Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17880/21.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DEOLINDA VARÃO
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RP2024011117880/21.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Os pressupostos da responsabilidade pré-contratual são os seguintes:
- a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato;
- o carácter injustificado da rutura das conversações ou negociações:
- a produção de um dano no património de uma das partes;
- a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada.
II - A responsabilidade por culpa in contrahendo decorre antes do facto de uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído: o evento que obriga à reparação é, assim, a violação desta confiança por inobservância das regras da boa fé.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 17880/21.9T8PRT.P1 – 3ª Secção (Apelação) - 1541
Acção de Processo Comum – Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 5

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
A..., LDA e AA instauraram acção declarativa, de condenação, com forma de processo comum, contra BB, CC e B..., UNIPESSOAL, LDA.
Pediram que os réus fossem, solidariamente, condenados a:
a) Pagar à A..., Lda, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 53.655,80;
b) Pagar à A..., Lda, a título de indemnização por danos patrimoniais, o valor das comissões recebidas por negócios respeitantes à carteira de imóveis pertença da A..., Lda, de que ilegitimamente se apoderaram, a liquidar em execução de sentença, por não ser ainda determinável;
c) Pagar à A..., Lda, a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 10.000,00;
d) Pagar à autora AA, a título de indemnização por danos patrimoniais a quantia de € 11.430,00;
e) Pagar à autora AA, a título de indemnização por danos patrimoniais, o valor de todas as retribuições que esta deixou de auferir enquanto gerente da A..., Lda, desde Outubro de 2021 até ao trânsito em julgado da sentença, a liquidar em execução de sentença, por não ser ainda determinável;
f) Pagar à autora AA, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 4.000,00.
g) Subsidiariamente, serem as rés condenadas a restituir à A..., Lda, a título de enriquecimento sem causa, a quantia de € 53.655,80,
h) Todas elas acrescidas de juros contados desde a citação e até integral e efectivo pagamento.
Os réus contestaram, defendendo-se por impugnação e por excepção, e pediram a condenação das autoras como litigantes de má-fé em multa e indemnização de valor não inferior a € 3.316,00.
Percorrida a tramitação subsequente, foi fixado o objecto do litígio da seguinte forma:
Ação de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual e pré-contratual. Restituição/compensação por enriquecimento sem causa.”.
Foi realizada a audiência final e, de seguida, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em conformidade:
a) Condenou os réus BB e CC a, solidariamente, pagarem à autora A..., Lda, a quantia de € 46 500,00 (quarenta e seis mil e quinhentos euros), acrescida de juros contados desde a data de citação e até efectivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no artigo 559.º do CC, sofrendo a responsabilidade da ré CC a limitação prevista no artigo 2071.º do CC;
b) Condenou o réu BB a pagar à autora AA a quantia de € 2000,00 (dois mil euros), acrescida de juros contados desde a data da sentença (actualizadora) e até efectivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no artigo 559.º do CC.
No mais, absolveu os réus BB, CC e B..., Unipessoal Lda dos pedidos.
Absolveu ainda as autoras do pedido de condenação como litigantes de má-fé.

Os réus recorreram, formulando, em síntese, as seguintes

CONCLUSÕES
1ª – Impugna-se a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 15, 16, 23, 27, 29, 42, 46 e 47 que foram dados como provados.
2ª – Os pontos 15, 16, 23, 27 e 29 devem ser dados como parcialmente provados com a redacção proposta no corpo das presentes alegações.
3ª – Os pontos 42, 46 e 47 devem ser dados como não provados.
4ª – A vinculação da sociedade resulta de o acto ser praticado “em nome” da sociedade, não se exigindo palavras sacramentais ou, sequer, a assinatura com a própria firma da sociedade.
5ª – Admite-se a vinculação das sociedades através de forma tácita, ou seja, com recurso a factos contemplados no documento para se fazer a prova de quem interveio em nome da sociedade, foi alguém que o fez em representação dela, não se vinculando a título pessoal, o n.º 2 do artigo 217.º do CC é neste sentido apodítico.
6ª – Vistos estes princípios, e retomando à factualidade subjacente aos presentes autos, é ostensivo que os dizeres dele são suficientemente claros, de que a recorrida AA outorgou o aludido contrato, na qualidade de gerente única da sociedade A..., Lda.
7ª – Assim, deve revogar-se a sentença do Tribunal a quo, por violação do disposto no artigo 217.º e artigo 227.º, ambos do Código Civil e, em consequência, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, absolvendo-se os recorrentes do pedido formulado.
8ª – Ademais, as recorridas assumem no artigo 30.º da petição inicial que o conteúdo da minuta ainda seria apreciado pelas partes, pelo que, as condições constantes nas mesmas não eram vinculativas.
9ª – Para que as recorridas sejam titulares de um direito de crédito sobre os recorrentes, assente neste fundamento, constitui conditio sine qua non que a contraparte nas negociações malogradas tenha actuado (no contexto negocial em causa) de má-fé, censuravelmente, com abuso da sua liberdade negocial, frustrando legítimas expectativas, traindo gravemente a confiança em si depositada.
10ª – Debruçando-nos sobre a situação sub judice: está em causa uma alegada modificação da promissária que foi sugerida pelos recorrentes e dada a conhecer à interessada – na pessoa da sua gerente –no dia da outorga do respectivo contrato promessa e que a mesma aceitou.
11ª – In casu, o que aconteceu foi que as recorridas enviaram um esboço aos recorrentes com as linhas gerais do contrato promessa a ser celebrado, não estando obviamente os recorrentes vinculados ao teor do mesmo.
12ª – Sempre podia a recorrida AA ter pedido que fosse alterada a promissária constante em tal contrato, mas não o fez! Aceitou o conteúdo de tal contrato, nunca tendo – nem mesmo nos presentes autos – invocado qualquer problema, ou imputando qualquer responsabilidade aos recorrentes.
13ª – Em face dos factos apurados, cumpre concluir que os recorrentes se limitaram a apreciar o contrato proposto e proceder a alterações, atendendo às negociações realizadas, nos termos do artigo 233.º do CC.
14ª – Tal conduta não pode deixar de considerar-se como lícita, uma vez que não existe a mínima prova de que os recorrentes tivessem garantido à Recorrida A..., Lda que a formalização do acordado era um dado praticamente certo e adquirido.
15ª – Não se pode subsumir a conduta dos recorrentes ao instituto da culpa in contrahendo, atendendo a que não se encontra verificada a existência de uma razoável confiança na conclusão do contrato, atendendo à efemeridade das negociações existentes.
16ª – Carece, assim, de fundamento de direito a sentença recorrida, na medida em que viola as disposições legais contidas nos artigos 227.º, 233.º, 238.º e 405.º, todos do CC, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada, absolvendo-se os recorrentes do pedido formulado.
17ª – Atendendo à inexistência de qualquer responsabilidade imputável aos recorrentes, não deverão os mesmos ser condenados a pagar recorrida A..., Lda qualquer valor, a título de indemnização por danos patrimoniais.
18ª – O dano a indemnizar no âmbito da responsabilidade pré-contratual, é o dano causado pela violação da confiança na conclusão e celebração do negócio.
19ª – Acresce que a responsabilidade por culpa in contrahendo, qualquer que seja o facto que a justifique e além das suas peculiaridades, depende da produção de um dano e dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil, designadamente, o nexo de causalidade.
20ª – No caso em apreço, a transferência da carteira de clientes da recorrida A..., Lda e do seu mobiliário, bem como sistema informático, efectivou-se com o contrato constante do facto 28 do elenco dos factos dados como provados, não consubstanciando um dano resultante da frustração de negociações entre os recorrentes e a referida recorrida.
21ª – Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que na cláusula II, alínea a) do contrato promessa assinado, é atribuído a tais bens, por acordo entre as partes, o valor de € 15.000,00, pelo que, o pedido das recorridas é obviamente abusivo, nos termos e ao abrigo do disposto do artigo 334.º do CC.
22ª – Impendia sobre as recorridas o ónus de provar quais os bens móveis e material informático que foi incorporado na B..., Lda, o que não lograram fazer.
23ª – Atendendo ao exposto e nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 334.º, 342.º e 405.º do CC, não poderiam nunca os recorrentes ser condenados a pagar a quantia de € 17.500,00, pela perda do mobiliário e do material informático.
24ª – Relativamente à carteira de angariações, não pode esta ser considerada na sua plenitude, uma vez que, a indemnização em causa apenas poderá recair sobre os imóveis que de facto transitaram de uma agência para a outra.
25ª – Em todo o caso, sempre a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo deveria ter sido objecto de redução equitativa, por aplicação do disposto no artigo 494.º do CC.
26ª – Na sentença recorrida (erradamente) conclui-se que, é aplicável às cláusulas I (bis), IV e V do contrato constante no facto 28 do elenco dos factos dados como provados, o regime consagrado no DL 446/85, de 25/10 (doravante RJCCG).
27ª – As cláusulas I (bis), IV e V, referem-se à condição aposta no aludido contrato que, impunha como condição para a celebração do contrato prometido de cessão de quotas, o atingimento por parte da B..., Lda, de uma facturação de mais € 250.000,00, nos seis meses seguintes à outorga do contrato promessa, condição que foi acordada pelas partes.
28ª – No caso em apreço, não se pode verificar a existência de uma pré-formulação das aludidas cláusulas, uma vez que a recorrida AA não se limitou a aderir às mesmas, sem possibilidade de discussão, porquanto a fixação de objectivos foi negociada previamente entre ambas as partes, tendo o solicitador contratado sido peremptório na existência de tal fixação, pelo que, não se poderá aplicar o regime de cláusulas contratuais gerais ao caso em apreço sob pena de desvirtuar o próprio RJCCG.
29ª – No que respeita a consideração do Tribunal a quo de que o valor de objectivos fixado era abusivo, tendo em conta, a normal facturação da B..., Lda, importa concluir que o Tribunal a quo só teve em consideração a facturação durante o ano de 2020 e 2021, desconsiderando a facturação dos anos anteriores.
30ª – Não se poderá considerar as cláusulas II (bis), IV e V do contrato celebrado como manifestamente abusivas, porquanto as mesmas foram elaboradas tendo em conta as expectativas dos recorrentes incutidas pela própria recorrida AA, bem como atendendo à ampliação da carteira de clientes que presumivelmente implicaria um aumento de facturação.
31ª – A recorrida AA, atendendo ao facto de ser gerente há mais de dois anos de uma sociedade de mediação imobiliária, tinha capacidade de entender e aceitar na íntegra os objectivos indicados, os esforços necessários para os alcançar e o risco do próprio contrato, pelo que, ao ter outorgado o contrato celebrado, aceitou tal risco.
32ª – Destarte, foi celebrado entre as partes um contrato promessa de cessão de quotas, sob condição, sendo que nos termos do artigo 270.º do CC, no caso sub judice, estamos perante uma condição suspensiva.
33ª – Os negócios sob condição suspensiva produzem todos os seus efeitos só a partir da verificação da condição, pelo que, no caso em apreço, tal condição não se verificou, pelo que, o negócio em questão não produziu efeitos.
34ª – Importa ainda atender ao facto de que, o Tribunal a quo condenou o recorrente BB a pagar à Recorrida AA, o valor de € 2.000,00, a título de danos morais, numa manifesta violação do artigo 496.º do CC.
35ª – No que respeita à imposição do clausulado contratual, ao constrangimento da recorrida na subscrição do contrato-promessa e à recusa de cedência de quotas, como explicitamos supra, tal clausulado não foi imposto, mas sim negociado entre as partes e, quanto à recusa de cedência de quotas à B..., tal não justificaria a existência de danos morais reconhecidos à recorrida AA, uma vez que, foi outorgado entre as partes um contrato similar que a recorrida aceitou.
36ª – Quanto à falsidade da justificação dada pelos réus para o conteúdo do contrato e conhecimento da falsidade das justificações apresentadas, sempre se dirá que tal não corresponde à verdade, na medida em que a própria recorrida AA, assume que foi o CEO da C... que propôs a celebração de um contrato-promessa de cessão de quotas sob condição de fixação.
37ª – Os danos alegadamente provocados pelo BB não comportam uma gravidade tal, que mereça ser tutelada à luz do artigo 496.º do CC.
38ª – Assim, deve revogar-se a sentença do Tribunal a quo, por violação do disposto no do n.º 2 do artigo 1.º do DL 446/85, de 25.10; bem como artigos 236.º, 270.º, 334.º, 437.º e 496.º, n.º 1 do CC e, em consequência, deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, absolvendo-se os recorrentes do pedido formulado.

As autoras contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. Contactos iniciais entre as partes
1 – A autora A..., Lda (adiante, A...) é uma sociedade que tem como objecto social, designadamente, a mediação imobiliária.
2 – Até Janeiro 2020, a A... explorou, como franquiada, uma agência da rede de mediação imobiliária C..., denominada D..., com base num contrato de franquia inicialmente subscrito em 09 de Março de 2016, conforme documento junto a fls. 3 v. (anexo documental), que aqui se dá por transcrito, com prazo de cinco anos.
3 – A autora AA (adiante, AA) é sócia e gerente da A....
4 – O réu BB (adiante, BB) é o único sócio da ré B..., Unipessoal L.da (adiante, B...).
5 – A ré CC (adiante, CC) é gerente da ré B....
6 – Até Fevereiro de 2021, eram sócios e gerentes da B... o réu BB e sua esposa, DD (adiante, DD), já falecida na data da propositura da acção, pais da ré CC.
7 – A B... explora, sob o regime de contrato de franquia, uma agência da rede C..., designada B....
8 – A autora AA frequentou uma formação, ministrada pela rede C... (E..., S.A.), com a duração de três sessões, uma em cada um dos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2019, sendo as duas primeiras sessões realizadas em Lisboa.
9 – A autora AA fez deslocações de e/ou para as referidas sessões de formação na companhia da ré CC, designadamente.
10 – Durante as viagens referidas no ponto 9 – factos provados –, a ré CC e a autora AA conversaram sobre a possibilidade de a B... e a A... unirem os seus estabelecimentos, com o objectivo da criação de uma agência B... ampliada e renovada.
2. Relacionamento pré-contratual
11 – Em Dezembro de 2019, a ré CC e a autora AA reuniram-se com vista à discussão dos contornos de uma possível junção das duas agências.
12 – As reuniões repetiram-se durante o mês de Dezembro de 2019, no âmbito das quais a autora AA e os réus CC e BB discutiram as funções que a primeira deveria assumir na ampliada agência B..., que resultaria da união das duas agências, bem como para conhecerem todo o inventário que a A... possuía.
13 – Numa destas reuniões, a autora e os réus declararam que a união entre a A... e a B... seria concretizada através da participação da A... no capital da B..., explorando esta a ampliada agência B..., sendo a sua gerência assegurada pela autora AA e pela ré CC.
14 – Por sugestão de um administrador da franquiadora C..., autora AA, o seu marido, o réu BB e sua falecida esposa, DD, decidiram que, antes de formalizarem o contrato definitivo de cessão de quotas, as duas agências unir-se-iam com base num contrato-promessa, de modo a confirmarem ser harmonioso o desenvolvimento da actividade em conjunto, como esperavam.
15 – Numa destas reuniões, a autora AA e o seu marido, na qualidade de gerentes da A..., e os réus declararam acordar nos seguintes termos:
a) cedência pela autora AA e seu marido, na qualidade de representantes legais da A..., de todos os contratos de mediação imobiliária e equipamentos da autora A... à ré B..., bem como de “trazer consigo todos os consultores imobiliários com contrato de prestação de serviços”;
b) promessa de cedência à A..., por esta aceite, por parte do réu BB e sua falecida esposa, com todos os direitos e obrigações inerentes, de duas quotas da B..., no valor nominal de setecentos e cinquenta euros cada uma, o que correspondia a 30% do capital social desta sociedade;
16 – A pedido da autora AA, por um solicitador foi redigido o documento intitulado “Contrato Promessa de Cessão de Quotas”, visando reflectir as declarações referidas no ponto 15 – factos provados –, junto a fls. 9 (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Contrato Promessa de Cessão de Quotas
ENTRE:
PRIMEIROS CONTRAENTES:
BB (…) e DD (…), doravante designados por promitentes cedentes;
SECUNDA CONTRAENTES:
b) EE (…) e AA (…) na qualidade de sócios e gerentes da (…) “A..., LDA., (…), doravante
Pelo presente contrato declaram os Primeiros Contraentes:
I. Que são os únicos e atuais sócios da (…) B..., LDA, (…), onde cada um é titular de quota no valor nominal 2.500,00 (Dois quinhentos euros).
II. Que prometem ceder, com todos os direitos e inerentes obrigações, duas quotas no valor nominal de setecentos e cinquenta euros cada uma o que corresponde a (trinta por cento) da sociedade, à representada dos segundos contraentes supra identificada, nos termos e condições abaixo descritas.
a) A Segunda contraente, em troca dos referidos 30% (trinta por cento) entrega à representada dos primeiros todos os contratos de mediação Imobiliária (descritos no Anexo I) à data em vigor na sociedade de mediação imobiliária de que é titular bem como se obriga a trazer consigo todos os consultores imobiliários com contrato de prestação de serviços em vigor (cuja cópia aqui se anexa) e cuja posição cede à representada dos primeiros e ainda todos os bens móveis descritos no anexo II.
b) A outorga da prometida cessão de quotas deverá ser realizada no prazo de 6 (seis) meses a contar da outorga do presente contrato promessa ou logo que a sociedade objeto do presente contrato já não encontre em posse de nenhum imóvel ou viatura.
17 – Visando satisfazer o declarado no ponto 15 – factos provados –, a autora AA, na qualidade de representante legal da A...:
a) denunciou o contrato de franquia da A... com a C..., sujeita à obrigação por esta imposta de não concorrência dos gerentes daquela com a rede C..., no período correspondente à antecipação do termo da vigência do contrato de franquia;
b) entregou ao senhorio a fracção arrendada onde a D... tinha o seu estabelecimento;
c) entregou o mobiliário, o material informático e os restantes equipamentos da A... à B..., que os fez transportar para as suas instalações;
d) comunicou a projectada junção de agências a todos os colaboradores da A..., instruindo-os para se instalarem e exercerem a sua actividade no espaço da B..., passando a exercer funções para esta, o que todos aceitaram, com uma excepção;
e) fez cessar toda a actividade da A....
18 – Visando permitir a satisfação do declarado pela A... no ponto 15 – factos provados –, a autora AA:
a) fez cessar a sua relação laboral remunerada como gerente da A...;
b) declarou aceitar ficar pessoalmente sujeita à obrigação de não concorrência com a rede C..., no período correspondente à antecipação do termo da vigência do contrato de franquia, conforme descrito na al. a) do ponto 17 – factos provados.
19 – A autora AA praticou os factos descritos no ponto 17 – factos provados –, na qualidade de representante legal da A..., contando com a futura conclusão do contrato-promessa de cessão de quotas à A... referido no ponto 15 – factos provados –, e com a ulterior outorga do contrato de cessão de quotas.
20 – A autora AA praticou os factos descritos no ponto 18 – factos provados – contando com a futura conclusão do contrato-promessa de cessão de quotas à A... referido no ponto 15 – factos provados –, e com a ulterior outorga do contrato de cessão de quotas.
21 – Antes de 15 de Janeiro de 2020, os réus tomaram conhecimento dos factos descritos no ponto 17 – factos provados – e no ponto 18 – factos provados.
3. Outorga do contrato-promessa
22 – Em 15 de Janeiro de 2020, data agendada pelas partes para a outorga do contrato-promessa referido na al. b) do ponto 15 – factos provados – a autora AA compareceu nas instalações da B..., onde foi apresentada aos colaboradores da B....
23 – Feitas as apresentações, os dois primeiros réus entregaram à autora AA um documento com um conteúdo diferente do declarado no ponto 15 – factos provados –, designadamente, quanto à identidade da promissária, à condição estabelecida e à faculdade de não outorga do contrato de cessão de quotas, transcrito adiante no ponto 28 – factos provados –, para que esta o assinasse de imediato.
24 – Os dois primeiros réus disseram à autora AA que o documento descrito no ponto 23 – factos provados –, previamente elaborado pelos primeiros, foi redigido em obediência ao conteúdo imposto pela C..., necessário para a união de franquiadas, designadamente, nos seus pontos I (bis), IV e V, sem possibilidade de alteração pela autora AA.
25 – A C... (E..., SA) não impôs a inclusão de nenhum enunciado no documento transcrito no ponto 28 – factos provados – sendo falso o afirmado pelos dois primeiros réus referido no ponto 24 – factos provados.
26 – Os réus BB e CC disseram à autora AA que o documento descrito no ponto 23 – factos provados – representava um contrato-tipo e que, independentemente do teor do mesmo, o negócio que tinha sido acordado se mantinha e que a junção de agências como projectado não estava em risco, pelo que iria acontecer nos termos apalavrados referido nos ponto 15 – factos provados.
27 – A autora AA sentiu-se angustiada e pressionada para assinar documento descrito no ponto 23 – factos provados –, quer por já terem ocorrido os factos descritos no ponto 17 – factos provados – no ponto 22 – factos provados –, quer pela justificação do seu conteúdo dada pelos réus referida no ponto 24 – factos provados.
28 – Em 15 de Janeiro de 2020, a autora AA, o réu BB e DD subscreveram o documento intitulado “Contrato Promessa de Cessão de Quotas Sob Condição”, junto aos autos, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Contrato Promessa de Cessão de Quotas Sob Condição
ENTRE:
PRIMEIROS CONTRAENTES:
BB (…) e DD, (…) doravante designados por promitentes cedente;
SEGUNDA CONTRAENTE:
AA, (…) doravante designada por promitente cessionária;
Pelo presente contrato declaram os Primeiros Contraentes:
I. Que são os únicos e actuais sócios da sociedade comercial por quotas B..., L.DA (…).
II. Que prometem ceder sob CONDIÇÃO, com todos os direitos e inerentes obrigações, duas quotas no valor nominal de setecentos e cinquenta euros cada uma o que corresponde a 30% (…) da sociedade, à segunda contraente supra identificada nos termos e condições abaixo descritas.
a) A Segunda contraente, em troca dos referidos 30% (…) entrega à representada dos primeiros todos os contratos de mediação imobiliária (descritos no Anexo I) à data em vigor na sociedade de mediação imobiliária de que é titular bem como se obriga a trazer consigo todos os consultores imobiliários com contrato de prestação de serviços em vigor (cuja cópia aqui se anexa) e cuja posição cede à representada dos primeiros e ainda todos os bens móveis descritos no anexo II cujo valor é de € 15. 000 € (…).
b) A outorga da prometida cessão de quotas deverá ser realizada no prazo de 12 (…) meses a contar da outorga do presente contrato promessa e desde que a sociedade objeto do presente contrato já não se encontre na posse de nenhum imóvel ou viatura, sendo que serão cedidos das quotas no prazo de seis meses a contar da presente data e os restantes 15% findos os seis meses subsequentes.
c) Acordam as partes em outorgar contrato de sociedade onde se estabeleça a obrigação do exercício do direito de preferência na eventual cessão de quotas a terceiros.
SEM PRESCINDIR,
I – A presente promessa de cessão de quotas está dependente dos resultados obtidos B... L.da.
II – Assim sendo, as partes acordam em outorgar contrato de trabalho com início em 14/01/2020, com a duração de seis meses, com a retribuição de 600,00 € mensais acrescidos de subsídio de refeição no valor de € 5,00 através de ticket-refeição com a atribuição de cartão combustível no valor de € 100,00 mensais.
III – A segunda contraente desempenhará as funções de Broker nas seguintes áreas: intermediação bancária e na área de gestão de processos e recursos humanos.
IV – Independentemente das funções desempenhadas, a B..., L.da, obriga-se ainda no prazo de duração do contrato de trabalho a uma faturação no valor de 250.000,00 €, valor este que será contabilizado pelo apuramento de todos os negócios concretizados pela equipa de consultores imobiliários da B....
V – Pelo exposto, acordam as partes que a cessão de quotas fica dependente e sob condição do cumprimento do objetivo previsto no ponto IV.
a) No caso de incumprimento, os primeiros são livres de querer efetuar a cedência de quotas, e caso não aceitem, nada mais haverá a prestar de qualquer uma das partes deste contrato.
b) No caso de cumprimento, os primeiros são igualmente livres de não aceitar a prometida cessão de quotas mas caso obrigam-se a pagar à segunda o valor referido no ponto II a).
29 – A autora AA subscreveu o documento descrito no ponto 28 – factos provados – por acreditar nas informações referidas no ponto 24 – factos provados – e na esperança de o mesmo ser uma mera formalidade, usada apenas como enquadramento formal para verificar o bom relacionamento entre as partes, durante seis meses, não contendendo com a celebração do negócio delineado pelas partes, vindo mais tarde esta autora a tomar conhecimento da factualidade descrita no ponto 25 – factos provados.
4. Declaração de resolução do contrato-promessa
30 – A autora AA iniciou o exercício de funções na agência B....
31 – Até à data referida no ponto 32 – factos provados –, o ambiente na agência B... foi harmonioso, desempenhando os colaboradores as suas funções com diligência e empenho, sem quaisquer conflitos ou queixas envolvendo, designadamente, a autora AA.
32 – Em 16 de Julho de 2020, o réu BB e a ré CC declararam à autora AA não pretender o primeiro ceder quaisquer quotas da B... e pretender resolver o contrato-promessa de cessão de quotas descrito no ponto 28 – factos provados –, permitindo, no entanto, que a autora permanecesse na agência B..., trabalhando com uma relação subordinada.
33 – Em 17 de Julho de 2020, o réu BB entregou à autora AA o documento intitulado “Resolução de contrato promessa por mútuo acordo”, que esta se recusou a assinar, junto a fls. 13 (anexo documental), onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
RESOLUÇÃO DE CONTRATO PROMESSA POR ACORDO
Considerando que, no passado dia 15 de Janeiro de 2020, foi celebrado entre os Outorgantes um Contrato Promessa de Cessão de Quotas sob Condição, ACORDAM: BB (…) e DD (…), na qualidade de promitentes cedentes e AA (…), na qualidade de cessionária, RESOLVEREM POR MÚTUO ACORDO o referido contrato promessa. Resolução esta, com efeitos imediatos, ficando desde já todos os Outorgantes libertos de toda e qualquer responsabilidade que derivado do referido Contrato Promessa lhes poderia advir; mais ficam todos os Outorgantes cientes que, a partir da presente data, nada mais poderão exigir a qualquer um deles, seja a que título for. (…).
Porto, 17 de Julho de 2020.
34 – Em 17 de Julho de 2020, fruto da recusa da segunda autora, o réu BB comunicou a toda a equipa a saída da autora AA da agência B....
35 – Com data de 24 de Julho de 2020, a ré B... remeteu à autora AA a carta, por esta recebida, junta aos autos a fls. 13 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
ASSUNTO: Comunicação de resolução do contrato promessa de cessão quotas celebrado no dia 15 de Janeiro de 2020.
(…)
2. Face ao conteúdo, teor e alcance do contrato promessa de cessão de quotas sob condição, entre nós assinado no passado dia 15 de Janeiro de 2020,
3. Tendo presente o resultado da reunião entre nós havida no decurso da passada semana,
4. E sem prejuízo da concordância, mútua, de que V. Exa. incumpriu de forma notória e reiterada as condições acordadas no referido contrato promessa, somos pela presente a comunicar a V. Exa. que resolvemos, com efeitos imediatos, o supra referido contrato promessa de cessão de quotas sob condição-
5. Resolução estar que não passa de um mero formalismos, uma vez que V. Exa. havia já assumido no decurso da dita reunião que não só não foi capaz de cumprir com aquilo a que se havia obrigado, como tal cumprimento nunca se afigurou como alcançável.
6. Por tal factor assiste-nos motivo justificativo para a presente resolução, nomeadamente face ao incumprimento (assumido) por parte de V Exa. do ponto IV do referido contrato (condição obrigatória) quanto ao valor da facturação que se propunha atingir,
7. Isto dito e cora efeitos imediatos, deve o contrato promessa de cessão de quotas sob condição, considerar-se resolvido para todos os devidos e legais efeitos.”.
36 – Com data de 7 de Agosto de 2020, a autora AA remeteu à ré B... a carta, por esta recebida, junta aos autos a fls. 14, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
1. É falso que tenha outorgado com V. Ex.as qualquer contrato promessa de cessão de quotas
2. O contrato de cessão de quotas que outorguei sob completo erro e coacção, foi celebrado entre mim e os senhores BB e DD, sócios dessa sociedade, mas que não se confundem com a mesma, pelo que a missiva a que o conteúdo da carta a que ora respondo, só pode emergir de um enorme lapso, que a todos acontece.
3. No entanto, e por razões de transparência e rectidão pessoal e profissional, cumpre-me dizer que o contrato a que V. Ex.as se referem, em que – reitera-se – tal sociedade não é parte (antes, são objecto de tal contrato participações nessa sociedade) emerge de vários vícios na formação da vontade.
4. Na verdade, o que sempre esteve em causa foi a “fusão” de duas sociedades, franchisadas da marca C..., a sociedade detida pelos senhores BB e DD e a sociedade por mim detida.
5. No âmbito de tal fusão foram realizadas várias reuniões preparatórias e de conversações, onde foi discutido e redigido um contrato um contrato promessa de cessão de quotas, que nada tem a ver com o que me vi obrigada a outorgar.
6. Em consequência do acordo, que para mim estava efectuado, V. Ex.as retiraram do estabelecimento onde a sociedade detida por mim desenvolvia toda a sua actividade, todos os móveis que lá se encontravam, sem terem despendido qualquer verba pelos mesmos, o que só se compreende no âmbito da projectada – e acordada “fusão”
7. No dia combinado para a outorga do contrato, cujo teor foi acordado entre as partes, fui surpreendida com um contrato que nada tinha a ver com o acordado, tendo-me sido dito por V. Ex.as que o mesmo representava um contrato tipo, usado pelo franchisador, para situações do género, mas que, independentemente do teor do mesmo, o negócio que tinha sido acordado se mantinha e que a projectada “fusão” não estava em risco, e iria acontecer nos exactos termos convencionados entre mim e os sócios dessa sociedade.
8. Tendo em conta que a minha sociedade – e eu própria – teríamos sempre de agir, no desenvolvimento da actividade – de acordo com as directrizes da franchisadora, e porque a franchisadora e os seus representantes me merecem todo o respeito e confiança, tudo isto em conjugação com o que me foi transmitido pelos sócios dessa sociedade, anuí em outorgar o contrato em causa, na convicção e a condição de o mesmo ser uma mera formalidade, que não poria em risco o negócio acordado entre mim e os SÓCIOS dessa sociedade.
9. Acontece que, poucas semanas após o inicio do desenvolvimento da actividade profissional conjunta, fui confrontada com uma série de comportamentos por parte dos sócios dessa sociedade, violadores do acordado e que tinham como objectivo conseguir assegurar para si, de forma ilícita, o negócio da sociedade que detenho.
10. Acresce a tudo isto que, independentemente de tudo o supra escrito, e do qual não prescindo, não existe de minha parte qualquer violação de qualquer contrato, nem na missiva a que respondo são elencados quaisquer factos que possam consubstanciara pretendida violação.
11. Sendo certo que quem não cumpriu o acordado foram os sócios dessa sociedade, senhores BB e DD, que não forneceram as condições necessárias ao desenvolvimento da actividade, conforme acordado, e que, astuciosamente, tudo fizeram para, ilicitamente, ficarem com o negócio, os móveis e tudo o mais que compunha a minha sociedade.
12. Isto posto, serve a presente para rejeitar qualquer incumprimento de minha parte, que possa consubstanciar ou não o direito à resolução do contrato promessa.
13. Mais, informo que pretendo ser ressarcida de todos os prejuízos por mim sofridos, decorrentes do ardil que me foi montado, sendo certo que se no prazo de dez dias não for apresentada pelos sócios dessa sociedade uma proposta de ressarcimento, darei instruções aos meus advogados para avançarem com os competentes procedimentos judiciais (civis e criminais).”.
37 – Com data de 21 de Agosto de 2020, a ré B... remeteu à autora AA a carta, por esta recebida, junta aos autos, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:
Assunto: Cessação do contrato de trabalho
Exma. Senhora,
De acordo com o disposto do art. 403º do Código de Trabalho presume-se que V. Exa abandonou o posto de trabalho, não havendo da sua parte intenção de o retomar, dado que ultrapassou o limite de faltas injustificadas indicado na alínea n.º 2, do artigo citado.
Desta formar a rescisão do contrato entrará em vigor após a receção da presente cartar data em que fica definitivamente desvinculado a esta empresa por motivo de abandono do posto de trabalho, com todas as consequências legais dal decorrentes.
5. Danos sofridos pela autora AA
38 – Até Janeiro de 2020, a autora AA, como gerente da A..., auferiu, a título de vencimento, o montante mensal de € 635,00, valor que deixou de auferir em resultado do fim da actividade da A....
39 – Em resultado dos factos descritos no ponto 24 – factos provados –, no ponto 25 – factos provados –, no ponto 27 – factos provados –, no ponto 29 – factos provados – e no ponto 29 – factos provados –, a autora AA sentiu-se angustiada, desgostosa, com temor de ser enganada, passando a viver inquieta e em sobressalto, com dificuldades de dormir e animicamente incapaz de voltar a exercer funções para a B....
6. Danos sofridos pela autora A...
40 – A A... gozava de bom prestígio junto da rede C..., quer do franchisador, quer dos franchisados, bem como junto do mercado em geral.
41 – Após os factos descritos no ponto 17 – factos provados, a A... não retomou a sua actividade.
42 – Em Janeiro de 2020, o mobiliário e o material informático que equipavam o estabelecimento explorado pela A... tinham um valor não inferior a € 17 500,00.
43 – Desde Janeiro de 2020, a ré B... tem vindo a usar os bens referidos no ponto 42 – factos provados.
44 – Em Janeiro de 2020, a carteira de negócios da A... era constituída por contratos de mediação imobiliária e por angariações em fase de conclusão, ainda sem contrato de mediação imobiliária formalizado por escrito.
45 – Os contratos de mediação imobiliária formalizados, para arrendamento e, ou, compra e venda, também integrantes da carteira de negócios da A..., referidos no ponto 44 – factos provados –, tinham as seguintes referências:
### Referência D... ### Referência D... ### Referência D...
1. ... 2. ... 3. ...
4. ... 5. ... 6. ...
7. ... 8. ... 9. ...
10. ... 11. ... 12. ...
13. ... 14. ... 15. ...
16. ... 17. ... 18. ...
46 – Os negócios da carteira da A... ascendiam ao montante € 4.555. 000,00 (angariações concluídas, com contrato de mediação imobiliária formalizado) e € 1.835.000,00 (angariações em fase de conclusão, sem contrato de mediação imobiliária formalizado), envolvendo comissões de mediação de cerca de € 330.000,00.
47 – A autora AA e os colaboradores da A... que transitaram para a B... diligenciaram junto dos clientes e dos potenciais clientes pela subscrição de contratos de mediação imobiliária com esta ré, de modo a consumar a transição da carteira referida no ponto 44 – factos provados –, tendo logrado a conclusão das angariações em curso e a celebração de novos contratos sobre os seguintes negócios:
Referência B... Negócio Valor Comissão Comissão
... Venda 280.000,00 5% 14 000,00
... Venda 80.000,00 5000 5000,00
... Venda 150.000,00 5% 7500,00
... Venda 170.000,00 5% 8500,00
... Venda 68.000,00 5000 5000,00
... Arrendamento 325,00 100% 325,00
48 – Durante os anos de 2000 e 2001, a ré B... mediou negócios concluídos respeitantes aos seguintes imóveis e recebeu as seguintes comissões de mediação:
### Ano Mês Referência Recebido Partilhado
1. 2020 1 5750,00 2875,00
2.2020 1 ... 4050,00 2025,00
3.2020 1 ... 0 0
4.2020 1 ... 4500,00 0
5.2020 2 1875,00 0
6.2020 2 ... 900,00 0
7.2020 2 ... 4000,00 0
8.2020 2 ... 2100,00 0
9.2020 2 ... 5350,00 0
10.2020 2 ... 0 668,74
11.2020 2 ... 1200,00 0
12.2020 2 ... 4500,00 0
13.2020 2 ... 700,00 0
14.2020 2 ... 5000,00 0
15.2020 3 ... 6250,00 0
16.2020 3 ... 325,00 0
17.2020 3 ... 850,00 0
18. 2020 4 ... 0 0
19.2020 5 ... 6250,00 0
20.2020 5 ... 5000,00 0
21.2020 5 ... 1250,00 0
22.2020 6 1500,00 0
23.2020 6 800,00 2400,00
24.2020 6 ... 4050,00 2025,00
25.2020 7 4800,00 2400,00
26.2020 8 2005,50 0
27.2020 8 8750,00 0
28.2020 8 ... 0 0
### Ano Mês Referência Recebido Partilhado
29. 2020 9 ... 1000,00 0
30. 2020 9 ... 675,00 0
31. 2020 10 5000,00 0
32. 2020 10 ... 8750,00 0
33. 2020 10 ... 5250,00 0
34. 2020 10 ... 825,00 0
35. 2020 10 ... 0 412,50
36.2020 10 ... 1500,00 0
37. 2020 11 4878,00 0
38. 2020 11 2925,00 1462,50
39. 2020 11 ... 5000,00 0
40. 2020 11 ... 5250,00 0
41. 2020 11 ... 0 0
42. 2020 11 ... 2032,52 0
43. 2020 12 1610,00 0
44. 2021 g ... 3500,00 1750,00
45. 2021 1 ... 11 500,00 5750,00
46. 2021 2 2500,00 0
47. 2021 2 2925,00 1462,50
48. 2021 2 ... 600,00 0
49. 2021 2 ... 2032,50 0
50. 2021 3 1741,50 0
51. 2021 3 ... 750,00 0
52. 2021 4 ... 12 500,00 0
53. 2021 4 ... 2950,00 0
54. 2021 4 ... 0 1475,00
55. 2021 4 ... 3500,00 1750,00
56. 2021 5 10 600,00 0
57. 2021 5 ... 2500,00 0
58. 2021 5 ... 5750,00 0
59. 2021 5 ... 10 000,00 0
60. 2021 5 ... 0 5000,00
61. 2021 5 ... 400,00 0
62. 2021 5 ... 5000,00 0
63. 2021 5 ... 10 250,00 5125,00
64. 2021 6 525,00 7500,00
65. 2021 6 ... 2950,00 0
66. 2021 6 ... 0 1475,00
67. 2021 6 ... 14 500,00 0
68. 2021 6 ... 5350,00 0
69. 2021 6 ... 10 000,00 0
70. 2021 6 ... 0 5000,00
71. 2021 6 ... 825,00 0
72. 2021 7 3185,75 0
73. 2021 7 ... 2940,00 0
74. 2021 7 ... 0 0
75. 2021 7 ... 3930,00 0
76. 2021 7 ... 14 250,00 7125,00
77. 2021 7 ... 670,00 0
78. 2021 8 ... 5750,00 0
79. 2021 8 ... 0 0
49 – Cerca de 50% das comissões pagas pelos negócios mediados pela B... não são pela mesma embolsadas, revertendo para os angariadores ou sendo partilhadas com outras agências envolvidas na mediação.

O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:
50 – Em Janeiro de 2020, a actividade da A... encontrava-se em expansão.
51 – Os factos descritos nos pontos 35 – factos provados – abalaram o prestígio e bom nome da A....
*
III.
As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões da alegação dos apelantes (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do CPC) – são as seguintes:
- Alteração da matéria de facto;
- Improcedência da acção, ainda que a matéria de facto não seja alterada.

Os réus impugnaram os pontos 15, 16, 23, 27, 29, 42, 46 e 47 da factualidade provada.

A) Pretendem que os pontos 15, 16, 23, 27 e 29 sejam considerados parcialmente provados nos seguintes termos:
15 –Numa destas reuniões, a autora AA e o seu marido, na qualidade de gerentes da A..., e os réus declararam acordar nos seguintes termos: / a) cedência pela autora AA e seu marido, na qualidade de representantes legais da A..., de todos os contratos de mediação imobiliária e equipamentos da autora A... à ré B..., bem como de “trazer consigo todos os consultores imobiliários com contrato de prestação de serviços”; / b) promessa de cedência à A..., por esta aceite, por parte do réu BB e sua falecida esposa, com todos os direitos e obrigações inerentes, de duas quotas da B..., no valor nominal de setecentos e cinquenta euros cada uma, o que correspondia a 30% do capital social desta sociedade, caso fosse cumprida a condição, da qual a cessão de quotas se encontra dependente, nomeadamente, atingir uma faturação de 250.000€, durante o prazo de duração do contrato de trabalho;”.
16 –A pedido da autora AA, por um solicitador foram redigidos dois documentos intitulados “Contrato Promessa de Cessão de Quotas sob condição” e “Contrato promessa de cessão de quotas”, este último, junto a fls. 9 (anexo documental), onde consta, além do mais o que aqui se dá por transcrito: (…)”).”
23 – Feitas as apresentações, os dois primeiros réus entregaram à autora AA um documento com um conteúdo diferente do declarado no ponto 15 – factos provados –, designadamente, quanto à identidade da promissária e à faculdade de não outorga do contrato de cessão de quotas, transcrito adiante no ponto 28 do Factos Provados.”.
27 – A autora AA sentiu-se angustiada e pressionada para assinar documento descrito no ponto 23 – factos provados –, por já terem ocorrido os factos descritos no ponto 17 – factos provados – no ponto 22 dos factos provados.”.
29 – A autora AA subscreveu o documento descrito no ponto 28 – factos provados – por acreditar nas informações referidas no ponto 24 dos factos provados.”.

Os indicados pontos contêm a factualidade respeitante às condições contratuais negociadas entre as partes.
No essencial, está em causa saber se foi acordado que a cessão de quotas da ré B... estava dependente de ser atingido um certo volume de facturação para aquela ré por parte da autora FF, enquanto trabalhadora da mesma.
Esse facto não se provou, tendo resultado dos depoimentos das testemunhas GG e HH e do depoimento de parte da autora FF, que, quer nas negociações havidas entre as partes, quer na minuta de contrato-promessa referida em 15, a cessão de quotas não ficou sujeita à condição de ser atingido um certo volume de facturação.
E resultou ainda que essa condição acabou por ficar consignada no contrato-promessa (conforme está provado em 28), o qual foi apresentado à autora FF apenas na véspera da sua outorga, tendo sido afirmado àquela autora, pelos réus BB e CC, que a referida condição era apenas uma formalidade – como, aliás, está provado no ponto 26, que não foi impugnado.
Conforme se alcança dos excertos dos referidos depoimentos, que a seguir transcrevemos:
AA: Quem propôs ser a condição foi II. Fui eu que insisti comunicar a II. Fomos lá a Lisboa, a uma reunião e eu estava mesmo cansada de lidar eu sozinha com a empresa. As reuniões foram feitas no escritório do solicitador. Foi tudo bem alinhavado com ele. Na altura, ele fez as questões de como poderia ficar o contrato. Um dia antes de nós assinarmos, II enviou umas ideias. Aquele contrato foi-me enviado de manhã, antes de ser assinado, uma coisa totalmente diferente do que tínhamos combinado. Enviaram [o contrato] por mail na noite antes. Eu não vi. Eu vi o contrato de manhã, uma hora antes de assinar, enviei ao meu solicitador, mas já estava tudo alinhavado. Eu ponderei [não assinar], mas tudo o que eu tinha já estava na B.... A D. DD disse-me que era uma mera formalidade imposta pelo Sr. BB, os seis meses, mas que o intuito era fazermos tudo como nós queríamos. “FF, o contrato e a sociedade vai-se dar tudo como nós planificámos e Deus me livre se não fosse assim”. Palavras da D. DD. E isso foi uma frase que ela me repetiu muitas vezes.
GG (consultor imobiliário na empresa "F...", disse que foi Director Comercial da autora onde iniciou funções em Agosto de 2018 e que trabalhou para a ré até Agosto de 2020): Estive presente nessa reunião, na D.... Estava tudo em sintonia e estava tudo em acordo. Relativamente ao contrato-promessa, eu cheguei a vê-lo depois. O que eu percebi desse contrato é que havia realmente essa intenção de fazer essa união das duas empresas. Eu fiquei realmente com a ideia de que aquele contrato não correspondia realmente ao que tinha sido definido. No início, estava tudo uma maravilha.
HH (solicitador, disse que já prestou serviços para a autora A...): No final de 2019, 2020, a Engª FF contactou-me a dizer que havia um princípio de acordo para deixar a agência que tinha para juntamente com o seu pessoal, o seu equipamento e as suas angariações fazer parte de uma outra agência imobiliária. A reunião chegou a ser feita no meu escritório com a Engª FF, estava o Sr. BB, a D. DD e penso que a filha, a CC. Ficou estabelecido que seria transferido os comerciais que quisessem vir para a B..., os bens móveis, ia fazer a entrega do estabelecimento ao senhorio, e as angariações e penso que também a D. FF ia ser colaboradora, empregada, por assim, dizer, empregada. [A contrapartida] era uma cessão de quotas, salvo erro, de 30%. Minutei o contrato promessa de cessão de quotas, que não foi aceite. Foi confrontado com o documento 4 junto com a petição inicial: Sim, foi o esboço do contrato. Em linhas gerais, sim [era o que tinha sido acordado entre as partes nas reuniões]. Havia uns objectivos, eram uns valores um bocado elevados, na altura, alertei a FF, depois em conversações, visto o volume de facturação que a B... tinha até àquela data, estabelecer aqueles valores, não sabia quantos comerciais é que vinham com ela. Não foi com a minha minuta [o contrato-promessa que foi celebrado]. Foi-me mandado por email. Os valores estavam diferentes daqueles que eu tinha colocado e penso que prazos também tinham sido dilatados. Nas reuniões, estabeleceram uns parâmetros para fazer a outorga, se bem que sempre disseram que aquilo era uma mera formalidade, bastava a palavra de todas as pessoas, desde que corresse tudo bem iriam celebrar o contrato. Desde que a Engª FF desempenhasse as suas funções enquanto broker, os colaboradores colaborassem com a B... e fizessem angariações e fizessem todas as licenças necessárias, que aquilo seria uma mera finalidade. O valor que colocaram depois, eu não sei. Foi fixado um valor que foi o que eu coloquei na minuta. A FF como estava com uma grande pressão da C..., sentia-se pressionada porque já tinha falado com os comerciais, já tinha feito a entrega do estabelecimento, sentiu-se pressionada a fazer aquilo, o contrato-promessa de cessão de quotas. Quando me foi enviado o contrato, já estava assinado. Perguntado por que é foi assinado um contrato-promessa e não um contrato de cessão de quotas, respondeu: Queriam ver como a coisa funcionava. Foi comunicado à Engª FF que tinha sido uma sugestão da casa-mãe.

Pelas razões expostas e pelas demais que se aduziram na fundamentação da decisão da matéria de facto ínsita na sentença recorrida, entendemos que não foi cometido qualquer erro na apreciação da prova quanto aos mencionados pontos 15, 16, 23, 27 e 29, pelo que não se alteram.

B) Pretendem ainda os réus que os pontos 42, 46 e 47 sejam considerados não provados.

Os factos vertidos naqueles pontos dizem respeito ao valor do material informático da autora A... que transitou para a ré B..., bem como aos contratos de mediação imobiliária concluídos pela autora A... e que transitaram para a ré B..., e ainda ao valor das comissões recebidas pelos angariadores.
Esses factos mostram-se provados pelos depoimentos das já indicadas testemunhas GG e HH e pelo depoimento de parte da autora, e ainda pelos depoimentos das testemunhas JJ (disse que trabalhou para a autora A... e para a ré B... como consultora imobiliária), KK (consultor imobiliário, disse que trabalhou para a autora A... e que actualmente trabalha para a ré B...) e II (disse que é administrador da C... que tinha um contrato de franchising com a autora e a ré em Portugal).
Conforme se alcança dos excertos dos seus depoimentos que a seguir transcrevemos:
AA: Mesmo que o contrato não fosse efectivo, o Sr. BB me ligou um dia “FF, eu sinto muito mal, eu pago-te os móveis”. Todos os consultores em todas as agências, trabalham a contrato de prestação de serviços com recibos verdes. Muitos contratos que nós tínhamos, passaram. Alguns deles não sei dizer. Todos os contratos estavam identificados com o n.º da agência. Claro que para passarem para a B..., obviamente tem que mudar o contrato. Confirmou os contratos referidos no ponto 47, identificando os imóveis pelas referências ali indicadas, designadamente, uma moradia na Maia, um apartamento em Valongo, uma moradia T2 em Gondomar, um terreno em Valongo, uma quintinha em .... Essas condições ficaram acordadas no contrato que foi feito pelo solicitador.
GG: Estive presente nessa reunião, na D.... Nessa reunião, estava um levantamento assim de inventários, de tudo o que era angariadores, consultores, assim o património da empresa. Depois os valores em si já não me recordo ao certo. Estava tudo em sintonia e estava tudo em acordo. Todas as angariações passaram para a B.... Os negócios foram todos. Confirmou o ponto 45. Os equipamentos foram praticamente todos usados, as mesas, os armários, os computadores. Chegou a ficar armazenado algum material. A C... permite essas mudanças sem alterar os códigos.
JJ Foi-nos comunicado pela FF, que íamos todos passar para a B... porque tinham chegado a acordo e iam juntar a empresa. Foi tudo para a B..., pelo menos os móveis eram os mesmos. Os computadores, também. Uma angariação que eu tinha na D... [A...], depois fiz a conclusão do processo na B.... Foi vendido, é uma moradia na Maia. V4. Estava por 250, mas foi fechado por 230. Eu recebi 5.000 euros. Devia ser 12 [o valor da comissão]. Eu lembro-me que a LL disse “Tens de pedir ao proprietário para assinar um novo contrato porque vocês agora já não são D..., vocês agora são B....”. O cliente assinou um novo contrato. Depois soube que tinha terminado. Recibos verdes. Não cheguei a assinar contrato com a B.... Tínhamos um contrato de prestação de serviços [com a A...]. Apareceu o cliente ainda na D.... Fiz a 1ª visita ainda na D.... Já fechei o negócio na D....
KK: O que nos foi comunicado é que ia haver uma fusão entre as duas empresas, cada broaker iria ficar mais ou menos com as equipas que eram lideradas, com os consultores, e as coisas assim funcionavam. Todo o meu trabalho era falado sempre com a FF, depois a dado momento não sei o que é que se passou. Os angariadores transitaram, os meus imóveis foram. A loja ficou vazia, grande parte deles foram, secretárias… Confirmou a angariação e venda de alguns dos imóveis referidos em 47.
II: Tive oportunidade de partilhar com as partes a nossa perspectiva desse negócio. Foi-nos solicitada autorização para que os contratos migrassem. Quando migra para outra base de dados, tem de celebrar novos contratos.
HH: No final de 2019, 2020, a Engª FF contactou-me a dizer que havia um princípio de acordo para deixar a agência que tinha para juntamente com o seu pessoal, o seu equipamento e as suas angariações fazer parte de uma outra agência imobiliária. A reunião chegou a ser feita no meu escritório com a Engª FF, estava o Sr. BB, a D. DD e penso que a filha, a CC. Ficou estabelecido que seria transferido os comerciais que quisessem vir para a B..., os bens móveis, ia fazer a entrega do estabelecimento ao senhorio, e as angariações e penso que também a D. FF ia ser colaboradora, empregada, por assim, dizer, empregada.

Os factos vertidos nos indicados pontos encontram-se ainda provados pelo teor dos documentos juntos aos autos, conforme se dá conta na fundamentação da decisão da matéria de facto, na parte que a seguir transcrevemos:
(…).
Os documentos juntos, conjugados com os depoimentos prestados, foram relevantes no apuramento do património da A... e na sorte das angariações incluídas na sua carteira de negócios. Em concreto, no apuramento do valor do mobiliário e do material informático da A... transferido para a B..., foram considerados, para além da prova documental e por depoimento, os documentos juntos, bem como a sua normal depreciação durante cerca de dois anos – cfr. o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro de 2009.
Os dados da tabela junta aos autos pelos réus na primeira sessão da audiência final – alegadamente contendo todas as entradas de imóveis no sistema (livro de registos) referentes ao período em que AA exerceu funções na B... – não correspondem aos dados contidos na primeira tabela junta pela C... (fls. 38). A título de exemplo, veja-se logo a primeira entrada da tabela junta pelos réus, a mediação do imóvel ...-..., que terá rendido à B... € 700,00 em 13-02-2020. Esta mediação e remuneração não contam da tabela junta pela C....
Já os dados constantes da segunda tabela junta pela C..., depois de iniciadas as sessões da audiência final, surgem contaminados com observações da ré B..., pelo que a correspondência que apresenta entre as referências das mediações das duas agências não pôde ser aceite acriticamente.”.

Por todas as razões expostas, entendemos que também não foi cometido qualquer erro na apreciação da prova quanto aos factos vertidos nos pontos 42, 47 e 49, pelo que não se alteram.

2. Improcedência da acção
Sustentam as rés que, ainda que se mantenha a factualidade que foi considerada provada pelo Tribunal recorrido, deve a acção ser julgada improcedente, por não ter havido responsabilidade pré-contratual das rés.

Diz o artigo 227.º, n.º 1 do CC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem outra menção – que, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.
Em aplicação do princípio da boa fé em que também assentam os artigos 239.º, 334.º, 437.º, n.º 1 e 762.º, n.º 2, consagra-se naquele preceito a responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo, com fundamento na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio.
Segundo Antunes Varela[1], podem extrair-se várias conclusões importantes da leitura daquele preceito:
- Em primeiro lugar, a lei consagra a tese da responsabilidade civil pré-contratual pelos danos culposamente causados à contraparte tanto no período das negociações, como no momento decisivo da conclusão do contrato;
- Em segundo lugar, a responsabilidade das partes não se circunscreve à cobertura dos danos culposamente causados à contraparte pela invalidade do negócio. A responsabilidade pré-contratual, com a amplitude que lhe dá a redacção do artigo 227.º, abrange os danos provenientes da violação de todos os deveres (secundários) de informação, de esclarecimento e de lealdade, em que se desdobra o amplo espectro negocial da boa fé;
- Em terceiro lugar, além de indicar o critério pelo qual se deve pautar a conduta de ambas as partes (a boa fé), a lei portuguesa aponta concretamente a sanção aplicável à parte que, sob qualquer forma, se afasta da conduta exigível: a reparação dos danos causados à contraparte;
- Em quarto lugar, a lei não se limita a proteger a parte contra o malogro da expectativa da conclusão do negócio, cobrindo-a de igual modo contra outros danos que ela sofra no iter negotii.
Menezes Cordeiro[2] refere que a concepção de boa fé acolhida no artigo 227.º, n.º 1 encerra os deveres de protecção, de informação e de lealdade.
Os deveres de protecção obrigam a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflijam danos à contraparte: danos directos, por um lado, à sua pessoa e bens; danos indirectos, por outro, derivados de despesas e outros sacrifícios normais na contratação revestirem, por força do desenvolvimento subsequente do processo negocial, uma característica de anormalidade.
Os deveres de informação adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato. Tanto podem ser violados por acção, portanto com indicações inexactas, como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objectivo em conhecer.
Os deveres de lealdade vinculam os negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negociação correcta e honesta. Ficam incluídos os deveres de sigilo, de cuidado e de actuação consequente.
O mesmo autor[3] conclui que a culpa in contrahendo funciona quando a violação dos deveres de protecção, informação e lealdade conduza à frustração da confiança criada na contraparte pela actividade anterior do violador ou quando essa mesma violação retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na formação na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que, em termos de normalidade, as partes lhe atribuam.
Porém, como se escreveu no Acórdão do STJ de 11.09.07[4], a responsabilidade pré-negocial não existe apenas quando as partes não adoptarem um padrão de lisura, honestidade negocial, consideração dos interesses da contraparte, observando deveres de conduta compagináveis com a natureza do negócio em formação, mas também quando tendo aproximado pela via dessa negociação a conclusão do negócio, por facto seu, este já em fase adiantada não é concluído.
A responsabilidade por culpa in contrahendo não decorre da ruptura das negociações, da não conclusão do contrato ou da recusa da sua celebração, porque estes factos são manifestações de liberdade contratual negativa. Aquela responsabilidade decorre antes do facto de uma das partes ter gerado na outra a confiança e a expectativa legítima de que o contrato seria concluído: o evento que obriga à reparação é, assim, a violação desta confiança por inobservância das regras da boa fé[5].
Podemos, pois, concluir, como no aresto citado na nota anterior, que os pressupostos da responsabilidade pré-contratual são os seguintes:
- a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato;
- o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações:
- a produção de um dano no património de uma das partes;
- a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada.
A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que, na responsabilidade civil pré-contatual, a culpa (in contrahendo) se presume, tal como na responsabilidade contratual (artigo 799.º, n.º 1)[6].

Aplicando o acima exposto ao caso dos autos, escreveu-se o seguinte na fundamentação de direito da sentença recorrida:
(…).
Resulta do ponto 32 – factos provados – uma recusa (ao menos tácita) de cessão à A... de quotas da B.... Esta recusa, como veremos a propósito da defesa dos réus, é infundada, não podendo ser reconduzida a nenhuma outra fonte que não seja a da falta de vontade de cedência dos titulares das participações sociais da B....
A autora A... não reclama o cumprimento de uma suposta promessa informal (nem do contrato-promessa) – o que se compreende, quer em face da efetiva inexistência de um contrato-promessa informal, quer em face da natureza da relação societária, que desaconselha a participação de pessoas desavindas –, assim como não reclama uma indemnização pelo interesse contratual positivo, sendo, pois, inútil discorrer sobre a eventual titularidade de tal direito. A primeira autora reclama, sim, o ressarcimento de danos alegadamente sofridos – por violação do interesse contratual negativo – em resultado da rutura injustificada das negociações ou do processo negocial (não integrado por um contrato-promessa) tendente à celebração do contrato (definitivo) de cessão de quotas à A.... A efetiva inexistência de um contrato-promessa tendo a A... por promissária justifica, ainda, que não seja pedida uma indemnização por insatisfação do interesse contratual positivo (…).
A “responsabilidade pela confiança”, com a configuração aplicável à relação material descrita nos factos provados, integra uma fonte obrigacional própria – v.g., a contemplada na norma enunciada no art. 227.º do Cód. Civil; (…). Não temos de procurar com mais afinco ou com outra subtileza o eventual fundamento de um direito da A.... Com esta responsabilização tem-se em vista o dano sofrido por outrem por ter confiado, e não tanto fazer-se valer uma autovinculação a um compromisso (aparente) (…). Daqui decorre a “responsabilidade pela confiança” dará lugar a sanções mais leves do que aquelas que resultam da responsabilidade contratual (…), não ofendendo o princípio da liberdade contratual, não resultando, em princípio, na vinculação do dominus ao cumprimento de um negócio inexistente (satisfação do interesse contratual positivo da contraparte), mas apenas ao ressarcimento de danos causados (satisfação do interesse contratual negativo).
Em suma, estamos perante uma relação negocial integrada por um contrato concluído (obrigações unilateralmente assumidas pela A...), plenamente cumprido, que se projectava coligado com um contrato-promessa de cessão à A... de quotas da B..., contrato este que nunca chegou a ser outorgado, por rutura das negociações por parte dos futuros promitentes cedentes.
A atuação de BB e sua esposa (DD) é geradora de responsabilidade civil, nos termos previstos no art. 227.º do Cód. Civil, sendo a eventual obrigação de indemnização transmissível mortis causa (art. 2024.º do Cód. Civil), mas com o limite previsto no art. 2071.º do Cód. Civil
(…).
No caso dos autos, tendo-se provado as negociações para a celebração do contrato de cessão de quotas, o seu grau de adiantamento e firmeza, o conhecimento pelos réus da realização de atividades onerosas pelas autoras, no pressuposto da celebração do contrato prometido, o investimento recíproco na confiança e a ocorrência de danos, não se poderá concluir de outro modo que não seja o de que se encontra provada a culpa da contraparte (que sempre se presumiria) na atuação que lhe é imputável, nos termos acima desenvolvidos, e na ocorrência dos danos resultantes do envolvimento da autora A... num processo negocial que se veio a frustrar.
(…).
A A... foi parte nas negociações frustradas, atuando por intermédio dos seus gerentes, sendo da sua autoria o cumprimento descrito no ponto 17 – factos provados. Os danos sofridos pela A... alegados pelas autoras são os seguintes: a) perda do valor do mobiliário e do material informático que pertencia à primeira autora (€ 24655,80); b) perda do valor das comissões recebidas por contratos concluídos, respeitantes a angariações integrantes da carteira de negócios que pertencia à primeira autora (€ 29000,00); c) perda do valor das comissões recebidas por contratos que, futuramente, serão concluídos, respeitantes a angariações integrantes da carteira de negócios que pertencia à primeira autora (a liquidar ulteriormente); d) ofensa ao bom nome da primeira autora (€ 10000,00).
Vejamos se os prejuízos invocados têm sustentação nos factos provados.
(…).
Resulta do ponto 42 – factos provados – que o mobiliário e o material informático que equipavam o estabelecimento explorado pela A..., transferidos para a B..., no pressuposto da futura cessão de quotas – se nenhuma desarmonia entre as pessoas singulares envolvida ocorresse –, tinham um valor não inferior a € 17500,00. É este o valor do dano sofrido e que deve ser ressarcido à autora A....
(…).
Já acima fizemos uma referência à carteira de seguros. Sinalizámos uma diferença entre este tipo de carteira e a carteira de contratos de mediação imobiliária (ou de angariações, ainda que pendentes de formalização), mas também existem semelhanças.
A carteira de contratos de mediação imobiliária (e de angariações em curso de conclusão) é o conjunto de contratos relativamente aos quais o mediador exerce a atividade de mediação e por virtude dos quais são criados na sua esfera jurídica direitos e deveres para com o cliente (bem como o conjunto de processos de angariação em fase de conclusão). Recorde-se que a atividade de mediação imobiliária consubstancia-se, quando o cliente seja o titular do direito sobre o imóvel objeto do negócio visado, na promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões – cfr. os n.os 1 e 2 do art. 2.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro (RJMI), alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de agosto. O conceito de carteira de contratos é mencionado na al. d) do n.º 2 do art. 17.º do RJMI.
Uma carteira de contratos de mediação (e de angariações) não se assemelha a uma carteira de instrumentos financeiros. Dela pode mesmo dizer-se que não passa de um substantivo coletivo que designa o conjunto de múltiplos e heterogéneos contratos de mediação (e de angariações) dos quais é parte um mesmo mediador – neste sentido, uma universalidade de posições jurídicas de mediador. Este complexo de posições jurídicas pode ser objeto de um tratamento unitário por parte do seu titular, sendo dotado de valor económico (autónomo) – assim se explica que, por vezes, se fale de alienação de uma carteira de contratos, tal como ocorre com uma carteira de seguros (art. 53.º do RJDSR).
Enquanto fonte de rendimentos continuados, uma carteira de contratos de mediação assemelha-se, pois, a uma ferramenta de trabalho – um barco de pesca licenciado; um táxi com alvará. Possibilita a obtenção de um determinado rendimento; mas obriga o titular a trabalhar diariamente para conseguir tirar do ativo o seu rendimento potencial. Se a carteira não for trabalhada diariamente (necessariamente com a promoção dos negócios visados), dissipar-se-á pelo mero decurso do tempo. Do exposto se extrai que a perda sofrida pela A... não corresponde ao valor das comissões respeitantes aos contratos integrantes da carteira cedida que a B... vem a levar a “bom porto”. Assim é, não só porque o sucesso da mediação não é independente da atividade do mediador (isto é, também da B...), como também porque o valor da carteira deve reportar-se a dado momento, independentemente da sua sorte ulterior. Assim, por exemplo, se o adquirente for negligente ou grosseiramente incompetente e não conseguir concluir nenhum contrato, o valor da carteira, face a tal desempenho, não corresponderá a zero. A perda sofrida pela A... corresponde, pois, ao valor da sua carteira de contratos de mediação. Este valor, no contexto da avaliação dos ativos de uma agência, corresponde ao potencial valor das comissões que ela poderá proporcionar, num juízo probabilístico, na certeza de que nem todas as mediações são bem-sucedidas e geram uma remuneração. No âmbito de uma transação, parte do valor da carteira é perdido no processo, pois nem todos os clientes aceitarão subscrever novos contratos com o adquirente – o mesmo é dizer que a perda da alienante é superior ao ganho da adquirente.
Na liquidação deste dano devemos lançar mão da equidade, nos termos previstos no art. 566.º, n.º 3, do Cód. Civil. Se atentarmos no destino dos negócios sobre imóveis objeto de angariações efetivamente transitados da A... para a B..., verificamos que apenas cerca de um quarto do valor das comissões esperadas – quantia de € 153975,00 referida no facto 47 – foi efetivamente recebido – valor de € 37575,00 incluído no facto 48 –, no período de 24 meses. (Trata-se de um período relevante, quer em face do tempo normal de duração do contrato de mediação imobiliária (seis meses), quer em face do tempo médio dos imóveis em carteira – sobre este, vejam-se, por exemplo, os dados da Associação ... e do G..., disponíveis, designadamente, em ... e em ...). O mesmo é dizer que, fazendo a necessária extrapolação, o valor das comissões respeitantes aos negócios incluídos na carteira da A... (€ 330000,00), apenas cerca de 25% seriam recebidas (€ 82500,00). A este valor, ainda há que abater a comissão devida ao angariador (ou a partilha com outras agências) e impostos. Em conclusão, os factos provados apenas permitem atribuir à carteira da A... um valor líquido (receita) de cerca de € 40000,00. É este o seu dano efetivo – não surpreendendo, em face do que já ficou dito, que seja superior ao enriquecimento da B..., sendo que o que se discute em sede de responsabilidade civil (de BB) é o primeiro (apenas relevado o segundo no âmbito do (diferente) instituto do enriquecimento sem causa). O pedido liquidado pela autora A... respeitante a esta causa de pedir é de € 29000,00 – o mesmo é dizer que, nesta ação, é este o limite da condenação. Está ele compreendido no valor do dano, pelo que deve ser julgado procedente.
(…).
As rés B... e CC, não sendo as partes envolvidas nas negociações, pouco têm diretamente a ver com a relação material controvertida acima analisada. O mesmo é dizer que não se consegue encontrar nos factos provados a prática por estas rés de um facto ilícito pré-contratual.
Sobre o papel desempenhado pela ré CC, importa, no entanto abrir uma ressalva a esta conclusão, para considerarmos o facto essencial nuclear também protagonizado pelo réu BB. Referimo-nos à circunstância de estes dois réus terem garantido à autora AA (também gerente da primeira autora) que o documento descrito no ponto 28 – factos provados – representava um contrato-tipo, mas que, independentemente do teor do mesmo, o negócio que tinha sido acordado se mantinha e que a projetada “união” não estava em risco, pelo que iria acontecer nos termos apalavrados, conforme consta do ponto 26 – factos provados. A autora AA subscreveu o documento descrito no ponto 28 – factos provados – na esperança de o mesmo ser uma mera formalidade, não contendendo com a celebração do negócio delineado pelas as partes, conforme decorre do ponto 29 – factos provados.
(…). A ré CC é herdeira legítima de DD (art. 2133.º, n.º 1, al. a), do Cód. Civil), pelo que, não tendo sido alegado nem provado nenhum facto excetivo da vocação sucessória legal, com o apontado limite, responde enquanto sucessora na obrigação de indemnização.
Em suma, a ação contra CC é procedente nos mesmos termos em que o é a ação contra BB, por ser herdeira da coautora do facto ilícito pré-contratual (frustração injustificada das negociações), embora, repisa-se, mais uma vez, com a limitação prevista no art. 2071.º do Cód. Civil.
(…).
O objeto da ação instaurada pela autora AA é o pagamento de indemnizações por danos sofridos. Os danos que alega ter sofrido são os seguintes: a) perda das remunerações que teriam sido auferidas como gerente da primeira autora (€ 11430,00); b) perda das remunerações que, futuramente, teriam sido auferidas como gerente da primeira autora (a liquidar ulteriormente); c) ofensa a direitos de personalidade (€ 4000,00).
(…).
Em resultado dos factos descritos no ponto 24 – imposição do clausulado contratual –, no ponto 25 – falsidade da justificação dada pelos réus para o conteúdo do contrato –, no ponto 27 – constrangimento da autora à subscrição o contrato-promessa –, no ponto 29 – conhecimento da falsidade das justificações apresentadas – e no ponto 32 – recusa de cedência de quotas da B... –, a autora AA sentiu-se angustiada, desgostosa, com temor de ser enganada, passando a viver inquieta e em sobressalto, com dificuldades de dormir. Não estamos perante danos reflexos decorrentes danos diretamente causados à A... ou à sua gerente, atuando esta nessa qualidade. A ofensa e a lesão em causa dizem diretamente respeito à autora AA. Também aqui estamos perante uma atuação num âmbito pré-contratual, agora tendente à subscrição do documento intitulado “Contrato Promessa de Cessão de Quotas Sob Condição”. A prestação de informações falsas e restante conduta do réu BB são fortemente censuráveis e agridem o disposto no art. 227.º do Cód. Civil. O mesmo não será de dizer relativamente às rés. A ré B... não desempenhou qualquer papel neste engano. A ré CC é uma terceira relativamente ao processo negocial, não lhe sendo aplicável o regime da culpa in contrahendo referido. Nem aqui tem aqui cabimento a já referida teoria do terceiro cúmplice, dado que a autora AA não pretende a pontual execução do contrato-promessa efetivamente subscrito, não pretendendo a tutela de qualquer direito do mesmo emergente (e que o terceiro cúmplice CC tenha frustrado). A conduta da ré CC só releva no contexto da responsabilidade por conselhos informações (art. 485.º do Cód. Civil). No entanto, não foram alegados factos bastantes que permitam preencher a hipótese contida no n.º 2 do art. 485.º do Cód. Civil.
Em suma, apenas o réu BB é sujeito passivo da obrigação de indemnização.
(…).
Malgrado se poder afirmar a existência de um dano não patrimonial − como a angústia, o desgosto, a inquietação, o sobressalto e a dificuldade de dormir −, de acordo com o art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civ., só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, “pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”. Ou seja, a lei tem em consideração, não apenas a dignidade do direito violado, mas também o nível da agressão ou, melhor, a dimensão do dano. Resta, pois, determinar se, no caso sub judice, a agressão ao direito de personalidade da autora AA merece tutela jurídica. Em face de tudo o que ficou provado, conclui-se que a autora AA sofreu um dano e que este foi grave. Porém, dentro desta gravidade (intensidade), o montante da indemnização deve refletir a relativamente moderada extensão do mesmo em face da potencial dimensão que a agressão a um direito de personalidade pode atingir.
Não é possível pôr um preço à angústia, ao desgosto, à inquietação, ao sobressalto e à dificuldade de dormir. A este respeito, devemos ter em conta o critério legal prescrito para a liquidação deste dano: o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e as demais circunstâncias do caso designadamente, os motivos do agente, o comportamento da lesada e os restantes comportamentos do lesante. Com a utilização deste critério, pretende-se, no entanto, que a indemnização cumpra uma função compensatória e não, atenta a natureza do dano, ressarcitória em sentido próprio (…). Por outro lado, na fixação do montante devido, dever-se-ão ter em conta os valores normalmente praticados no ressarcimento deste tipo de danos; isto é, há que ter uma perspetiva de proporcionalidade ou de justiça relativa cfr. o art. 8.º, n.º 3, do CC, (…).
(…).
Do exposto se extrai ser ajustada a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora AA no valor de € 2000,00 − quantia calculada (atualizada) por referência à presente data.
(…).
Os réus estruturam a sua defesa, no essencial, no processo negocial que tem a autora AA como contraparte, isto é, no contrato-promessa efetivamente subscrito e no modo com foi, ou não, cumprido pela contraparte. Antes de podermos concluir pela utilidade defensiva do conteúdo do contrato firmado, temos de apurar que conteúdo é esse.
(…).
É útil começar por sublinhar que os nomes dados pelas partes às convenções, não sendo irrelevantes, representam apenas um subsídio interpretativo do seu objeto, em ordem, designadamente, à qualificação do negócio e à fixação do seu regime jurídico. Esta afirmação vale não só para o título do negócio – no caso, “Contrato Promessa de Cessão de Quotas Sob Condição” –, como também para qualquer outra forma de predicação, designadamente, na designação da divisão dos enunciados (por exemplo, “cláusula”, “artigo” ou “regra”) ou na adoção de epígrafes (como “prazo” ou “preço”). Determinante na fixação do âmbito e do sentido da manifestação de vontade é o efetivo conteúdo do enunciado da declaração.
Vem esta nota introdutória a propósito do batismo do documento descrito no ponto 28 – factos provados – com o título “Contrato Promessa de Cessão de Quotas Sob Condição”. Se estamos, ou não, perante um contrato-promessa, apenas os enunciados das suas cláusulas o determinarão.
Afigura-se-nos incontroverso que a obrigação de cedência de quotas constitui uma promessa e que as partes declararam que esta está sujeita a uma “condição”. Neste sentido, pontuam no escrito segmentos como “prometem ceder sob CONDIÇÃO (…) duas quotas”, “a outorga da prometida cessão de quotas deverá ser realizada” e “a cessão de quotas fica dependente e sob condição”. Pode, pois, dizer-se que, aparentemente, o nascimento da obrigação de emissão de uma declaração negocial de cessão de quotas ficou suspenso até à ocorrência (se ocorresse) de um facto futuro e incerto: a obtenção, no prazo de seis meses, de uma determinada faturação da B....
Dizemos aparentemente, pois a al. b) da cláusula V erode consideravelmente a promessa (obrigação) de cessão de quotas e estabelece que “os primeiros são (…) livres de não aceitar a prometida cessão de quotas” mediante o pagamento à ré AA da quantia de € 15000,00. Esta estipulação limita a obrigação (promessa) dos promitentes alienantes das quotas, mediante o estabelecimento de uma compensação pela apropriação dos bens móveis da A... pela B.... O mesmo é dizer que não estamos perante uma pena contratual – não há nenhum incumprimento (art. 810.º do Cód. Civil) –, mas sim perante uma contraprestação alternativa, isto é, no dizer das partes, perante o pagamento dos bens móveis transmitidos – cfr. o art. 543.º, n.º 1, do Cód. Civil.
(…).
Ainda em sede interpretativa, importa assentar que a autora AA não se obrigou pessoalmente à obtenção de nenhuns resultados de exploração da agência B... renovada. Da cláusula I (bis) e IV apenas resulta, como condição suspensiva, a objetiva obtenção pela B... de uma determinada faturação, no prazo de 6 meses. Aliás, os dizeres da cláusula IV são claros: “a B... (…) obriga-se (…) a uma faturação no valor de 250.000,00 €”. Só não concluímos pelo incumprimento do contrato imputável a esta ré porque, formalmente, não o subscreveu: não é dito que os primeiros outorgantes agem em sua representação e, a final, não é aposta a sua firma com as assinaturas.
O mesmo é dizer que o insucesso na obtenção da faturação pretendida não representa nenhuma forma de incumprimento por parte da ré AA. Por força do disposto na al. a) da cláusula V, tal insucesso apenas tem por efeito a desvinculação jurídica dos primeiros contraentes – se cederem as quotas é porque querem, e não por a tal estarem contratualmente obrigados – e a imediata extinção do contrato, nada mais havendo a prestar por qualquer das partes. O que tiver sido prestado, prestado está – como a outorga de um contrato de trabalho –, nada mais havendo a prestar.
Em suma, a al. a) da cláusula V não estabelece um efeito resolutório do contrato (a sua destruição com efeitos retroativos), com a consequente obrigação de restituir o que tiver sido prestado (ou compensação correspondente), mas sim a extinção da obrigação alternativa que emerge da al. b) da cláusula V. Significa isto que o contrato se tem por extinto por cumprimento no que às restantes obrigações (não sujeitas a uma condição) dele emergentes diz respeito – assim tenham elas sido satisfeitas.
(…).
Resulta do raciocínio expendido que o documento intitulado “Contrato Promessa de Cessão de Quotas” formaliza um contrato misto. Tal contrato compreende, independentemente da sua validade substantiva ou formal, no que para o caso agora releva:
a) da parte do réu BB e de DD uma declaração negocial obrigando-se:
i) unilateralmente (a contraparte não promete adquirir as quotas) a, futuramente, emitir uma declaração de cessão de quotas da B... à autora AA; ou, em alternativa
ii) a pagar à autora AA o valor dos móveis da A... transmitidos à B...,
b) a estipulação de uma condição suspensiva da obrigação (alternativa) dos primeiros contraentes referida na al. a) à condição de obtenção de uma determinada faturação pela B..., durante o período de seis meses;
Se, decorridos seis meses, a B... não obtivesse uma determinada faturação, nenhuma outra prestação executiva do contrato seria devida – o mesmo é dizer que, no que respeita às obrigações previstas e efetivamente nascidas, se teria o contrato por cumprido –, nem mesmo prestações compensatórias ou restitutivas (estas só são devidas em caso de verificação da condição, em alternativa à declaração de transmissão de quotas: al. b) da cláusula V).
(…).
As “cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”, estão sujeitas ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, (adiante RJCCG) por força do n.º 2 do art. 1.º deste diploma. O mesmo é dizer que, por força do facto 24 – factos provados –, as cláusulas enunciadas nos pontos I (bis), IV e V (incluindo as suas duas alíneas) do “Contrato Promessa de Cessão de Quotas Sob Condição” estão sujeitas ao regime do RJCCG.
Neste pressuposto, devemos ter presente que são proibidas as cláusulas contrárias à boa-fé (art. 15.º do RJCCG), importando aqui ponderar “os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente (a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; (b) O objetivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efetivação à luz do tipo de contrato utilizado” (art. 15.º do RJCCG).
Ainda com relevância para o caso, importa sublinhar que são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais que coloquem na disponibilidade de uma das partes a possibilidade de extinção unilateral do contrato sem compensação adequada, quando este tenha exigido à contraparte investimentos ou outros dispêndios consideráveis (art. 19.º, n.º 1, al. f), do RJCCG), bem como as que consagrem, a favor de quem as predisponha, a faculdade de modificar as prestações, sem compensação correspondente às alterações de valor verificadas (art. 19.º, n.º 1, al. h), do RJCCG).
Resulta dos factos provados – designadamente do facto 23 – que as disposições enunciadas nos pontos I (bis), IV e V do “Contrato Promessa de Cessão de Quotas Sob Condição” não integram o acordo negocial, por força do deposto n.º 2 do art. 1.º, do n.º 2 do art. 5.º, da al. a) do art. 8.º e n.º 1 do art. 9.º do RJCCG.
(…).
A ré B... remeteu à autora AA uma declaração de resolução do “Contrato Promessa de Cessão de Quotas”. A legitimidade substantiva da autora da declaração é impugnada pelas rés. Efetivamente, a ré B... não é parte na promessa de cessão de quotas, pelo que não lhe assiste o direito de resolução.
Diga-se que, em qualquer caso, e ainda que se considerasse que o contrato-promessa inclui as cláusulas de adesão I (bis), IV e V, nem por isso a resolução seria fundada, quer porque, como vimos, a cláusula IV não impõe uma obrigação à autora AA, quer porque, em face das circunstâncias concretas, nunca a insatisfação do excêntrico objetivo poderia ser imputada a esta autora. Tal avaliação feita pela ré sociedade e pelo réu é caracterizada pela má-fé. Ninguém de boa-fé pode pretender avaliar o desempenho comercial de outrem no setor imobiliário tendo por referência o período durante o qual ocorre uma crise pandémica absolutamente inédita.
Dos documentos reproduzidos nos factos provados resulta que, no primeiro quadrimestre integralmente vivido sob os efeitos da pandemia (março, abril, maio e junho de 2020), a sociedade ré concluiu 10 negócios, sendo obtidas comissões no valor de € 30275,00,00, sendo a maior das comissões, no valor de € 12500,0 (ref. ...-...), resultante de um negócio transitado da A... (ao qual se soma o arrendamento ...):
(…).
Ou seja, os negócios trazidos da A... valeram à B... cerca de 40% da sua faturação do período. (Note-se, entre parêntesis, que a transferência da carteira continuou a trazer proveitos à B..., beneficiando, de acordo com a tabela que juntou, parcialmente confirmada pela tabela da C..., de € 5 000,00, em 5 de novembro de 2020 (...) e de € 11500,00, em 15 de maio de 2021 (...). Também se nota que, pelas razões apontadas, apenas consideramos o primeiro quadrimestre vivido em crise pandémica (entre março e junho de 2020), cessando a relação contratual no mês seguinte, mas já anteriormente a ré B... havia beneficiado da transferência da carteira, tendo-lhe esta rendido, por exemplo, uma comissão de € 5000,00 em fevereiro de 2020 (...)).
No primeiro quadrimestre integralmente vivido com a generalidade da população vacinada, com os efeitos socioeconómicos da pandemia a diminuírem acentuadamente, a sociedade ré concluiu 31 negócios, sendo obtidas comissões no valor de € 97385,00 (sem contar com comissões de cinco negócios integralmente pagas a outros mediadores):
(…).
Se já era indisfarçável o caráter manifestamente abusivo, numa atuação de clara má-fé, da imposição pelos promitentes cedentes de uma faturação de € 250000,00, no período de seis meses, como objetivo a atingir, condicionante das obrigações assumidas (quando o padrão de faturação da B... é muito inferior a este, conforme resulta dos factos provados: no período de 24 meses, apenas faturou pouco mais de € 400000,00), não menos abusivo e revelador de má-fé é invocação do insucesso na obtenção daquela faturação como justificação para a não outorga do contrato definitivo, quando boa parte dos referidos seis meses foi vivida sob os efeitos fortemente recessivos da crise pandémica, ao qual obrigou, designadamente, a confinamentos gerais.
No entanto, como referido, as disposições enunciadas nos pontos I (bis), IV e V não integram o acordo negocial vinculativo. Por força desta não inclusão, estamos perante uma promessa incondicionada de cedência de quotas, embora se possa aceitar que, nos quadros do n.º 2 do art. 762.º do Cód. Civil, a obrigação dos promitentes cedentes estivesse dependente do harmonioso relacionamento entre as partes na pendência do contrato-promessa: era este o propósito do contrato, como resulta do ponto 14 – factos provados. No entanto, resulta claramente dos factos provados que inexistiu qualquer desarmonia – veja-se o facto 31 – tendo mesmo os réus pretendido manter a autora AA como colaboradora da B....
E com isto se afasta qualquer ideia de que a experiência feita no âmbito do contrato-promessa celebrado pela autora AA – por ter corrido mal, e não correu – poderia justificar a recusa do réu BB ceder quaisquer quotas da B..., frustrando também o processo negocial protagonizado pela A.... A cedência de quotas à A... estava apenas dependente do bom relacionamento durante o “namoro”, o que veio a ocorrer.
Em conclusão, os fundamentos invocados para a resolução do contrato-promessa, para além de irrelevantes (não dizem respeito a nenhum incumprimento da autora AA) e insubsistentes (a frustração da faturação não pode deixar de ter em consideração, designadamente, a alteração anormal das circunstâncias), não afetam em nada a conclusão de ser injustificada a rutura das negociações com a A..., analisadas na primeira parte da fundamentação de direito desta sentença.
(…).”.

Concordamos inteiramente com a fundamentação acima transcrita, na qual se responde proficientemente aos argumentos aduzidos pelos réus nas suas conclusões, designadamente no que respeita ao conteúdo abusivo das cláusulas I, IV e V do contrato referido no ponto 28 dos factos provados e à responsabilidade do réu BB pelos prejuízos sofridos pela autora FF – nada mais se nos oferecendo dizer que não seja redundante e, consequentemente, inútil, dispensamo-nos de mais considerações.
*
IV.
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, e, em consequência:
- Confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
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Porto, 11 de Janeiro de 2024
Deolinda Varão
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento
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[1] Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., págs. 269 e 270.
[2] Da Boa Fé No Direito Civil, págs. 582 e 583.
[3] Obra citada, págs. 583 e 584.
[4] www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Acórdão do STJ de 31.03.11, CJ/STJ-11-I-165.
[6] Cfr. o Acórdão desta Relação de 03.05.07, bem como a doutrina e a jurisprudência nele citadas.