já o era aquando da apresentação do seu requerimento em 29.03.2022, após a primeira conferência de interessados).
Com efeito, cremos também não suscitar dúvida que o prazo a que alude o art.1104.º n.º 1 alínea d) CPC, sendo um prazo processual, é um prazo peremptório, cujo curso, uma vez verificado, extingue o direito à prática do acto. Donde, e volvido que há muito se encontra tal prazo, não pode o interessado, ao arrepio de qualquer expectativa legítima dos demais interessados na tramitação processual observada, e face à inexistência de consenso nesse sentido, pretender fazer recuar os autos ao ponto de exercer uma faculdade processual que, pela sua inércia, fez precludir.
Em face do exposto: indefere-se o requerido (nos termos acima enquadrados); notifique a cabeça de casal para, no prazo de 10 dias, juntar relação de bens actualizada de acordo com determinado em sede de conferência de interessados; no mais, aguardem os autos, a avaliação determinada naquela diligência.»
Este despacho foi notificado aos interessados e não foi impugnado.
Em cumprimento do despacho, a cabeça de casal apresentou relação de bens actualizada, eliminando o imóvel que por acordo dos interessados na conferência de interessados havia sido excluído do acervo hereditário, inscrevendo os bens móveis nas verbas 8 a 14 e o passivo do seguinte modo:
«Dívida à cabeça de casal por despesas suportadas por esta nos termos seguintes:
Lixo, seguros e electricidade 3.778,63€
Contribuição e impostos relativos aos imóveis comuns 1.519,21€
Habilitação de herdeiros e registos 726,02€
Campa em pedra mármore no valor de 2.000€
Aquisição da campa n.º ... do canteiro 1 no cemitério ... 500€
Encerramento de duas contas bancárias na Banco 1... 100€
Total do passivo dívida à cabeça de casal 8.623,86€»
Em 18.11.2022 os interessados EE e FF, em requerimento separados mas de igual conteúdo (ref.ª 8349040 e 8349921), vieram acusar a falta na relação de bens do saldo das contas bancárias dos inventariados à data do respectivo óbito e de bens em ouro, contestar o valor atribuído a alguns dos bens móveis e impugnar a dívida da herança relacionada enquanto não for feita a prova das despesas.
A cabeça de casal e a requerente do inventário opuseram-se, sustentando que estamos perante uma nova reclamação da relação de bens que já antes foi indeferida por duas vezes, que a relação de bens apresentada por último é apenas uma actualização e que os requerentes litigam de má fé.
Por despacho de 12.12.2022, foi decidido:
«Ref.ª 8349040 e 8349921:
Por via dos requerimentos epigrafados, vieram os interessados EE e FF apresentar reclamação à relação de bens na sequência da relação de bens apresentada pela cabeça de casal a ref.ª 8310400.
Sucede que, e como nos parece, de forma clara e objectiva, que resulta explanado no despacho que antecede, a fase processual de reclamação à relação de bens há muito que, nestes autos, se encontra ultrapassada, tendo a “nova” relação de bens apresentada servido apenas, e como também explicado, o propósito de acolher em documento único a relação de bens como cristalizada nestes autos (e fruto de actos processuais tempestivamente praticados e do acordo dos interessados posteriormente alcançado, mormente, em sede de conferência de interessados) e forma facilitar os termos subsequentes dos autos.
Dito de outra forma, a referida relação de bens apresentada pela cabeça de casal a ref.ª 8310400 surgiu apenas com o apontado propósito e no uso dos poderes de gestão processual de que ao tribunal cumpre lançar mão para simplificar os termos dos autos. Não serve, como é evidente, para criar ou repetir frases processuais que já se encontram precludidas, postergando não apenas as regras que regulam a marcha processual como as expectativas legítimas dos interessados na observância das mesmas.
Tudo o que ora é descrito já resulta do despacho que antecede pelo que os requerimentos ora apreciados, salvo o devido respeito, apenas se explicam pela recalcitrante “vontade” dos interessados FF e EE de fazer valer a sua pretensão de verem apreciadas questões, pretensão que, repetimos, não tem subsídio legal e que, por essa razão, se perfila como uma conduta processual que importa sancionar.
Em face do exposto, indefere-se o requerido e, pelo seu carácter anómalo e por configurar litigância imponderada e irreflectida que entorpece a lide, tributa-se o incidente em 3 UC´s (art.531.º CPC).»
Do assim decidido, os interessados EE e FF interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I- Tem por objecto este recurso o Despacho do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo Local Cível de Felgueiras | J1, proferido pela Mma. Juiz a quo, datado de 12-12-2022, com a referência CITIUS 90588619, que considerou extemporânea a reclamação do recorrente EE, à segunda relação de bens apresentada nos autos.
II- Por requerimento de 10.09.2021 (ref.ª 7334771), a cabeça de casal nomeada, por remissão para o requerimento inicial, indicou a relação de bens (sendo que na mesma indicava-se a não existência de passivo).
III- A 29.01.2022, proferido despacho a dar forma aÌ partilha e convocada a conferência de interessados que teve lugar a 21.03.2022 e foi concedida - a suspensão da instância de forma a fazer abranger do inventário verbas das quais teriam tido, entretanto conhecimento e a alcançar uma solução consensual que as abrangesse de forma a evitar a necessidade de partilhas adicionais;
IV- Após, e dada a falta de consenso - fosse para fazer incluir no acervo verbas não inicialmente consideradas - foi convocada nova conferência de interessados, realizada no passado dia 10.10.2022, dia seguinte aÌ apresentação do requerimento que ora se aprecia.” - Despacho de 26-10- 2022, registado sob a referência CITIUS 90126841.
V- A segunda relação de bens foi apresentada no dia 03/11/2022 e reclamada tempestivamente no dia 18/11/2022.
VI- Por requerimento superveniente a 09-10-2022, o interessado EE juntou aos autos documentos, documentos esses que foram obtidos no dia 8-10-2022.
VII- Esses documentos traduziam-se em dois mapas do Banco de Portugal relativamente às contas número ..., ... e ..., tituladas à data das suas mortes pelos inventariados BB e CC tendo a junção de tais documentos se dado nessa fase processual pelo facto do recorrido apenas naquela data ter tido deles conhecimento.
VIII- Pelo que, apresentou o Recorrente uma queixa-crime que deu entrada no dia 8-10-2022 contra a inventariante e a cabeça de casal pelos crimes de abuso de confiança e de burla, pois através de documentos juntos aos autos o tribunal teve conhecimento da omissão das contas bancárias que fazem parte da herança.
IX- Deste modo, foi posterior o conhecimento concreto da existência de determinadas contas bancárias, cujos nomes e número de contas foram juntas, com a informação do Banco de Portugal datada de 7-10-2022.
X- Com tais documentos verificou-se ainda que as mesmas teriam sido encerradas muito após a morte do falecido pai, tendo também acontecido situação idêntica com a morte da mãe do ora recorrente.
XI- Estes factos supervenientes e concretos foram expostos ao tribunal um dia antes da segunda conferência de interessados tendo sido junto aos autos, os respectivos números das contas e respectivas datas de encerramento. Ora tal situação traduziu-se num facto superveniente ao qual o tribunal não pode de todo ficar indiferente.
XII- Ademais, é de ter em conta que inicialmente declarou a cabeça de casal a inexistência de passivo. Posteriormente, veio declarar que, afinal, o passivo se fixava em €5.000 (cinco mil euros) sem juntar qualquer documento comprovativo conforme exige a lei – vide neste sentido o artigo 1102º.
XIII- A acrescer a isto, ocorre que, aquando da entrega da segunda relação de bens, veio o cabeça de casal já fixar o passivo em €8.000.
XIV- Não se compreendendo, pois inicialmente inexistia passivo, depois eram €5.000 (cinco mil euros) e depois já se fixava em €8.000.
XV- Não obstante o pressuposto da concessão da suspensão de instância, o interessado, por requerimento de 29.03.2022, alegou a existência de uma dívida da herança̧, pretendendo a sua relacionação, pretensão a que a requerente se opôs.
XVI- Acontece que, na data melhor identificada em XV não havia, porém, nenhum conhecimento de facto, do número das contas,
XVII- Nem tampouco que as mesmas teriam sido encerradas após a morte do de cujos, tal conhecimento só ocorreu posteriormente, quando um dia antes da segunda conferência de interessados o recorrente teve acesso aos documentos do Banco de Portugal.
XVIII- Pelo que a cabeça de casal, para além de ter omitido as contas bem sabendo da sua existência, ainda relacionou verbas que bem sabia serem pertença do Interessado EE pois sempre foi designado como o “terreno do EE”. E, só admite a veracidade deste facto, após a apresentação do articulado superveniente e da apresentação da queixa-crime.
XIX- Pelo que, pelo nosso entender houve confissão de uma clara tentativa de burla e falsas declarações por parte destes.
XX- Tentativa essa que só não surtiu efeito porque perante a queixa crime apresentada as mesmas recuaram com anuência dos restantes inventariados esclarecendo que a verba não era pertença da herança.
XXI- Assim, perante esta confissão a Sra. Dra. Juiz deu-lhe a oportunidade de apresentar nova relação de bens.
XXII- No fundo a excelentíssima senhora doutora juiz perante tal audição, a qual não podia e não pode ficar imune permitiu no âmbito seus poderes de gestão processual uma nova relação de bens.
XXIII- Para que, não só se adicionassem os novos bens em falta, mas também que se evitasse, como muita probabilidade, aí ilícitos criminais, pois, se assim não fosse teríamos como bem da herança um bem que é pertença de apenas um herdeiro, podendo estar a criar uma vantagem patrimonial para o activo hereditário.
XXIV- Esta situação seria de todo uma situação gravíssima com a qual a Mmª Juiz não poderia compactuar.
XXV- No entanto, a 26-10-2022, a Mma. Juiz emitiu Despacho onde entendeu que o requerimento apresentado pelos interessados constituía uma reclamação à relação de bens apresentada inicialmente e, por isso, extemporânea, indeferindo a pretensão do ora recorrente.
XXVI- Acresce que nesse douto Despacho a Mma. Juiz notifica a cabeça de casal para apresentar relação de bens actualizada de acordo com o determinado em sede de conferência de interessados realizada a 10-10-2022.
XXVII- Contudo, se atentarmos à Acta da conferência de interessados, registada sob a referência CITIUS 89988072, na mesma nada consta relativamente à apresentação de uma relação de bens actualizada.
XXVIII- Dando cumprimento ao ordenado pela Mma. Juiz, a cabeça-de- casal apresenta, a 03-11-2022, uma nova relação de bens.
XXIX- Caso se tratasse de uma relação de bens actualizada, segundo a acta da segunda conferencia de interessados, então só poderia ter sido retirada a verba que era pertença do interessado EE.
XXX- Contudo, nesta nova relação de bens apresentada, aparecem do lado do passivo novas dívidas da herança, que até aqui eram desconhecidas.
XXXI- O passivo passa a ter um valor muito superior ao da primeira relação de bens, sem que seja junto quaisquer comprovativos/documentos para a apresentação desse novo passivo.
XXXII- E, como já tinha sido referido pelo interessado EE no requerimento de 09-10-2022 surgem relacionadas, pela primeira vez, e para surpresa do interessado, peças em ouro.
XXXIII- Ainda assim, a conta do Banco 2... que a cabeça de casal confirmou existir na conferencia de interessados a 10-10-2022, continuou sem ser relacionada.
XXXIV- Assim, o interessado EE respondeu à nova relação de bens, apresentando a sua reclamação no mesmo sentido do requerimento apresentado anteriormente.
XXXV- Isto porque, ao contrário do que alega a Mma. Juiz e que se comprova pela comparação das duas relações de bens apresentada, estamos perante uma nova relação de bens e não uma relação de bens actualizada.
XXXVI- Na segunda conferência de interessados aquilo que ficou estabelecido foi a apresentação de uma nova relação de bens, tendo em conta os bens em falta, como aliás reconhece a Mma. Juiz quando, no despacho de que agora se recorre, datado de 12-12-2022 refere que “(...) a referida relação de bens apresentada pela cabeça de casal a ref.ª 8310400 surgiu apenas com o apontado propósito e no uso de poderes de gestão processual de que ao tribunal cumpre lançar mão para simplificar os termos dos autos.”.
XXXVII- Assim, os Recorrentes não concordam, nem podem aliás concordar com a falta de inclusão de activos, de que a Mma. Juiz tem conhecimento desde o requerimento que juntou ao processo mapa do Banco de Portugal, onde existem outras contas bancárias e a queixa-crime apresentada junto da entidade policial.
XXXVIII- Pelo que, face a todo o exposto, não se entende como é que a Mma. Juiz indefere o requerido pelo interessado e ainda condena o mesmo a uma multa de 3 UC’s nos termos do art. 321 CPC.
XXXIX- Na realidade conforme acima se expôs, na segunda conferência tudo se alterou, retirando-se aquela verba pertença de apenas um dos interessados, pois, aliás, a inventariada até admitiu que efectivamente aquela verba não pertencia ao acervo hereditário a partilhar.
XL- Antes de tudo importa referir que, ao contrário do agora descrito pela Mma. Juiz, o que ficou estabelecido na segunda conferência de interessados, realizada a 10-10-2022, foi a apresentação de uma nova relação de bens ex-novo, repetindo assim essa fase processual.
XLI- Assim é importante deixar desde já esclarecido que foi permitida a apresentação de uma nova relação de bens, e não uma “nova” relação de bens actualizada.
XLII- E tanto assim foi entendido, que a cabeça de casal na nova relação de bens veio relacionar novo passivo e pela primeira vez relacionou vários objectos em ouro, que anteriormente tinha por requerimento assumido não existirem, sendo que, pelo cargo que ocupa como cabeça de casal está obrigada à verdade.
XLIII- Assim, estamos perante actos que indiciam, a nosso ver, uma tentativa de burla consumada, um crime de abuso de confiança e ainda um crime de falsas declarações previstos e punidos pelo Código Penal.
XLIV- Aqui chegados importa aferir o sentido e alcance deste poder-dever de gestão processual previsto no artigo 6º, nº1 do Código de Processo Civil.
XLV- No exercício deste poder-dever de gestão processual deve o juiz orientar-se sempre pelo fim último que o legislador pretendeu obter com a sua consagração: a realização da função do processo, isto é, a prolação de uma decisão de mérito, justa, obtida de modo eficiente e rápido.
XLVI- Este poder-dever processual desdobra-se num outro poder-dever de suma importância para o processo que é o poder-dever de adequação formal.
XLVII- Este poder-dever, permite ao juiz adoptar mecanismos de simplificação e agilização processual, reconhecido no art. 6º, nº1 do CPC e reforçado no art. 547º do CPC.
XLVIII- Ou seja, este dever de gestão processual não permite ao juiz adaptar o processo a seu bel-prazer, assumindo nos autos a função do legislador e esquecendo que está sujeito à lei (art. 203º da Constituição da República Portuguesa) tanto material como processual, não podendo violar o princípio do contraditório, constitucionalmente consagrado, como ocorre nestes autos.
XLIX- Assim, quando pretenda afastar-se do figurino legal tem de exarar nos autos a razão ou razões por que o faz, por forma sucinta, mas compreensível para as partes, de modo a afastar tanto a arbitrariedade como o desvio do poder.
L- Com a repetição da fase processual da apresentação da relação de bens não estamos perante um afastamento do figurino legal ou do afastamento completo da tramitação processual, mas perante uma adaptação do processo ao caso concreto permitindo que se apresentasse uma nova relação de bens de forma a concentrar nesta mesma partilha todos os bens e evitando processos-crime e ocultação de bens pertencentes à partilha, cujo conhecimento foi posterior à primeira relação de bens.
LI- Até porque conforme acima explanado, estes bens cujo conhecimento foi superveniente à primeira relação de bens, mas antes deste processo transitar em julgado, inviabilizaria uma partilha adicional nos termos da lei (que só permite quando os bens são conhecidos após o trânsito em julgado da primeira partilha).
LII- Ou seja, estamos perante uma nova oportunidade que foi dada às partes para concentrar nesta partilha todos os bens da herança, evitando posteriores partilhas relativamente a bens em falta, que provavelmente não seriam admissíveis pelos motivos acima explanados, e que haviam sido alvo de queixas-crime conforme indicou o interessado EE ora recorrente no seu requerimento datado de 09-10-2022.
LIII- Reiteramos que foi neste mesmo sentido que foi concedida esta nova oportunidade às partes para evitar processos-crime.
LIV- Olhando para os factos do caso concreto e para a nova relação de bens destacamos várias diferenças relativamente à primitiva relação de bens: - eliminação da verba 2 (primeira relação de bens); - inclusão de peças em ouro (anteriormente negadas pela cabeça de casal); - aumento do passivo;
LV- Ora, é um facto que tal relação de bens foi aceite pelo Tribunal recorrido.
LVI- Se, por um lado, surgem eliminadas verbas que o foram por acordo das partes, por outro lado, surgem novas verbas totalmente desconhecidas.
LVII- Nesta nova relação de bens, apresentada a 03-11-2022, a cabeça de casal relaciona, pela primeira vez, peças em ouro que até aqui nunca tinha sido relacionadas e que a mesma atestava não ter qualquer conhecimento da sua existência, estando a mesma obrigada a dizer à verdade que não desconhecia anteriormente.
LVIII- Importa referir que tal facto acontece após a apresentação da queixa-crime contra a cabeça de casal por suspeita de abuso de confiança e de burla.
LIX- Nunca até à data da apresentação da queixa-crime e posterior convite de apresentação de nova relação de bens foi admitida pela cabeça de casal peças em ouro.
LX- Se não estivéssemos perante a apresentação de uma nova relação de bens, permitida pela Mma. Juiz ao abrigo dos poderes-deveres que lhe são facultados então nunca poderiam ter sido incluídas novas verbas sem o acordo das partes.
LXI- Caso contrário estaríamos a conceder à cabeça de casal um benefício em detrimento dos interessados que haviam apresentado a queixa-crime e pondo em causa os próprios trâmites do processo-crime.
LXII- Quanto à verba eliminada, esta foi a única que obteve consenso porquanto era pertença do interessado EE.
LXIII- Se olharmos atentamente para o teor do despacho de 26-10-2022, a Mma. Juiz manda a cabeça de casal juntar a relação de bens actualizada de acordo com o determinado em sede de conferência de interessados.
LXIV- Se assim fosse, a cabeça de casal apenas poderia apresentar uma relação de bens em que fosse eliminada a verba que haviam obtido consenso das partes e que consta da acta da conferência de interessados realizada, registada sob a referência CITIUS 89988072.
LXV- Nunca em momento algum na segunda conferência de interessados foi abordada a questão da existência de ouro, ou de dívidas da herança, quando a requerente à data de PI quando juntou a relação de bens em 24- 11-2020, diz expressamente que a Herança: “não tinha qualquer passivo”.
LXVI- Na nova relação de bens a 24-11-22 a requerente vem alegar diferentemente, um passivo de 8.623,86, sem qualquer justificação para a alteração do passivo, sem alegação, sem documento comprovativo.
LXVII- Tem, pois, o recorrente direito ao contraditório e de exigir ter o conhecimento, de que se tratam tais dividas e quais os documentos que as comprovam, uma vez que na primeira relação de bens junta à PI se afirmava não haver qualquer passivo da herança.
LXVIII- Assim, se não tivesse sido permitida a apresentação de uma nova relação de bens não poderiam ter sido relacionadas novas verbas nomeadamente quanto às peças de ouro e de novas dívidas.
LXIX- Posto isto, já teriam que ter sido relacionados anteriormente as peças em ouro agora relacionadas (verba 13 da nova relação de bens), e não apenas nesta fase processual uma vez que a cabeça de casal nunca reconheceu a sua existência, estando obrigada nestes autos, como cabeça-de-casal, a agir com verdade.
LXX- Ao incluir apenas nesta fase as referidas peças e confessando que as ocultou até à data da apresentação desta nova relação de bens sem que até aqui tenham sido referidas, então estamos perante um caso de sonegação de bens que constituem o acervo hereditário.
LXXI- Se foi permitida à cabeça de casal a apresentação de uma nova relação de bens e a inclusão de verbas desconhecidas, por maioria de razão tem que ser permitido aos restantes interessados que, ao abrigo do princípio do contraditório se possam pronunciar sobre essa relação de bens.
LXXII- Do mesmo modo, não poderiam ter sido relacionadas novas dívidas/encargos da herança que nunca foram aceites pelos interessados em qualquer conferência de interessados sendo assim uma surpresa para os mesmos.
LXXIII- Acresce que, se tal relação de bens se configurasse como uma relação de bens actualizada, deveria ter sido relacionada a conta do Banco 2... que a cabeça de casal reconheceu existir na conferência de interessados quando reconhece a existência de um saldo de cerca de 4.000€ e que teria em sua posse as cadernetas, conforme resulta exposto no requerimento do interessado EE e ora recorrente, datado de 18-11- 2022.
LXXIV- No entanto, e pese embora a apresentação da nova relação de bens tenha sido anterior à reclamação de bens apresentada pelo interessado EE, a Mma. Juiz aceitou-a, tendo de seguida negado ao interessado o exercício do seu direito ao contraditório.
LXXV-A via que pretenda adoptar ao abrigo do poder-dever de gestão processual, não pode contender com os princípios do contraditório, do direito à prova e da igualdade das partes, sob pena de a sua decisão se assumir como ilegal e inclusive inconstitucional, sempre que afaste os direitos fundamentais das partes ou de uma delas (cf. art. 630º, nº2 CPC).
LXXVI- O Direito ao contraditório, consagrado no art. 3º, nº3 do CPC estabelece que “O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório.”.
LXXVII- Ou seja, trata-se de assegurar a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o processo, permitindo, em condições de plena igualdade, influir em todos os seus aspectos.
LXXVIII- Este princípio reflecte-se desde logo no plano da alegação dos factos e no plano da produção da prova.
LXXIX- Ora, tal como o princípio do contraditório não deve obscurecer o objectivo da celeridade processual, também esta não pode conduzir a uma dispensa do contraditório sob o pretexto da sua desnecessidade.
LXXX- Assim, não se entende como é que a Mma. Juiz aceita que na nova relação de bens, apresentada ao abrigo do seu poder de gestão processual, sejam acrescidas novas verbas do lado passivo sem qualquer prova documental bem como a inclusão de verbas que a cabeça de casal sempre “jurou” não existirem e indefira o requerimento do interessado que reclama da nova relação de bens apresentada juntando para tal documentos comprovativos.
LXXXI- Reiteramos que, quanto à reclamação do novo passivo pelo recorrente, existe ainda uma omissão de pronúncia por parte da Mma. Juiz, e por isso, fica ainda mais perplexo o interessado por, ao abrigo do princípio do contraditório - princípio basilar do direito, apresentar a sua reclamação àquilo que constitui uma nova relação de bens e ver esse seu direito violado e ainda condenado em multa.
LXXXII- Tal atitude perpetrada pela Mma. Juiz viola o direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, porquanto há uma violação do princípio basilar da igualdade das partes no processo, por negação ao interessado do princípio do contraditório e consequente condenação em multa.
LXXXIII- No presente caso não estamos perante um acto abusivo do interessado que possa atrasar ou dificultar a obtenção de uma decisão de mérito definitiva que justifique a aplicação de uma multa.
LXXXIV- Ao contrário do que alega a Mma. Juiz não está o interessado a colocar questões anteriormente postas e decididas, fazendo pedidos manifestamente infundados e improcedentes e que se tivesse agido com a devida prudência ou diligência, não teria deduzido.
LXXXV- Continua ainda a faltar uma conta titulada junto do Banco 2... com cerca de 4.000€, confirmada pela cabeça de casal.
LXXXVI- E, pese embora tenham sido relacionadas peças em ouro continuam a faltar inúmeras peças, sendo que, uma vez que são pela primeira vez relacionadas peças, tem que ser permitido ao interessado o exercício do princípio do contraditório.
LXXXVII- Perante tais factos, não está o interessado apenas com “recalcitrante “vontade”” “de fazer valer a sua pretensão”, mas tão só a exercer o seu direito processual mais basilar que é o princípio do contraditório.
LXXXVIII- A Mma. Juiz ao permitir à cabeça de casal que junto novos elementos na nova relação de bens e proibir o exercício do princípio do contraditório ao interessado apenas está a permitir à cabeça de casal que continue a sonegar os bens e valores que fazem parte do acervo hereditário e a violar o princípio da igualdade das partes.
LXXXIX- A sonegação de bens prevista no artigo 2096º do Código Civil trata- se de um fenómeno de ocultação de bens, que pressupõe um facto negativo (omissão de declaração) cumulado com um facto positivo (o dever de declarar por parte do omitente), exigindo-se ainda que essa ocultação seja dolosa.
XC- A disciplina do artigo 2096º do Código Civil, com as sanções neste previstas, pode ser aplicada quer a ocultação tenha lugar existindo processo de inventário quer não.
XCI- A invocação da sonegação de bens exige a instauração de uma acção de partilha em inventário judicial a fim de se activarem nessa sede processual todos os mecanismos que permitam a definição do acervo hereditário e da partilha dos bens.
XCII- Ao indeferir a pretensão do interessado apenas se está a negar o direito à Justiça porquanto este é o processo para aferir da existência de bens que constituem o acervo hereditário.
XCIII- Este artigo, que reproduz nos seus traços essenciais o conceito de sonegação dado no Anteprojecto de Galvão Telles e o tratamento jurídico nele proposto, define a sonegação, tendo em vista a forma de distorção da verdade que, neste ponto, mais importa reprimir, no próprio plano civilística, como a ocultação dolosa, por parte do herdeiro, da existência de bens pertencentes à herança.
XCIV- É uma noção na qual se reúnem elementos de facto com algumas componentes de direito.
XCV- Trata-se, em primeiro lugar, de um fenómeno de ocultação de bens – o qual pressupõe, obviamente, um facto negativo (a omissão de uma declaração) cumulado com um facto jurídico de carácter positivo (o dever de declarar, por parte do omitente).
Termos em que deve o recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se na integra o despacho recorrido, com o que tudo se fará habitual Justiça.
Não foi apresentada resposta a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se os interessados ainda estavam em tempo para suscitar as questões levantadas nos seus requerimentos.
ii. Se se justifica a sanção processual cominada pela apresentação dos requerimentos.

III. Fundamentação de facto:
Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório que antecede.

IV. Matéria de Direito:
A partilha dos bens dos inventariados foi requerida em juízo em 24-11-2020.
Por isso aplica-se a esta partilha o regime adjectivo do processo de inventário dos artigos 1082.º e seguintes na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro.
Este diploma que entre outras coisas alterou o Código de Processo Civil em matéria de processo de inventário (o processo judicial), revogou o regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, (o processo notarial) e a aprovou o (novo) regime do «inventário notarial», entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2020 (artigo 15.º), aplicando-se naturalmente, pelo menos, aos processos «iniciados a partir da data da sua entrada em vigor» (artigo 11.º).
Conforme vem sendo sublinhado pela doutrina e pela jurisprudência, o actual paradigma do processo de inventário é substancialmente diferente do antigo paradigma, tendo o processo sido aproximado de um processo puramente contencioso, ao qual se aplicam supletivamente as regras do processo comum, designadamente aquelas que se prendem com a legalidade dos actos do processo e as cominações aplicáveis à ausência de contestação ou oposição.
Pinheiro Torres, um dos membros do Grupo de Trabalho de revisão do Regime Jurídico do Processo de Inventário nomeado pelo Ministério da Justiça, refere em Notas breves de apresentação do processo de inventário na redacção dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, in Inventário: o novo regime [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2020. [Consult. 18 novemb. 2023]. Disponível na internet: <URL: https://cej.justica.gov.pt/eb_Inventario2020. ISBN: 978-989-9018-26-6, página 13, que um dos objectivos do Grupo de Trabalho era precisamente «a reconstrução e recodificação do processo de inventário judicial», uma vez que entre outros motivos, o modelo anterior, proveniente do Código de Processo Civil de 1961, tinha uma «tramitação excessivamente “sinuosa” (ou pouco linear) …, nomeadamente a … inexistência generalizada de preclusões, que tornavam o processo, a todo o tempo, permeável a incidentes e ao surgimento de “velhas” questões, como se de novas questões se tratasse. Impôs-se, assim, ponderar a necessidade de alterar o paradigma do processo, tornando-o uma verdadeira acção, valorizando os articulados, cometendo a sua direcção mais efectiva ao Juiz, reforçando a responsabilidade das partes na prática dos actos processuais …».
Fruto dessa ponderação, afirma o autor, o novo regime «procurou … concentrar … os “meios de defesa” dos interessados no prazo de 30 dias, contados desde a sua citação para os termos da acção, estabelecendo o artigo 1104.º que este será o prazo para … apresentar reclamação à relação de bens ou impugnar os créditos e as dividas da herança. (…) A omissão do exercício de qualquer destes direitos tem como consequência a sua extinção, sem prejuízo das situações em que seja admissível a apresentação de um articulado superveniente. Exceptua-se dos direitos enunciados (cujo não exercício determina a sua preclusão) a faculdade de um interessado impugnar (é, afinal, disso que se trata) o valor de qualquer bem indicado na relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, relativamente ao qual lhe assistirá direito de o fazer até ao momento do início das licitações, ou seja, já em plena conferência de interessados, como resulta do n.º 1 do artigo 1114.º do CPC
Também Lopes do Rego, in A recapitulação do inventário, Julgar Online, Dezembro de 2019, página 12, afirma que o «novo modelo procedimental parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, envolvendo apelo decisivo a um princípio de concentração, propiciador de que determinado tipo de questões deva ser necessariamente suscitado em certa fase procedimental (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte (…)» e mais à frente (página 13) que «a circunstância de o exercício de determinadas faculdades estar inserido no perímetro de certa fase ou momento processual implica igualmente que, salvo superveniência (nos apertados limites em que esta é considerada relevante, na parte geral do CPC e na regulamentação do processo comum de declaração), qualquer requerimento, pretensão ou oposição tem obrigatoriamente de ser deduzido no momento processual tido por adequado pela lei de processo, sob pena de preclusão».
No mesmo sentido afirmam Miguel Teixeira de Sousa e Outros, in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, pág. 10, que «a estruturação sequencial e compartimentada do processo de inventário envolve algumas cominações e preclusões, inexistentes no regime anterior, tendo o novo regime implícito um reforço da auto-responsabilidade das partes: o modelo consagra um princípio de concentração na invocação dos meios de defesa que é em tudo idêntico ao que vigora no artigo 573º: toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, activo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados têm para deduzirem oposição (artº 1104º). Assim, por exemplo, é no articulado de contestação que os interessados devem suscitar todas as impugnações, reclamações e meios de defesa, quer respeitem à oposição ao inventário, à legitimidade dos citados ou à competência do cabeça de casal, quer se refiram à relação de bens ou aos créditos e dividas da herança. Institui-se, assim, um efeito cominatório, já que a revelia conduz em regra, ao reconhecimento das dívidas não impugnadas (artº 1106º nº 1 do CPC). Posteriormente só podem ser invocados os meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo actuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo de oposição) ou que a lei admita expressamente passado o momento da oposição ou que se prendam com questões que sejam de conhecimento oficioso (artº 573º nº2). Em comparação com o modelo anterior verifica-se por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens devem ser deduzidas na sub-fase da oposição (artºs 1104º nº 1 al. d) e 1105º nº 1) e não a todo o tempo como parecia admitir-se no CP/61».
Mais à frente (pág. 44) acrescentam que «importa salientar que, no novo regime do inventário, foi introduzido um ónus de contestação do requerimento inicial (arts. 1104.º e 1106.º) e um ónus de resposta à contestação (art. 1105.º, n.º 1), o que implica, como efeito cominatório para a falta de resposta ao requerimento inicial ou à oposição, a aceitação dos termos desse requerimento inicial ou dessa oposição. Passa, assim, a vigorar um verdadeiro sistema de preclusões, até agora inexistente, no processo de inventário». E ainda (página 83) que «em regra – nada se prevendo sobre esta matéria no âmbito do processo de inventário, com excepção do que se estabelece para o reconhecimento do passivo (art. 1106.º, n.º 1) – vigora o efeito cominatório semipleno, considerando-se, no caso de revelia, confessados os factos alegados no requerimento de inventário (art. 567.º, n.º 1) e, no caso de falta de impugnação, admitidos por acordo os factos que não hajam sido objecto dessa impugnação (art. 574.º, n.º 1)». Não obstante isso, tendo seguramente em mente o regime dos articulados supervenientes, estes autores em anotação ao artigo 1111º do Código de Processo Civil, referem mais à frente a folhas 104, que «por exemplo, pode algum dos interessados deduzir ainda reclamação contra a relação de bens, alegando e demonstrando que, no momento da oposição prevista no artº 1104º nº 1 al. d), não podia, mesmo agindo com a diligência devida, ter conhecimento do fundamento da reclamação que agora pretende deduzir».
E ainda nesse sentido referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª edição, págs. 553 e 554, que o novo regime legal «recebe os contributos das regras gerais do processo e da acção declarativa, o que especialmente se evidencia pelo que se dispõe acerca da concentração e da preclusão dos actos respeitantes a cada fase processual, como forma de potenciar a celeridade e a eficácia da tramitação (…) É nesta primeira fase (fase dos articulados, que engloba a fase inicial e da oposições e verificação do passivo), em face do requerimento inicial e dos actos e documentos apresentados pelo requerente (arts. 1097º e l099º) ou pelo cabeça de casal judicialmente designado ou confirmado (art. 1100º, nº1, al. b)), que deve ser concentrada a discussão de todos os aspectos essenciais relevantes. Sem embargo das excepções salvaguardadas por regras gerais de processo (v.g. meios de defesa supervenientes) ou por regras específicas do inventario que permitem o diferimento (v.g. avaliação dos bens, incidente de inoficiosidade), cada interessado tem o ónus de suscitar nesta ocasião, com efeitos preclusivos, as questões pertinentes para o objetivo final do inventário (art. 1104º), designadamente tudo quanto respeite à sua admissibilidade, identificação e convocação dos interessados, relacionamento e identificação dos bens a partilhar, dividas e encargos da herança e outras questões atinentes à divisão do acervo patrimonial…».
É este entendimento que preside ao decidido, entre outros, nos Acórdãos da Relação do Porto de 09-02-2023, proc. n.º 2670/20.4T8MAI-D.P1, da Relação de Lisboa também de 09-02-2023, proc. n.º 92/22.1T8RGR.L1-8, e de 26-05-2022, proc. n.º 17/21.1T8SCF.L1-2, da Relação de Coimbra de 28-02-2023, proc. n.º 270/21.0T8PBL-A.C1, e de 12-09-2023, proc. n.º 38/21.4T8CNF-A.C1, da Relação de Guimarães de 12-10-2023, proc. n.º 1120/20.0T8VRL-A.G1, de 15-06-2023, proc. n.º 1851/19.8T8CHV-B.G1, de 07-06-2023, proc. n.º 94/21.5T8EPS-A.G1, ou de 30-03-2023, proc. n.º 215/21.8T8VVD-A.G1, de 15-06-2021, proc. nº 556/20.1T8CHV-A.G1, todos in www.dgsi.pt.
No sumário deste último, por exemplo, escreveu-se o seguinte: «I - Com a Lei n.º 117/2019 de 13 de Setembro procurou-se instituir um novo paradigma do processo de inventário, com o objectivo de assegurar uma maior eficácia e celeridade processuais, evitando o carácter arrastado, sinuoso e labiríntico da anterior tramitação. II - O novo modelo procedimental adoptado parte de uma definição de fases processuais relativamente estanques, assentando num princípio de concentração, em que determinado tipo de questões deve ser necessariamente suscitado em certa fase processual (e não nas posteriores), sob pena de funcionar uma regra de preclusão para a parte. III - Esta estruturação sequencial e compartimentada do processo envolve logicamente a imposição às partes de cominações e preclusões, saindo reforçado o princípio de auto-responsabilidade das partes na gestão do processo, cometendo-se simultaneamente ao juiz um maior e poder/dever de direcção processual. IV - O processo de inventário é hoje uma verdadeira acção, obrigando a que os interessados concentrem os “meios de defesa” no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão
Com efeito, nos termos do artigo 1104.º do Código de Processo Civil, os interessados directos na partilha e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal, podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação deduzir oposição ao inventário, impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros, impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações; apresentar reclamação à relação de bens ou impugnar os créditos e as dívidas da herança.
Se for deduzida reclamação à relação de bens seguem-se os termos do artigo 1105.º e seguintes, não sendo deduzida, a relação de bens consolida-se e o processo avança para a fase seguinte, ficando precludidas as questões que podiam ter sido suscitadas na sequência da notificação e dentro do respectivo prazo legal.
Assente este entendimento, que até ao momento cremos ser unânime, parece forçoso concluir que os interessados recorrentes não podiam deduzir nova reclamação contra a relação de bens quando na sequência da notificação da relação de bens apresentada pela cabeça de casal, ou seja, em devido tempo, nenhuma reclamação foi deduzida, tendo o inventário avançado de imediato por essa razão para a fase do saneamento do processo e conferência de interessados.
Se não fosse por isso, que já era suficiente, os recorrentes também não podiam deduzir agora nova reclamação da relação de bens agora porque, apesar de já então se mostrar decorrido o respectivo prazo, por duas vezes (!) vieram reclamar da relação de bens, tendo o tribunal em ambos os casos decidido, e bem, pela rejeição do requerimento com fundamento na respectiva extemporaneidade, decisões que só são passíveis de revogação mediante interposição do competente recurso, mas que não são objecto do presente recurso ou de qualquer outro interposto até ao momento.
E não se rebata isso, como procuram fazer os recorrentes com a circunstância de na sequência de determinação do tribunal ter sido apresentada nova relação de bens pela cabeça de casal.
Com efeito, o que se pode discutir é se essa apresentação podia ter lugar ou qual o conteúdo que a mesma pode ter, isto é, a validade e regularidade dessa apresentação. Se houve algum vício na sua apresentação, a consequência será a modificação ou inutilização da nova relação de bens, não a reabertura de actos processuais que em devido tempo ficaram precludidos por no respectivo prazo legal o direito processual correspondente não ter sido exercido. A nulidade de um acto implica a anulação do acto e a necessidade de o repetir, bem como os actos que dele forem dependentes, por forma a respeitar os devidos termos processuais, não repristina direitos processuais precludidos validamente antes do acto viciado.
Esta conclusão não encerra, contudo, a análise do caso sub judice. Com efeito, importa ver se os requerimentos indeferidos são apenas uma nova reclamação da relação de bens, acusando de novo a falta de bens cuja falta já havia sido acusada e o excesso de bens já antes denunciada, caso em que a solução é a acima indicada, ou tem algum conteúdo que excede isso e já é admissível.
Com todo o devido respeito, o despacho recorrido não atentou devidamente que era esta última hipótese que se verificava. Existe, com efeito, um conteúdo que mais palavra menos palavra, repete as duas anteriores reclamações indeferidas e que é ilegal, e um conteúdo que se prende especificamente com o conteúdo desta nova relação e que esse já é perfeitamente legítimo.
Na verdade, qualquer que tenha sido a razão que a determinou ou o objectivo que lhe foi assinalado, a apresentação de uma nova relação de bens pode perfeitamente ser questionada pelos demais interessados, no exercício do direito ao contraditório, não para acusar (de novo) falhas cujo conhecimento já estava precludido (e que … por duas vezes foi rejeitado), mas para fiscalizar a correspondência da nova relação ao despacho que ordenou a sua junção.
Muito embora os recorrentes afirmem nas suas alegações que os seus requerimentos têm conteúdos que manifestamente não têm, é pelo menos correcta a asserção de que neles é, por um lado, referido o aditamento de bens moveis, e, por outro lado, impugnado o passivo descrito.
O que vale para os demais interessados, tem igualmente de valer para a cabeça de casal!
Se para aqueles o decurso do prazo legal para reclamarem da relação de bens preclude o direito de apresentarem essa reclamação (sem prejuízo, naturalmente dos fundamentos supervenientes, os quais por aplicação do artigo 588.º do Código de Processo Civil poderiam ser alegados até «ao encerramento da discussão» que no processo de inventário antecede a realização da conferência de interessados, já designada nos autos) e implica a passagem do processo à fase seguinte, para o cabeça de casal a falta de reclamação e a consequente evolução do processo para essa fase consuma o direito processual de apresentar a relação de bens e consolida a relação de bens apresentada. Vale isso por dizer que para efeitos do processo a relação de bens a atender passa necessariamente a ser aquela que primeiramente foi apresentada e que nenhuma reclamação recebeu dos demais interessados.
A partir desse momento, tanto quanto nos quer parecer, apenas se colocarão três possibilidades. A primeira é a de ao abrigo do disposto no artigo 1111.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, os interessados acordarem a alteração da relação de bens, o que parece compatível com a finalidade e as vantagens da autocomposição de interesses que a norma visa. A segunda é a da aplicação do regime do erro de facto na descrição ou qualificação dos bens consagrado no artigo 1126.º do mesmo diploma. A última é a da partilha adicional nos termos do artigo 1129.º desse Código.
Ora, olhando para o caso sub judice, verifica-se que a cabeça de casal tem vindo a fazer evoluir a relação de bens de acordo com a sua própria opinião, tendo-lhe acrescentado, em relação à primeira relação de bens apresentada (e aceite, pese embora as condições em que foi apresentada), vários bens móveis, inicialmente só uns e depois outros mais, e aumentado … por duas vezes o montante do passivo de que é … credora! Estas alterações não podem ser aceites e os ora recorrentes não apenas podiam tomar posição sobre a nova relação no tocante a essas alterações, como, nessa parte, parece que lhes assiste razão.
Em suma, muito embora o despacho recorrido se mostre fundado e correcto na parte em que rejeitou dar seguimento aos requerimentos com fundamento (e na medida) em que os mesmos consubstanciam nova e repetida reclamação da relação de bens, já não é correcta a decisão de lhes recusar seguimento na parte em que os requerentes se limitam a questionar os bens móveis aditados e o passivo aumentado relativamente à relação de bens a tomar em consideração no presente processo de inventário, devendo o tribunal a quo, na sequência do requerido (ou, se não fosse o requerimento, oficiosamente) fiscalizar a correspondência da «nova relação» actualizada ou sintetizadora com a relação de bens consolidada por falta de reclamação (admitindo aquela apenas na medida desta correspondência). Por conseguinte, também a sanção tributária não devia ter sido aplicada.
Procede assim em parte o recurso.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida de rejeitar os requerimentos dos recorrentes na parte em que os mesmos constituem somente o exercício do contraditório relativamente à relação de bens apresentada por último e à sua correspondência com a relação de bens que se consolidou processualmente para efeitos do presente inventário, nos termos acima assinalados, e ainda na parte em que sancionou a apresentação desses requerimentos como anómala.
Custas do recurso pelos recorrentes e pela cabeça de casal e pela requerente do inventário na proporção de 80% por aqueles e de 20% por estas.
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Porto, 7 de Dezembro de 2023.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 783)
Paulo Duarte Teixeira
Isabel Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]