Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MÁRCIA PORTELA | ||
| Descritores: | CASO JULGADO EXCEPÇÃO AUTORIDADE DE CASO JULGADO PRESSUPOSTOS | ||
| Nº do Documento: | RP20130430993/08.0TJVNF.P1 | ||
| Data do Acordão: | 04/30/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
| Decisão: | CONFIRMADA. | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I- Não tendo o STJ ordenado a restituição por sucedâneo em consequência da declaração de nulidade de um acordo verbal que alterou as fracções a entregar no âmbito de uma permuta, por a contraparte se ter mostrado disposta a entregar as fracções decorrentes desse acordo, apesar da nulidade, o caso julgado formado nessa acção não impede que, posteriormente, seja intentada uma acção em que se peça o valor das fracções não entregues por estas entretanto terem sido vendidas. II- A nossa lei consagra o princípio do caso julgado rebus sic stantibus no artigo 673.º, CPC, que dispõe «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga». | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 993/08.0TJVNF.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B......, Ld.ª, intentou ação declarativa contra C….., Ld.ª, D….. e mulher E……, e F….. e mulher, G….., pedindo, a título principal, a sua condenação solidária a pagar-lhe a quantia de € 519 800, 00, acrescida de juros, calculados à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, e, a título subsidiário, a condenação da sociedade a entregar à A., através da competente escritura, a celebrar no prazo de 30 dias, as frações autónomas identificadas pelas letras “AA” e “C”, bem como de três outras frações destinadas a garagens e apartamentos, do prédio descrito sob o n. º 1101 –Calendário, e todos os RR. condenados solidariamente a pagar–lhe a quantia de € 387.075, 00 correspondente ao valor das demais frações autónomas cuja entrega já não é possível ou já não correspondem ao valor que anteriormente poderia ser realizado e, caso tais entregas não sejam realizadas no pretendido prazo, serem todos os RR. solidariamente condenados a pagar a quantia de € 519.800, 00. Alega para tanto e em síntese, que em 1998, através dos seus sócios gerentes, encetou negociações com a 1.ª R., com vista à negociação entre ambas de um contrato de permuta, através do qual cederia dois imóveis de sua propriedade e receberia diversas fracções em prédios a construir nesses lotes. Na sequência de tais negociações foi celebrado um contrato-promessa de permuta e um contrato-promessa de compra e venda a favor dos seus sócios-gerentes, correspondendo a soma das fracções dos dois contratos-promessa à totalidade das fracções a entregar pela permuta, e não sendo devida qualquer outra contrapartida pela entrega da totalidade das fracções que não fosse os dois referidos lotes de terreno. Foi celebrado o contrato de permuta por escritura pública, constituindo-se os sócios-gerentes da 1.ª R. e respectivos cônjuges fiadores das obrigações daquela. Acrescentou que, devido à alteração dos projectos dos edifícios a construir, acordaram verbalmente as fracções que seriam dadas em permuta fracções diversas das acordadas. E que, partindo da nulidade do acordo verbal da alteração das fracções a entregar e a impossibilidade de entrega das fracções referidas no contrato de permuta, intentou em 2003 uma acção contra os RR., pedindo o pagamento da quantia de € 528.725,00, correspondente ao valor das fracções ainda não entregues.. Informa a A. que a acção foi julgada improcedente, pois, considerando-se nula a cláusula através da qual se alterou o objecto da permuta, e na impossibilidade de restituição do recebido, a A. não tinha direito ao sucedâneo por o cumprimento ainda ser possível, e por agir em abuso do direito ao exigir a prestação em cuja substituição participou, recusando a prestação substituída, que a R. dizia estar disposta a efectuar. Por despacho de fls. 118, foi a instância julgada extinta por impossibilidade superveniente da lide, quanto aos 3.ºs RR., dado que os mesmos foram declarados insolventes por sentença transitada em julgado. Os 1.ºs e 2.ºs RR. ofereceram contestação, invocando a excepção de caso julgado, a excepção de prescrição do direito da A. fazer valer a sua pretensão através do instituto do enriquecimento sem causa, impugnando a matéria alegada na petição inicial . Em réplica, a A. pugnou pela improcedência da exceção do caso julgado, por serem diversas as causas de pedir que sustentaram os pedidos numa e noutra ação e pela improcedência da excepção de prescrição. Foi elaborado despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de caso julgado, tendo relegado para final a apreciação da excepção de prescrição do direito invocado pela A., ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa. Foram fixados os factos relevantes. Por requerimento formulado pela A. a fls. 428, foi requerida a alteração do pedido subsidiário, por alegadamente a R. ter vendido algumas das frações cuja entrega foi solicitada, passando a formular o pedido subsidiário no sentido de a R. sociedade ser condenada a entregar à A., através da competente escritura, a celebrar no prazo de 30 dias, as frações autónomas identificadas pelas letras “BH” e “BI”, destinadas a garagens e apartamentos, do prédio descrito sob o n.º 1101 – Calendário e todos os RR. condenados solidariamente a pagar à A. a quantia de € 514 800, 00, correspondente ao valor das demais frações autónomas cuja entrega já não é possível ou já não correspondem ao valor que anteriormente poderia ser realizado e, caso tais entregas não sejam realizadas no pretendido prazo, serem todos os RR. solidariamente condenados a pagar a quantia de € 519 800, 00. Tal ampliação do pedido foi admitida por despacho de fls. 522. Face à notícia nos autos de que a 1.ª R. foi também declarada insolvente, os autos prosseguiram contra a massa insolvente desta e 2.ºs RR.. Foi realizado o julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando totalmente procedente o pedido subsidiário formulado pela A., no segmento em que solicita a condenação solidária da R. C…., Ld.ª e 2.ºs RR. D…. e mulher E…., no pagamento àquela do valor de € 519 800,00. Inconformada, apelou a Massa Insolvente de C…., S.A., apresentando as seguintes conclusões: «1ª- A Autora, ora recorrida, nesta acção, pretende um efeito idêntico ao da acção referida nas alíneas TT) a BBB) dos Factos Assentes, que foi julgada improcedente, com trânsito em julgado. 2ª- A sentença recorrida entendeu que: na anterior acção a Autora pretendia ser indemnizada pelo valor das fracções constantes do contrato de permuta celebrado em 1998, direito esse que lhe fora negado por ter havido um acordo adicional que o alterara, pois, embora este acordo seja nulo por falta de forma, seria abusiva a invocação do incumprimento de um contrato que a Autora acedera a modificar. 3ª- E mais entendeu que nestes autos já não seria isso que estaria em causa, tendo condenado os Demandados com base na «obrigação de restituição» resultante, segundo ela, da declaração de nulidade desse acordo adicional pelo «efeito retroactivo» da invalidade. 4ª- Contudo, na realidade verifica-se efectivamente ocorrer a excepção de caso julgado, por identidade de partes, pedido e causa de pedir em ambas as acções (Cód. Proc. Civil, art.s 496º a 498º): 5ª- Como refere o Ac. RC 2011.09.06 (rec. nº 816/09.2TBAGD.C1), «A identidade de pedidos (…) existe (…) sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo» - é o caso na anterior acção e na presente. 6ª- «Existe identidade de causa de pedir quando as pretensões formuladas em ambas as acções emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas» (Destaques, nossos) - é o caso na anterior acção e na presente. 7ª- E, quanto à identidade de causas de pedir, há que ter em conta que a «restituição em espécie ou o valor correspondente» nunca poderiam ser consequência da declaração de nulidade do acordo adicional, posto que qualquer entrega que tenha existido da Autora à Ré o foi, não devido ao «acordo adicional» ou no âmbito deste, mas sim devido ao contrato de permuta, no âmbito e por causa deste. 8ª- O facto jurídico genético do direito reclamado sempre será o mesmo em ambas as acções: a entrega feita pela Autora no cumprimento do contrato de permuta e o incumprimento da Ré da obrigação constante do mesmo – ou seja, num caso e noutro, é sempre o imputado incumprimento contratual que é invocado como acto ilícito gerador da obrigação de indemnizar. 9ª- Aliás, e como refere a sentença, o STJ determinou que «a declaração de nulidade do acordo adicional celebrado entre as partes tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo quanto tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente»; ora, na lógica da sentença recorrida, deveria então o STJ ter proferido decisão idêntica à da mesma sentença recorrida. 10ª- Na verdade, sempre na lógica da sentença do Tribunal «a quo», deveria ter sido essa a consequência da referida asserção do Acórdão do Supremo – e não o foi, nem por iniciativa própria desse Tribunal, nem sob requerimento, então, da Autora. 11ª- Sem prejuízo de, a ser legítima e acertada a condenação contida na sentença recorrida, seria ali, na anterior acção, no Acórdão do Supremo, que a mesma deveria ter tido lugar, não podendo uma sentença da 1ª instância servir para «completar» o Acórdão do STJ, dele retirando uma consequência que aquele nosso mais alto Tribunal não tirou nem quis tirar. 12ª- Sem conceder, ainda que não se verificasse a excepção de caso julgado, sempre se verificaria a excepção da autoridade de caso julgado, com as mesmas consequências: 13ª- voltando a citar o aludido Acórdão, «Da excepção de caso julgado se distingue a autoridade de caso julgado, pressupondo esta a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obstando-se, deste modo, que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação». É, manifestamente, o caso destes autos. 14ª- «não se exigindo neste caso a coexistência da tríplice identidade mencionada no artigo 498º do Código de Processo Civil» (no mesmo sentido, Ac. Rel. Lxa de 2005.09.27, Proc. nº 1970/05). 15ª- Em resumo, já pela procedência da excepção de caso julgado, já pela da autoridade de caso julgado, a acção deveria ter sido julgada improcedente, encontrando-se mal interpretados, na sentença recorrida, salvo o devido respeito, os normativos citados na precedente 4ª conclusão, impondo-se, pois, a sua revogação. Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença proferida, em conformidade com as conclusões que antecedem, Com o que se fará, tão-só JUSTIÇA!» Contra-alegou a A., assim concluindo: I- Não ocorre violação da excepção de caso julgado ou de autoridade de caso julgado. II. Na anterior acção, a causa de pedir era a nulidade da convenção de permuta de imóveis e o pedido era de condenação do pagamento de montante pecuniário, a título substitutivo dos bens imóveis que deveriam ser dados em contraprestação. III- Nos presentes autos, a causa de pedir é o conjunto de factos constituído pela interpelação à sociedade devedora para entrega dos imóveis que consensualmente haviam sido ajustados e pela conduta daquela sociedade, ao alienar a terceiros tais bens e a locupletar-se com os produtos dessas vendas, à custa da recorrida, conduta essa adoptada depois dos articulados produzidos nos outros autos. IV- Tal conduta da sociedade devedora constitui violação dos deveres de lealdade e de boa-fé, além do enriquecimento à custa da requerida. V- O pedido formulado nos presentes autos tem a natureza, não de prestação pecuniária substitutiva, nos termos do disposto na parte final do n.º 1 do art. 289° do C.C., mas sim a natureza de indemnização, por violação do principio da boa-fé (a honestidade e lealdade do comportamento) na execução dos contratos (nº 2 do art. 762º do c.c.). VI- A indemnização deve ser de valor igual ao do dano causado (nº 1 do art. 483º do C.C.). VI- O recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida, como é de JUSTIÇA 2. Fundamentos de facto A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação: A) A presente ação deu entrada em juízo no passado dia 25 de Março de 2008. B) Os 2.ºs RR. foram citados para os termos da mesma em 2 de Abril de 2008 (vide fls. 69 e 70), enquanto que tal facto, relativamente à 1.ª R., apenas veio a ocorrer em 13 de Maio de 2008 (vide fls. 82). C) Em Outubro de 1998, a A. era dona e legítima possuidora dos seguintes imóveis, ambos sitos no lugar de …, freguesia de ….., município de V. N. Famalicão: a) Parcela de terreno para construção urbana, com a área de 1470,5 metros quadrados, designado lote n.º 4, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1101 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3407.º; e b) Parcela de terreno, para construção urbana, com a área de 1450,5 metros quadrados, designado lote n.º 5, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1102 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3408. D) Os dois referidos prédios integravam-se numa urbanização e tinham as características de edificabilidade para eles previstas no alvará de loteamento em que se inseriam, destinando-se, cada um deles à construção de um edifício, com onze pisos, a submeter ao regime de propriedade horizontal, com diversas frações autónomas, destinadas a garagens, arrumos, comércio e habitações. E) Os processos de licenciamento referentes a cada um dos dois lotes foram completamente instruídos e custeados pela A. F) Em princípios de Outubro de 1998, a A. e a primeira R., esta representada pelos segundo e terceiro RR. maridos, acordaram em realizar um contrato de permuta, tendo por objeto aqueles dois referidos prédios, por um lado, e várias frações autónomas dos edifícios ali a construir, por outro. G) A A. e a primeira R. acordaram em que aquela daria em permuta os dois identificados prédios, enquanto que esta, a R. sociedade, daria em troca, as seguintes frações autónomas dos edifícios a construir nos dois indicados lotes: a) Um apartamento do tipo T2, com a área de 90 m², no lote 4, piso n.º 4, designado 403; b) Um apartamento do tipo T1, com a área de 60 m², no lote 4, piso n.º 4, designado 402; c) Um apartamento do tipo T3, com a área de 155 m², no lote 4, piso n.º 4, designado 401; d) Um apartamento do tipo T1, com a área de 60 m², no lote 4, piso n.º 6, designado 602; e) Um apartamento do tipo T2, com a área de 90 m², no lote 4, piso n.º 6, designado 603; f) Um apartamento tipo T1, com a área de 60 m², no lote 5, piso n.º 4, designado 402; g) Um apartamento tipo T2, com a área de 90 m², no lote 5, piso n.º 4, designado 403; h) Um apartamento tipo T3, com a área de 155 m², no lote 5, piso n.º 6, designado 601; i) Um apartamento tipo T1, com a área de 60 m², no lote 5, piso n.º 6, designado 602; j) Um apartamento tipo T2, com a área de 90 m², no lote 5, piso n.º 6, designado 603; l) Uma loja comercial, designada pela loja número 2, no lote 5, com a área de 68 m²; m) Uma loja comercial, designada pela loja número 5, no lote 4, com a área de 98 m²; n) Uma área, correspondente a 22% do total da área construída, destinada a garagens e aparcamentos, nas caves dos edifícios construídos nos lotes n.ºs 4 e 5, excluindo-se desse total a área de 60 m²; o) Um apartamento do tipo T3, com 144 m², no lote número quatro, apartamento número 404, no piso quatro; p) Um apartamento do tipo T3, com 144 m², no lote número cinco, apartamento número 404, no piso quatro; q) Um apartamento do tipo T3, com 155 m², no lote número cinco, apartamento número 401, no piso quatro; r) Um apartamento do tipo T3, com 144 m², no lote número cinco, apartamento número 604, no piso seis; s) Um apartamento do tipo T3, com 144 m², no lote número quatro, apartamento número 604, no piso seis; t) Três garagens na cave do edifício, com a área aproximada de 20 m², cada uma. H) No dia 9 de Outubro de 1998, A. e R. sociedade celebraram, sob a forma escrita, um acordo que intitularam "contrato-promessa de permuta". I) Nesse contrato ficou convencionado entre as partes contratantes, A. e R. sociedade, que a primeira destas se obrigava a dar à segunda os prédios acima indicados, enquanto que esta última se obrigava a dar àquela as seguintes frações autónomas dos edifícios ali por ela a construir: a) Um apartamento do tipo T3, com 114 m², no lote número quatro, apartamento número 404, no piso quatro; b) Um apartamento do tipo T3, com 144 m², no lote número cinco, apartamento número 404, no piso quatro; c) Um apartamento do tipo T3, com 155 m², no lote número cinco, apartamento n.º 401, no piso quatro; d) Apartamento do tipo T3, com 144 m², no lote número cinco, apartamento número 604, no piso seis; e) Um apartamento do tipo T3, com 144 m², no lote número quatro, apartamento número 604, no piso seis; f) Três garagens na cave do edifício, com a área aproximada de 20 m², cada uma. J) Naquele contrato-promessa de permuta, embora a A. se obrigasse a dar em permuta os dois indicados prédios, a R. sociedade apenas se obrigou a dar oito frações autónomas porque, em simultâneo, foi celebrado um outro contrato-promessa, este denominado de compra e venda, nos termos do qual a R. sociedade prometeu vender aos sócios-gerentes da A., ou a quem eles indicassem, as demais frações autónomas que ela R. sociedade deveria dar em permuta e que não ficaram convencionadas no contrato-promessa de permuta. K) O conjunto das frações indicadas em ambos os contratos-promessa (de permuta e de compra e venda) é que correspondia à totalidade das frações que ela R. sociedade deveria entregar à A., em troca dos lotes de terreno que esta iria dar àquela, como deu. L) O montante declarado, a título de preço, no contrato-promessa denominado de compra e venda – a quantia de Esc. 105.900.000$00 – não foi pago pelos declarados promitentes compradores, nem recebido pela R. sociedade, como promitente vendedora. M) E as frações autónomas referidas no contrato-promessa de compra e venda destinavam-se também a ser entregues, pela R. sociedade, à A. ou aos clientes desta, que viessem a ser indicados. N) Pela entrega destas frações, em conjunto com as que constavam do contrato-promessa de permuta, a R. sociedade não recebeu, nem receberia, qualquer outra contraprestação que não fosse os dois referidos lotes de terreno. O) Não havendo qualquer prestação pecuniária entre as partes, salvo a que tinha a ver com os encargos relativos ao pagamento, em partes iguais, por A. e R. sociedade, do custo de construção de um campo de ténis, junto ao edifício a construir no lote número quatro. P) Em execução do acordado entre A. e R. sociedade, vieram elas, no dia 30 de Dezembro de 1998, a outorgar, por escritura pública, celebrada no 1.º Cartório da Secretaria Notarial de Barcelos, um contrato de permuta. Q) Ficando convencionado, neste contrato, que a A. dava à R. sociedade, em permuta, os dois prédios supra referidos em 1., recebendo em troca, oito frações autónomas, sendo cinco destinadas a habitação e três destinadas a garagem. R) Nesse contrato de permuta ficou acordado que as frações autónomas deveriam ser entregues à A. dentro do prazo de dois anos a contar da data da outorga dessa escritura (30 de Dezembro de 1998). S) As frações autónomas que, na dita escritura, ficou convencionado seriam entregues pela R. sociedade são exatamente aquelas que haviam sido indicadas no contrato-promessa de permuta, outorgado no dia 9 de Outubro daquele mesmo ano de 1998. T) As demais frações autónomas a entregar pela R. sociedade (também em permuta, embora declaradas como prometidas vender, no contrato-promessa denominado de compra e venda, celebrado, também, no dia 9 de Outubro de 1998) não foram incluídas na escritura referida em 14. U) Depois de celebrada tal escritura, a R. sociedade procedeu à execução das obras de construção de dois edifícios, um em cada um dos referidos lotes de terreno. V) E, concluídos esses edifícios, a R. sociedade, em cumprimento dos contratos-promessa denominados de compra e venda, entregou embora à A. outras frações autónomas, que não as previstas nesse contrato, mas que ela A. aceitou. W) Em execução do contrato de permuta celebrado no dia 30 de Dezembro de 1998, a R. entregou, em permuta, à A. uma habitação do tipo T3, no edifício construído no lote n.º 5. X) Incumbia à A. o pagamento do montante correspondente a metade dos custos com a construção de um campo de ténis no lote n.º 14, cujo encargo global, já pago pela R., é de € 17.850,00 (correspondente a € 8.925,00 a cada uma das partes). Y) Por declaração emitida na escritura de permuta outorgada em 30 de Dezembro de 1998, os segundos e terceiros RR. constituíram-se fiadores e principais pagadores, para garantia do cumprimento de obrigações da R. sociedade. Z) Em 21 de Dezembro de 1998, a A. deu entrada na competente Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão. AA) A R., e nos termos sempre acordados, só teve intervenção no processo de licenciamento após o mesmo estar completamente instruído, tendo em 12 de Janeiro de 1999 solicitado o averbamento em seu nome dos processos de construção referentes aos lotes adquiridos. BB) Tendo, em 8 de Fevereiro seguinte, procedido ao pagamento e levantamento das duas licenças de construção. CC) Tendo, em 8 de Fevereiro seguinte, procedido ao pagamento e levantamento das duas licenças de construção. DD) Instruídos e aprovados todos os projetos técnicos exigíveis para se dar início à construção dos edifícios em causa, a respetiva licença foi posta a pagamento e levantada em nome da R., que deu imediato início à construção, não só por ser do seu direto interesse, mas igualmente para assegurar o integral e atempado cumprimento das obrigações assumidas perante a A.. EE) Com conhecimento, por vontade e no interesse de ambas as partes, entendeu-se modificar o projeto de arquitetura inicialmente aprovado, pelo que se alteraram também as concretas frações autónomas que competia serem entregues pela R. à A., definindo-se consensualmente como definitivas aquelas que constam dos quadros que se seguem, que foram as edificadas pela R.: LOTE IV FRACÇÃO TIPOLOGIA ÁREA 40 – "U" T2 87 m² 40 – "T" T2 90 m² 40 – "S" T2+1 131 m² 40 – "R" T3 144 m² 60 – "AC" T2 87 m² 60 – "AB" T2 90 m² 60 – "AA" T2+1 131 m² R/C – "C" Estabelecimento 98 m² Garagens AR, AP, AQ, BP, BR, e BS Lugares de garagem BC, AU, BH, BI, BV, CE e CJ LOTE V FRACÇÃO TIPOLOGIA ÁREA 40 – "T" T2 87 m² 40 – "U" T2 90 m² 40 – "R" T2+1 131 m² 40 – "S" T3 144 m² 60 – "AB" T2 87 m² 60 – "AC" T2 90 m² 60 – "Z" T2+1 131 m² 60 – "AA" T3 144 m² R/C – "C" Estabelecimento 68 m² Garagens AP, AR, AQ, BP, BM, e BT Lugares de garagem AZ, AV, AU, AT, CE, CI e BZ FF) No dia 2 do mês de Agosto de 2001, perante o 2.º Cartório Notarial de Barcelos, os legais representantes da sociedade R. outorgaram procuração a favor da sociedade A., outorgando-lhe todos os poderes para, em nome da mandante, prometer vender e vender, receber preços e deles dar quitação, outorgar e assinar os respetivos contratos bem como as escrituras e a representar junto de quaisquer Repartições Públicas, particulares ou administrativas, designadamente junto de Repartição de Finanças, prestar quaisquer declarações, apresentar e requerer documentos, para na Conservatória do Registo Predial proceder a quaisquer atos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos e cancelamentos e autorizando estes e aos fins indicados requerer, promover e assinar tudo que necessário se torne, em relação às frações autónomas designadas pelas letras "T", "U", "AP", "BP", "BM", "BT", "AZ", "AU", "AV", "AT", "CE", "CI" e "BZ" do prédio edificado no lote n.º V. GG) Esta procuração, que foi acompanhada da definitiva e integral transmissão da posse das frações em causa, foi outorgada com carácter irrevogável, dispensa de prestação de contas e possibilidade de a mandatária poder fazer negócio consigo mesma, por solicitação e no interesse da A. e como forma de definitivo cumprimentos de parte da obrigação que sob a R. impendia em respeito ao acordo de permuta levado a cabo. HH) No dia 3 de Agosto de 2002, perante o 2.º Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foram outorgadas duas escrituras de compra e venda, ambas igualmente por solicitação e no interesse da A. e como forma de definitivo cumprimento de parte da obrigação que sob a R. impendia em respeito ao acordo de permuta levado a cabo, uma delas outorgada a favor de H….., indicado pela A. como sendo a favor de quem a propriedade deveria ser transmitida, e cujo objeto foram as frações autónomas designadas pelas letras "C", "AB", "AC", "AQ" e "AR", todas integradas no lote n.º 5. II) A outra, diretamente outorgada a favor da A., e cujo objeto foram as frações autónomas designadas pelas letras "R", "S", "Z" e "AA", todas igualmente integradas no mesmo lote n.º 5. JJ) Por solicitação e no interesse da A. e como forma de definitivo cumprimento de parte da obrigação que sob a R. impendia em respeito ao acordo de permuta levado a cabo, foram celebradas as seguintes escrituras de compra e venda, referentes às frações autónomas que a seguir de referem, todas incluídas no designado lote n.º 4: - no dia 4 de Junho de 2002, perante o Segundo Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi celebrada escritura pública de compra e venda, a favor de I….., cujo objeto foram as frações autónomas designadas pelas letras "AB" e "BC". KK) No mesmo dia 4 de Junho, igualmente perante o Segundo Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi celebrada escritura pública de compra e venda, a favor de J….., cujo objeto foram as frações autónomas designadas pelas letras "T" e "AU". LL) No dia 28 de Agosto de 2002, perante o Primeiro Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi celebrada escritura pública de compra e venda, a favor de K….., cujo objeto foram as frações autónomas designadas pelas letras "U" e "BV". MM) No dia 2 de Outubro de 2002, perante o Segundo Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi celebrada escritura pública de compra e venda, a favor de L….. e M….., cujo objeto foram as frações autónomas designadas pelas letras "AC" e "CE". NN) A A. recusou pagar quaisquer encargos com obras de urbanização ou de infra-estruturas do loteamento onde os edifícios foram construídos, que não fossem os que dizem respeito ao campo de ténis. OO) A R. sociedade pretendeu entregar à A. outras frações autónomas em substituição das que se obrigou a construir, mas fez depender essa proposta do pagamento, pela A., de parte dos encargos com obras de urbanização do loteamento em que se inseriam as duas parcelas de terreno que ela R. sociedade recebeu. PP) As frações autónomas: no lote n.º 4: a) Uma habitação do tipo T3, com a área de 144 m², no piso n.º 4; b) Uma habitação do tipo T3, com a área de 144 m², no piso n.º 6; c) Uma garagem, com a área de 20 m², na cave do edifício, e no lote n.º 5: a) Uma habitação do tipo T3, com a área de 155 m², no piso n.º 4; b) Uma habitação do tipo T3, com a área de 144 m², no piso n.º 6; c) Uma garagem, com a área de 20 m², na cave do edifício; d) Outra garagem, com a área de 20 m², na cave do edifício, têm o valor de € 528.725,00. QQ) A R. já tem completamente edificadas as frações autónomas cuja entrega devia fazer à A., em cumprimento do acordo estabelecido com esta última. RR) O preço resultante da venda da fração "BC" do lote n.º 4 feita a I…. foi recebido pela R.. SS) Todos os factos acabados de referir foram dados como assentes na sentença proferida nos autos de ação comum que, sob o n.º 2380/03.7TJVNF, correram termos pelo 2.º Juízo Cível desta comarca. TT) Com efeito, no dia 29 de Maio de 2003, a aqui A. intentou contra os aqui também RR. uma ação ordinária, que recebeu o número e a distribuição indicados no item anterior. UU) Naqueles autos de ação comum, com processo ordinário, foi alegada e provada a matéria de facto supra referida, de 1.º a 42.º deste articulado, os quais constituem reprodução integral e exata dos termos da dita sentença. VV) Face à indicada matéria de facto, que havia sido alegada pela ali e aqui A., foi deduzido nos referidos autos, o pedido de condenação dos RR. no pagamento da quantia de € 517.725,00. WW) Quantia esta que, no entender da A., correspondia ao valor das frações autónomas ainda e então não entregues pela R. sociedade, em cumprimento do acordo verbal, estabelecido após a celebração dos contratos escritos e na sequência da alteração dos projetos dos edifícios referidas em 29.º deste articulado. XX) Isto porque, como se refere supra, as frações construídas e não entregues até àquela e até esta data, são diferentes das que estavam previstas nos projetos iniciais e nos acordos escritos celebrados entre as duas sociedades, aquando da outorga do contrato-promessa de permuta (item 29.º supra). YY) Acontece que, por perícia efetuada nos citados autos n.º 2380/03, do 2.º Juízo, o valor dos bens a que a A. teria direito foi arbitrado em € 528.725,00. ZZ) Aquela ação foi julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido, por sentença proferida no dia 7 de Outubro de 2003. AAA) Interposto recurso de tal decisão, primeiro de apelação, para o T.R.P. e, depois, de revista, para o S.T.J., veio a mesma ser totalmente confirmada, por acórdão, transitado em julgado, proferido pelo S.T.J., em 19/06/2007. BBB) Por brevidade e economia de meios, dou aqui por inteiramente reproduzido o teor dos documentos n.ºs 1 a 4, juntos aos autos com a contestação, que constituem a petição inicial que deu origem à ação declarativa comum, ordinária que, autuada sob o n.º 2380/03, correu os seus termos pelo 2.º Juízo Cível deste mesmo Tribunal, à sentença proferida no âmbito dessa mesma ação e dos acórdãos, quer do T.R.P., quer do S.T.J., que a confirmaram. CCC) No âmbito da referida ação, que correu os seus termos pelo 2.º Juízo Cível, a ora 1ª R. declarou estar disposta a entregar à A. as frações autónomas que acabou por construir, embora diferentes daquelas que, inicialmente, ambas tinham acordado. DDD) A A. não recebeu da R. todos os bens que convencionou com esta, no âmbito dos acordos celebrados entre ambas. EEE) Com efeito, transitado em julgado o acórdão do STJ, de 19 de Junho de 2007, a A. solicitou da R., que declarasse se estava disposta a entregar as frações autónomas em dívida. FFF) Tal solicitação foi, realizada sem que tivesse havido qualquer resposta até esta data. GGG) Por outro lado, as frações autónomas que a R. sociedade deveria entregar à A. teriam de ser novas, devidamente concluídas, em perfeito estado de acabamento, estar livres, devolutas e desoneradas. HHH) Até a presente data, os RR. não puseram à disposição da A. as frações autónomas referidas na alínea anterior. III) Isto porque a A. declarou a sua disponibilidade e vontade para pagar à R. sociedade, contra a receção de facto e de direito, daquelas frações, o montante fixado na referida sentença e indicado supra em 22.º. JJJ) Montante esse que a A., através da comunicação de um a outro mandatário, se propôs pagar, após a trânsito do acórdão do S.T.J. KKK) E que nunca a R. sociedade declarou pretender receber, contra a entrega das frações autónomas em falta. LLL) As frações autónomas que a R. sociedade deveria entregar à A., para, em execução e cumprimento dos acordos estabelecidos, dar satisfação integral à contra prestação devida pela aquisição dos dois lotes de terreno, são as seguintes, todas do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no lugar …., freguesia de …., desta comarca, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1101 e cuja utilização e habitabilidade está licenciada apenas a partir de 5 de Novembro de 2001, pelo alvará n.º 905/2001: "C", "R", "S", "AA", "AP", "AQ", "AR", "BB", "BH", "BI", "BP", "BR", "BS" e "CJ". MMM) A 1.º R., mesmo antes de proferida a sentença no âmbito do processo que correu os seus termos pelo 2.º Juízo Cível deste mesmo Tribunal, vendeu a terceiros, que registaram as respetivas aquisições a seu favor, pelo menos duas frações autónomas, destinadas à habitação, sendo elas as frações "S" e "R". NNN) E verificou, ainda, que todas as demais que também se destinavam à A. se acham oneradas com hipoteca, a favor da Caixa Geral de Depósitos. OOO) Atualmente, a 1ª R. é proprietária de apenas uma fração-fração "AA"- , onerada com hipoteca, destinada à habitação. Factos provados oriundos das respostas à Base Instrutória: 1. A atividade da A. é a compra e venda de imóveis, procurando obter lucros com tal atividade, sendo que as frações aqui em causa se destinavam a tal venda — Resposta aos pontos 2.º e 3.º da B.I. 2. À A. não interessa receber da 1ª R. frações autónomas, destinadas a garagens e aparcamentos, sem as habitações que foram vendidas pela 1ª R. a terceiros — Resposta ao ponto 4.º da B.I.. 3. As frações destinadas a garagens e aparcamentos têm um valor muito diminuto, sendo a respetiva venda muito difícil, quando comercializadas separadamente das habitações — Resposta ao ponto 5.º da B.I.. 4. Na verdade, as garagens e aparcamentos são normalmente vendidos à razão de duas ou três por cada habitação — Resposta ao ponto 6.º da B.I.. 5. A R. sociedade ao alienar a terceiros algumas das frações autónomas que deveria entregar à A., não só fez seu o produto daquelas vendas — Resposta ao ponto 7.º da B.I.. 6. Como desvalorizou profundamente parte das demais frações destinadas a garagens e aparcamentos que declarou querer entregar à A. — Resposta ao ponto 8.º da B.I.. 7. A maioria das frações ainda registadas a favor da 1ª R. e destinadas a garagens e aparcamentos não interessam agora à A., uma vez que não correspondem ao valor patrimonial que antes tinham — Resposta ao ponto 9.º da B.I.. 3. Do mérito do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 660.º, n.º 2, in fine, e 684.º, n.º 4, CPC ), consubstancia-se em saber se a excepção do caso julgado ou a autoridade do caso julgado obstam ao conhecimento do pedido. Está em causa saber se a improcedência da acção n.º 2380/03.7TJVNF obsta ao conhecimento do pedido formulado nesta acção. Reduzindo o litígio aos seus termos mais simples, entre apelante e 1.ª apelada, foi celebrado, através de escritura pública, um contrato de permuta, nos termos do qual a apelante receberia, em contrapartida da entrega de dois imóveis, determinadas fracções autónomas dos prédios a construir nesses terrenos. Posteriormente, por modificação do projecto, as partes acordaram verbalmente alterar as fracções objecto do contrato de permuta. Partindo da nulidade do acordo verbal da alteração das fracções a entregar e da impossibilidade de entrega das fracções autónomas referidas no contrato de permuta, intentou em 2003 uma acção contra os RR., pedindo o pagamento da quantia de € 528.725,00, correspondente ao valor das fracções ainda não entregues. A acção foi julgada improcedente, pois, considerando-se nula a cláusula através da qual se alterou o objecto da permuta, e na impossibilidade de restituição do recebido, a A. não tinha direito ao sucedâneo por o cumprimento ainda ser possível, e por agir em abuso do direito ao exigir a prestação em cuja substituição participou, recusando a prestação substituída, que a apelada dizia estar disposta a efectuar. Entretanto, a apelada não só não entregou as fracções, como vendeu algumas desvalorizou outras, pretendendo a apelante o valor pecuniário correspondente à parte da prestação em falta por efeito da declaração de nulidade. Importa, agora, determinar se a pretensão da apelante é legítima face a decisão proferida na acção n.º 2380/03.7TJVNF. 3.1. Da excepção de caso julgado Transitada em julgado, a sentença ou o despacho saneador que decida sobre o mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos artigos 497.º e 498.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 771.º a 777.º. É o caso julgado material (artigo 671.º, n.º 1, CC). Nas palavras de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 328-9, «O caso julgado material destina-se a tornar certa e inatacável a posição das partes quanto aos bens litigados, tal como na sentença foi reconhecida e declarada.» A decisão proferida no proc. n.º 2380/03.7TJVNF incidiu sobre a relação material controvertida, se constituiu caso julgado material. Nos termos do artigo 498.º, n.º 1, CPC, repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Havendo identidade de sujeitos, importa verificar se existe identidade de pedido e causa de pedir, já que a excepção de caso julgado pressupõe a tríplice identidade prevista no artigo 498.º, n.º 1, CPC. Dispõe o artigo 498.º, n.º 4, CPC, que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas ou de anulação, é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para se obter o efeito pretendido. A sentença da 1.ª instância equacionou muito bem a relação entre o objecto das duas acções em confronto, ao escrever: «Nesses autos [n.º 2380/03.7TJVNF ], a autora reivindicava o cumprimento das obrigações assumidas no acordo originário, posteriormente substituído por outro, no interesse de ambas, invocando a impossibilidade objetiva de cumprimento das obrigações assumidas pela ré nesse acordo originário, impossibilidade resultante dessa consensual alteração. Ora, consequência da declaração de nulidade desse acordo subsequente, embora se reconhecesse naqueles autos que, por força do efeito retroativo da declaração de nulidade, os réus poderiam ser condenados na restituição do recebido – restituição das duas parcelas de terreno ou mais concretamente, no sucedâneo do respetivo valor -, atendendo a que o contrato adicional já fora parcialmente cumprido sob os seus aspetos práticos e económicos, entendeu-se também que, na ocasião, a autora não beneficiaria do direito ao sucedâneo porque, tendo acordado, no seu interesse, embora em clausula inválida por vício de forma, na alteração da prestação em espécie, agia com abuso de direito ao exigir a prestação em cuja substituição participou, recusando a substituição da prestação substituída. É agora diversa a pretensão da autora e os factos em que a mesma estriba essa pretensão. Desta feita, pretende receber o valor pecuniário correspondente à parte da prestação em falta, por efeito da declaração de nulidade do acordo adicional. Note-se que o que foi julgado abusivo nos autos atrás referidos, foi o direito exercido pela autora, consubstanciado na exigência do valor da prestação originária, em cuja substituição a autora participou. Nestes autos, pretende a autora exigir, por efeito da nulidade do acordo adicional, o valor correspondente à prestação devida nesse acordo adicional, cuja nulidade foi declarada, com transito em julgado.» Assim, no proc. n.º 2380/03.7TJVNF não se reconheceu à apelante o direito a receber uma contraprestação em dinheiro substitutiva das fracções constantes do acordo verbal porque a prestação resultante desse acordo ainda era possível, pois a apelada declarou estar disposta a entregar as fracções referidas no acordo verbal. Não se disse, sublinhe-se, que a apelante não tinha direito a receber qualquer contrapartida pelos dois imóveis que entregou à apelada em cumprimento do contrato de permuta. O que se quis significar foi que, apesar de ter sido declarada a nulidade do acordo verbal de alteração das fracções a integrar a permuta, deveria exigir as fracções que a apelada se declarou disposta a entregar em cumprimento do acordo verbal. Assim, enquanto naquela acção se pedia o pagamento de uma quantia pecuniária em substituição da entrega das fracções constantes do contrato de permuta, nesta se pede uma quantia pecuniária decorrente da impossibilidade de cumprimento das obrigações assumidas no âmbito do acordo verbal. A nossa lei consagra o princípio do caso julgado rebus sic stantibus no artigo 673.º, CPC, que dispõe: «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique». Decorre claramente deste normativo que situações supervenientes permitem a instauração de uma nova acção. Interroga-se a apelada por que razão o STJ, que afirmou que a declaração de nulidade do acordo adicional tem efeitos retroactivos, não proferiu a decisão indemnizatória que a apelante pretende, pois, a ser acertada a decisão da 1.ª instância, era aquela a sede própria para ser proferida, não cabendo à 1.ª instância «completar» o acórdão do STJ, tirando consequências que aquele não quis tirar nem tirou. A resposta ressalta da matéria de facto provada. Com efeito, por razões imputáveis à apelada, que alienou algumas das fracções e onerou outras, a apelante se viu impossibilitada de exigir a entrega das fracções, como pressuposto no acórdão do STJ (cfr. alíneas CCC a OOO e pontos 1 a 7 das respostas à base instrutória). Encontra-se, pois, a apelante legitimada a exigir o valor correspondente à contrapartida dos imóveis que entregou, sem que se lhe possa opor a excepção do caso julgado. 3.2. Da autoridade do caso julgado Esgrime ainda a apelada com a autoridade do caso julgado. Sem qualquer razão, porém. Como explicam Lebre de Freitas et al, op. cit., pg. 354, «A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela excepção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., II, ps. 770-771). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…)». Miguel Teixeira de Sousa, O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, in BMJ nº 325/49 e ss., analisou com particular profundidade a problemática do caso julgado material, sublinhando, a pgs. 168, que «… os efeitos do caso julgado material projectam-se em processo subsequente necessariamente como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objecto posterior, ou como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior». E a pgs. 171 traça a distinção entre as duas figuras nos termos seguintes: «… quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; quando a apreciação do objecto processual antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva com excepção do caso julgado.» E acrescenta na página seguinte: «Dada a mútua determinação da autoridade de caso julgado e da excepção de caso julgado, o caso julgado material só se torna autoridade de caso julgado nas eventualidades de consumpção prejudicial entre objectos processuais. A consumpção prejudicial exige a pressuposição da decisão do objecto posterior pela decisão do objecto anterior, o que torna a decisão sobre o objecto antecedente uma premissa da decisão do objecto subsequente: existe sempre prejudicialidade entre a consequência jurídica decidida e as consequências jurídicas dela dependentes.» A pgs. 178-9, conclui: «Assim, verifica-se que o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente. Quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente — a normatividade da autoridade de caso julgado provém directamente do efeito positivo do caso julgado material (…)» Do exposto resulta que a autoridade do caso julgado não pressupõe a tríplice identidade enunciada no artigo 498.º CPC. Como se refere no acórdão do STJ, de 2007.12.13, Nuno Cameira, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07A3739, «A autoridade de caso julgado da sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica, pois enquanto que a excepção de caso julgado tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade a que se refere o artº 498º do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir), a autoridade de caso julgado de sentença transitada pode actuar independentemente de tais requisitos, implicando, contudo, a proibição de novamente apreciar certa questão». No mesmo sentido veja-se ainda o acórdão do STJ, de 2008.03.06, Oliveira Rocha, www.dgsi.pt.jstj, proc. 08B402; contra, os acórdãos do mesmo Tribunal de 2008.04.01, Paulo Sá, e de 2004.05.13, Ferreira Girão, www.dgsi, 08A035 e 04B948, respectivamente. Não se verifica qualquer relação de consumpção prejudicial entre objectos processuais. O que ocorreu foram actuações da apelada posteriores ao acórdão do STJ, que removeram os obstáculos a que se tivesse ordenado a restituição por sucedâneo — a declaração de que estaria disposta «cumprir» o acordo verbal, o que manifestamente não fez. A decisão recorrida não merece reparo. 4. Decisão Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida Custas pela apelante. Porto, 30 de Abril de 2012 Márcia Portela Manuel Pinto dos Santos Francisco Matos ________________________ Sumário 1. Não tendo o STJ ordenado a restituição por sucedâneo em consequência da declaração de nulidade de um acordo verbal que alterou as fracções a entregar no âmbito de uma permuta, por a contraparte se ter mostrado disposta a entregar as fracções decorrentes desse acordo, apesar da nulidade, o caso julgado formado nessa acção não impede que, posteriormente, seja intentada uma acção em que se peça o valor das fracções não entregues por estas entretanto terem sido vendidas. 2. A nossa lei consagra o princípio do caso julgado rebus sic stantibus no artigo 673.º, CPC, que dispõe «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga». |