Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA PEDRO | ||
Descritores: | DIREITO À RESERVA E À CONFIDENCIALIDADE RELATIVAMENTE A MENSAGENS PESSOAIS DO TRABALHADOR OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA POR PARTE DO TRABALHADOR NA VIGÊNCIA DO CONTRATO E FINDO O CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RP202409093958/21.2T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/09/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O art.22º, nº1 do C.Trabalho garante o direito à reserva e à confidencialidade relativamente a mensagens pessoais e ao acesso a informação de carácter não profissional que o trabalhador envie, receba ou consulte, nomeadamente, através de correio electrónico. II - Se o empregador facultar uma conta de correio electrónico profissional ao trabalhador e não proibir o seu uso para fins pessoais, estabelecendo regras para a utilização da mesma, não pode aceder ao conteúdo dos emails e seus anexos, enviados ou recebidos nessa conta ainda que não estejam marcados como pessoais ou dos seus dados externos não resulte que são pessoais. III - Durante a vigência do contrato de trabalho vigora a obrigação de não concorrência por parte do trabalhador como corolário do dever de lealdade para com o empregador. IV - Findo o contrato de trabalho, sem que haja sido firmado um pacto de não concorrência com o empregador, o trabalhador readquire a liberdade de trabalho, constitucionalmente garantida, ficando apenas sujeito às restrições comuns a qualquer outro cidadão, designadamente à proibição de concorrência desleal. V - Não incorrem em concorrência desleal as trabalhadoras subordinadas que desempenhando funções de técnicas de contabilidade numa sociedade denunciam os respectivos contratos de trabalho e passam a exercer a actividade de contabilidade por conta própria angariando alguns clientes da sua ex-empregadora não se provando que tal tenha ocorrido antes da cessação dos respectivos contratos, nem que para o efeito tenham recorrido a qualquer meio desonesto susceptível de integrar o conceito de concorrência desleal ou utilizado de informação reservada daquela. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação 3958/21.2T8VNG.P1 Juízo do Trabalho de VNGaia- J2 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I.Relatório A... UNIPESSOAL, LDA intentou acção declarativa com processo comum emergente de contrato de trabalho contra: 1ª - AA 2ª – BB Peticionando a condenação das rés: A) – a absterem-se de, por si ou através de interposta pessoa, singular ou coletiva, de forma direta ou indireta, individualmente ou através de sociedade de que façam ou venham a fazer parte, como sócias ou colaboradoras, angariar ou prestar serviços de contabilidade e/ou apoio fiscal, de forma gratuita ou onerosa, para as empresas que eram clientes da autora à data da comunicação da cessação do contrato de trabalho por parte da 1ª ré (6/7/2020), identificadas no quadro aludido no artigo 138º desta petição, até às datas de cessação dos respetivos contratos de prestação de serviços que dele constam. B) – a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de €1.587,50 que esta suportou perante a autoridade tributária, correspondente ao valor das coimas que suportou, relativas às declarações de IVA de clientes, aludidas nos artigos 102º e 103º deste articulado, apresentadas fora de prazo; C) – a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de €32.440,60, por esta paga pelos serviços externos que contratou para entregar dentro dos prazos legais as declarações modelo 22 e IES dos seus clientes, referentes ao exercício de 2019, bem como para corrigir os erros, irregularidades e omissões detetados nas contabilidades dos seus clientes após as denúncias dos contratos de trabalho por parte de ambas as rés e renúncia à gerência por parte da 2ª ré, aludidas nos artigos 112º e 113º. D) – a pagarem, solidariamente, à autora a quantia que vier a liquidar-se, referente aos serviços prestados pelos funcionários das empresas do mesmo grupo que participaram nos trabalhos de preparação da entrega, dentro dos prazos legais, das declarações modelo 22 e as IES dos seus clientes, referentes ao exercício de 2019, bem como nos trabalhos de correção dos erros, irregularidades e omissões detetados nas contabilidades dos seus clientes após as denúncias dos contratos de trabalho por parte de ambas as rés e renúncia à gerência por parte da 2ª ré, aludidas, nomeadamente, nos artigos 114º a 116º. E) – a pagarem, solidariamente, à autora as importâncias que esta venha a suportar, a título de coimas, impostos ou a qualquer outro título, decorrentes de erros, irregularidades ou omissões contabilísticas, incumprimento ou cumprimento deficiente de obrigações fiscais declarativas relativas a clientes desta cometidos durante o período em que exerceram para a mesma as suas funções aludidas no presente articulado, no valor que venha ulteriormente a apurar-se. F) - a pagarem, solidariamente, à autora as importâncias correspondentes aos valores das avenças em dívida e até ao termo dos contratos, dos clientes que já rescindiram ou que venham a rescindir os seus contratos antes do termo contratual dos mesmos e que tenham celebrado ou venham a celebrar contrato de prestações de serviços de contabilidade com as rés, por si ou através de interposta pessoa, singular ou coletiva, de forma direta ou indireta, individualmente ou através de sociedade de que façam ou venham a fazer parte, como sócias ou colaboradoras, no valor que vier ulteriormente a apurar-se. G) - a pagarem, solidariamente, à autora as importâncias correspondentes aos valores que esta já despendeu e ainda despenderá, a título de honorários, custas e outros encargos processuais e despesas, para tentar recuperar os valores das avenças dos seus clientes em divida à data das denúncias dos contratos de trabalho por parte de ambas as rés e renúncia à gerência por parte da 2ª ré, no valor que vier ulteriormente a apurar-se. H) – a pagarem, solidariamente, a autora, a título de indemnização por danos patrimoniais, as quantias que esta não conseguir recuperar dos seus clientes com avenças em atraso à data das denúncias dos contratos de trabalho por parte de ambas as rés e renúncia à gerência por parte da 2ª ré, no valor que vier ulteriormente a apurar-se. I) – a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, traduzidos na afetação negativa que a atuação das rés teve até ao presente no bom nome, reputação, credibilidade e imagem da autora, sem prejuízo de no decurso do processo se reclamar valor superior, caso venha a apurar-se que os danos são superiores. J) - tudo acrescido de juros, à taxa legal supletiva, desde a citação até integral pagamento. A fundamentar a sua pretensão a autora alegou, em síntese, que as rés eram suas trabalhadoras com funções de contabilistas, desviaram clientes para si próprias ainda durante o contrato de trabalho da 1ª ré. Fizeram concorrência desleal. Não realizaram o trabalho de que estavam incumbidas até ao fim do contrato, o que obrigou a autora a contratar outras pessoas para esse efeito. Aquilo que fizeram foi mal feito e teve que ser corrigido por terceiros. Não cobraram as avenças aos clientes da autora como era sua tarefa e causaram dano na imagem da autora perante os seus clientes. Realizou-se a audiência de partes, na qual não houve conciliação. As rés contestaram, excecionando a competência material do tribunal do trabalho e impugnaram a versão dos factos alegada pela autora, alegando, em suma, que o contrato de trabalho da 1ª ré cessou por acordo em 30.7.2020 e justificaram os atrasos na entrega das declarações fiscais com o excesso de trabalho, peticionando ainda que a autora seja condenada como litigante de má-fé a: a) ressarcir os danos a que deu causa em quantia não inferior a € 6.000,00, para custear os honorários de advogado a que a as R.R. têm de recorrer para se defender na demanda; b) em multa a reverter a favor do Estado, pelo dano causado à administração da justiça de valor não inferior a € 6.000,00. c) E que, a par disso, tendo em conta a atuação da A. sem a devida prudência ou diligência, lhe seja aplicada a taxa sancionatória excecional do art.531º do CPC, a fixar pelo Tribunal (art. 10º do RCP), sugerindo-se a máxima, para a desincentivar de idênticos comportamentos e para que não utilize um meio processual de forma tão reprovável e pervertida. * Em 4.10.2021, foi julgada improcedente a exceção de incompetência do Tribunal em razão da matéria.Em 2.11.2021, foi fixado à ação o valor de € 120.000,00; afirmada a validade e regularidade da instância, dispensada a realização da audiência prévia, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Seguindo os autos ao seus ulteriores termos, realizou-se a audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Julga-se a acção totalmente improcedente e absolvem-se as rés de todos os pedidos. Condena-se a autora A... UNIPESSOAL, LDA como litigante de má-fé a: - pagar uma multa de 50 UC (cinquenta unidades de conta); - a reembolsar as rés AA e BB das despesas a que a má-fé as obrigaram, incluindo os honorários dos seus mandatários, nos termos do art. 543º, 1, a), CPC, a liquidar posteriormente. Para esse efeito, após trânsito da sentença, deverão as rés alegar concretamente as despesas que suportaram com a má-fé e juntar ou requerer a respectiva prova em dez dias, podendo a autora exercer o contraditório em igual prazo Custas pela autora. Registe e notifique.” Inconformada com o decidido, a Autora apelou da sentença, terminando as suas alegações, com as conclusões que se transcrevem: …………………………………….. …………………………………….. …………………………………….. As Rés responderam, terminando as suas contra-alegações com as conclusões que igualmente se transcrevem: ……………………………………. ……………………………………. ……………………………………. * O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito suspensivo, tendo o Sr. Juiz a quo no mesmo despacho consignado não padecer a sentença de qualquer nulidade, nomeadamente da prevista no art. 615º, nº1, al.b) do C.P.Civil.* O Exmo procurador Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, dizendo, no essencial:“4. Acompanhando a douta sentença recorrida bem como a resposta e conclusões das Recorridas, que se dão por reproduzidas, evitando desnecessárias repetições, entende-se que não assiste razão à Recorrente. 4.1. Com efeito, quanto à nulidade dos meios de prova – documentos 35º e 39º juntos com p.i., - analisando o documento n.º 35 percebe-se que a mensagem respectiva foi enviada para o endereço electrónico de ..........@....., ou seja, para o e-mail pessoal da ré AA, e não da .... Aliás, nesta data de 27/8/2020, já a ré AA havia acordado na cessação do seu contrato de trabalho, e a ré BB encontrava-se de baixa médica, pelo que, não tinham, as duas, acesso às instalações da A. ou aos seus e-mail. O outro documento nº 39 da petição, é um e-mail remetido em 5/2/2021 por CC para os endereços de ..........@..... e de ..........@...... Trata-se de um e-mail enviada para o endereço pessoal da ré BB sendo que nesta data de 05.02.2021, já nenhuma das rés era trabalhadora da A.. 4.2. Mostra-se também a douta sentença em recurso bem fundamentada, pormenorizando as razões por que deu como provada e não provada a matéria de facto correspondente, analisando criticamente a prova produzida, não merecendo qualquer reparo. 4.3. Não se vê que exista, também, qualquer erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, nem em bom rigor a Recorrente os indica, fazendo antes uma apreciação diferente e concluindo de forma diferente. Mas uma opinião diversa dos factos não significa erro, apenas diferente opinião acerca dos mesmos factos e diferente apreciação e valoração da prova produzida. 5. Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada, antes a douta sentença recorrida. » Notificadas deste parecer as partes, nada disseram. Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar. II. Delimitação do objeto do recurso / Questões a decidir Como resulta do disposto no nº 3 do art.º 635º e também dos art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 todos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do art.º87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, considerando as conclusões da recorrente as questões a apreciar são: - saber se o tribunal a quo errou ao declarar a nulidade probatória dos documentos nºs 35 e 39 (emails) . - saber se a sentença é nula, por violação da al .d) do art. 615º do C.P.Civil. - apreciar a impugnação da matéria de facto - saber se atuação das Rés configurou concorrência ilícita. - saber se houve incumprimento das obrigações laborais por parte das Rés e se a Autora tem direito ao ressarcimento dos prejuízos peticionados. - saber se Autora litigou de má-fé. III. Fundamentação Na sentença recorrida constam como provados os seguintes factos: 1 - A Autora é uma sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, cujo objeto social consiste na prestação de serviços de formação e de consultadoria de gestão empresarial em organização, estratégia, elaboração e gestão de projetos de investimento, sistemas de informação, sistemas de qualidade, de segurança e higiene no trabalho, ambiente, recursos humanos e contabilidade. 2 - No desenvolvimento da sua atividade, com carácter habitual e fins lucrativos, a Autora presta serviços de diversa índole, nomeadamente de contabilidade e fiscalidade. 3 - A Autora angariou, ao longo de vários anos, um vasto leque de clientes, pessoas singulares e coletivas, com quem celebrou contratos de prestação de serviço de contabilidade e apoio fiscal, no âmbito e em cumprimento dos quais classifica e lança os seus documentos contabilísticos, organiza e orienta a contabilidade, prepara os documentos contabilísticos, prepara e remete as respetivas declarações fiscais de IVA, IRS, IRC ou outras, alerta para o cumprimento das principais obrigações fiscais. 4 - Nos clientes com contabilidade organizada, em que é exigível que tenham contabilista certificado responsável pela mesma, a Autora presta-lhes ainda esse serviço, através de profissionais com formação e graduação nessa área. 5 - A 1ª Ré encontra-se inscrita na Ordem dos Contabilistas Certificados, como Contabilista Certificada, com o número .... 6 - Por contrato de trabalho a termo certo, celebrado em 1 de outubro de 2015, a 1ª Ré foi admitida ao serviço da Autora com a categoria profissional de Técnica de Contabilidade de 1ª, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer funções inerentes a tal categoria profissional. 7 - A 1ª Ré tinha, ainda, enquanto Contabilista Certificada, as funções de Diretora Técnica da Autora. 8 - Por carta datada de 6 de julho de 2020, a 1ª Ré comunicou à Autora que pretendia rescindir o seu contrato de trabalho com esta, cumprindo o aviso prévio a que está legalmente obrigada a partir de 7 de julho de 2020. 9 - A 1ª Ré comunicou ainda à Autora na referida carta que pretendia gozar as férias a que tinha direito no período compreendido entre 1 de agosto de 2020 e 4 de setembro de 2020. 10 - Mais solicitou a 1ª Ré à Autora que fossem apurados os vencimentos devidos até à data do termo do seu contrato de trabalho. 11 - Por mail de 7 de julho de 2020, enviado às 14:01 horas, do endereço ..........@....., pertencente a DD, marido da 1ª Ré, para o endereço de BB – A..., atribuído pela Autora à sua colaboradora BB, aquela remeteu a comunicação que fez à Autoridade Tributária em 6 de julho de 2020, da sua renúncia como contabilista certificada, com a lista dos clientes da Autora em relação aos quais figurava como contabilista certificada. 12 - De tal lista fazem parte 126 (cento e vinte e seis) sujeitos passivos, dos quais 4 pessoas singulares e 122 pessoas coletivas. 13 - Por e-mail remetido no mesmo dia 7 de julho, pelas 23:31 horas, do endereço ..........@....., pertencente à 1ª Ré, para os endereços ..........@..... e ..........@....., ambos pertencentes à Autora, aquela comunicou o seguinte: - “venho por este meio alertar para o facto de estar a decorrer, até 31 de julho, o prazo para o envio do modelo 22 de todos os clientes. Quando entreguei a minha carta de rescisão de contrato no dia 6 de julho de 2020, constava que iria cumprir com o pré-aviso que a lei me obriga, entrando dia 1 de agosto de férias, até ao final do aviso prévio. Ou seja, ia trabalhar até ao dia 31 de julho para cumprir com obrigação acima mencionada – como preferiram recusar e prescindir de parte do meu aviso prévio, tendo vindo de férias até 31 de julho, altura em que termina o meu vínculo à empresa, impedindo-me, assim, de cumprir com essa obrigação fiscal. Perante este facto nunca poderei ser responsabilizada pelo incumprimento dessa obrigação fiscal”. Doc. nº 5. 14 - Perante tal comunicação, a Autora, através da sua colaboradora EE, solicitou à 1ª Ré, que, com intuito de poder assumir a qualidade de Contabilista Certificada dos clientes da empresa, a mesma assinasse uma declaração, que para o efeito lhe enviou, dando cumprimento ao estipulado no Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados – Doc. nº 6. 15 - Enquanto contabilista certificada responsável pela contabilidade dos clientes da Autora, incumbia à 1ª Ré preparar os documentos contabilísticos, tais como balancetes, balanços, demonstrações de resultados, preparar e remeter, dentro dos prazos legais, as declarações fiscais, nomeadamente, de IVA, IRS e IRC e, dum modo geral, supervisionar todas as peças contabilísticas das empresas das quais, enquanto contabilista certificada, era responsável pela respetiva contabilidade. 16 - No âmbito do exercício das suas funções de contabilista certificada, como funcionária da Autora, a 1ª Ré tinha acesso a todos os dados dos clientes daquela de que era responsável pela contabilidade, nomeadamente aos respetivos nomes, endereços postais e eletrónicos e contactos telefónicos. 17 - As Rés tinham também conhecimento dos elementos essenciais dos dossiês contabilísticos e fiscais de cada um deles ou, pelo menos, acesso aos mesmos. 18 - As Rés tinham perfeito conhecimento das obrigações fiscais, nomeadamente de natureza declarativa e contributiva, que tinha de cumprir em relação a cada cliente e dos períodos e datas em que devia fazê-lo. 19 - A 1ª Ré remeteu aos clientes da Autora, de quem era contabilista certificada, comunicação a informar que havia rescindido o contrato de trabalho com esta, no dia 6 de julho de 2020, não exercendo, desde essa data, as funções de contabilista certificada da empresa. 20 - Na mesma comunicação a 1ª Ré colocou-se à disposição dos referidos clientes da Autora para lhes prestar todo o apoio necessário e demais esclarecimentos, indicando-lhes para o efeito os seus contactos. 21 - A 1ª Ré remeteu tais comunicações por e-mail, logo nos dias subsequentes a 6 de julho de 2020. 22 - A 1ª Ré utilizou para o efeito os endereços e contactos dos clientes da Autora a que teve acesso enquanto funcionária desta. 23 - A Autora nomeou a Dra. EE, Contabilista Certificada nº ..., para exercer as funções de Contabilista Certificada dos aludidos clientes, para acautelar o cumprimento de todas as obrigações fiscais e contabilísticas emergentes dos contratos de prestação de serviços com estes celebrados. 24 - Entretanto, a partir de início de agosto de 2020, a Autora começou a receber comunicações de alguns dos seus clientes, com o seguinte teor: - “Após sucessivos contactos e tentativas de esclarecimento, sem que nos tenha sido dada qualquer resposta e informação quanto os trabalhos confiados e ao cumprimento das nossas obrigações tributárias, vimos comunicar a V. Exªs que deixamos de ter interesse na continuação do mandato para a prestação de serviços de contabilidade, à nossa empresa. Assim sendo, comunicamos a V. Exªs que revogamos o contrato de mandato entre nós celebrados, com efeitos imediatos, faculdade esta que é exercida ao abrigo do artigo 1170º do Código Civil. Conforme é do v/ perfeito conhecimento a decisão quanto à revogação do contrato de mandato é livre e pode ser tomada a todo o tempo, quanto mais quando nos é negada informação e resposta aos nossos pedidos. Assim sendo deverão proceder à entrega imediata de todos os elementos e documentos da nossa empresa, incluindo senhas de acesso, no próximo dia 11 de agosto de 2020, pelas 12 horas, data esta em que estaremos na v/ empresa para a levantar. A revogação que agora é comunicada não prejudica que os trabalhos que até agora foram confiados a V. Exªs, tenham sido realizados, pelo que devem demonstrar que tal sucedeu. Sem outro assunto, Subscrevemo-nos de V. Exªs” – cf. Docs. nºs 10, 11 e 12. 25 - A Autora recebeu tais comunicações, nomeadamente, dos clientes “B..., Lda”, C..., Unipessoal, Lda” e “D..., Unipessoal, Lda” referindo a carta desta última também que houve “quebra total de confiança em V. Exas. Pela alteração de senha de cesso desta empresa no portal de finanças, sem n/conhecimento e autorização, não tendo em n/poder, á data de hoje, a nova senha de acesso” – Docs. nºs 10, 11 e 12. 26 - Outros clientes comunicaram telefónica e/ou pessoalmente ao legal representante da Autora que prescindiam os contratos de prestação de serviços de contabilidade existentes, invocando motivos não apurados. 27 - Por e-mail de 5 de agosto de 2020, a 1ª Ré comunicou à Contabilista Certificada EE alegando o cumprimento do nº 2 do artigo 16º do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, o seguinte: - Exmª Drª EE, Com os meus respeitosos cumprimentos, Venho por este meio e em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 16º do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, informar V. Exª que fui indicada pela FF, na qualidade de sócia gerente da sociedade “E..., UNIPESSOAL, LDA”, no sentido de assegurar os serviços de organização da contabilidade, assessoria fiscal e desempenho da função de Contabilista Certificado a partir de 1 de agosto de 2020. No cumprimento do disposto no artigo supracitado, pergunto a V. Exª se existem quantias em dívida ou outra qualquer situação que mereça ser referenciada. A não resposta no prazo de 30 dias pressupõe a inexistência de dívidas e impedimento de passagem de contabilidade, pelo que, findo esse prazo, assumirei a contabilidade. Sem outro assunto de momento, agradecendo antecipadamente a atenção dispensada, subscrevemo-nos com elevada estima e consideração. Com os melhores cumprimentos, Contabilidade e Seguros Drª AA ASF ... Contabilista Certificada (OCC nº ...) ...”. - Doc. nº 13. 28 - Por e-mail de 6 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “F..., Lda” – Doc. nº 14. 29 - Por e-mail de 6 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “G..., LDA” – Doc. nº 15. 30 - Por e-mail de 6 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “H..., Lda” – Doc. nº 16. 31 - Por e-mail de 7 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “I... – Unipessoal, Lda” – Doc. nº 17. 32 - Por e-mail de 10 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “B..., LDA” – Doc. nº 18. 33 - Por e-mail de 10 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “C..., Unipessoal, Lda” – Doc. nº 19. 34 - Por e-mail de 10 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “D..., Unipessoal, Lda” – Doc. nº 20. 35 - Por e-mail de 19 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “J..., LDA” – Doc. nº 21. 36 - Por e-mail de 19 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “K..., LDA” – Doc. nº 22. 37 - Por e-mail de 21 de agosto de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “L..., LDA” – Doc. nº 23. 38 - Por e-mail de 16 de setembro de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “M..., UNIPESSOAL, LDA” – Doc. nº 24. 39 - Por e-mail de 16 de setembro de 2020, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “N..., LDA” – Doc. nº 25. 40 - Por e-mail de 7 de janeiro de 2021, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “O..., LDA” – Doc. nº 26. 41 - Por e-mail de 12 de janeiro de 2021, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “P..., LDA” – Doc. nº 27. 42 - Por e-mail de 2 de março de 2021, remetido pela 1ª Ré à mencionada EE, aquela fez idêntica comunicação em relação à sociedade “Q..., LDA” – Doc. nº 28. 43 - A 1ª Ré assumiu, na qualidade de Contabilista Certificada, a contabilidade da sociedade “R..., LDA”. 44 - As sociedades mencionadas nos artigos precedentes eram, nas datas das aludidas comunicações, clientes da Autora. 45 - A 2ª Ré foi admitida ao serviço da Autora com a categoria profissional de administrativa II, para, sob as ordens, direção e fiscalização desta exercer as funções inerentes a tal categoria profissional. 46 - A 2ª Ré iniciou a sua prestação de trabalho para a Autora, com a referida categoria profissional, em 1 de março de 2007. 47 - A 2ª Ré desempenhava na Autora função de técnica de contabilidade, procedendo, nomeadamente, à organização, classificação, lançamento e arquivamento dos documentos contabilísticos dos clientes a quem esta prestava serviços de contabilidade e fiscalidade. 48 - A 1ª e a 2ª Rés trabalhavam em conjunto, formando uma equipa de trabalho, tendo a seu cargo, embora com funções e responsabilidades diferentes, a prestação de serviços de contabilidade e fiscalidade aos clientes com quem a Autora celebrara contratos de prestação de serviços dessa natureza. 49 - A 2ª Ré – tal como a 1ª Ré, enquanto trabalhou para a Autora, tinha acesso a toda a informação contabilística e fiscal das clientes da Autora, bem como à respetiva base de dados, com moradas, endereços eletrónicos e contactos telefónicos. 50 - A 2ª Ré foi nomeada gerente da Autora por deliberação de 29/12/2016, sendo tal designação registada na competente Conservatória de Registo Comercial em 2/1/2017. 51 - A 2ª Ré ficou de baixa, por doença, a partir de 14/7/2020, por um período de 12 dias, com termo em 25/7/2020. 52 - A referida baixa foi prorrogada por um período de 30 dias, com termo em 24/8/2020. 53 - Por carta datada de 27 de julho de 2020, a 2ª Ré comunicou à Autora que denunciava o seu contrato de trabalho, com aviso prévio, com efeitos a partir de 25 de setembro de 2020. 54 - Por e-mail de 20 de agosto de 2020, remetido do endereço ..........@..... para o endereço ..........@....., a 2ª Ré comunicou à Autora que a sua baixa médica foi interrompida nesse mesmo dia (20/8/2020). 55 - Pelo mesmo e-mail a 2ª Ré comunicou ainda à Autora o seguinte: - “Dado que tenho 27 dias úteis de férias por gozar (5 dias de 2019 e 22 dias de 2020), informo que a partir do dia 21/8/2020 a 25/9/2020 gozarei 26 dias úteis de férias, cumprindo assim o aviso prévio em falta. Ficando ainda por gozar 1 dia de férias”. 56 - A 2ª Ré entrou de baixa em meados de julho de 2020 por se encontrar cansada e psicologicamente desgastada. 57 - A ré BB, com outra pessoa, criou um gabinete de contabilidade, a quem a ré AA prestou serviços, com a designação fantasiosa de “S...”, instalado na Avenida ..., no Porto. 58 - Divulgaram no Facebook tal estabelecimento e a referida atividade. 59 - As Rés trabalham também concertadamente com a Drª CC, advogada. 60 - Por mail de 5 de fevereiro de 2021, remetido pela Autora para o endereço ..........@....., responsável pela empresa “T..., Unipessoal, Lda”, que foi sua cliente, aquela remeteu-lhe o valor das mensalidades em dívida, referentes às avenças relativas ao contrato de prestação de serviços de contabilidade. 61 - A advogada CC dedicava-se, entre outras áreas de prática, a procedimentos de obtenção de autorização de residência, vistos, vistos gold, processos de nacionalidade, trabalhando para brasileiros, bem como à constituição de empresas, que, por vezes, utilizava para atingir tais objetivos. 62 - A “T..., Unipessoal, Lda” foi uma das empresas pela mesma constituída. 63 - Na sequência da constituição das empresas, por regra, a mencionada Drª CC solicitava os serviços de contabilidade e assessoria fiscal da Autora para essas empresas. 64 - Por esse facto, entre as Rés e a advogada CC havia um relacionamento regular. 65 - Após a denúncia dos contratos de trabalho que as Rés tinham com a Autora a “T..., Unipessoal, Lda” e parte das empresas pertencentes a pessoas de nacionalidade brasileira ou criadas pela aludida Drª CC rescindiram os contratos de prestação de serviços de contabilidade a assessoria fiscal que mantinham com esta (Autora). 66 - Enquanto funcionárias da Autora, eram as Rés que realizavam o trabalho inerente aos serviços de contabilidade e apoio fiscal que esta prestava aos clientes que tinha à data da comunicação de denúncia do contrato de trabalho da 1ª Ré. 67 - Até Março de 2020, eram as Rés que regularmente lidavam e reuniam com os aludidos clientes, quem deles recebiam os documentos contabilísticos, quem respondia às questões pelos mesmos colocadas, quem lhe enviava as guias para pagamento dos impostos devidos pelas empresas e, dum modo geral, quem tratava com eles de todos os assuntos abrangidos pelos contratos de prestação de serviços com eles celebrados. 68 - Não foram preparadas, nem enviadas, no prazo legal (20/5/2020), as declarações de IVA referentes ao primeiro trimestre de 2020, respeitantes a 48 clientes, mais precisamente, os seguintes: Q..., LDA; U..., Unip., Lda; V..., LDA; W... - SGPS, Lda; X..., LDA; Y... - Unipessoal, Lda ; Z..., Lda; Aa..., Lda; GG; Ab... Unipessoal, LDA; Ac..., Unipessoal LDA; P..., Lda; Ad..., Lda; G... Lda; Ae..., Unipessoal Lda; Af..., LDA; Ag..., Unipessoal LDA; Ah... Unipessoal LDA; Ai..., Lda; K..., LDA; J...; Aj... (Ak...); Al..., LDA; Am..., LDA; An..., LDA; Ao... LDA; Ap... Unipessoal, LDA; Aq... Company, Ar..., Lda; HH; As..., LDA; At... LDA - Au...; Av..., LDA; Aw... Unipessoal, LDA; Ax..., LDA; Ay..., Unipessoal LDA; Az..., Unipessoal, Lda; Ba..., Lda; Bb..., LDA; Bc..., Unipessoal LDA; Bd..., LDA; Be...; Bf..., Lda; R... e Bg..., LDA; Bh... LDA; Bi..., LDA. 69 - A Autora procedeu à preparação e remessa das mesmas após o prazo legal, suportando as respetivas coimas, no que concerne a 43 dos 48 cliente, sendo 41 no valor de €37,50 cada e dois no valor de €25.00 cada, o que perfez o montante global de €1.587,50 (mil quinhentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos). 70 - À data da denúncia do seu contrato de trabalho (6/7/2020), a 1ª Ré não havia terminado os trabalhos de encerramento do exercício fiscal de 2019 dos clientes da Autora – com excepção de sete. 71 - No seguimento das medidas aplicadas pelo Governo relativas à epidemia do “Coronavírus” (covid-19), foram feitas prorrogações do prazo de entrega do Modelo 22 de IRC, que passou de 31 de maio para 31 de julho. 72 - Quando confrontada com a cessação do contrato da 1ª Ré e a baixa da 2ª Ré, a Autora teve de recorrer à prestação de serviços externos para cumprir com a entrega até ao limite do prazo legal (já prorrogado) das declarações modelo 22 de IRC dos seus clientes e das IES. 73 - A Autora recorreu, assim, aos serviços do Contabilista Certificado II, da empresa “Bj..., Lda”, com sede em Vila Nova de Famalicão, que lhe prestou serviços nos meses de julho, agosto e setembro de 2020, com vista à preparação e entrega das declarações modelos 22 e IES referentes ao exercício de 2019 das suas clientes, a quem pagou a quantia global de €18.413,10. 74 - A Autora recorreu ainda aos serviços da Contabilista Certificado JJ, que lhe prestou serviços nos meses de setembro, outubro e novembro de 2020 que incluíram a recuperação dos atrasos e a correcção dos erros e omissões que foram detetados, a quem pagou a quantia global de €7.013,75 – Docs. nºs 85 a 87. 75 - O representante da única sócia da Ré, KK, mobilizou funcionários doutras empresas do grupo, que trabalharam na segunda quinzena de julho de 2020, para que os Modelos 22 fossem entregues à Autoridade Tributária dentro do prazo legal. 76 - A Autora está a encetar diligências para tentar recuperar o valor de avenças em dívida via extrajudicial, quer por via judicial. 77 - As avenças devem ser mensalmente pagas. 78 - Em 6/7/2020, a Autora tinha contrato de prestação de serviços de contabilidade e apoio fiscal com as empresas que seguidamente se identificam: 3.ª Bk..., Lda; O..., Lda, M..., Unipessoal LDA,; Bl..., LDA; M..., Unipessoal LDA; Bm... Unip., Lda; Bn..., LDA; Bo..., Lda; Bp..., Unipessoal, Lda; Bq..., Unipessoal, Lda, - que pagava uma avença mensal à autora de 2.460€ . Br..., LDA; Bs..., LDA; Bt..., Unipessoal, Lda; Bu..., Lda; Bv..., lda; L..., Lda; Bw..., Unipssoal; Bx..., Unipessoal, Lda; By..., Unipessoal, lda; Bz..., Lda; E... Unipessoal,LDA; Ca... - Unipessoal, LDA; Cb..., LDA; D..., Unip.; Cc..., Lda; Cd... - Unipessoal, Lda; Ce..., Unipessoal LDA; Cf..., LDA; Cg... Unipessoal, Lda; Q..., Lda; Ch..., Unipessoal, Lda; Ci..., Lda; Cj..., LDA; Ck..., Lda; Cl..., Unipessoal, Lda; Cm..., Unip., Lda; Cn... UNIPESSOAL LDA; Co..., Lda; Cp..., Lda; Cq... Unipessoal LDA; Cr..., Lda; Cs..., LDA; Ct..., Unipessoal, Lda; Farmácia de LL; U..., Unip., Lda; F..., Lda; I... - Unipessoal LDA; Cu..., Unip., Lda; H..., LDA; MM, Cv..., Lda; W... - sgps, Lda; Cw... Lda; A... Unipessoal, Lda; B..., LDA; X..., Lda; Cx..., Lda Y... - Unipessoal, Lda; Z..., SGPS, SA; Aa... – LDA; Ab... Unipessoal, LDA; NN, Cy..., Unipessoal, Lda; Cz..., Unipessoal, Lda; Da..., Sociedade Unipessoal, Lda; Ac..., Unipessoal LDA; P..., Lda; Ad..., Lda; Db... Unipessoal LDA; G..., Unipessoal Lda; Af..., LDA; Ag..., Unipessoal, Lda; Dc..., Unipessoal LDA; Dd..., S.A; De... Unipessoal, Lda; OO; Ah... Unipessoal, Lda; Ai..., lda; Df..., Unipessoal, Lda; C..., Lda; Dg..., LDA; Dh... Company, Unipessoal, Lda; K..., LDA; J..., Lda; Al..., LDA; Am..., Lda; An..., Lda; Ao... LDA; T... Unipessoal; Di..., Dj..., Lda; Dk..., Lda; Aq... Company, Ldª; Dl... Unipessoal, LDA; HH; As..., LDA; At..., Lda; Av..., Lda s Dm..., Unipessoal LDA; Dn..., Unipessoal, Lda; Aw..., Unipessoal, Lda; Do... - Unipessoal LDA; Dp..., Lda; Ax... LDA; N... LDA; Dq..., LDA; Ay..., Unipessoal LDA; Az..., Unipessoal, Lda; PP; Bb..., Lda; Dr...; Bc..., Unipessoal, Lda; Bd..., LDA ; Be.... Unipessoal, Lda; Ds..., Lda; Ak..., Unip Ldª; Bf..., LDA; R... e Bg...,LDA; Bh..., Lda; Dt..., Lda; Du..., Lda; Bi..., Lda 79 - A Autora celebrou com os seus clientes Cl..., lda, B..., Lda, Dk..., Unipessoal Lda., contratos de prestação de serviços de contabilidade e apoio fiscal, com um prazo inicial, diferente para cada uma delas, renovando-se os mesmos automaticamente por mais dois anos, caso não fossem rescindidos por qualquer das partes, através de carta registada com aviso de receção, com antecedência mínima de 90 dias, em relação ao termo do prazo inicial ou de qualquer renovação. 80 - A Autora celebrou com os seus clientes contratos escritos de prestação de serviços, que se iniciaram, renovaram e têm o seu termo nas datas seguintes: - Cl..., Lda, com início em 17/3/2011, válido até .../2012, renovando-se depois por dois anos. - B...: início em 16 de Outubro de 2018 e válido até 15 de Outubro de 2019, renovando-se depois por dois anos. - Dk..., Lda – início em 13/7/2007 até 31/12/2008 renovando-se pro período de dois anos. 81 - Até ao presente (data da entrada da acção) cessaram os respetivos contratos de prestação de serviços com a Autora durante a vigência dos mesmos e celebraram contrato com a 1ª que passou figurar como sua Contabilista certificada, as seguintes empresas: “M..., UNIPESSOAL, LDA”, “L..., LDA”, “E..., UNIPESSOAL, LDA”, “F..., LDA”, “G..., LDA”, “I... – UNIPESSOAL, LDA”, “C..., UNIPESSOAL, LDA”, “J..., LDA”, “K..., LDA”, “N..., LDA”, “O..., LDA”, “P..., LDA”, “R..., LDA” E “Dv..., LDA”. 82 - A Autora está a accionar clientes que rescindiram os seus contratos na sequência das rescisões dos contratos por parte das Rés e a quem estas passaram a prestar serviços de contabilidade e apoio fiscal, reclamando destes as indemnizações legalmente devidas por tais rescisões. Da contestação 83 - O gerente de facto da A., cujo capital social é pertença de uma sociedade de que ele é administrador, sempre foi, e ainda hoje é, KK. 84 - É ele (KK) quem tinha e tem o exercício efetivo de poderes de gerente na A., e dispunha, determinava e controlava tudo quanto lhe dizia respeito, definia o rumo e a estratégia, e tudo o que se relacionava com a sua estabilidade, exteriorizando as suas opções, dando ordens às R.R., dando ordens de pagamento, ou não pagamento, acedia às contas bancárias da A. quando bem queria, dispunha da senha e código de acesso à conta bancária via on-line, que só ele sabia e guardava, de forma que por essa via fazia todos os pagamentos necessários para liquidação de vencimentos, dos impostos e das responsabilidades da A. 85 - A 2.ª Ré, BB, foi uma aparente gerente da A., assinava o que aquele KK lhe mandava assinar, que dispunha dela para, assim, se resguardar de “assinar” e de se comprometer para evitar possíveis incompatibilidades com o exercício da função de Administrador Judicial que exercia e exerce na sociedade “Bq..., Unipessoal, Lda”. 86 - A 2.ª Ré deu o seu nome e praticava atos formais de gerência na A. mas na dependência do gerente efetivo dito, KK, que lhe dava ordens para o fazer. 87 - A 2.ª Ré BB, esteve nomeada como gerente da A. no período de 29-12-2016 a 13-07-2020. 88 - As RR. reclamavam da necessidade da A. contratar a tempo inteiro mais técnicas de contabilidade dado o volume de trabalho que havia, e que as obrigava a trabalhar para além do normal horário de trabalho e ao fim de semana; 89 - As RR. alertaram o referido KK para o provável atraso na entrega das declarações de IVA. 90 - KK tem conhecimento da existência da falta dessas declarações ainda quando as R.R. lá trabalhavam. 91 - Pois foram elas que trataram do envio de tais declarações e emitiram os documentos para liquidação das coimas, que o referido KK pagou, dando via on-line as respetivas ordens de pagamento ao Estado. 92 - Em Março de 2020, em consequência das contingências associadas à pandemia da doença do Covid 19, o referido KK, decidiu modificar a forma de trabalhar na A. 93 - Doravante, na A., a correspondência eletrónica recebida e enviada de clientes passaria pela caixa de correio eletrónico geral da A...: ..........@.....; 94 - A AA e a BB, deixam de atender telefonemas e deixam de dar resposta direta a solicitações de clientes; 95 - As respostas que vierem a ser dadas a clientes passam a ser remetidas para ele, KK; 96 - Nessa altura, as solicitações dos clientes da A., por virtude das medidas e da legislação de apoio à economia por causa do Covid-19, como seja apoios, créditos, benefícios, Layoff, o trabalho das R.R. aumentou. 97 – Em Março de 2020, apenas duas pessoas, as aqui R.R., tinham a responsabilidade pelo tratamento de todos os assuntos das sociedades clientes da A. no número de 126. 98 - Porque, uma outra trabalhadora da A., QQ, que tratava do lançamento contabilístico dos documentos que serviriam para a emissão das declarações de IVA relativos ao IV Trimestre de 2019, a apresentar em 2020, tinha já rescindido o seu contrato (Fevereiro de 2020). 99 - Em Abril de 2020, depois de pedidos das R.R. para admitir mais trabalhadores dado que não conseguiam responder às solicitações e obrigações contabilísticas, atento o volume de trabalho e o atraso no serviço pela saída da trabalhadora QQ; 100 - O referido KK contratou duas Técnicas de Contabilidade, RR e SS, a primeira sem experiência profissional e a segunda com ano e meio de experiência. 101 - Tais contratações não aliviaram o trabalho das R.R., porque o trabalho que antes desenvolviam passou a ser interrompido por aquelas duas novas colegas que, por falta de experiência, não sabiam fazer todos os lançamentos contabilísticos e não conheciam suficientemente o programa informático de contabilidade da A. 102 - As R. R. perdiam mais tempo nas tarefas que tinham que executar, por virtude da interrupção e assistência que tinham de prestar às novas colegas. 103 - A denúncia do contrato de trabalho da ré AA foi feita à A. por carta entregue em mão própria. 104 - No seguimento dessa entrega, a 1.ª R., a 2.ª R. e o referido KK reuniram-se no próprio dia 6 de Julho de 2020, tendo ficado entre eles acordado o seguinte: − revogação, por mutuo acordo, do contrato de trabalho entre a A. e a 1.ª Ré com efeitos a 31-07-2020; − acordo entre a A. e a 1.ª Ré para esta entrar em gozo imediato de férias até 31-07-2020, não mais voltando ao trabalho e a comunicar de imediato a sua saída enquanto responsável Técnica e Contabilista Certificada; − pagamento da A. à 1.ª Ré da quantia liquida de 3.083,30€, relativa aos créditos laborais calculados até 31-07-2020, incluindo indemnização por férias não gozadas. Factos não provados constantes na sentença: - Ao contrário do que a 1ª Ré terá informado a Ordem dos Contabilistas Certificados, a Autora não prescindiu de qualquer prazo de aviso prévio. - A Autora não desonerou a 1ª Ré da obrigação de terminar os trabalhos de encerramento do exercício fiscal de 2019, em relação aos clientes pelos quais esta era responsável enquanto Contabilista Certificada. - Foi a partir de 1/4/2021 que a 1ª Ré assumiu a contabilidade da sociedade “R..., LDA” e não remeteu qualquer comunicação à então responsável pela contabilidade desta empresa e também Contabilista Certificada, EE, quer a informar que iria aceitar a referida contabilidade, que a assegurar-se da inexistência de quantias em dívida ou a solicitar esclarecimentos quanto a tal aspeto. - Os atuais responsáveis da Autora têm sido confrontados por clientes, sobretudo os que rescindiram os seus contratos, com questões técnicas de que só as Rés podiam ter conhecimento, revelando que são instigados a pôr em causa o trabalho e as opções tomadas pela Autora, nomeadamente em matéria de apoios no âmbito do Covid-19. - Face ao tom e ao modo como tais abordagens são feitas, a Autora está convicta que no termo dos prazos dos respetivos contratos tais clientes não renovarão, como era expetável que fizessem, e contratarão com as Rés a prestação dos mesmos serviços, de contabilidade e apoio fiscal. -Tal sucederá, sobretudo, com os clientes a quem a Autora passou a prestar serviços de contabilidade a apoio fiscal mediante solicitação da advogada Drª CC. -Foi devido, sobretudo, aos efeitos provocados pela pandemia Covid – 19 que a 2ª ré entrou de baixa. - Com o email de 27/8/2020 a representante das empresas “K..., Lda” e“J..., Lda”, TT, informou efectivamente as rés da reunião que tivera com KK. - O e-mail de 27 de agosto de 2020, que a Autora recebeu no endereço ..........@....., criado para a 2ª Ré enquanto sua funcionária, remetido do endereço ..........@....., pertencente à representante das sociedades “K..., Lda”, e “J..., Lda” ambas clientes da Autora, a quem esta prestava serviços de contabilidade e apoio fiscal – Doc. nº 35. - O referido e-mail foi enviado para os endereços ..........@....., pertencente à 1ª Ré, e ..........@..... criado pela Autora para a 2ª Ré, enquanto sua funcionária, com o seguinte teor: -“Boa tarde, queridas. Falei com Dr. KK hoje ao telefone e gostava de conversar com vocês. Dra. AA poderia me ligar? Segue email que ele me enviou, achei muito estranho. Aguardo contacto e adianto que minha posição está mantida junto a vocês. Beijos AA”. - Com o referido e-mail a representante das empresas “K..., Lda” e “J..., Lda”, TT, com quem o representante da sócia única da Autora, KK, havia tido, nesse mesmo dia, uma reunião de trabalho, à distância, através do telemóvel, quis informar as Rés dessa reunião e deu-lhes conhecimento do e-mail que, na sequência da mesma, lhe foi enviado por KK, com a resenha dos aspetos tratados (AA confessa que o email foi enviado para a sua caixa de correio electrónico aí referida) -A titular do endereço ..........@....., nesse mesmo dia, reencaminhou tal email para o endereço ..........@....., pertencente à advogada CC, com a seguinte mensagem: “Oi CC, Recebi esta boleta para pagar. Poderia verificar? Posso depositar na conta aqui de alguém do Brasil? Em resposta a Drª CC, ainda no dia 5 de fevereiro de 2021, remeteu mail para o endereço ..........@....., com o seguinte teor: “Não vai pagar nada!” -A advogada CC reencaminhou também nessa data os emails trocados com a aludida UU, atrás aludidos, para o endereço ..........@..... e, certamente por descuido, também para o endereço ..........@...... -A Ré AA participou na criação do estabelecimento com a designação fantasiosa de “S...” -A divulgação nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, de tal estabelecimento ea referida atividade ocorre desde 12 de setembro de 2020, data da primeira publicação que consta da respetiva página. -A quase totalidade das empresas pertencentes a pessoas de nacionalidade brasileira ou criadas pela aludida Drª CC rescindiram os contratos de prestação de serviços de contabilidade a assessoria fiscal que mantinham com esta (Autora). -A 2ª Ré, por seu turno, enquanto gerente da Autora, tinha, entre outras obrigações, a de supervisionar toda a atividade da empresa, verificar se existiam erros, omissões ou atrasos de qualquer natureza em relação aos serviços prestados aos seus clientes, providenciar pelo pontual cumprimento de todas as obrigações da empresa relativas aos seus clientes, zelar pelo bom nome, reputação e prestígio da Autora, providenciar mensalmente pela cobrança dos valores das avenças ou de quaisquer outras contrapartidas devidas pela prestação de serviços, providenciar pela cobrança de eventuais valores em atraso. -KK só soube do não envio no prazo das declarações de IVA do 1º trimestre de 2020 após a denúncia do contrato de trabalhado por AA. - Essas declarações não foram enviadas após o prazo legal (20/5/2020). - Na sequência da cessação do contrato por parte da 1ª Ré, a 2ª Ré garantiu perante o representante da única sócia da Autora e colegas de outras empresas do grupo, que partilhavam o mesmo espaço de trabalho, que com a saída daquela não ficava comprometida a entrega das declarações modelo 22 dos clientes da empresa. -Nada fez para que as entregas de tais declarações fossem efetuadas no prazo legal. -A Autora recorreu ainda aos serviços da Contabilista Certificada JJ com vista a auditar as contabilidades de todos os clientes -Foram 8 os funcionários doutras empresas do grupo que trabalharam na segunda quinzena de julho de 2020, para que as ditas declarações fossem entregues à Autoridade Tributária dentro do prazo legal e que realizaram centenas de horas extraordinárias. -A Autora ainda não pagou às empresas a que tais funcionários pertencem as referidas horas extraordinárias, por estas ainda não terem acertado com os respetivos funcionários se tais horas serão compensadas em dinheiro ou crédito de horas. -Não obstante após a renúncia da 1ª Ré às funções de Contabilista Certificada dos clientes da Autora, esta já tenha regularizado os atrasos até ao presente detetados, nomeadamente no envio de declarações de IVA, e comunicado aos clientes que assumia as multas daí -emergentes, e encerrado o exercício de 2019 da generalidades dos clientes, tais situações denegriram o seu bom nome, reputação, profissionalismo e a sua imagem e credibilidade perante clientes, potenciais clientes, perante os seus concorrentes e, mesmo, perante a Autoridade Tributária, criando descontentamento e quebra de confiança, sobretudo nos clientes afetados com as situações de atraso. -Nos contactos que o representante da única sócia da Autora passou a encetar com os clientes, após a denúncia do contrato de trabalho por parte da 1ª Ré, estes mostravam-se descontentes com os serviços prestados (pelas rés), apontando diversos erros e atrasos. -Face à descrita atuação das Rés, os atrasos e erros ocorridos nas contabilidades de diversos clientes da Autora foram deliberadamente originados por aquelas, sobretudo pela 1ª Ré, para provocarem quebra de confiança entre os clientes e a Autora. -Incumbia às Rés providenciar pela cobrança dos valores mensais das avenças quando os clientes da Autora se atrasavam no seu pagamento. -Em julho de 2020 o valor das avenças mensais dos clientes da Autora que se encontravam em dívida perfaziam o montante global de €62.372,62 (sessenta e dois mil trezentos e setenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos), nos termos discriminados na tabela anexa sob o documento nº 88. -As avenças devem ser pagas no máximo até ao fim do mês a que dizem respeito. -As Rés atuaram nos termos descritos e denunciaram os seus contratos de trabalho com a Autora com o objetivo de passarem a trabalhar por conta própria, ficando com parte dos clientes da Autora, utilizando para o efeito a relação de proximidade que criaram com estes e oferecendo-lhes os seus serviços, denegrindo perante a generalidade dos clientes da Autora a sua imagem. -AA utilizou os endereços electrónicos dos 126 clientes da autora para disponibilizar os seus serviços de contabilista certificada. -Em 6/7/2020, a Autora tinha contrato de prestação de serviços de contabilidade e apoio fiscal com as empresas que seguidamente se identificam: A. Dw..., Lda, Dx..., SA, Dy...,S.A, Dz... Unipessoal LDA, Ea... - Unipessoal LDA, Eb..., Unipessoal, Lda, Ec..., Lda, GG, Ed..., Lda, Ee..., LDA, Ef..., LDA, Eg..., VV, Ap... Unipessoal, LDA, Eh..., LDA, Ei..., Unipessoal, Lda, Ej..., LDA., e WW. -Não se provaram as avenças mensais dos clientes da autora, com excepção de Bq..., Unipessoal, Lda. -Ressalvando os clientes B..., Lda, Dk..., Unipessoal Lda e Ax..., lda, não se provaram as datas de início dos contratos da autora com os seus clientes, bem como os prazos de duração e renovação, formalidades e prazos para rescisão. Até ao presente cessaram os respetivos contratos de prestação de serviços com a Autora durante a vigência dos mesmos e celebraram contrato com as Rés, passando a 1ª Ré a figurar como sua Contabilista certificada, as seguintes empresas: “D..., UNIPESSOAL, LDA”, “H..., LDA”. -A receita previsível resultante do cumprimento dos contratos de prestação de serviços existentes à data da comunicação de denúncia do contrato de trabalho por parte das Rés, até ao termo das mesmas, cifra-se no montante global de € 279.713,47. Da contestação A ré BB foi sócia e ou gerente ou administradora nas sociedades (NIPC ...), “Ek... SGPS S.A.” (NIPC ...), “Ch...” (NIPC ...), “X... LDª” (NIPC ...), “Aa... LDª” (NIPC ...) e Ea... LDª (NIPC ...), estas duas últimas, já cedidas a terceiros por ordem daquele KK. Foi contra a vontade da BB que KK a indicou para gerente da autora e de outras sociedades. Os demais factos alegados são irrelevantes para a decisão. * Questão prévia- Nulidade probatória dos documentos nºs 35º e 39º(emails de clientes da A. recebidos nas contas de correio electrónico das RR.) O tribunal a quo, considerando não serem as mensagens em causa mensagens profissionais, pese embora respeitem a factos relacionados com a autora, esta não podia aceder às mesmas e, por isso, constituem prova ilícita. A recorrente sustenta que ambos os emails são comunicações de natureza profissional e devem considerar-se meios de prova válidos, dando-se como provados os factos alegados neles suportados, mais precisamente a factualidade vertida nos artigos 79ºa 83º e 87º a 90º da petição inicial. Argumenta, em síntese, que o documento nº 35 tem a sua génese numa reunião telefónica realizada entre a remetente do email, TT, e o Dr. KK, sócio e gerente da sociedade única sócia da Autora, na qual foram abordados assuntos de natureza contabilística e fiscal atinentes às mencionadas sociedades “K..., Lda” e “J..., Lda”, ambas clientes da Autora, e a comunicação eletrónica por aquela reencaminhada para as Rés contém a resenha dessa reunião; trata-se de uma comunicação de natureza profissional, que só foi remetida porque existiu uma reunião de cariz profissional entre a remetente e o Dr. KK, este em representação da Autora e aquela em representação das duas aludidas sociedades clientes desta, sobre assuntos de natureza profissional; O mencionado email foi aberto num computador pertencente à Autora, instalado no escritório desta, e foi remetido para dois endereços eletrónicos criados no seu domínio “...”, destinados ao exercício profissional das Rés, enquanto suas colaboradoras, pelo que a utilização desse mail não consubstancia violação do direito de reserva e confidencialidade, dado que estamos perante informação de cariz profissional. Por sua vez, o documento nº 39 junto com a p.i. consiste num email, remetido em 5/2/2021, pela Autora para o endereço ..........@....., pertencente à responsável da empresa “T..., Unipessoal, Lda”, que havia sido sua cliente, com indicação das avenças referentes aos serviços de contabilidade e fiscalidade prestados, que se encontravam então em dívida, o qual foi reencaminhado pela titular do endereço ..........@..... para o endereço ..........@....., pertencente à advogada Dra. CC, que, por seu turno, o reencaminhou, com a sua resposta, para os endereços ..........@..... e ..........@......, tendo a Autora tomado conhecimento de tais comunicações através do email recebido no endereço ..........@....., criado para esta no domínio da Autora, exclusivamente para fins profissionais; A mensagem inicial remetida à Dra. CC, tem a sua génese no email remetido pela Autora para a sua ex-cliente “T..., Unipessoal, Lda”, pelo qual lhe solicitou o pagamento das avenças em dívida, respeitantes aos serviços de contabilidade e assessoria fiscal que lhe prestou, tratando-se igualmente de uma comunicação profissional. As recorridas pugnam pela manutenção do decidido, salientando que o email que constitui o doc. nº35, ao invés do alegado pela recorrente, foi enviado para o email pessoal da ré AA (..........@.....) e o email que constitui o doc. nº39 para o email pessoal da ré BB (......@......) e as mensagens são de teor pessoal, como se revela da vontade dos intervenientes da comunicação, sendo a segunda de 5.2.2021, altura em que nenhuma das rés já era trabalhadora da A. Vejamos: Está em causa o direito ao sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada tutelado pelo art. 34º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, constituindo o art. 22º do C.Trabalho uma emanação de tal direito no domínio laboral. Esta temática que vem assumindo cada vez maior relevância face ao uso generalizado das novas tecnologias de informação, nomeadamente do correio eletrónico, tem sido objecto de estudo pela doutrina e os tribunais também já apreciaram vários casos. O art. 22º do Cód. Trabalho assegurando ao trabalhador o direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal, enviadas ou recebidas, nomeadamente através de correio eletrónico (nº1) não veda completamente ao empregador o poder de controlo sobre o uso feito pelo trabalhador dos meios de comunicação, mas exige o estabelecimento de regras (nº2), sendo que a compatibilização prática do direito do trabalhador com o controlo do empregador decorrente do poder directivo inerente à relação laboral levanta, muitas vezes, dificuldades. Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho Anotado, 5ª ed., p. 129-130, em anotação a este artigo, escrevem: «Afirma-se como princípio geral o de que são proscritas ao empregador intrusões ao conteúdo das mensagens de natureza não profissional que o trabalhador envie, receba ou consulte a partir ou no local de trabalho, independentemente da forma que as mesmas revistam. Assim, tanto é protegida a confidencialidade das tradicionais cartas missivas, como a das informações enviadas ou recebidas através da utilização de tecnologias de informação e de comunicação, nomeadamente do correio electrónico. No mesmo sentido, os sítios da internet que hajam sido consultados pelo trabalhador e as informações por ele recolhidas gozam da protecção do presente artigo, bem como as comunicações telefónicas que haja realizado a partir do local de trabalho. Neste contexto, retira-se do preceito sob anotação que o empregador ou quem o represente não pode aceder a mensagens de natureza pessoal que constem da caixa de correio electrónico do trabalhador. A visualização de tais mensagens, que apenas se justifica em casos esporádicos, deve ser feita na presença do trabalhador ou de quem o represente e deve limitar-se à visualização do endereço do destinatário ou remetente da mensagem, do assunto, data e hora do envio. O controlo do correio electrónico da empresa deve realizar-se de forma aleatória e não persecutória e ter como finalidade a promoção da segurança do sistema e a sua performance. No mesmo sentido, o empregador não deve controlar os sítios da internet que hajam sido consultados pelos trabalhadores. Em regra, o controlo dos acessos à internet deve ser feito de forma não individualizada e global e não persecutória. Na mesma linha argumentativa, conclui-se que é vedado ao empregador, com recurso às centrais telefónicas, aceder a comunicações ou promover a utilização de dispositivos de escuta, armazenamento, intercepção e vigilância das mesmas. O n.º 2 do preceito visa repor um justo equilíbrio entre a tutela do direito à confidencialidade de que goza o trabalhador, por um lado, e a liberdade de gestão empresarial, no polo oposto. A reserva da intimidade da vida privada do trabalhador não prejudica a possibilidade do empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação e das tecnologias de informação e de comunicação manuseados na empresa, nomeadamente através da imposição de limites, tempos de utilização, acessos ou sítios vedados aos trabalhadores. O preceito em causa não estabelece a forma pela qual tais regras devem ser concebidas e comunicadas. Também neste caso (à semelhança do disposto no n.º 3 do preceito anterior) vigora o princípio do consensualismo: qualquer meio utilizado será lícito, desde que se revele adequado para que se torne possível o seu conhecimento por parte dos trabalhadores da empresa. Admite-se, porém, que o regulamento da empresa se afigure o meio por excelência a adoptar para o efeito». Júlio Gomes, in “Direito do Trabalho”, I, “Relações Individuais de Trabalho”, 2007, p. 383-384, no Capítulo dos Direitos de Personalidade do Trabalhador, aborda a tutela da vida pessoal do trabalhador e dos poderes de controlo do empregador e no que concerne ao correio electrónico e internet escreve: «Quanto ao correio electrónico parece oportuno que a obrigação de distinguir correctamente correio pessoal e profissional conste do regulamento interno da empresa, obrigando-se o trabalhador a não qualificar informações profissionais como pessoais e vice-versa. A empresa deve poder presumir que não é pessoal todo o correio que o trabalhador não tenha expressamente qualificado como tal. Devem prever-se mecanismos para situações de ausência dos trabalhadores – férias e sobretudo suspensões do contrato por doença e licenças – em que pode ser necessário, sob pena de informações importantes não poderem ser recebidas em tempo útil, aceder ao correio electrónico: convém que os trabalhadores interessados sejam previamente alertados para essa possibilidade e, preferencialmente, tenham dado o seu consentimento prévio. Afora os casos de ausência do interessado, deve prever-se que a abertura excepcional do correio electrónico de um trabalhador, quando motivada por fortes indícios de violação das regras de utilização dos meios informáticos, e mesmo que referida a correio não classificado como pessoal, seja feita na presença do próprio interessado e de um representante dos trabalhadores. Parece mesmo, aconselhável que as empresas solicitem aos trabalhadores que assinem individualmente a “carta”- ou documento certificando que tomaram conhecimento das regras que regem a utilização dos meios informáticos da empresa e isto para provar que o trabalhador foi informado. Quanto ao controlo técnico efectuado pelo administrador da rede faz parte do funcionamento normal do sistema: a empresa deve através de programas adequados poder controlar e rejeitar anexos ou outros ficheiros que contenham vírus informáticos. Face ao exposto, importará regressar ao Código do Trabalho, mais precisamente ao seu artigo 21º (actual 22.º) que abrange também o correio electrónico (expressamente referido a título exemplificativo, já que o preceito parece abranger todo o tipo de mensagens, seja qual for o meio como estas sejam transmitidas- e portanto, também por telefone, correio tradicional etc.) O direito de reserva e confidencialidade é garantido ao trabalhador relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal que envie e receba, bem como relativamente ao acesso a informação de carácter não profissional que consulte (o que abrange a navegação na Internet). Por seu turno, o n.º 2 estabelece que o disposto no n.º 1, “não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio electrónico. Parece-nos resultar deste último preceito que o empregador pode, entre nós, e como já dissemos, proibir, por exemplo, e ressalvados casos excepcionais, o uso de correio electrónico para fins pessoais; como pode atribuir a cada trabalhador dois endereços, um para uso pessoal e outro para uso profissional; pode, igualmente, proibir, aos trabalhadores o acesso à Internet ou permiti-lo com certos condicionalismos (só a certas horas, por um certo período de tempo diário ou semanal, com proibição de acesso a certos sites ou portais). Relativamente ao n.º 1, sublinhe-se que o direito de reserva apenas está garantido quanto às mensagens de natureza pessoal: o preceito não dispensa, pois, a delicada distinção entre mensagens de natureza pessoal e profissional. Os mesmos princípios se aplicam, aliás, a todo o tipo de correspondência: se durante o período de férias do trabalhador, se recebe na empresa um carta, de um cliente, fornecedor, ou das Finanças, endereçada ao “responsável pelo sector de vendas X” ou ao “director dos serviços de contabilidade”, mesmo que a designação das funções exercidas pelo trabalhador venha seguida do seu nome, parece-nos que o empregador poderá abri-la, sobretudo se tiver razões para pensar que se impõe responder com alguma urgência. A questão que se coloca é, quanto a nós, a de saber se o empregador podia legitimamente acreditar que a mensagem tinha natureza profissional e se havia uma justificação para que não fosse o trabalhador a responder-lhe (porque, por exemplo, o mesmo se encontrava suspenso preventivamente, ausente em parte incerta ou, talvez até, simplesmente, porque o seu contrato de trabalho a termo caducaria em breve, para dar alguns exemplos). Transpondo esta ideia para o correio electrónico, parece-nos que o empregador poderá abrir as mensagens que pode legitimamente acreditar que não são pessoais. Tal será o caso, designadamente, se não tiver autorizado o uso do correio electrónico para fins pessoais (se do contexto da mensagem não resultar, apesar disso, que é efectivamente pessoal – seja porque foi mesmo qualificada como tal pelo trabalhador, seja porque tal resulta do assunto ou, porventura, do remetente ou do destinatário que é, por exemplo, a mulher do trabalhador) ou se tiver criado dois endereços, um para utilização profissional e outro para uso pessoal, relativamente àquele. Parece já impor-se maior cautela quando o empregador autorize o uso “promíscuo” do correio electrónico». Na jurisprudência, salientamos o aresto da Secção Social desta Relação de 15.12.2016, Proc. 208/14.1TTVFR-D.P1 (Relatora Paula Leal de Carvalho) disponível in www.dgsi.pt. que analisou exaustivamente esta temática, ponderando todo o quadro normativo aplicável e as posições doutrinais, e chegou a um conjunto de princípios sintetizados no respectivo sumário, que acompanhamos e, com a devida vénia, aqui transcrevemos: “I - A recolha e tratamento de dados relativos a correio eletrónico (emails, anexos e dados de tráfego) está sujeita à tutela da Lei 67/98, bem como da Lei 41/2004. II - O conteúdo dos emails enviados ou rececionados pelo trabalhador, quer de conta de correio pessoal, quer de conta de correio profissional que tenham natureza pessoal/extraprofissional, estão abrangidos pela tutela dos direitos à privacidade e à confidencialidade das mensagens conferida pela CRP e pelo CT/2009. III - Sendo disponibilizado ao trabalhador conta de correio eletrónico profissional, mas sem definição de regras quanto à sua utilização, mormente sem que seja proibida a sua utilização para efeitos pessoais (arts. 22º, nº 2, e 106º, nº 1, do CT/2009), não pode o empregador aceder ao conteúdo dos emails, e dos seus anexos, enviados ou rececionados nessa conta, mesmo que não estejam marcados como pessoais ou dos seus dados externos não resulte que sejam pessoais. IV - Pelo menos nas situações em que o empregador, ao abrigo do disposto nos citados arts. 22º, nº 2, e 106º, nº 1, não haja regulamentado e proibido a utilização de contas de correio eletrónico pessoais, o controlo dos dados de tráfego dos emails enviados ou rececionados em tais contas é sempre inadmissível. V - No que se reporta a contas de correio eletrónico profissionais com utilização indistinta para fins profissionais e pessoais, o empregador pode tomar conhecimento da data e hora do envio do email, dos dados externos dos anexos (que não do seu conteúdo), mas não do remetente e/ou destinatário do email que seja terceiro. VI - Em qualquer caso, o acesso e tratamento de correio eletrónico (emails, anexos e dados de tráfego) pelo empregador tem que observar os princípios consagrados na Lei 67/98, designadamente os princípios da finalidade, da transparência e da notificação da CNPD. VII - A violação da proibição de recolha e utilização dos dados de correio eletrónico (conteúdo dos emails, anexos e dados de tráfego) e/ou dos princípios previstos na Lei 67/98 determina a nulidade da prova obtida por via dessa recolha, bem como da que assente, direta ou indiretamente, no conhecimento adveniente dessa prova nula.” Nesta matéria importa igualmente ter em conta as deliberações da Comissão Nacional de Protecção de Dados. Este organismo através da Deliberação nº 1683/2013 de 16.7.2013 estabeleceu as condições gerais para o tratamento de dados pessoais decorrentes do controlo da utilização para fins privados das tecnologias de informação e comunicação no contexto laboral, revendo a anterior Deliberação de 29.10.2002. E no que concerne ao controlo de correio eletrónico e dados de tráfego deliberou o seguinte: « Sejam quais forem as regras definidas pela empresa para a utilização do correio eletrónico para fins privados, o empregador não tem o direito de abrir, automaticamente, o correio eletrónico dirigido ao trabalhador. Não é o facto de certas mensagens ficarem gravadas em servidores da propriedade do empregador que lhe dá o direito de aceder àquelas mensagens, as quais não perdem a sua natureza pessoal ou confidencial, mesmo quando esteja em causa investigar e provar uma eventual infração disciplinar. Mas deve ser exigida aos trabalhadores a criação de pastas próprias, devidamente identificadas, onde o trabalhador arquive os correios eletrónicos de conteúdo pessoal que constam da caixa de correio profissional. Como se referiu, a entidade empregadora deve escolher metodologias de controlo não intrusivas, que estejam de acordo com os princípios previamente enunciados, maxime, o da proporcionalidade, e que sejam do conhecimento dos trabalhadores. A entidade empregadora não deve fazer um controlo permanente e sistemático do correio eletrónico dos trabalhadores. O controlo deve ser pontual e direcionado para as áreas e atividades que apresentem um maior “risco” para a empresa. O grau de autonomia do trabalhador e a natureza da atividade desenvolvida, bem como as razões que levaram à atribuição de um endereço de correio eletrónico àquele, devem ser tomadas em conta, decisivamente, em relação à forma como vão ser exercidos os poderes de controlo. Também no que diz respeito ao correio eletrónico, o segredo profissional específico que impende sobre o empregado (v.g., sigilo médico, sigilo profissional de advogado, ou segredo das fontes) tem de ser preservado, não devendo o conteúdo das suas mensagens ser acedido em circunstância alguma nem os dados de tráfego reveladores dos remetentes ou destinatários exteriores ser objeto de tratamento para fins de controlo. Por princípio, o controlo dos correios eletrónicos deve ser realizado de forma aleatória. Sublinha-se que a necessidade de deteção de vírus ou de outro tipo de software malicioso não justifica, só por si, a leitura dos correios eletrónicos recebidos. A entidade empregadora pode adotar os procedimentos necessários para – sempre com o conhecimento dos trabalhadores – fazer uma «filtragem» de certos ficheiros que, pela natureza da atividade desenvolvida pelo trabalhador podem indiciar, notoriamente, não se tratar de correios eletrónicos de serviço (v.g., ficheiros «.exe»,.mp3 ou de imagens). Também eventuais controlos fundamentados na prevenção ou deteção da divulgação e segredos comerciais devem ser direcionados, exclusivamente, para as pessoas que têm acesso a esses segredos e apenas quando existam fundadas suspeitas daquele facto. Na verdade, a preservação de segredo comercial, industrial ou de propriedade intelectual deve ser realizada a montante, adotando as entidades empregadoras mecanismos estritos de controlo de acesso à informação sigilosa, minimizando deste modo eventuais riscos de divulgação indevida. Perante a constatação de utilização desproporcionada do correio eletrónico – que será apreciada em função da natureza e do tipo de atividade desenvolvida – é aconselhável a emissão de um aviso ao trabalhador. É de diferenciar claramente o grau de exigência e de rigor em relação ao controlo das mensagens expedidas e recebidas, uma vez que a entrada de correspondência na caixa de correio eletrónico do trabalhador é independente da sua vontade. Por isso, devem ser dadas instruções ao trabalhador para que apague as mensagens eventualmente recebidas que contrariem o Regulamento Interno. O acesso ao correio eletrónico deverá ser o último recurso a utilizar pela entidade empregadora, sendo necessário que seja feito na presença do trabalhador visado e, de preferência, na presença de um representante da comissão de trabalhadores ou de outra estrutura representativa (v.g., delegados sindicais-) ou de alguém indicado pelo trabalhador. O referido acesso deve limitar-se à visualização dos endereços dos destinatários, o assunto, a data e hora do envio, podendo o trabalhador – se for o caso – especificar a existência de algumas mensagens de natureza privada e que não pretende que sejam lidas pela entidade empregadora, caso ainda não tenha tido a oportunidade de os eliminar ou arquivar em pasta específica. Perante tal situação, a entidade empregadora tem de abster-se de consultar o conteúdo das mensagens de correio eletrónico, uma vez que o mero registo do envio das mesmas cumpre o objetivo do tratamento. Eventual consulta constituirá um acesso não autorizado, porque extravasa a finalidade do tratamento. Impõe-se ao empregador (e qualquer seu representante) que, tendo consciência da natureza pessoal de uma comunicação, desista da leitura do seu conteúdo e não o divulgue. Nas situações de ausência programada (v.g., férias, licença de parentalidade) deve ser adotado um mecanismo de resposta automática de ausência (out of office reply) com indicação de endereço alternativo. As razões determinantes da entrada na caixa postal dos trabalhadores, com fundamento em ausência, têm de ser claramente explicitadas e semelhante controlo deve ser previamente comunicado ao trabalhador, e ser realizado também na presença de um representante da comissão de trabalhadores, ou de alguém indicado pelo trabalhador. Nos casos em que tal não seja possível e nas empresas que tenham um delegado de proteção de dados (data protection officer), será este o responsável por garantir que é cumprida a lei e que os direitos do trabalhador são acautelados, prevenindo acessos ilegítimos por parte da entidade empregadora. É também necessário que sejam definidos procedimentos internos relativamente ao conteúdo de caixas de correio eletrónico de trabalhadores que saem da empresa. Nestes casos, deve dar-se um prazo ao trabalhador para retirar o conteúdo de cariz pessoal dos arquivos do correio eletrónico, decorrido o qual o empregador deve eliminar a conta, para evitar que continue em funcionamento um endereço de correio eletrónico que já não é acedido pelo seu titular. Além disso, o empregador deve assegurar que o mesmo endereço eletrónico não será ulteriormente atribuído a outro trabalhador (email …).» Vistas as diretrizes normativas do acesso e controlo pelo empregador do correio electrónico dos trabalhadores, passemos à análise dos emails em questão. A este respeito consta na decisão recorrida: «Na contestação (art.s 67º a 70) as rés invocam a nulidade, como meio de prova, do documento nº 35, devendo ter-se por não escrito o alegado de 79 a 83, e o documento nº 39 porque obtidos com acesso indevido às suas contas de correio electrónico. Vejamos se lhes assiste razão. O art. 34º, 1, da Constituição da República Portuguesa que protege o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada. Por seu turno, o art. 22º do Código do Trabalho (CT) determina que: “1 -O trabalhador goza do direito de reserva e confidencialidade relativamente ao conteúdo das mensagens de natureza pessoal e acesso a informação de caráter não profissional que envie, receba ou consulte, nomeadamente através do correio eletrónico. 2. O disposto no número anterior não prejudica o poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio eletrónico.” O acesso dos empregadores às mensagens de correio electrónico enviados pelos seus trabalhadores ou por eles recebido em contas criadas pela empresa para esses trabalhadores, como é o caso, suscita questões diversas conforme as circunstâncias. Designadamente, se as mensagens são de cariz profissional ou pessoal. Nesta última hipótese, porém, é pacífica a doutrina e a jurisprudência que o empregador não pode aceder a mensagens de natureza pessoal. E se for por acaso ou inadvertência que o empregador tome conhecimento de mensagem de carácter pessoal deve parar imediatamente de a ler. Como refere, em sumário, o Acórdão do STJ de 5/7/2007, in www.dgsi.pt: “II – O art. 21.º, n.º 1 do CT garante o direito à reserva e à confidencialidade relativamente a mensagens pessoais e à informação não profissional que o trabalhador receba, consulte ou envie através de correio electrónico, pelo que o empregador não pode aceder ao conteúdo de tais mensagens ou informação, mesmo quando esteja em causa investigar e provar uma eventual infracção disciplinar.” No mesmo sentido, vai o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2016 disponível no mesmo sítio. O problema é distinguir entre o profissional e o pessoal. Como refere o supra citado Acórdão do STJ, “não é pela simples circunstância de os intervenientes se referirem a aspectos da empresa que a comunicação assume desde logo natureza profissional, bem como não é o facto de os meios informáticos pertencerem ao empregador que afasta a natureza privada da mensagem e legitima este a aceder ao seu conteúdo.” Ora, uma mensagem é de carácter profissional se tem por objecto algum aspecto relacionado com a actividade da empresa. Por exemplo, é pedido um fornecimento, um pagamento, feita uma reclamação sobre a qualidade de um bem ou serviço, apresentada uma proposta de contrato, etc No caso dos autos estão em causa duas mensagens electrónicas que caíram nas contas ..........@..... (documento nº 35) e ..........@..... (documento nº 39). A primeira missiva de 27/8/2020, do seguinte teor: - “Boa tarde, queridas. Falei com Dr. KK hoje ao telefone e gostava de conversar com vocês. Dra. AA poderia me ligar? Segue email que ele me enviou, achei muito estranho. Aguardo contacto e adianto que minha posição está mantida junto a vocês. Beijos. AA” Alegadamente, com o referido e-mail a representante das empresas “K..., Lda” e “J..., Lda”, TT, com quem o representante da sócia única da Autora, KK, havia tido, nesse mesmo dia, uma reunião de trabalho, à distância, através do telemóvel, quis informar as Rés dessa reunião e deu-lhes conhecimento do e-mail que, na sequência da mesma, lhe foi enviado por KK, com a resenha dos aspetos tratados – cf art. 81º da p.i.. A segunda mensagem é de 5/2/2021, altura em que é pacífico que nenhuma das rés era trabalhadora da autora. Como alegado nos arts. 87º e ss da p.i., na sequência de um email enviado pela autora a um cliente em que lhe pede o pagamento ds avenças em atraso, a titular do endereço ..........@....., nesse mesmo dia, reencaminhou tal email para o endereço ..........@....., pertencente à advogada CC, com a seguinte mensagem: “Oi CC, Recebi esta boleta para pagar. Poderia verificar? Posso depositar na conta aqui de alguém do Brasil?” Em resposta a Drª CC, ainda no dia 5 de fevereiro de 2021, remeteu mail para o endereço ..........@....., com o seguinte teor: “Não vai pagar nada!” A Drª CC reencaminhou estes emails (“certamente por descuido” está dito na p.i.) para o endereço electrónico da 1ª ré. Nem num caso nem no outro estamos perante mensagens de teor profissional. Isto é, de comunicações feitas às rés para conhecimento no âmbito das suas funções exercidas na autora. Não são comunicações enviadas às contabilistas da autora para estas diligenciarem algo ou simplesmente saberem de algo relevante para a autora. Não são comunicações remetidas às rés como poderiam sê-lo às pessoas que as podiam substituir ou substituíram na empresa. Pese embora respeitem a factos relacionados com a autora, não são comunicações profissionais. São antes de teor pessoal. Pelo que a autora não podia a elas aceder, constituindo, por isso, os documentos nºs 35 e 39 prova nula – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto acima citado. As rés pedem, ainda, com esse fundamento que dê como não escrito o alegado o nos artigos 79º a 83º da petição inicial. Pretensão que não tem fundamento legal. Logo, não será acolhida. Pelo exposto, declara-se a nulidade probatória dos documentos nºs 35 e 39 da p.i. que, por isso, não serão considerados para prova dos factos alegados.» A Autora não alegou que tivesse, ao abrigo do nº2 do art. 22º C.Trabalho, estabelecido quaisquer regras para a utilização das contas de correio electrónico que disponibilizou às Rés no seu domínio @..., nomeadamente que tivesse proibido a utilização das mesmas para fins pessoais, por isso, ter-se-á de considerar que as Rés podiam fazer uma utilização indistinta dessas contas para fins profissionais e pessoais. O doc. nº35, corresponde a um email enviado em 27 de agosto de 2020 pela legal representante de duas empresas clientes da autora para o email pessoal da R. AA e para o email profissional «..........@...... da R. BB. A Autora terá acedido ao mesmo abrindo o email profissional da R. BB, sendo que, em 27 de agosto de 2020 esta já não se encontrava ao serviço. Tinha remetido a carta de denúncia do contrato de trabalho em 27 de julho de 2020, para produzir efeitos a 25 de setembro, após o aviso prévio legal, e estava desde o dia 21 de agosto em gozo de férias. Ora, não tendo a Autora proibido a utilização das contas de correio profissional das Rés para fins pessoais, em princípio, não podia aceder, sem o seu consentimento, ao conteúdo dos emails e seus anexos, enviados ou recepcionados nessas contas, mesmo que não assinalados como pessoais. Ao contrário do que a Autora afirma, o facto do mencionado email ter sido aberto num computador que lhe pertence, instalado no seu escritório e ter sido remetido para um endereço eletrónico criado no domínio “...” não legitima o seu acesso ao mesmo. A R. BB estava ausente, porém, como vimos, segundo a CNPD o empregador deve acautelar as situações de ausência temporária, tais como férias ou doença do trabalhador nomeadamente mediante mecanismo de resposta automática de ausência, com indicação de endereço alternativo. E o Prof. Júlio Gomes preconiza que o trabalhador seja informado que na sua ausência pode ser necessário aceder ao respectivo email e assine uma declaração de consentimento prévio. No presente caso, em que a ausência da R. BB era definitiva, uma vez que o seu contrato terminaria em 25 de setembro e a mesma não ia regressar ao serviço, mais se justificava que a A. tivesse adoptado um sistema de resposta automática de ausência, com indicação de endereço alternativo, não sendo legítimo o acesso da Autora ao email profissional da trabalhadora, com utilização indistinta para fins profissionais e pessoais, sem o conhecimento, nem autorização daquela. Mas, ainda que, por hipótese, se admita como lícito o acesso da A., com a justificação de que no caso a mesma podia legitimamente acreditar que a mensagem não era pessoal, face aos elementos externos do email, porquanto o remetente é a legal representante de duas empresas clientes da Autora e no espaço destinado ao assunto consta o nome dessas empresas e, a seguir, “Reunião- Draft”, reportando-se à reunião com o representante da Autora (o Prof. Júlio Gomes defende este entendimento no caso de o empregador ter proibido o uso do email profissional para fins pessoais, recomendando “cautelas” quando o correio electrónico do trabalhador seja de uso “promíscuo”, como é o caso) então, uma vez aberto o email há que atentar se o conteúdo da mensagem é de natureza profissional ou pessoal, pois, sendo pessoal, ainda que tenha sido acedida de boa fé, na convicção de ser profissional, continua a ser protegida pelo direito de reserva e confidencialidade consagrado no nº1 do art. 22º, e quem a tiver aberto deve desistir da leitura e não divulgar o seu conteúdo, estando vedada ao empregador a sua utilização ainda que eventualmente indicie a violação pelo trabalhador dos deveres inerentes ao contrato de trabalho- Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 5-07-2007, Proc. 07S043 (Relator Conselheiro XX). Ora, no caso a mensagem dizia: - “Boa tarde, queridas. Falei com Dr. KK hoje ao telefone e gostava de conversar com vocês. Dra. AA poderia me ligar? Segue email que ele me enviou, achei muito estranho. Aguardo contacto e adianto que minha posição está mantida junto a vocês. Beijos. AA” À primeira vista, pode parecer que a mensagem é de natureza profissional porque se reporta a uma conversa/ reunião do representante da A. com a legal representante de duas empresas às quais prestava serviços de contabilidade. Mas, como bem assinala a decisão recorrida, não se trata de uma comunicação feita às Rés para conhecimento no âmbito das suas funções que exerciam na autora. Não são comunicações enviadas às contabilistas da autora para estas diligenciarem algo ou simplesmente saberem de algo relevante para a autora. Não são comunicações remetidas às Rés como poderiam sê-lo às pessoas que as fossem substituir ou substituíram na empresa. Com efeito, a remetente dirige-se às Rés num tom intimista e em nome pessoal não na qualidade de trabalhadoras da Autora. E o teor da comunicação não remete para a actividade delas no âmbito da relação laboral com a Autora. Acompanhamos, pois, a conclusão do tribunal a quo, de que que se trata de uma comunicação de natureza pessoal/privada e não profissional, apesar de referir factos relacionados com a Autora. É que, como se refere, no referido Ac.do STJ de 05-07-2007«.. não são apenas as comunicações relativas à vida familiar, afectiva, sexual, saúde, convicções políticas e religiosas do trabalhador, e mencionadas no art.º 16º, n.º 2 do CT, que revestem a natureza da comunicações de natureza pessoal, nos termos e para os efeitos do art.º 21º.(…) a definição de natureza particular da mensagem obtém-se por contraposição à natureza profissional da comunicação, relevando, para tal, antes de mais, a vontade dos intervenientes da comunicação, ao postularem, de forma expressa ou implícita, a natureza profissional ou privada das mensagens que trocam. E de igual modo, como os autores defendem, de forma pacífica, não é o facto de os meios informáticos pertencerem ao empregador que afasta a natureza privada da mensagem e o legitima a aceder ao seu conteúdo. E não é pela circunstância dos intervenientes se referirem a aspectos da empresa que, por essa simples razão, a comunicação assume desde logo um carácter profissional, legitimando a sua intercepção pelo empregador.» Ora, na vertente situação, tendo em conta o respectivo conteúdo afigura-se-nos evidente que a vontade da remetente foi atribuir carácter reservado à mensagem, ainda que a tenha enviado para o email profissional da R. BB, contando, certamente, que fosse esta a abri-la e previsivelmente a apagá-la depois de a ler, por ser pessoal, o que não veio a suceder porque a mesma denunciou o contrato de trabalho e não estava ao serviço. Destarte, tendo a mensagem natureza pessoal, como já dissemos, ainda que se considere que o acesso da A. ao email de 27/8/2020 foi legítimo, porquanto, tendo em conta os elementos externos do mesmo, podia estar convencida de que se tratava de uma mensagem profissional, o seu conteúdo beneficia da tutela da confidencialidade conferida pelo art. 22º do C.Trabalho e 34º, nº1 da CRP, por isso, estava vedado à Autora divulgá-la ou utilizá-la, não sendo atendível como meio probatório, sob pena de nulidade da prova obtida. No que concerne ao doc. 39, mensagem enviada em conhecimento para o email profissional da R. AA, não temos dúvidas de que o acesso da A. foi ilegítimo, pois face ao tempo já decorrido após a cessação do seu contrato de trabalho (cerca de 5 meses na tese da A. e 6 na da R.) segundo a dita deliberação da CNPD, a A. já devia ter eliminado a conta de email da RR do seu domínio, concedendo-lhes um prazo para retirarem dos arquivos os conteúdos da cariz pessoal. Não é aceitável manter em funcionamento uma conta de email vários meses após a saída do trabalhador, situação que face ao depoimento da testemunha YY ainda se mantinha indevidamente à data do julgamento, pois declarou que continuavam a receber emails destinados às Rés. E além do acesso por parte da A. ser ilegítimo, no conteúdo do mail nada se reporta à relação de trabalho que as Rés mantiveram com a Autora, nem lhes foi dado conhecimento do mesmo na qualidade de trabalhadoras da mesma, que já não possuíam, pelo que, face ao que supra expendido, não se trata de um email de cariz profissional. Destarte, de forma alguma pode ser considerado como meio de prova válido. Assim, bem decidiu o tribunal recorrido ao declarar a nulidade probatória dos docs nº 35º e 39º juntos pela A. com a petição inicial. E tal nulidade implica, como resulta dos arestos citados, não só a desconsideração como meio de prova de tais emails, mas também dos demais meios de prova assentes, direta ou indiretamente, no conhecimento dos mesmos. - Da nulidade da Sentença Sustenta a recorrente que a sentença enferma de nulidade, por falta de fundamentação, nos termos da alínea b) do art. 615º do C.P.Civil, dizendo que o tribunal não cumpriu o disposto no art. 607º, nº4 do mesmo Código, pois o juiz a quo indicou os factos admitidos por acordo e os factos confessados em depoimentos de parte, mas quanto à restante factualidade que considerou relevante, quer a dada como provada, quer a dada como não provada, nem sequer indicou a prova em que se estribou para formar a sua convicção, num sentido ou noutro, não permitindo a mesma que se entenda em que prova concretamente firmou o tribunal “a quo” a sua convicção para dar os factos como provados ou como não provados. Acrescenta que o dever de fundamentação da matéria de facto se mostra cumprido quando do texto da decisão se depreende, não apenas a matéria de facto provada e não provada mas também a expressa explicitação do porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, isto é, dando-se a conhecer as razões pelas quais se valorou ou não valorou as provas e a forma como estas foram interpretadas” (Ac. TRC de 27/6/2023, proferido no processo nº 1427/16.1PCSNT.L1-5, disponível em www.dgsi.pt). Termina, aduzindo que basta ler a sentença recorrida para se concluir que na fundamentação nela contida o tribunal “a quo” não deu cumprimento ao disposto no nº 4 do artigo 607º do CPC, pelo que a mesma enferma de nulidade, por falta de fundamentação, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, ou, caso assim não se entenda, de insuficiência de fundamentação, devendo, neste caso, determinar-se, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea d), do CPC, que os autos baixem à 1ª instância, para que o tribunal “a quo” tribunal fundamente, de forma clara, objetiva e discriminadamente, a decisão que proferiu quanto à matéria de facto que considerou como provada e como não provada, com indicação dos respetivos meios de prova, bem como quanto ao modo como formou a sua convicção. A recorrida contrapõe que o tribunal explicou quais os elementos que foram determinantes para a sua conclusão, refutando argumentos contrários e justificando a sua decisão. Vejamos Não se questiona que o dever de fundamentação da matéria de facto exige não apenas a indicação matéria de facto provada e não provada mas também o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, o qual deve dar a conhecer as razões pelas quais valorou ou não valorou as provas e a forma como estas foram interpretadas, sendo tal asserção retirada pela recorrente de um acórdão proferido em matéria criminal (do TRL e não do TRC, como certamente por lapso refere) também correta em processo civil. No entanto, é pacífico o entendimento de que a nulidade da sentença por falta de fundamentação, prevista na alínea b) do nº1 do art. 615º do C.P.Civil, apenas ocorre quando a sentença é omissa quanto aos fundamentos de facto ou de direito da decisão. Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 4ª edição, p. 735 e 736 « Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade(no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto, a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito de uma decisão(ac. STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ-12,p.20: Constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (Ac.TRP de 6.1.1.94, CJ, 1984,I,P.197): a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão de condenação da parte como litigante de má fé).» Ora, a sentença recorrida indica, quer a matéria de facto provada, quer a não provada, e expõe os fundamentos os fundamentos jurídicos da decisão tomada, pelo que não padece da nulidade invocada. A falta ou deficiência do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, com a explicitação das razões pelas quais se conferiu maior credibilidade a uma do que a outras, a existir caberia na previsão do âmbito do art. 662º, nº 2, al. d) do C.P.Civil, segundo o qual não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento e da causa, a Relação pode determinar ao tribunal de 1ª instância que a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. No entanto, lendo a decisão recorrida na parte relativa à análise da prova, vemos que o Tribunal a quo fundamentou o julgamento da matéria de facto controvertida, fazendo para tal uma apreciação crítica da prova, quer documental, quer pessoal produzida na audiência, explicitando claramente as razões da sua decisão não em relação a cada um dos factos individualmente considerados, mas por questões em discussão. Assim, mostrando-se a decisão da matéria de facto suficientemente fundamentada, fica afastada a remessa dos autos à primeira instância para esse efeito, nos termos do art. 662º, nº 2, al. d) do C.P.Civil. A recorrente pode discordar da apreciação dos meios de prova feita pelo Tribunal. Todavia, um eventual vício no julgamento da matéria de facto a verificar-se configura erro de julgamento a apreciar em sede de apreciação da impugnação da matéria de facto, não acarreta a nulidade da sentença, nem o recurso ao art. 662º, nº 2, al. d) do C.P.Civil. Da impugnação da matéria de facto Como é consabido para que o tribunal de recurso conheça da impugnação da matéria de facto, o impugnante tem de observar os requisitos previstos no art. 640º do C.P. Civil que preceitua: 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. A explicitação dos ónus que esta norma impõe ao recorrente que queira impugnar a decisão da matéria de facto, tem vindo a ser feita pela doutrina e pela jurisprudência, nomeadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, transcrevendo-se o sumário de alguns dos arestos que se pronunciaram sobre as questões mais relevantes e recorrentes nesta matéria. No acórdão de 21-03-3019, relatado por Rosa Tching, a este propósito, decidiu o seguinte: “Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada; já quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.” No que concerne à forma como o recorrente deve observar tais ónus na estrutura do recurso, o STJ no Ac. de 01/10/2015, Proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, relatado por Ana Luísa Geraldes, in www.dgsi.pt, clarificou que: “I - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. “ Este entendimento era largamente maioritário mas não totalmente pacífico veio a ser fixado no AUJ do STJ nº12/2023, publicado no DR nº220/2023, Série I, de 14-11-2023 que decidiu uniformizar a jurisprudência, nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do nº1 do art. 640º do C.P.Civil, o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.” Mostrando-se observados pela recorrente/autora os ónus legais, passemos à apreciação dos pontos da matéria de facto impugnados pela ordem apresentada. Deixa-se desde já consignado que, em ordem à contextualização das passagens dos depoimentos identificados e transcritos pelas partes e a uma correta interpretação dos mesmos, se procedeu à audição integral de todos os depoimentos prestados na audiência, analisando-se igualmente os documentos juntos aos autos. A - A recorrente começa por dirigir a sua impugnação ao ponto 104 dos factos provados, defendendo que os factos no mesmo vertidos devem ser dados como não provados. É o seguinte o respetivo teor: 104 - No seguimento dessa entrega, a 1.ª R., a 2.ª R. e o referido KK reuniram-se no próprio dia 6 de Julho de 2020, tendo ficado entre eles acordado o seguinte: − revogação, por mutuo acordo, do contrato de trabalho entre a A. e a 1.ª Ré com efeitos a 31-07-2020; − acordo entre a A. e a 1.ª Ré para esta entrar em gozo imediato de férias até 31-07-2020, não mais voltando ao trabalho e a comunicar de imediato a sua saída enquanto responsável Técnica e Contabilista Certificada; − pagamento da A. à 1.ª Ré da quantia liquida de 3.083,30€, relativa aos créditos laborais calculados até 31-07-2020, incluindo indemnização por férias não gozadas. E, ao mesmo tempo, defende que devem ser julgados provados os seguintes factos constantes da matéria de facto não provada: a) - “Ao contrário do que a 1ª Ré terá informado a Ordem dos Contabilistas Certificados, a Autora não prescindiu de qualquer prazo de aviso prévio; b) – A Autora não desonerou a 1ª Ré da obrigação de terminar os trabalhos de encerramento do exercício fiscal de 2019, em relação aos clientes pelos quais esta era responsável enquanto contabilista certificada”. Para fundamentar a alteração pretendida a recorrente localiza na gravação e transcreve passagens das declarações das Rés AA e BB, e das testemunhas KK, ZZ, YY, defendendo, em suma, que o que resulta de tais depoimentos é que o contrato de trabalho da R. AA cessou com a carta de rescisão pela mesma apresentada no dia 6.7.2020 a KK, tendo-lhe este dito para repensar, mas mantendo aquela a sua decisão, foram calculados e pagos os créditos a que tinha direito, mas não houve qualquer acordo quanto à cessação do contrato em termos distintos do que constava na carta de rescisão. O “Acordo de Cessação de Vínculo Laboral”, junto com a contestação foi elaborado pela R. AA, assinado em representação da A. pela R. BB, não foi apresentado a KK que o desconhecia. As recorridas sustentam que devem manter-se inalterados os factos em questão, localizando na gravação e transcrevendo passagens das declarações da R. BB que, em seu entender, demonstram que o “Acordo de Cessação de Vínculo Laboral” reproduz o que tinha sido acordado na presença de KK. O julgador a quo motivou assim a sua decisão a este respeito: “Celeuma fundamental respeita à forma como AA terminou o seu contrato de trabalho. Por denúncia através da carta junta como documento nº 3 à petição inicial ou por “acordo de revogação”, que incluiu KK conforme documento nº 1 da contestação? A prova, mais uma vez abundante, leva à conclusão segura no sentido da segunda hipótese. As duas rés contaram que AA entregou a carta de denúncia em mão. Mas KK não aceitou a denúncia. Quis terminar o contrato e que AA fosse de ferias para casa até ao final de Julho, termo do contrato. Mandou fazer as contas e logo lhe pagou tudo – conforme documentos nºs 2 e 3 (transferência bancária e recibo de vencimento). KK aceitou que mandou logo fazer e contas e pagou tudo até ao final do contrato. Mas negou qualquer acordo. Segundo ele, AA deveria continuar a trabalhar até ao fim do mês para fazer as entregas dos Modelos 22. Só depois entraria de férias, conforme previsto na carta de denúncia. Desconhecia o documento nº 1 da contestação. A versão de KK é, contudo, incongruente. Desde logo com o facto, admitido por si, de que colocou AA, a partir daí, em teletrabalho. Ou seja, havia que entregar os modelos 22 até ao fim do mês, o trabalho estava atrasado como resulta dos resumos das reuniões, e ele colocava a sua contabilista certificada em teletrabalho? Não é crível. Mais ninguém assistiu ao que aconteceu entre as duas rés e KK. Mas, sintomaticamente, YY, pessoa próxima de KK e por isso insuspeita de querer prejudicar a autora, referiu que nesse dia (6/7) KK apenas lhe disse que não conseguiu demover AA da sua decisão. Acrescentou YY que na sua cabeça ficou uma grande confusão. Não espanta perante um cenário de trabalho atrasado, o prazo apertado para entrega de declarações fiscais e AA a ir para casa. SS, que entrou para a autora em Abril desse ano e estava presente nas instalações da ré contou que AA foi buscar as suas coisas e despediu-se de si. Ia embora de vez. A circunstância da autora apenas ter comunicado à SS e ao seguro, a cessação do contrato em Setembro de 2020, como se retira dos documentos juntos com o requerimento de 9/9/2021, não tem significado. Nem o facto de KK logo ter pago as retribuições da 1ª ré. Pois, na carta de denúncia, AA pede o apuramento dos vencimentos até ao término do contrato. Significativo é o facto de não haver pagamento de retribuições a AA correspondentes aos meses de Agosto e Setembro, nem descontos para a Segurança Social nesses meses conforme documento nº 2 do requerimento de 13/9/2021. Além disso, a versão das rés harmoniza-se com a informação que a ré AA prestou à Ordem dos Contabilistas Certificados como se extrai do documento nº 8 da p.i. Mas se não houve acordo de revogação, mas apenas denúncia do contrato, como é que na autora de soube que AA lá não trabalharia mais? As únicas comunicações referidas a esse propósito são as mensagens electrónicas da ré de 7/7 juntas como documentos nºs 4 e 5 à petição inicial. Forma estranha de AA informar que não trabalharia mais. Mais espantoso ainda é ninguém ter mencionado nenhuma reacção perante isso. Ninguém pegou num telemóvel e ligou para AA a perguntar o que se passava. Então ficou de enviar os modelos 22 até ao fim do mês e já não vai fazer? Porquê? E quem diz um telefonema, diz um email, um contacto pessoal qualquer coisa que mostre que houve surpresa perante as mensagens electrónicas da ré de 7/7. Mas não, o que os documentos mostram é que já estava a ser preparada a sucessão de AA. Esta envia o primeiro email de 7/7 às 14h01 (doc 4 da p.i.). E às 16h41 já estava feito o resumo da reunião (portanto esta já acabara) na autora onde se decidiu mandar email aos clientes a dar conta da saída da ré, reencaminhar o seu correio electrónico para o geral, e EE assumir as funções de contabilista certificada (doc. 14) . Repare-se, ainda, que na mensagem electrónica de 7/7 (doc 4 da pi.) a autora escreve “como combinado envio listagem de clientes que renunciei”. Portanto isto foi combinado com a autora (isto é, com KK) E logo no dia seguinte EE remete email à ré com documento para ela assinar para passagem das funções de contabilista certificado das empresas da autora. A forma rápida e ordenada, sem denotar qualquer surpresa, como foram passadas as funções que eram exercidas por AA para EE comprova que KK sabia que aquela não trabalharia mais para a autora, entrando de férias no dia 7/7 (o que aliás é referido no documento 5 da p.i.). Pode argumentar-se que não faz sentido KK dispensar AA numa altura em que dela precisava. Mas também não fazia sentido mandá-la para casa em teletrabalho, como ele disse. Além disso, tinha outras pessoas disponíveis para ajudar como EE, a ré BB e ele próprio. A acrescer a isto há o factor humano. Nas palavras de AAA, KK tem um ego enorme. Ficou ofendido com a denúncia de AA, acrescentamos.” Como se vê, ao contrário do afirmado pela recorrente, o tribunal a quo indicou claramente em que elementos probatórios fundou a sua convicção e explicitou a valoração crítica que realizou para decidir como decidiu. A recorrente indica excertos parciais dos depoimentos das testemunhas que vão de encontro à sua posição. Porém, fazendo uma apreciação integral dos depoimentos indicados, conjuntamente os demais e o teor dos documentos, a convicção que adquirimos no essencial não difere da expressa pelo tribunal a quo, acompanhando-se a argumentação expendida. Com efeito, mais relevantes nesta matéria são as declarações de KK que conforme ficou demonstrado (nºs 83,84 dos factos provados) era o gerente de facto da Autora, e das Rés, pois ninguém mais esteve presente na reunião havida entre eles, no dia 6 de Julho de 2020 quando a R. AA entregou ao primeiro a carta de rescisão do contrato de trabalho, sendo que a Ré BB, não obstante ter sido nomeada gerente da A. no período de 29.12.2016 a 13.7.2020 apenas praticava actos formais de gerência na dependência daquele que era o gerente efectivo (nºs 87 e 88 dos factos provados). E conjugando o teor dos documentos com a análise crítica de tais declarações, a versão de KK não nos mereceu credibilidade. Na verdade, como se vê da carta de rescisão/ denúncia a R. AA propunha-se cumprir integralmente o aviso prévio, trabalhando até 30 de julho e gozar férias no período de 1de agosto a 4 de setembro de 2020. E se nada tivesse sido acordado em contrário na conversa com KK no dia 6 de Julho quando lhe entregou a carta de rescisão a mesma cumpriria o que comunicara por escrito. Mas tal não sucedeu porque, como resulta das declarações das Rés AA e BB, KK após receber a carta de rescisão e não tendo demovido a Ré AA da sua decisão disse -lhe que então era “o seu fim de linha” aquele era o último dia de trabalho, ficava em gozo de férias até ao final do mês de Julho, data em que cessava o contrato, e mandou a R. BB calcular os créditos finais que lhe eram devidos, que pagou de imediato por transferência bancária, o que a R. AA aceitou. Após a conversa com KK a R. AA com o intuito de formalizar o que havia sido acordado verbalmente elaborou o documento que denominou “Acordo de Cessação de Vínculo Laboral”, junto com a contestação como doc. nº1, que apresentou à R. BB quando lhe veio entregar o recibo relativo aos créditos já pagos e esta subscreveu-o na qualidade de gerente da Autora, tal como assinara por instruções de KK a carta de rescisão do contrato da R. AA, declarando que o fez porque o mesmo refletia o que tinha sido combinado com KK, mas que não lho mostrou naquele dia, tendo ficado um exemplar no escritório. E os emails enviados no dia seguinte (7/7) pela R. AA (nºs11 e 12 dos factos provados) em que esta comunicou a sua renúncia perante a Autoridade Tributária das funções de contabilista certificada dos clientes da Autora e que estava em curso até ao final do mês para a entrega do modelo 22 de todos os clientes, que foram aceites sem qualquer resposta por parte de KK, o que seria incompreensível se a mesma estivesse ao serviço em teletrabalho como o mesmo declarou, confirmam que, ao contrário do que este declarou, no dia 6 ficou combinado que a Ré AA cessava funções de imediato tanto mais que o mesmo logo providenciou pela sua substituição enquanto responsável técnica da A. e contabilista certificada dos clientes. Como resulta do doc. 14 junto com a contestação, ainda no dia 7 de Julho KK determinou que fosse enviado um email a todos os clientes a dar conta da saída da AA e que EE, contabilista certificada, que até então trabalhava na Sociedade de Administração de Insolvências, de que o mesmo é sócio único, passava a exercer as funções de contabilista certificada da autora. E a EE no dia seguinte (8/7) solicita por email à R. AA a declaração necessária para assumir tais funções. Em suma, analisando o conjunto da prova, não temos dúvidas de que na conversa subsequente à entrega da carta de denúncia do contrato de trabalho pela R. AA a KK ficou acordado que a mesma deixava de trabalhar para a A. naquele dia e para poder ser substituída por outra pessoa devia comunicar a cessação de funções de contabilística certificada dos clientes da Autora perante a Autoridade Tributária, ficava de férias até ao final de Julho, data em que cessava o contrato, tendo a R. BB feito as contas dos respectivos créditos nesse pressuposto e o KK procedido de imediato ao pagamento, por transferência bancária. Porém, cremos que tal acordo não configura uma revogação do contrato por mútuo acordo do contrato de trabalho, nos termos do art. 349º do C.Trabalho como a R. AA veio a consignar no documento que elaborou. A causa da cessação do contrato não deixou de ser a denúncia apresentada pela R. AA, o que se verificou foi uma redução do período de aviso prévio legal, por acordo de ambas as partes, ao que não obsta o facto de a Autora apenas ter comunicado a cessação do contrato à segurança social e para efeitos de exclusão seguro de acidentes após o final do aviso prévio legal. Assim, mantém-se como não provados os factos supra indicados que a A. pretendia que fossem dados como provados e altera-se o nº104 dos factos provados que passa a ter o seguinte teor: 104 . No seguimento dessa entrega, a 1.ª R., a 2.ª R. e o referido KK reuniram-se no próprio dia 6 de Julho de 2020, tendo ficado entre eles verbalmente acordado o seguinte: - A 1ª R. deixava de trabalhar para a Autora naquela data e comunicava de imediato a cessação de funções de contabilista certificada dos clientes da Autora à Autoridade Tributária. - A 1ª R. ficava em gozo de férias até 31-07-2020, data em que cessava o contrato de trabalho. - O pagamento pela Autora à 1.ª Ré da quantia líquida de 3.083,30€, relativa aos créditos laborais calculados até 31-07-2020, incluindo indemnização por férias não gozadas. B- Pretende a Autora que sejam considerados provados os seguintes factos que o Tribunal a quo deu como não provados: c) – “Com o email de 27/8/2020 a representante das empresas “K..., Lda” e “J..., Lda”, TT, informou efectivamente as rés da reunião que tivera com KK. O e-mail de 27 de agosto de2020, que a Autora recebeu no endereço..........@....., criado para a 2ªRé enquanto sua funcionária, remetido do endereço ..........@....., pertencente à representante das sociedades “K..., Lda”, e “J..., Lda” ambas clientes da Autora, a quem esta prestava serviços de contabilidade e apoio fiscal. O referido e-mail foi enviado para os endereços ..........@....., pertencente à 1ª Ré, e ..........@..... criado pela Autora para a 2ª Ré, enquanto sua funcionária, com o seguinte teor: - “Boa tarde, queridas. Falei com Dr. KK hoje ao telefone e gostava de conversar com vocês. Dra. AA poderia me ligar? Segue email que ele me enviou, achei muito estranho. Aguardo contacto e adianto que minha posição está mantida junto a vocês. Beijos AA”. d) – “Com o referido e-mail a representante das empresas “K..., Lda” e “J..., Lda”, TT, com quem o representante da sócia única da Autora, KK, havia tido, nesse mesmo dia, uma reunião de trabalho, à distância, através do telemóvel, quis informar as Rés dessa reunião e deu-lhes conhecimento do e-mail que, na sequência da mesma, lhe foi enviado por KK, com a resenha dos aspetos tratados (AA confessa que o email foi enviado para a sua caixa de correio eletrónico aí referida)”. e) – “A titular do endereço ..........@....., nesse mesmo dia, reencaminhou tal email para o endereço ..........@....., pertencente à advogada CC, com a seguinte mensagem: “Oi CC, Recebi esta boleta para pagar. Poderia verificar? Posso depositar na conta aqui de alguém do Brasil?” f) - Em resposta a Drª CC, ainda no dia 5 de fevereiro de 2021, remeteu mail para o endereço ..........@....., com o seguinte teor: “Não vai pagar nada!” g) –“A advogada CC reencaminhou também nessa data os emails trocados com a aludida UU, atrás aludidos, para o endereço ..........@..... e, certamente por descuido, também para o endereço ..........@.....”. Tais factos foram alegados nos arts 79º a 83º e 87º a 90 da petição inicial e correspondem à transcrição dos emails juntos como docs nº35 e 39, cuja nulidade probatória o tribunal recorrido declarou e, por isso, não considerou como meios de prova dos factos alegados. A recorrente pretende que sejam dados como provados, defendendo que tais emails constituem meios de prova válidos. Mas acrescenta que ainda que tal não suceda, tal factualidade deve ser dada como provada com base nos depoimentos prestados por KK (minutos 01:20:00a 01:21:00 do segundo ficheiro) e YY (minutos 00:43 a 00:44 e 00:52 a 00:54), que revelaram conhecimento direito de tais emails e do seu teor. Ora, em sede de questão prévia confirmou-se a decisão do tribunal recorrido que declarou a nulidade probatória dos docs nº 35º e 39º juntos pela Autora, explicitando-se que tal nulidade implica, não só a desconsideração como meio de prova de tais emails, mas também dos demais meios de prova assentes, direta ou indiretamente, no conhecimento dos mesmos. Assim sendo, tal factualidade tem que manter-se como não provada, pois as testemunhas KK e YY nos seus depoimentos, o que conhecimento que demostraram de tais factos adveio-lhe da leitura de tais emails. C- A recorrente defende que devem ser dados como provados os seguintes factos que o tribunal a quo julgou como não provados: - “Na sequência da cessação do contrato por parte da 1ª Ré, a 2ª Ré garantiu perante o representante da única sócia da Autora e colegas de outras empresas do grupo, que partilhavam o mesmo espaço de trabalho, que com a saída daquela não ficava comprometida a entrega das declarações modelo 22 dos clientes da empresa.” - “Nada fez para que as entregas de tais declarações fossem efetuadas no prazo legal”. - “Foram 8 os funcionários doutras empresas do grupo que trabalharam na segunda quinzena de julho de 2020, para que as ditas declarações fossem entregues à Autoridade Tributária dentro do prazo legal e que realizaram centenas de horas extraordinárias”. Sustenta que tal factualidade resulta inequivocamente demonstrada dos depoimentos prestados pelas testemunhas KK (minutos 01:10:50a 01:13:00 do segundo ficheiro), YY (minutos 00:17 a 00:19) e EE (minutos 00:12 a 00:14), conjugados com os documentos juntos com a p.i. relativos à baixa por doença apresentada pela Ré BB, pelo que deve modificar-se nesta parte a decisão proferida quanto à matéria de facto, dando-se tal factualidade como provada. Como dissemos ouvimos integralmente todos os depoimentos e, fazendo uma apreciação critica global entendemos que não foi feita prova suficiente de tais factos. Quanto à actuação da R. BB, o que resulta da conjugação dos depoimentos das testemunhas indicadas com o depoimento da própria, é que esta aquando da saída da AA disse que faria o que pudesse para que as declarações Modelo 22 fossem entregues em prazo, não que tenha dado qualquer garantia nesse sentido. Mais se apurou que na altura KK colocou os trabalhadores da sociedade de insolvência de que é titular e que funcionava nas mesmas instalações que a Autora a ajudar no serviço desta, mas apenas auxiliaram no arquivo da documentação porque não sabiam fazer lançamentos contabilísticos, como referiram as testemunha YY e a R. BB, não resultando da prova produzida nem o número exato dos trabalhadores que fora adstritos ao serviço da Autora, nem o número de horas de trabalho que fizeram, sendo que neste aspecto a própria alegação é vaga (centenas de horas). A R. BB a este propósito disse “ficou tudo comigo”, querendo dizer que ficou sobrecarregada porque era a única que tinha competência técnica para as funções, pois mesmo as duas trabalhadoras contratadas em Abril para a Autora precisavam de supervisão, e como há já vários meses que estavam com excesso de trabalho, acabou por adoecer. Pelo exposto, mantém-se como não provados os factos em análise. D - A A./ recorrente pretende igualmente que sejam dados como provados os seguintes factos que o tribunal recorrido considerou não provados: - “Em julho de 2020 o valor das avenças mensais dos clientes da Autora que se encontravam em dívida perfaziam o montante global de € 62.372,62 (sessenta e dois mil trezentos e setenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos), nos termos discriminados na tabela anexa sob o documento nº 88.” - “As avenças devem ser pagas no máximo até ao fim do mês a que dizem respeito”. Na motivação o tribunal a quo referiu que não foi feita prova crível sobre o valor das avenças em dívida à Autora considerando que a tabela junta como documento nº 88 onde constam os valores alegadamente em dívida elaborada por KK merece a mesma credibilidade do seu autor: nenhuma. Tanto mais que inclui as empresas do próprio KK, certamente para engrossar o total. A recorrente com vista à alteração da decisão neste ponto indicou passagens dos depoimentos das testemunhas KK e YY e argumenta que a dita tabela inclui, quer as mensalidades do mês de julho, quer as mensalidades de meses anteriores, de todas as empresas clientes que eram clientes da A., incluindo as demais empresas participadas por KK porque tal como as restantes pagavam avença mensal. Em seu entender, tal tabela conjugada com a prova produzida na audiência constitui prova bastante de que o valor das avenças em dívida corresponde ao alegado no art. 127º da petição inicial. KK, que exerce funções de administrador judicial, disse a este respeito que durante a pandemia de Covid 19 os processos de insolvência pararam e começou a dedicar mais tempo à gestão da Autora, tendo verificado que havia clientes com 5/6 meses de avenças em atraso e que alguns não eram avisados, nem eram feitas atualizações, rondando € 24.000,00 os valores em dívida relativos aos meses anteriores; que determinou fosse enviado um mail a todos os clientes como mais de 3 meses em atraso, com a advertência de suspensão dos serviços se não pagassem, que uma parte pagou e têm 8/9 processos para cobrança nos julgados de paz dos clientes que saíram; que elaborou o documento nº 88 para a propositura da presente ação, sendo nessa data o valor em dívida de € 62.372,00 e foi preciso ver o que cada cliente tinha pago porque não havia um mapa de pagamentos; e ainda que só emitiam a factura / recibo quando os clientes liquidavam para não os estarem a financiar. O depoimento da testemunha YY nesta matéria tem pouca relevância, pois não revelou qualquer conhecimento direto dos valores em dívida, era trabalhadora da Bq..., Unipessoal, Lda, limitou-se a dizer que quando no decurso da pandemia KK tomou as rédeas da Autora verificou que havia valores elevados em dívida e que alguns clientes não eram notificados para pagar, tendo dado instruções para que os clientes com mais de três meses em dívida fossem notificados para pagar, sob pena de renúncia ao contrato, e que todos os que não saíram pagaram, tendo o mesmo elaborado um mapa com os valores em aberto. As Rés AA e BB disseram que a Autora reclama avenças de empresas, nomeadamente imobiliárias, controladas por KK que eram criadas com a finalidade de efetuar vendas imobiliárias com isenção de IMT e não pagavam avença e que os seus familiares também não pagavam. Vejamos Os termos usados pelo tribunal recorrido não foram os mais adequados, mas não temos dúvidas de que o documento nº 88 não constitui prova suficiente do montante das avenças em dívida. Aliás, a própria alegação do art. 127º é conclusiva, o que a Autora devia ter alegado era o valor em dívida por cada cliente e não o valor total. E com o devido respeito, o documento elaborado para a ação por KK e o seu depoimento, manifestamente interessado, pois, como se provou, é o gerente de facto da Autora, não bastam para demonstrar o montante das avenças em dívida por cada cliente. Sem curar aqui de saber se a Autora devia ou não emitir mensalmente as facturas dos valores em débito, o certo é que não as tendo emitido devia juntar outros documentos, como, por exemplo, os contratos e interpelações para pagamento que provassem os montantes em dívida por cada cliente. Um pedido indemnizatório não pode sustentar-se numa mera tabela elaborada para a propositura da ação, sem quaisquer outros documentos de suporte que atestem o valor em dívida e a falta de pagamento por parte de cada cliente. No que concerne à data de pagamento das avenças, quer dos contratos de prestação de serviços juntos aos autos (docs nºs 89 a 93º juntos com a p.i) quer do depoimento da testemunha YY, resulta que deviam ser liquidadas até ao dia 8 ou 10 do mês seguinte àquele a que diziam respeito. Pelo exposto e, sem necessidade de mais considerações, mantêm-se como não provados os factos em apreço. E- Factos considerados irrelevantes (artigos 29º a 31º e 74º a 78º da petição inicial) A recorrente sustenta que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a factualidade alegada nos artigos 29º a 31º e 74º a 78º da p.i., por a considerar irrelevante, mas devia tê-lo feito porque tais artigos, embora podendo considerar-se instrumentais, não deixam de ser relevantes para a boa decisão da causa, pelo que o tribunal deveria ter conhecido dos mesmos, dando-os como provados ou como não provados. Acrescenta que não tendo conhecido de tal factualidade, a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia. E caso se considere que tal omissão não consubstancia nulidade, deverão tais factos ser dados como provados, atenta a prova produzida, resultando os factos alegados nos artigos 29º a 31º do documento nº 8, junto com a petição, que não foi impugnado, e os factos alegados nos artigos 74º a 78 º das passagens dos depoimentos de KK, YY e ZZ, que localiza na gravação, e dos documentos juntos sob os nºs 30 a 33 da petição inicial. Atentando nos arts 29º a 31º da petição, vemos que se reportam ao teor de uma carta dirigida pela R. AA à Ordem dos Contabilistas Certificados, dando conta das circunstâncias em que, no seu entender, tinha deixado de exercer funções para a Autora, e requerendo autorização para em virtude dessa cessação de funções recusar a assinatura das declarações fiscais dos clientes da mesma, tendo a Ordem notificado a Autora para exercer o contraditório. Tal carta não foi junta aos autos, mas o seu conteúdo é mencionado na notificação feita pela Ordem dos Contabilistas Certificados à Autora (documento nº8), porém, salvo o devido respeito por diferente entendimento, o tribunal não tinha de se pronunciar sobre a mesma. A pronúncia do tribunal sobre os factos relativos à cessação do contrato de trabalho da R. AA foi vertida nos nºs 8 a 10, 103 e 104 da factualidade provada e nos dois primeiros pontos da factualidade não provada. Aliás, a Autora não indica qualquer razão para a alegada relevância para a decisão da causa da referida carta dirigida pela R. AA à Ordem dos Contabilistas. Quer essa carta, quer a resposta dada pela Autora à notificação da Ordem, transcrita no art. 32º da petição inicial, são elementos probatórios que o tribunal ponderou conjuntamente com os outros meios de prova para decidir como cessou o contrato de trabalho da R. AA. Sobre os factos instrumentais, veja-se Abrantes Geraldes e Outros, in Código de Processo Anotado, Vol.1, 2ª ed., 2021, p.32, onde se explicita “Quanto aos factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de outros de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção) não há ónus de alegação, nem sequer qualquer tipo de preclusão, pelo que poderão ser livremente averiguados e discutidos na audiência final em torno da produção e valoração dos meios de prova e em face dos temas da prova que tenham sido enunciados. Sobre os mesmos não tem de de existir necessariamente uma pronúncia judicial, na medida em que apenas sirvam de apoio à formação de apoio à formação da convicção acerca da restante factualidade, máxime, quando a partir deles, se possam inferir outros factos mediante presunções judicias (arts. 607º, nº4 e 5, nº2, al.a)), situações em que basta que sejam enunciados na motivação da sentença (cf. anot. aos arts. 186º, 552º e 607º). O que fica dito vale igualmente para os factos alegados nos arts 74º a 78º da petição inicial. O tribunal pronunciou-se sobre os factos atinentes à cessação do contrato de trabalho da R. BB constando nos nºs 51 a 56 dos factos provados. O demais alegado, nomeadamente a invocada desconfiança do legal representante da única sócia da Autora (KK) de que as Rés estavam a agir de forma concertada, com o objetivo de iniciarem atividade similar à da A. por conta própria, desviando parte dos clientes desta, além de ter cariz conclusivo, não tem interesse para a decisão da causa. Com efeito, o trabalhador pode denunciar o contrato de trabalho a qualquer momento, sem necessidade de indicar qualquer motivação, e a concorrência ilícita mediante desvio de clientes exige a alegação e prova da prática de actos concretos dessa natureza por parte das Rés, a mera desconfiança da prática desses actos (alegada no art. 78º) é juridicamente irrelevante, por isso, não existiu qualquer omissão de pronúncia por parte do tribunal quanto a factos relevantes para a decisão, nada havendo a acrescentar à decisão da 1ª instância em sede de matéria de facto que não é nula, nem enferma de insuficiência. Intervenção oficiosa na fixação da matéria de facto No seguimento do alteração do nº104 dos factos provados e afigurando-se-nos relevante ficar a constar na factualidade provada o contexto em que foi subscrito o “Acordo de Cessação de Vínculo Laboral” junto pelas Rés com a contestação, com base nas declarações destas que tivemos como credíveis, ao abrigo do art. disposto no art. 662º, nº1 do C.P.Civil, adita-se oficiosamente o seguinte facto à matéria de facto provada, sob o nº 105. 105. Após a referida reunião, ainda ano dia 6.7.2020, a Ré AA com o intuito de formalizar o que havia sido acordado verbalmente elaborou o documento que denominou “Acordo de Cessação de Vínculo Laboral”, junto com a contestação como doc. nº1, que apresentou à Ré BB e esta subscreveu-o, na qualidade de gerente da Autora, sem dar conhecimento a KK. Resumindo e concluindo, mantém-se o quadro factual fixado pelo tribunal a quo, com a sobredita alteração ao nº 104 dos factos provados e o aditamento do nº105, cujo teor aqui se reproduz: 104. No seguimento dessa entrega, a 1.ª R., a 2.ª R. e o referido KK reuniram-se no próprio dia 6 de Julho de 2020, tendo ficado entre eles verbalmente acordado o seguinte: - A 1ª R. deixava de trabalhar para a Autora naquela data e comunicava de imediato a cessação de funções de contabilista certificada dos clientes da Autora à Autoridade Tributária. - A 1ª R. ficava em gozo de férias até 31/07/2020, data em que cessava o contrato de trabalho. - O pagamento pela Autora à 1.ª Ré da quantia líquida de 3.083,30€, relativa aos créditos laborais calculados até 31/07/2020, incluindo indemnização por férias não gozadas. 105. Após a referida reunião, ainda ano dia 6 de Julho de 2020, a Ré AA com o intuito de formalizar o que havia sido acordado verbalmente elaborou o documento que denominou “Acordo de Cessação de Vínculo Laboral”, junto com a contestação como doc. nº1, que apresentou à Ré BB e esta subscreveu-o, na qualidade de gerente da Autora, sem dar conhecimento a KK. * Fundamentação de direitoDa concorrência desleal das Rés Antes de entramos na apreciação da questão propriamente dita, analisemos o quadro normativo aplicável. Mercê da celebração do contrato de trabalho, nascem na esfera jurídica do trabalhador (tal como na do empregador) deveres e direitos. Entre esses deveres elencados no art. 128º, nº1 do C.Trabalho, consta na alínea f), o dever de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios . Significa isto que o trabalhador está proibido por lei de desenvolver qualquer atividade para outra empresa, ou por conta própria, que entre em concorrência com a desenvolvida pelo seu empregador e que de alguma forma represente ou possa representar um perigo de desvio, mesmo que potencial, de clientela. Este dever de lealdade do trabalhador para com o empregador, que corresponde a uma obrigação acessória de conduta, nada mais é do que uma manifestação do princípio da boa-fé que deve estar presente não só no cumprimento da obrigação, mas também no exercício do direito correspondente (artigo 762º, nº 2 do CC e 126º, nº 1 do Código do Trabalho), assumindo uma especial importância nos contratos sinalagmáticos de execução duradoura onde a índole pessoal nas relações entre as partes é crucial - como é caso do contrato de trabalho. Por força de tal dever de lealdade o trabalhador tem a obrigação de proteger ou defender os interesses do empregador, bem como direcionar todos as suas forças laborais para a atividade profissional desenvolvida ao serviço deste, abstendo-se, em último caso, de competir com ele. O dever de lealdade do trabalhador para com o empregador manifesta-se em duas vertentes: uma obrigação de não concorrência - não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele - e uma obrigação de sigilo - não divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios. E a obrigação ou dever de não concorrência impõe-se na vigência do contrato tanto nos casos em que o trabalhador desenvolve por si uma atividade concorrente com a atividade desenvolvida pelo seu empregador, como nos casos em que o trabalhador se organiza numa empresa que concorra com aquele. Tal obrigação não obsta a que o trabalhador possa exercer outra atividade que cumule com a atividade subordinada, desde que o faça fora do local e do horário de trabalho e que tal atividade não concorra com a do empregador e não ponha em causa o sigilo no que concerne a informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios e que as partes não tenham acordado numa cláusula de exclusividade, caso em que está vedado ao trabalhador desenvolver outra atividade ou prestar o seu trabalho a terceiros. Nas palavras de Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 11ª ed., 2023, pág. 509, «Esta proibição de concorrência justifica-se por motivos óbvios. A contratação de trabalhadores não é, nem pode ser, entendida como um risco de concorrência. Os interesses económicos de uma empresa não devem ser prejudicados pelo facto de terem sido contratados trabalhadores. Se alguém contrata trabalhadores, não pode estar sujeito ao risco de estes entrarem em concorrência com a sua atividade. Os trabalhadores encontram-se numa situação privilegiada para entrarem em concorrência com o empregador, pois, em princípio, conhecem a clientela, muitas vezes melhor que o próprio empregador, visto que têm contacto direto com os clientes. Além disso, o trabalhador adquire, junto do empregador, os conhecimentos técnicos necessários ao desenvolvimento daquela atividade, e, se entrar em concorrência com o empregador, por via de regra, não suportar os gastos empresariais. Tendo em conta o facto de o trabalhador se encontrar numa posição privilegiada para concorrer com o empregador, pretendeu-se salvaguardar a confiança necessária à prossecução da relação laboral, o legislador proibiu qualquer atuação concorrencial. Em princípio, a proibição de concorrência só se mantém enquanto a atividade laboral perdura, cessando a relação de trabalho não subsiste o dever de não concorrência, sendo frequente que o trabalhador tendo feito cessar o contrato, se instale por conta própria com base nos conhecimentos, mormente de clientela, obtidos durante a execução da relação laboral.» Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Vol I, Coimbra Editora, 2007, p. 609, escreve « Durante a vigência do contrato de trabalho, o trabalhador acha-se sujeito a uma obrigação de não concorrência com o seu empregador, obrigação esta de conteúdo bastante amplo, mas que se extingue com a cessação do contrato. Terminado o contrato de trabalho, o trabalhador readquire a sua liberdade de trabalho- e de empresa, podendo, por conseguinte, iniciar legitimamente uma actividade, por conta própria ou alheia, concorrente com o seu anterior empregador, sempre dentro dos limites gerais impostos pela proibição de concorrência desleal.» Diferentemente da obrigação de não concorrência que decorre do art. 128º, nº1, al.f) do C.Trab., a concorrência desleal é a concorrência contrária às normas e usos honestos de qualquer ramo e actividade económica vedada a qualquer agente económico, pressupõe que o trabalhador desenvolva uma actividade que prejudique o seu ex-empregador, utilizando para o efeito, meios irregulares do ponto de vista mercantil ou industrial, enquadráveis na previsão do art. 311º do Código da Propriedade Industrial. O que se proíbe ou sanciona na concorrência desleal são as condutas desleais na disputa pela clientela. Esta situa-se no âmbito de normas de conduta e não de direitos subjetivos; visa a protecção dos interesses do mercado e dos empresários. Destarte, durante a execução do contrato de trabalho vigora a obrigação de não concorrência por parte do trabalhador, como corolário do dever de lealdade deste para com o empregador. Findo o contrato de trabalho, impera o princípio da liberdade de emprego e de trabalho, consagrado no art. 47º, nº1 da CRP e o trabalhador pode desenvolver uma actividade económica concorrencial com o seu ex-empregador. Mas a liberdade de emprego e de trabalho do trabalhador após a cessação contrato de trabalho não é absoluta, é sempre limitada pela proibição geral da concorrência desleal e pode sê-lo também se trabalhador e empregador firmarem um pacto de não concorrência, obedecendo aos requisitos formais e materiais previstos no art. 136º, nº2 do C.Trab. A finalidade do pacto de concorrência é proteger a liberdade de empresa e salvaguardar os interesses empresariais, nomeadamente os competitivos, sem os quais poderiam ficar em perigo, pois o trabalhador é sempre um fator potencial de risco já que o mesmo pode sempre desenvolver (dentro dos limites da boa fé contratual, assim se excluindo dessa concorrência a que deriva da deslealdade) uma atividade concorrente com a do antigo empregador, seja ela por conta própria ou por conta de outro empregador. Assim, por acordo de vontade do trabalhador e do empregador pode-se estabelecer para o período pós-laboral uma obrigação de não concorrência. Este pacto de não concorrência constitui uma restrição ou limitação à liberdade de iniciativa económica e de recrutamento do trabalhador para o bem da proteção de um interesse privado do empregador. Interesse privado do empregador que tem a sua justificação na salvaguarda do know-how empresarial, conservação de conhecimentos relativos a mercados específicos e na manutenção de clientes importantes. Na eventualidade de ter sido acordado um pacto de não concorrência, o trabalhador, mesmo depois de extinta a relação laboral não poderá, durante um determinado período temporal (no máximo dois anos, e excecionalmente, até três anos) desempenhar uma atividade concorrente da desenvolvida pelo antigo empregador. Parte da doutrina defende que mesmo não sendo firmado pacto de não concorrência entre o empregador e o trabalhador existem certos deveres do trabalhador que não se extinguem com o fim da relação laboral, reconhecendo uma pós-eficácia do dever de lealdade e de boa-fé para com o trabalhador. Sofia Silva e Sousa diz que «ainda que não se tenha formalizado um pacto de não concorrência, ao ex-trabalhador fica vedado praticar atos de concorrência desleal ou de violação de segredo continuando sujeito a limites que decorrem da boa-fé contratual à qual reconhecemos pós-eficácia» cf. Obrigação de não concorrência com efeitos post contractum finitum, pág. 22, consultável em https://mail.google.com/mail/u/0/#inbox/150e4945edb0617b?projector=13. Maria do Rosário palma Ramalho, in Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 1036/1037, salienta que «[c]om fundamento no princípio geral da boa fé no exercício das posições jurídicas, entende-se que alguns deveres das partes se mantêm após cessação do contrato de trabalho. Assim sucede, designadamente, quanto ao dever de sigilo e, mesmo sem necessidade de qualquer pacto, quanto ao dever geral de não concorrência do trabalhador, na pendência do contrato, […], que sobrevivem ao fim do contrato vedando ao trabalhador que faça concorrência desleal ao seu antigo empregador e que divulgue factos sigilosos de que teve conhecimento no exercício da sua atividade laboral na empresa e por causa dessa atividade. E, com o mesmo fundamento geral, é vedado ao empregador revelar factos da vida pessoal do trabalhador de que teve conhecimento por força do vínculo laboral. Estes deveres das partes são, neste sentido, dotados da característica da pós-eficácia». Admite-se que o princípio geral da boa fé possa, em certas circunstâncias, respaldar uma pós -eficácia mitigada do dever de lealdade, no entanto, essa pós- eficácia não pode impedir o trabalhador de exercer livremente a sua atividade profissional após a cessação do contrato, sob pena de inconstitucionalidade por violação da liberdade de trabalho e profissão garantida pelo art. 47º, nº1 da CRP, mas já poderá justificar que o trabalhador no exercício da sua atividade profissional permaneça adstrito a não divulgar e /ou utilizar as informações e ou conhecimentos excluídos da sua bagagem profissional- cfr. João Pedro Vicente Camilo, Liberdade de Trabalho e Concorrência Laboral/ Dever de lealdade pós-eficaz? Tese de Mestrado de 2018, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Júlio Gomes, a este propósito, in As cláusulas de não concorrência no direito do trabalho - Algumas questões, in RDES, Ano XXXX (XIII da 2ª Série) - nº 1, Janeiro-Março 1999, pp. 12-13, refere que «[i]mporta, quanto a nós, afastar qualquer tentação de basear um dever de não concorrência numa espécie de pós-eficácia do dever de lealdade do trabalhador, a qual sobreviveria, ainda que de forma atenuada, à cessação do contrato de trabalho. Mais ainda, parece-nos que, na ausência de uma cláusula de não concorrência, o trabalhador está apenas sujeito aos limites gerais da proibição da concorrência desleal, proibição esta que abrange por igual ex-trabalhadores e todos os que nunca tiveram essa qualidade relativamente a uma certa empresa». Na verdade, o facto de o legislador exigir a existência de um acordo formal e expresso entre as partes, cuja validade depende, além do mais, da verificação de “apertados” requisitos legais, parece impedir que se possa entender que os deveres que advêm do pacto de não concorrência decorrem da pós-eficácia do dever de boa-fé, já que se assim fosse o legislador não exigiria a existência de um acordo formal e expresso entre as partes. Acresce que, a atividade limitada pelo pacto de não concorrência é uma atividade cuja prossecução, na ausência de pacto, seria, em princípio, lícita por parte do ex-trabalhador, não sendo, portanto, violadora de qualquer disposição legal especial ou do princípio da boa-fé. Assim, importará sublinhar que o reconhecimento da pós-eficácia do dever de boa-fé não é apto a dispensar a formalização do pacto de não concorrência já que só este protege verdadeiramente o empregador da concorrência diferencial do ex-trabalhador. Visto assim em traços largos o quadro normativo aplicável, vejamos, se no caso aa RR. violaram a obrigação de não concorrência durante a vigência dos contratos de trabalho ou, após, a cessação dos mesmos fizeram concorrência desleal à Autora. A recorrente discorda da análise jurídica do tribunal recorrido, sustentando grande parte da sua argumentação na pretendida alteração da decisão da matéria de facto, que não obteve acolhimento, com exceção da referida alteração ao ponto 104º dos factos provados. Mas, tal alteração não modificou a data da cessação do contrato de trabalho da R. AA que ocorreu em 31.7.2020 por estipulação das partes, as quais fixando tal data para a cessação do contrato acordaram verbalmente uma redução do período de aviso prévio. No entanto, também argumenta que mesmo não procedendo no sentido por si preconizado a alteração do ponto 104 da matéria de facto a situação continua a configurar concorrência desleal, porquanto as rés procederam a angariação de clientes da Autora enquanto ainda vigoravam os seus vínculos laborais com esta e, de todo o modo, usando para o efeito informação reservada da Autora, a que só tiveram acesso para o exercício da sua atividade profissional, enquanto colaboradoras desta. Em seu entender, o Mº Juiz “a quo” desvalorizou quer a remessa por parte da Ré AA, a todos os clientes da Autora, em 6/7/2020, da comunicação junta com a p.i. sob o documento nº 7, quer a utilização para o efeito dos endereços eletrónicos destes, a que teve acesso enquanto funcionária da Autora e apenas para o exercício das suas funções. Sustenta que a R. AA praticou um ato ilegal e ilegítimo ao remeter a todos os clientes da Autora tal comunicação que se traduz num convite sub-reptício para trabalharem com ela, ou, no mínimo, em colocar-se à disposição para lhes prestar todo o apoio e esclarecimentos. Acrescenta que, contrariamente ao que refere o Mº Juiz “a quo”, tal comunicação não é lícita, nem se impunha, pois, se alguém teria de comunicar aos seus clientes que Ré AA deixou de ser a responsável pelas suas contabilidades era a Autora e não a própria Ré AA e que se os mesmos carecessem de qualquer esclarecimento profissional não era a Ré AA que deveria – ou poderia – dá-lo, mas, sim, a Autora, através dos seus colaboradores. É manifesto que a Ré AA quis dar a conhecer- e fê-lo logo no início de agosto de 2020- às empresas clientes da Autora que já não trabalhava para esta e, portanto, estava livre; que deixava de ser contabilista certificada das empresas, mas que mesmo assim, continuava disponível para lhes prestar apoio e dar-lhes esclarecimentos. E que tal comunicação deverá conjugar-se com as comunicações que a Autora começou a receber a partir de 5 de agosto de 2020, todas exatamente com o mesmo teor (Documentos nºs 10, 11 e 12 juntos com a p.i.), de clientes a revogar o contrato de mandato que com ela haviam celebrado para a prestação de serviços de contabilidade e assessoria fiscal, e com os documentos remetidos pela Ré AA à nova Contabilista Certificada da Autora, entre outras, as comunicações juntas com a p.i. sob os documentos nºs 13 a 28, informando-a que havia sido contactada pelos clientes da Autora mencionadas em tais missivas para assegurar os seus serviços de contabilidade, assessoria fiscal e desempenho de função de Contabilista Certificada, a partir de 1 de agosto de 2020. Tais comunicações demonstram claramente que, pelo menos, com os clientes referenciados em tais cartas, já existiam contactos, anteriores a 1 de agosto de 2020, com vista ao exercício das aludidas funções – doutro modo não se compreende que o início das funções seja reportado a 1/8/2020. Mais refere que de toda a enumerada documentação com o email junto sob o documento nº 35, enviado às Rés pelas representantes das empresas “K..., Lda” e “J..., Lda”, no qual com um tratamento muito afetuoso e revelador de grande proximidade (“Boa tarde, queridas”), informa as Rés duma reunião que realizou com o Dr. KK, reencaminha-lhes o email que este lhe enviou com a resenha dessa reunião e afirma “(…) adianto que a minha posição está mantida convosco”, mais reforçada fica a tese da existência de contactos entre as Rés e clientes da Autora, no sentido de deixarem de ser clientes desta e passarem a ser clientes daquelas. E que de tal, conjugado com o email junto sob o documento número 39 e com os documentos números 36 a 38, todos juntos com a p.i., dúvidas não restam de que estamos perante uma atuação conjugada, em conluio, de ambas as Rés, que as Rés ficaram com clientes da Autora, adotando para o efeito uma atuação ilícita, contrária às normas e usos honestos, independentemente da data que venha a considerar-se como data de cessação dos respetivos contratos de trabalho com a Autora. Nas contra-alegações as recorridas, contrapõem que: a R. AA através da referida comunicação de mail que no local destinado a Assunto identificou como “Comunicado” se destinou apenas a dar a conhecer às entidades para quem tinha funções como contabilística certificada que, desde 6 de Julho de 2020, não tinha mais essa função na recorrente por ter rescindido o contrato; tal comunicação é tão só o cumprimento de um dever ínsito no art. 72º dos Estatutos dos TOC, segundo o qual é dever do contabilista certificado desempenhar conscienciosamente as suas funções e prestar informações e esclarecimentos nos termos do Código Deontológico que no art. 11º concretiza esses deveres de informação; que não há qualquer comunicação do início de agosto em que a R. AA diga que está livre, as comunicações da R. AA, a primeira delas, datada de 5 de agosto de 2020, são efetuadas no seguimento de rescisões de clientes da Autora; que os autos não demonstram quaisquer factos que permitam concluir pela incorrecta e ou desonesta utilização de elementos pertença da recorrente pelas RR, que tenham sido obtidos ao seu serviço; pese embora a recorrente se refira igualmente à R. BB não é capaz de lhe imputar o que quer que seja, e os documentos de que se socorre são precisamente os documentos nº 35 e 39 da petição, já considerados prova nula. Na sentença fez-se constar o seguinte sobre esta questão: «A autora acusa as rés de, ilicitamente, desviarem a sua clientela em proveito próprio. No art 128º, 1, f), CT entre os deveres do trabalhador encontra-se o de guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele. A violação desta obrigação, como das outras, pode gerar o dever de indemnizar o empregador pelos prejuízos sofridos - art. 323º CT. A autora alegou que a ré AA assumiu para si a prestação de serviços de contabilidade de vários clientes da autora. Como o demonstram as várias mensagens electrónicas dirigidas a EE em que dá conta disso e, em cumprimento do nº 2 do artigo 16º do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, pergunta se há quantias em dívida desses clientes. Sucede que a primeira dessas mensagens é de 5/8/2020. E, como se provou, o contrato de AA findou em 31/7/2020 por força do acordo de revogação. Findo o contrato de trabalho extinguem-se as correspondentes obrigações do trabalhador. Incluindo o dever de se abster de concorrer com o empregador. Salvo se existisse algum pacto de não concorrência firmado ao abrigo do disposto no art. 136º CT. Porém, nada foi alegado a esse propósito. Verdade que a ré AA ainda em 6/7/2020, portanto, na pendência do contrato de trabalho, remeteu aos clientes da Autora, de quem era contabilista certificada, comunicação a informar que havia rescindido o contrato de trabalho com esta, no dia 6 de julho de 2020, não exercendo, desde essa data, as funções de contabilista certificada da empresa . E colocou-se à disposição para lhes prestar todo o apoio necessário e demais esclarecimentos, indicando-lhes para o efeito os seus contactos. Ora, tal comunicação não só é lícita como se impunha. Na verdade, era a contabilista certificada de várias empresas. Por isso, estava encarregada de tratar de assuntos de suma importância como o são a contabilidade e o fisco. Pelo que ao deixar de ser a contabilista certificada das empresas devia informá-las desse facto. E o colocar-se à disposição para lhes prestar todo o apoio necessário e demais esclarecimentos, indicando-lhes para o efeito os seus contactos, nada mais significa do que isso. Não é um convite para deixarem a autora e passarem a trabalhar para a ré. Portanto, findos os contratos de trabalho entre autora e rés ficaram estas livres de trabalhar em concorrência com a autora, designadamente através da angariação para si dos clientes da autora. Pois, a concorrência em si é lícita. Só não o será se os meios utilizados para o desvio da clientela forem atentatórios dos honestos usos do comércio. Isto é, se houver concorrência desleal. Esta não é permitida nem a ex-trabalhadores, nem a qualquer outro concorrente. A figura da concorrência desleal está prevista no art. 311º do Código de Propriedade Industrial: “1 - Constitui concorrência desleal todo o ato de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica, nomeadamente: a) Os atos suscetíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue; b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma atividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes; c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios; d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas atividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela; e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adotado; f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento.” Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/6/2018, citado pela autora na p.i.: “A jurisprudência vem considerando que haverá direito de indemnização se o desvio de clientela for causado por uma conduta contrária às normas e usos honestos, mediante um comportamento desleal, importando aqui a deslealdade do meio utilizado, uma atuação desonesta e, como tal, inaceitável para o direito” E ainda: Os “ex-trabalhadores não incorrem em concorrência desleal se, embora angariando clientes que eram da autora e levando-os a vincular-se à sua nova empregadora (mesmo que constituída e gerida por familiares seus), não se mostra que tal tenha ocorrido antes da extinção do vínculo laboral, nem que para tanto tenham usado meios desleais, designadamente enganando os clientes ou usando informação reservada da autora ou cujo acesso não lhes tivesse sido facultado para o exercício comum da sua prestação laboral anterior”. Ora, dos factos provados não decorre que as rés usaram meios desonestos para aliciar os clientes da autora. Nem a utilização de endereços electrónicos dos clientes da autora (designadamente para a 1ª ré comunicar que deixou de ser contabilista certificada deles), que as rés souberam porque foram trabalhadoras desta, é um acto de concorrência desleal. Isso não é uma informação confidencial ou reservada. Saber um endereço electrónico equivale a saber um número de telefone ou uma morada de uma rua. E os endereços electrónicos não são da autora. São dos clientes. Não houve aqui qualquer concorrência desleal. Nem a autora provou nada que se possa considerar como tal. Pelo que improcedem os pedidos formulados nas alíneas A) e F).» Desde já adiantamos que se nos afigura correcta a argumentação e a solução alcançada pelo tribunal a quo, que se mostra conforme com o quadro legal supra enunciado. E antes de mais importa sublinhar que os únicos factos atendíveis para a decisão são os constantes da decisão da matéria de facto do tribunal recorrido com a sobredita alteração do nº 104 dos factos provados e não quaisquer outros a que a A. faz referência como resultando dos documentos nºs 35º e 39º cuja nulidade probatória foi declarada pelo tribunal a quo e mantida por este tribunal de recurso, e dos documentos nº 36 a 38 que certamente serviram como meio de prova para o facto nº57 que não foi impugnado e, por isso, só o que aí consta será considerado. Posto isto, considerando o nº 81 dos factos provados é evidente que até 19.5.2021 treze clientes da Autora transitaram para a 1ª Ré, que passou a ser a contabilista certificada dos mesmos, sendo que por força do disposto no art.74º, nº2 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados e do art. 16º nº1 do respectivo Código Deontológico, a 1ª R. estava obrigada a fazer previamente, como fez (nºs 27 a 44 dos factos provados) a comunicação à contabilista certificada da Autora EE que assumiu tais funções após a sua saída, com vista a certificar-se de que os honorários e despesas devidas por tais clientes à A. se encontravam pagos, verificando-se que em relação a quatro deles a 1ªR fez a comunicação e depois não assumiu as funções de contabilista certificada. Por outro lado, também, não restam dúvidas, de que a R. AA apenas assumiu a contabilidade dos clientes da A. após a cessação do seu contrato de trabalho que ocorreu em 31.7.2020, pois, como resulta do nº104 dos factos provados, assim foi acordado no dia 6.7.2020 entre a própria, o KK(gerente de facto da A.) e BB(à data gerente de direito). Mas a Autora além de invocar que as Rés procederam a angariação de clientes da Autora enquanto ainda vigoravam os seus vínculos laborais, o que não ficou demonstrado, sustenta também que para o efeito usaram informação reservada, a que só tiveram acesso para o exercício da sua atividade profissional. Em seu entender, a R. AA praticou um ato ilegal e ilegítimo ao enviar a todos os clientes a comunicação junta com a p.i. sob o documento nº 7, utilizando para o efeito os endereços eletrónicos destes, a que teve acesso enquanto funcionária da Autora e apenas para o exercício das suas funções, apropriando-se dos mesmos e utilizando-os sem a autorização ou conhecimento da R., e acrescenta que tal comunicação traduz uma conduta desonesta, traduzindo-se num convite sub-reptício da R. AA para os clientes da A. para trabalharem com ela, pois, se alguém tinha que comunicar a sua saída aos clientes era a A. e se algum apoio ou esclarecimento profissional carecesse alguma das clientes da Autora, não era a Ré AA quem deveria – ou poderia – dá-lo, mas, sim, a Autora, através dos seus colaboradores, discordando do tribunal que considerou que tal comunicação foi lícita e se impunha, pois a R. AA como contabilista certificada estava encarregada de tratar assuntos de suma importância de várias empresas, como o são a contabilidade e o fisco e, por isso, não podia deixar de informá-las que deixara de prestar funções para a A. e colocar-se à disposição para prestar o apoio necessário e demais esclarecimentos. A factualidade provada neste particular sob os nº 19 a 22, é a seguinte: - A 1ª Ré remeteu aos clientes da Autora, de quem era contabilista certificada, comunicação a informar que havia rescindido o contrato de trabalho com esta, no dia 6 de julho de 2020, não exercendo, desde essa data, as funções de contabilista certificada da empresa. - Na mesma comunicação a 1ª Ré colocou-se à disposição dos referidos clientes da Autora para lhes prestar todo o apoio necessário e demais esclarecimentos, indicando-lhes para o efeito os seus contactos. - A 1ª Ré remeteu tais comunicações por e-mail, logo nos dias subsequentes a 6 de julho de 2020. - A 1ª Ré utilizou para o efeito os endereços e contactos dos clientes da Autora a que teve acesso enquanto funcionária desta. Como vimos, a Recorrente defende que envio desta comunicação pela R. AA aos seus clientes configura um acto de concorrência desleal, porque, em seu entender, não tinha que ser feita e traduziu-se num convite sub-reptício da R. AA para os clientes da A. passarem a trabalhar com ela. Com o devido respeito, não acompanhamos tal posição. Como bem se refere na sentença tal comunicação não só é lícita como se impunha. É que independentemente da comunicação que a Autora possa ter feito e, como dissemos quando apreciámos a impugnação da matéria de facto o gerente de facto, KK, ordenou que tal comunicação fosse feita logo não dia 7 de julho, o contabilista certificado, nos termos do art. 72º, nº1 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, mesmo sendo trabalhador subordinado de uma sociedade, tem deveres pessoais para com as entidades a quem presta serviços, entre eles, o dever de prestar informações e esclarecimentos, nos termos do Código Deontológico, e o dever de não abandonar, sem justificação ponderosa, os trabalhos que lhe estão confiados. E nos termos do nº2 do mesmo artigo, os contabilistas certificados não podem, sem motivo justificado e devidamente reconhecido pela Ordem, recusar-se a assinar as declarações fiscais, as demonstrações financeiras e seus anexos, das entidades q que prestem serviços, quando faltarem menos de três meses para o fim do exercício a que as mesmas se reportem. Por conseguinte, estando à data em que a R. AA denunciou o seu contrato de trabalho em curso o prazo para a entrega da declaração Modelo 22 que terminava no final do mês e devendo a Informação Empresarial Simplificada relativa a 2019 (IES) ser entregue até ao final do mês de setembro, se tais obrigações por algum motivo não fossem cumpridas, a R. AA podia vir a ser responsabilizada pelos clientes por tal incumprimento. Assim sendo, a referida comunicação/comunicado da R. AA a todos os clientes de quem era contabilística certificada a informar que por via da denúncia do contrato de trabalho com a A. deixara de exercer essas funções, impunha-se no cumprimento do dever de informação a que esta vinculada para que os mesmos ficassem inteirados da situação e tomassem as medidas que entendessem convenientes, nomeadamente, diligenciar junto da A. para saber se esta continuaria a cumprir as obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviços ou até eventualmente exigir a assinatura das declarações fiscais à própria R. AA, nos termos legais. Qualquer contabilista certificado diligente e consciencioso, naquelas circunstâncias, teria feito tal comunicação de cessação de funções, que lhe permitiria mais facilmente exonerar-se de qualquer responsabilidade perante os clientes no caso das referidas obrigações fiscais não serem cumprida, afigurando-se-nos normal em tal contexto mostrar disponibilidade para prestar esclarecimentos e o apoio necessário, indicando os seus contactos. Não resulta de tal comunicação qualquer convite aos clientes da Autora para trabalharem com a R. AA, nem tal intenção se pode inferir dos demais factos provados. É para nós claro que a intenção da R. AA subjacente a tal comunicação foi alijar qualquer responsabilidade pelo cumprimento das obrigações declarativas dos clientes da A., por isso, a envia a todos os clientes de que era contabilística certificada, sendo impensável que tivesse a intenção de aliciar alguns desses clientes que pertenciam ao grupo empresarial e/ou familiar do gerente de facto da A. KK. Aliás, a intenção de se exonerar de qualquer responsabilidade está expressamente manifestada no final do email que a mesma envia no dia 7 de Julho para a Autora, no qual alerta para o facto de estar a decorrer, até 31 de Julho, o prazo para o envio do modelo 22 de todos os clientes (nº 13 dos factos provados). E não vemos que a utilização pela R. AA para o efeito de enviar tal comunicação aos clientes da A. dos endereços e contactos a que teve acesso enquanto trabalhadora possa ser ilegítima ou ilegal, pois, à data aquela ainda era trabalhadora da A., apesar de já não estar a exercer as sua funções, e a comunicação de cessação de funções não deixa de se inserir no cumprimento das suas obrigações enquanto contabilista certificada da A.. Além disso, entendemos que os endereços e contatos das empresas clientes da A. não constituem informação reservada sobre a organização, métodos de produção ou negócios da Autora que as Rés estivessem obrigadas a manter em sigilo e impedidas de usar, pois trata-se de dados facultados pelas próprias empresas ao público em geral por diversas formas, facilmente acessíveis a qualquer pessoa. Por outro lado, ao invés do alegado pela recorrente, não ficou demostrado que tivesse havido qualquer ação concertada entre as RR. no sentido de denunciarem os respectivos contratos de trabalho com a Autora com o objetivo de passarem a trabalhar por conta própria, ficando com parte dos clientes daquela. Em relação à R. BB provou-se apenas que esta, conjuntamente com outra pessoa, criou um gabinete de contabilidade, a quem a ré AA prestou serviços, com a designação fantasiosa de “S...”, instalado na Avenida ..., no Porto(nº 57 dos factos provados). A recorrente alegou que a divulgação nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, de tal estabelecimento e a referida atividade ocorreu em 12 de Setembro de 2020, data da primeira publicação constante na respetiva página, mas tal não se provou. O que resulta da fundamentação da matéria de facto é que a data da criação da dita página do Facebook foi 12/12/2020. Por conseguinte, ficou por demonstrar que a Ré BB criou o dito gabinete de contabilidade ainda durante a vigência do seu contrato de trabalho, mais precisamente durante o período de aviso prévio. Em suma, por reporte à factualidade provada, não ficou demonstrado que as Rés, na vigência dos respectivos contratos de trabalho, tivessem praticado qualquer acto concorrencial em relação à actividade da Autora, violando o dever de lealdade para com esta. Findo o contrato de trabalho vigora, como vimos, o princípio da liberdade de emprego e de trabalho consagrado no art. 47º, nº1 da CRP. O trabalhador, após a cessação da relação laboral, não tendo firmado qualquer pacto de não concorrência com o empregador passa a ter plena liberdade de emprego e de trabalho, podendo iniciar por conta própria ou por conta de um terceiro uma atividade mesmo que concorrencial com a desenvolvida pela sua ex-entidade empregadora. Os limites são apenas os derivados da concorrência desleal. E nesse novo desempenho da sua atividade concorrencial o trabalhador pode utilizar a experiência, o conhecimento e aptidão adquiridos durante a execução do contrato de trabalho. Ora, no caso em apreço, não foi formalizado qualquer pacto de não concorrência entre a Autora e as Rés, nos termos do art. 136º do C. Trabalho, por isso, nada as impedia de iniciarem a atividade que vinham exercendo para a Autora por conta própria. No desenvolvimento dessa atividade, a Ré AA captou treze clientes da autora, o que obviamente pode causar prejuízo a esta, mas, não se tendo provado que para tal tenha praticado qualquer acto contrário às normas e usos honestos da atividade contabilística, nomeadamente os elencados no nº 1 do art. 311º do Código da Propriedade Industrial, a sua actuação não configura concorrência desleal. E o mesmo sucede em relação à R. BB, sendo que quanto a esta nem sequer se provou ter contactado ou captado para o gabinete de contabilidade que abriu qualquer cliente da Autora. Soçobra pois a argumentação da recorrente, acompanhando-se assim a decisão do tribunal recorrido. A recorrente diz (conclusão 75) que a perspetiva da concorrência desleal do trabalhador adotada pelo tribunal recorrido e que secundamos é restritiva, mas não lhe assiste razão. Esta é a posição largamente maioritária na jurisprudência dos tribunais superiores. Vejam-se a título exemplificativo, os seguintes acórdãos: RP de 16.12.2015, Proc. 1347/15.7T8PNF.P1 (Relator António José Ramos) RG de 11.07.2017, Proc. 2555/15.6T8VCT.G1 (Relatora Alda Martins) e R.E de 14.07.2020, Proc.757/19.5T8PTG-A.E1(Relator Mário Branco Coelho) todos disponíveis, in www. dgsi.pt, este último assim sumariado: 1. Após a cessação do contrato de trabalho, e não tendo sido celebrado pacto de não concorrência, o trabalhador não fica impedido de negociar com os clientes do antigo empregador, estando apenas sujeito aos parâmetros a que devem obedecer os demais operadores do mercado. 2. Neste caso, a pós-eficácia do dever de lealdade apenas se justifica quanto à proibição de não utilizar ou divulgar segredos comerciais, consagrado no art. 314.º n.ºs 2 e 3 do Código da Propriedade Industrial, ou ao dever de não concorrência desleal, definido no art. 311.º n.º 1 do mesmo diploma. 3. O art. 311.º n.º 1 do Código da Propriedade Industrial estabelece um dever geral de conduta que se pode medir pelo padrão de conduta da boa-fé objectiva, inserida no âmbito da prática comercial e por referência ao comerciante médio ou comum, que adopta procedimentos correctos, honestos e leais para com os seus concorrentes. 4. Soçobra a causa em que a empregadora peticiona uma indemnização a um ex-trabalhador, se apenas alega que este negociou com um seu cliente e convidou outros funcionários para trabalhar com ele na nova empresa, mas não especifica qualquer comportamento desonesto susceptível de ser enquadrado no conceito de concorrência desleal, ou de aproveitamento de informação reservada. - Do incumprimento pelas Rés das suas obrigações laborais e alegados prejuízos decorrentes da necessidade da autora recorrer a outras pessoas para entregar os Modelos 22 e a IES e posterior correcção dos erros detectados e danos não patrimoniais causados à imagem e reputação da Autora; No que concerne a esta questão a recorrente argumenta que da prova produzida nos autos é manifesto que a Ré AA, ao renunciar no próprio dia 6/7/2020, se colocou deliberadamente em posição de não poder entregar as declarações modelo 22 e as IES dos clientes da Autora, referentes ao exercício de 2019, razão pela qual esta teve de recorrer aos serviços dos Contabilistas Certificados II, da empresa “Bj...”, e JJ, esta com vista à recuperação dos atrasos e correção dos erros e omissões que foram detetados, tendo pago ao primeiro a quantia de € 18.413,10 e à segunda a importância de € 7.013,75. Acrescenta que face às regras da experiência é de natural presunção que toda a situação criada pelas Rés denegriu a imagem da Autora, perante clientes, empresas da mesma área e a própria Ordem dos Contabilistas Certificados. E concluiu sustentando que a presente ação deve, assim, ser julgada procedente no que concerne aos pedidos formulados nas alíneas C), no valor demonstrado nos autos, D), I) e J). As recorridas nas contra-alegações pugnaram pela manutenção da decisão recorrida. Na sentença recorrida a respeito desta questão consta: «A autora imputa às rés um trabalho deficiente que acarretou a entrega tardia das declarações de IVA, a necessidade de contratar terceira pessoa para entregar os modelos 22 (também devido à cessação do contrato de trabalho pela 1ª ré e à baixa médica da 2ª ré), erros na contabilidade e declarações fiscais que tiveram que ser corrigidos por terceiros contratados pela autora, dívidas por avenças que não foram cobradas, a insatisfação dos clientes da autora e a má imagem com que ficou. Voltamos ao artigo 128º, nº1, CT agora na alínea c): é dever do trabalhador realizar o trabalho com zelo e diligência. Como acima se referiu a propósito do dever de lealdade, o incumprimento da obrigação de zelo e diligência pode acarretar a obrigação de indemnizar o empregador pelos prejuízos causados verificados que estejam os demais pressupostos legais previstos no art. 323º, 1, entre eles que a falta seja culposa. Ora, provou-se que houve uma série de declarações do IVA que não foram entregues atempadamente e que geraram coimas pagas pela autora. Contudo, de tal falta não são as rés culpadas. Na verdade, até Fevereiro de 2020 havia três trabalhadores a tratar da contabilidade. Então saiu uma da empresa e passaram a ser apenas as rés a fazê-lo. As rés reclamaram ao verdadeiro administrador da autora, KK, do excesso de trabalho que as obrigava a laborar em dias de descanso. Pediram a contratação de novos técnicos de contabilidade. A isto, somou-se o aumento do trabalho por causa do Covid. Em Abril acabaram por ser contratadas mais duas trabalhadoras. Porém, tinham pouca experiência o que levava a que as rés perdessem tempo a orientá-las nas suas tarefas. Portanto está justificado o atraso na entrega das declarações de IVA. Muito trabalho, insuficientes trabalhadores com a experiência necessária face às circunstâncias. Depois, a autora queixa-se de ter gasto dinheiro na contratação de um técnico, II, para o fecho das contas e entrega dos Modelos 22. Mais uma vez tal não é culpa das rés. Pelo contrário, é culpa da autora que prescindiu dos serviços de AA desde 6/6/2020 até 31/7/2020. Data em que terminava o prazo para entrega dessas declarações. Quanto a BB, estava de baixa médica. Impossibilitada de trabalhar. A autora rebela-se, também, contra o facto de se ver na contingência de contratar uma outra contabilista para auditar o serviço (não provado), corrigir erros e omissões. Ora, no cenário em que se desenrolaram os acontecimentos, designadamente com grande carga de trabalho, insuficiência de mão-de-obra, pressão dos prazos é natural que se dessem erros. Mas isso, repete-se, não é imputável às rés. Tanto mais que nem esses erros e omissões foram concretizados para que se possa avaliar da sua gravidade e dizer que foram as rés que erraram ou omitiram. Nem pode ser pedido a trabalhadoras que paguem os serviços das pessoas contratadas para as substituírem. A autora pretende, ainda, assacar às rés a responsabilidade pela existência de dívidas de avenças. Ora, quem deve as avenças são os clientes da autora, não as rés. Não se vê como é possível serem estas a pagar aquelas dívidas. O que é que em concreto tinham que fazer: ir bater à porta dos clientes? Contratar advogados ou solicitadores? Mandar carta para pedir o pagamento? Telefonar? O que é concretamente deviam ter feito e não fizeram? Finalmente, a autora alega que foi criada uma má imagem de si fruto do comportamento das rés. Mas nada se provou a tal respeito. Logo, também os pedidos deduzidos pela autora e mencionados em b) a e) e g) a j).» Destarte, o tribunal a quo absolveu as Rés de todos os pedidos relacionados com o alegado incumprimento pelas Rés, dos seus deveres laborais Como bem se refere na sentença o incumprimento pelo trabalhador da obrigação de executar o trabalho com zelo e diligência pode acarretar a obrigação de indemnizar o empregador pelos prejuízos causados verificados, nos termos previstos no art. 323º, nº1, do C. Trabalho, sendo que, no âmbito da responsabilidade contratual nos termos do art. 799º, nº1 do C.Civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, ou seja, a lei estabelece uma presunção de culpa do devedor. No presente caso das várias situações de incumprimento assacadas pela Autora às Rés, provou-se efetivamente o atraso na entrega das declarações de IVA de alguns clientes da A, o que deu lugar ao pagamento de coimas. Porém, as Rés lograram afastar a referida presunção de culpa, provando que tal sucedeu porque tinham muito trabalho e o número de trabalhadores com a experiência necessária face às circunstâncias era insuficiente, o que tinham comunicado ao gerente de facto da A. como resulta dos factos provados sob os nºs 88 a 102. Quanto aos demais pedidos o tribunal considerou que face à factualidade apurada ficou por demonstrar que os prejuízos alegados pela Autora tenham resultado do incumprimento dos deveres laborais por parte das Rés. E a Autora conformou-se como decidido, excepto quanto aos pedidos formulados nas alíneas C, D), I) e J da petição inicial os quais, em seu entender, devem proceder. Nessas pedidos a Autora reclama a condenação das Rés: C) – a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de €32.440,60, por esta paga pelos serviços externos que contratou para entregar dentro dos prazos legais as declarações modelo 22 e IES dos seus clientes, referentes ao exercício de 2019, bem como para corrigir os erros, irregularidades e omissões detetados nas contabilidades dos seus clientes após as denúncias dos contratos de trabalho por parte de ambas as rés e renúncia à gerência por parte da 2ª ré, aludidas nos artigos 112º e 113º. D) – a pagarem, solidariamente, à autora a quantia que vier a liquidar-se, referente aos serviços prestados pelos funcionários das empresas do mesmo grupo que participaram nos trabalhos de preparação da entrega, dentro dos prazos legais, das declarações modelo 22 e as IES dos seus clientes, referentes ao exercício de 2019, bem como nos trabalhos de correção dos erros, irregularidades e omissões detetados nas contabilidades dos seus clientes após as denúncias dos contratos de trabalho por parte de ambas as rés e renúncia à gerência por parte da 2ª ré, aludidas, nomeadamente, nos artigos 114º a 116º. I) – a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, traduzidos na afetação negativa que a atuação das rés teve até ao presente no bom nome, reputação, credibilidade e imagem da autora, sem prejuízo de no decurso do processo se reclamar valor superior, caso venha a apurar-se que os danos são superiores. J) - tudo acrescido de juros, à taxa legal supletiva, desde a citação até integral pagamento. Relativamente a estas pretensões da recorrente, resulta da factualidade provada (nºs 70 a 75 e ), o seguinte: 70 - À data da denúncia do seu contrato de trabalho (6/7/2020), a 1ª Ré não havia terminado os trabalhos de encerramento do exercício fiscal de 2019 dos clientes da Autora – com excepção de sete. 71 - No seguimento das medidas aplicadas pelo Governo relativas à epidemia do “Coronavírus” (covid-19), foram feitas prorrogações do prazo de entrega do Modelo 22 de IRC, que passou de 31 de maio para 31 de julho. 72 - Quando confrontada com a cessação do contrato da 1ª Ré e a baixa da 2ª Ré, a Autora teve de recorrer à prestação de serviços externos para cumprir com a entrega até ao limite do prazo legal (já prorrogado) das declarações modelo 22 de IRC dos seus clientes e das IES. 73 - A Autora recorreu, assim, aos serviços do Contabilista Certificado II, da empresa “Bj..., Lda”, com sede em Vila Nova de Famalicão, que lhe prestou serviços nos meses de julho, agosto e setembro de 2020, com vista à preparação e entrega das declarações modelos 22 e IES referentes ao exercício de 2019 das suas clientes, a quem pagou a quantia global de €18.413,10. 74 - A Autora recorreu ainda aos serviços da Contabilista Certificado JJ, que lhe prestou serviços nos meses de setembro, outubro e novembro de 2020 que incluíram a recuperação dos atrasos e a correcção dos erros e omissões que foram detetados, a quem pagou a quantia global de €7.013,75 – Docs. nºs 85 a 87. 75 - O representante da única sócia da Ré, KK, mobilizou funcionários doutras empresas do grupo, que trabalharam na segunda quinzena de julho de 2020, para que os Modelos 22 fossem entregues à Autoridade Tributária dentro do prazo legal. Ante tais factos, não restam dúvidas de que a A. pagou a quantia global de € 25.426,85 pelos serviços de contabilidade contratados a terceiros, sendo € 18.413,10 ao contabilística certificado que contratou para preparar a entrega das declarações modelo 22 e da IES nos meses de julho a setembro e € 7.013,75 à contabilista certificada que nos meses de setembro, outubro e novembro de 2020 trabalhou na recuperação dos atrasos e na correção dos erros e omissões que foram detetados na contabilidade. Mas como se bem se decidiu o pagamento de tal quantia não pode ser imputado às Rés. Desde logo não corresponde à verdade a afirmação de que foi a Ré AA que ao renunciar ao contrato no dia 6.7.2020 se colocou deliberadamente na posição de não entregar as declarações modelo 22 e as IES. Com efeito, na carta de denúncia a mesma propunha-se cumprir integralmente o aviso prévio, trabalhando até ao dia 31.7.2020, o que lhe permitiria entregar as declarações modelo 22 e só depois gozaria as férias a que tinha direito até 4 de setembro (nºs 8 a10 dos factos provados). E foi na reunião com o gerente de facto da A., KK, que foi acordado que a mesma deixava de trabalhar imediatamente e ficava de férias até 31 de Julho, data em que cessava o contrato (nº 104 dos factos provados). Destarte, nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pelo pagamento dos serviços do contabilista que o gerente de facto da A. contratou para preparar a entrega das declarações modelo 22 porque prescindiu do trabalho da R. AA durante o mês de julho e relativamente às IES por maioria de razão porque o prazo para entrega destas (30 de setembro) terminou muito depois da cessação do contrato da R. AA. No que concerne à Ré BB entrou de baixa médica em 14 de julho de 2020 por se encontrar cansada e psicologicamente desgastada; em 27 de julho comunica a denúncia do contrato de trabalho estando de baixa médica previsível até 24.8.2020; em 20 de agosto comunicou à A. a interrupção da baixa médica e que ficava até ao termo do aviso prévio em 25.9.2020 a gozar as férias a que tinha direito (nºs 51 a 57º dos factos provados). Os trabalhadores podem denunciar o contrato trabalho a qualquer momento e sem indicação do motivo, estando apenas obrigados a observar aviso prévio legal (cfr. arts 400º e 401º do C.Trab.) nada obstando a que façam durante o período de baixa médica, como foi o caso, e a que gozem as férias vencidas no período de aviso prévio. Destarte, perante a denúncia regular dos contratos de trabalho pelas Rés, a Autora teve que providenciar pela respetiva substituição, como bem entendeu, mas, inexiste qualquer arrimo legal para exigir às Rés o pagamento dos serviços das pessoas que vieram exercer as suas funções, o que inclui quer o contabilista certificado contratado para preparar a entrega das declarações modelo 22 e as IES, quer os funcionários das doutras empresas do grupo (cujo número não se provou) que o gerente de facto da A. na segunda quinzena de julho de 2020 colocou a trabalhar para que os Modelos 22 fossem entregues à Autoridade Tributária dentro do prazo legal. No que concerne à quantia de €7.013,75 – paga à contabilista que nos meses de setembro, outubro e novembro de 2020 prestou serviços à A. que incluíram a recuperação dos atrasos e a correção dos erros e omissões que foram detetados na contabilidade, não tendo sido identificados tais erros nem provado que resultaram do incumprimento ou cumprimento defeituoso pelas Rés das suas obrigações contratuais, sendo que não eram estas as únicas trabalhadoras da Autora e desde Março de 2020 era o gerente de facto, KK, que estava à frente da organização do trabalho (nº 92 dos factos provados), é manifesto que falecem igualmente os pressupostos legais para as responsabilizar pelo pagamento daquela quantia. E o mesmo sucede relativamente ao pedido de condenação das Rés no pagamento da quantia de € 50.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais alegadamente sofridos pela A., traduzidos na afectação negativa que a actuação das mesmas teve no bom nome, reputação, credibilidade e imagem da Autora. A Autora argumenta que face às regras da experiência é de natural presunção que toda a situação criada pelas Rés denegriu a imagem da Autora, perante clientes, empresas da mesma área e a própria Ordem dos Contabilistas Certificados. Porém, não se provaram quaisquer factos demonstrativos de que a Autora viu a sua imagem e credibilidade afectadas com a actuação das Rés, sendo que, os danos de natureza não patrimonial também têm que ser provados, não se presumem. Alegou a A. para sustentar este pedido que: -Não obstante após a renúncia da 1ª Ré às funções de Contabilista Certificada dos clientes da Autora, esta já tenha regularizado os atrasos até ao presente detetados, nomeadamente no envio de declarações de IVA, e comunicado aos clientes que assumia as multas daí -emergentes, e encerrado o exercício de 2019 da generalidades dos clientes, tais situações denegriram o seu bom nome, reputação, profissionalismo e a sua imagem e credibilidade perante clientes, potenciais clientes, perante os seus concorrentes e, mesmo, perante a Autoridade Tributária, criando descontentamento e quebra de confiança, sobretudo nos clientes afetados com as situações de atraso. -Nos contactos que o representante da única sócia da Autora passou a encetar com os clientes, após a denúncia do contrato de trabalho por parte da 1ª Ré, estes mostravam-se descontentes com os serviços prestados (pelas rés), apontando diversos erros e atrasos. -Face à descrita atuação das Rés, os atrasos e erros ocorridos nas contabilidades de diversos clientes da Autora foram deliberadamente originados por aquelas, sobretudo pela 1ª Ré, para provocarem quebra de confiança entre os clientes e a Autora. Ora, tal factualidade não logrou adesão de prova, ficando por demonstrar que a atuação das Rés tenha causado à Autora quaisquer danos de natureza não patrimonial. Em suma, nenhuma censura merece a decisão recorrida, mantendo-se a improcedência dos pedidos em apreço. - Da litigância de má-fé da Autora A Autora tendo sido condenada como litigante de má-fé no pagamento da multa de 50 UC e a reembolsar as Rés das despesas a que a má-fé da A. as obrigou, incluindo os honorários dos seus mandatários, nos termos do art. 543º, nº1, al.a) do C.P.Civil, a liquidar posteriormente, insurge-se conta tal condenação, argumentando que: – Ao invés do decidido pelo tribunal “a quo”, dos factos provados não decorre que a Autora alterou a verdade dos factos e omitiu outros relevantes. – A sentença recorrida é absolutamente omissa quanto aos factos que refere terem sido omitidos pela Autora. – Quanto aos factos que considera que a Autora alterou deliberadamente, nada resulta nos autos nesse sentido. – O Mº Juiz “a quo” confunde alteração da verdade dos factos alegado e com factos dados como não provados. Da circunstância do tribunal ter dado como não provados determinados factos não pode extrair-se que os mesmos não correspondam à verdade e que a parte que os alegou tenha faltado deliberadamente à verdade. - A perfilhar-se o entendimento seguido pelo tribunal “a quo”, sempre que uma parte alegasse factos relevantes e não lograsse demonstrá-los –, o que pode suceder por não ter produzido qualquer prova sobre os mesmos ou porque o julgador, na sua apreciação, que tem sempre subjacente uma carga de grande subjetividade, considerou a prova insuficiente estaria a litigar de má-fé. E conclui que pelas razões de facto e de direito expendidas é evidente, ao contrário do que se conclui na sentença recorrida que a Autora não litiga de má-fé. Vejamos a decisão do tribunal a quo: «Pretendem as rés que a autora seja condenada como litigante de má-fé: a) a ressarcir os danos a que dá causa em quantia não inferior a € 6.000,00, para custear os honorários de advogado a que a as R.R. têm de recorrer para se defender na demanda; b) ser sancionado mediante condenação ao pagamento de multa a reverter a favor do Estado, pelo dano causado à administração da justiça, igualmente não inferior a € 6.000,00. c) E que, a par disso, tendo em conta a atuação da A. sem a devida prudência ou diligência, lhe seja aplicada a taxa sancionatória excecional do art. 531º do CPC, a fixar pelo Tribunal (art. 10º do RCP), sugerindo-se a máxima, para a desincentivar de idênticos comportamentos e para que não utilize um meio processual de forma tão reprovável e pervertida. Dispõe o artº 542º, 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC): “1 – Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 -Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” Pois bem, dos factos provados decorre que a autora alterou a verdade dos factos e omitiu outros relevantes. Alegou que a 1ª ré denunciou o contrato em 6/7/2020 defendendo que continuava ao seu serviço até 4/9/2020 (de 1/8 até final em gozo de férias). Quando naquele dia 6/7/2020 após a entrega da carta de denúncia foi acordado revogar o contrato de trabalho entrando a ré de férias imediatamente. Queria com isto defender que a 1ª ré assumiu a contabilidade de clientes seus ainda durante a vigência do seu contrato de trabalho. E que as rés não fizeram as suas tarefas (encerrar as contas de 2019, entregar os modelos 22 e os IES) ainda durante a vigência do contrato de trabalho. O que é falso como a autora sabe. A autora atuou dolosamente com a evidente finalidade de extorquir uma indemnização às rés. Mais, alegou que só depois daquele dia é que soube do atraso no envio das declarações de IVA quando também isso é falso. Para aumentar a responsabilidade das rés relativamente às avenças em dívida elabora uma tabela em que inclui as próprias empresas de KK. A litigância de má-fé é evidente. Pelo que, levando em consideração as circunstâncias previstas no art. 27º, 4, do Regulamento das Custas Processuais, ou seja, tratar-se de uma sociedade comercial, a má-fé estar na génese da acção, desconhecer-se a situação económica da autora, mas o reflexo da multa no seu património não será de monta atento o volume de avenças que alega auferir, vai condenada em 50 UC de multa. O que corresponde a metade da moldura legal fixada no art. 27º, 3, RCP. Como pedido, irá condenada a reembolsar as rés das despesas a que a má-fé as obrigaram, incluindo os honorários dos seus mandatários, nos termos do art. 543º, 1, a), CPC. Como não há elementos de facto para fixar esse montante, deverão as rés alegar concretamente as despesas que suportaram com a má-fé e juntar ou requerer a respectiva prova.» Ora, os factos a considerar para apreciar a litigância de má-fé são, obviamente, os dados como provados e não provados na sentença. E ainda que de forma sintética a decisão transcrita refere os factos omitidos e alterados pela Autora considerados determinantes para a condenação da mesma como litigante de má-fé. Na verdade, a A. omitiu na petição inicial os factos que vieram a ser dados como provados no nº 104, ou seja, que no próprio dia 6.7.2020 em que a R. AA apresentou a denúncia do contrato de trabalho, numa reunião com o gerente de facto da Autora, KK, e a gerente de direito, BB, ficou acordado verbalmente que a AA deixava imediatamente de trabalhar, gozava férias até ao dia 31.7.2020, data em que cessava o respetivo contrato de trabalho, tendo- lhe sido logo pagos todos os créditos devidos. Tais factos eram do conhecimento da Autora à data da propositura da acção pois neles interveio directamente o seu gerente de facto e foram omitidos na petição, sendo de enorme relevância para a decisão, como vimos. É irrelevante para este efeito o desconhecimento pelo gerente de facto da Autora do documento a seguir o elaborado pela R. AA e assinado pela R. BB, em representação da A., denominado Acordo de Cessação de Vinculo Laboral, no qual consta: “Nos termos do disposto no art. 349º do C.Trabalho a Empregadora e a Trabalhadora põem termo por acordo ao respectivo vínculo laboral, produzindo a presente cessação os seus efeitos a partir de 31.7.2020,”que só foi junto pelas RR. com a contestação. O gerente de facto da Autora bem sabia que a R. AA deixara de trabalhar no dia 6.7.2020 e o seu contrato cessara em 31.7.2020, factos determinantes para ação que foram omitidos na petição inicial. Por outro lado, a A. alterou conscientemente a verdade dos factos no art. 102º da petição inicial onde foi alegado que o representante da sócia única da Autora (KK) apurou após a denúncia da contrato de trabalho comunicada pela 1ª Ré que esta e a 2ªR. não haviam preparado e enviado, no prazo legal (20/5/2020) nem posteriormente as declarações de IVA do primeiro trimestre de 2020 dos clientes aí indicados. Como resulta do nº68 dos factos provados tais declarações relativas a 48 clientes não foram enviadas no prazo legal, tendo-o sido posteriormente e a A. suportou € 1.587,50 de coimas (nº 69 dos factos provados) mas tudo isso aconteceu antes da denúncia do contrato pela R. AA, ocorrida em 6.7.2020, pois, como resulta dos docs 41 a 83, as coima foram pagas em 29.6.2020 e quem efectuava todos os pagamentos era KK, como disseram de foram unânime todas as testemunhas, daí que tenha sido dado como não provado que este só soube do não envio de tais declarações no prazo após a denúncia do contrato por AA. Por último, relativamente ao montante das avenças em dívida o tribunal a quo afirmou que para aumentar a responsabilidade das Rés relativamente às avenças em dívida a Autora elaborou uma tabela (doc. nº88) em que incluiu as próprias empresas de KK. A Autora contrapõe que a inclusão na tabela do valor das avenças das empresas participadas por KK não foi para aumentar a responsabilidade das Rés, como especula o Mº Juiz a quo, mas apenas por uma questão de rigor uma vez que tais avenças eram devidas, referindo que não tendo pedido a condenação das RR no montante das avenças constantes da tabela, mas antes no valor que viesse a apurar-se referente ao montante das avenças em dívida até ao fim dos contratos dos clientes que já haviam rescindido ou vissem a rescindir os contratos antes do termo dos mesmos e que tivessem ou viessem a celebrar contratos com as Rés, tal inclusão não acarretava qualquer aumento de responsabilidade. Considerando o teor dos pedidos formulados nas alíneas F) e G), verificando-se que efectivamente a A. não peticiona a condenação das RR. no valor das avenças alegadamente em dívida, é certo que a inclusão na referida tabela das avenças das empresas controladas por KK não se traduziria num aumento da responsabilidade monetária das Rés, pois não é crível que tais empresas rescindissem os contratos de prestação de serviços com a Autora ou fossem demandadas por esta para procederam ao pagamento de avenças em dívida. Porém, nos artigos 126º e 127º da petição inicial a Autora alegou que incumbia às Rés providenciar pela cobrança das avenças mensais dos clientes da Autora que se atrasavam no seu pagamento e que em julho de 2020 o valor das avenças mensais dos clientes da Autora que se encontram em dívida perfaziam o montante global de € 62.372,62, nos termos discriminados na referida tabela. Ora, apesar da Autora não peticionar a condenação das Rés no pagamento de tal valor, não deixa de ser censurável que impute às Rés a falta de cobrança das avenças das empresas controladas por KK, sendo este o responsável por esse pagamento. Em nosso modesto ver, o rigor e a verdade exigiam que tais empresas e respetivas avenças não constassem da tabela, pois não incumbia às Rés providenciar pela cobrança das respetivas avenças, ainda que esta situação seja menos grave do que as anteriores. Pelo tudo o exposto, acompanhamos a conclusão do tribunal a quo de que a A. alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão de que tinha conhecimento, nos termos previstos na al.b) do nº 2do art. 542º do C.P.Civil. Não está em causa a mera improcedência da ação por falta de prova dos factos constitutivos do direito alegado que, como bem refere a recorrente, não configura litigância de má-fé. Ficou demonstrado que a Autora de forma consciente e deliberada omitiu factos essenciais para a decisão e alterou a verdade relativamente a outros, com o intuito de obter uma decisão de mérito não conforme à verdade e à justiça, o que consubstancia má fé substancial. E como se refere no Ac. da R.L. de 8-11-2022, Proc. 7819/18.4T8LSB-D.L1-7 (Relator Edgar Taborda Lopes), disponível in www.dgsi.pt: «Constatada a litigância de má fé impõe-se a aplicação de uma multa (não apenas simbólica, para não perder o valor sancionatório), cuja concretização haverá de decorrer do prudente arbítrio do juiz, que pondere a maior ou menor intensidade do dolo/negligência grave do litigante, a gravidade e as consequências da intenção malévola, o valor e natureza da causa, a situação económico-financeira do litigante de má-fé e a maior ou menor gravidade dos riscos corridos pelos interesses funcionais do Estado, mas também a função pedagógica que assume (e que implica a necessidade de desincentivar outras litigâncias malévolas, em processos judiciais). E perante uma situação de litigância de má fé não é aceitável que a parte que está de boa fé, tenha que suportar as despesas que fez com uma lide a que não deu causa, motivo pelo qual os artigos 542.º, n.º 1 e 543.º do Código de Processo Civil prevêem que, a seu pedido, lhe seja arbitrada uma indemnização que inclua as despesas com a lide (com mandatário, peritos, técnicos, ou outras que dela sejam consequência directa ou indirecta).» Por conseguinte, também nesta parte soçobra a argumentação da recorrente, bem andou o tribunal a quo em condenar a recorrente em multa e no reembolso às Rés das despesas a que má-fé da Autora as obrigou, incluindo os honorários do seu mandatário, permitindo o nº3 do art. 543º do C.P.Civil, a fixação de tais despesas em momento posterior à sentença, no caso de não haver elementos disponíveis para tal, como foi determinado. Resumindo e concluindo, mantém-se integralmente sentença recorrida. IV. Decisão: Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, as Juízas da Secção Social da Relação do Porto, acordam em alterar a matéria de facto nos termos sobreditos e em negar provimento à apelação da Autora, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente- art. 527º, nº1 e 2 do C.P.Civil. Notifique Porto, 9 de Setembro de 2024 As Juízas Desembargadoras Eugénia PedroGermana Ferreira Lopes Teresa Sá Lopes |