Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0524944
Nº Convencional: JTRP00038505
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RP200511150524944
Data do Acordão: 11/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I- Verificando-se a insuficiência da instrução de um processo de expropriação, devem os autos ser remetidos à entidade expropriante para que sejam cumpridas as determinações legais.
II- No processo expropriativo a lei impõe uma fase preliminar ou prévia na qual o expropriante deve procurar acordos que evitem o recurso à via litigiosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

Os presentes autos de expropriação litigiosa foram instruídos por
Estradas de Portugal, EPE
na qualidade de entidade expropriante e remetidos para o 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos considerando-se como expropriados os proprietários
B.............. e C...............,
fazendo acompanhar dos documentos que se mostram referidos a fls. 3 e que nos dispensamos neste acto de reproduzir mas entre os quais se destaca além da guia de depósito na importância da quantia de € 1451,25 efectuado nos termos do artigo 51º- 1 do Código das Expropriações Lei 168/99 de 18 de Setembro, que adiante apenas será designado pela sigla CE igualmente oficio dirigido aos proprietários aludidos a quem foi igualmente enviado o oficio notificação para envio do auto de posse administrativa, bem como o de notificação para marcação do auto após a nomeação e indicação dos árbitros, o relatório de vistoria “ad perpetuam rei memmoriam” o oficio dirigido aos mesmo proprietários a comunicar a resolução de expropriar e a apresentar a proposta e de seguida certidão matricial, do registo predial, cópia da declaração de utilidade pública e extracto da planta parcelar, ou seja na conformidade do aludido dispositivo.
Recebidos os autos o Mmº Juiz do Tribunal a quo na verificação do seu exame inicial e preliminar proferiu o despacho de fls. 72 do seguinte teor:
“Compulsando a certidão relativa ao prédio onde se insere a parcela expropriada verifica-se que se encontra registado um direito de usufruto.”

Assim acontece na verdade dado que da certidão de fls. 65 a 68 pela cota F1 Ap.38/050304 – se mostra registado usufruto a favor de D........, viúva por sucessão deferida em partilha.
E prossegue:
“Verifica-se também do auto de vistoria a.p.r.m. que é referida a existência de um arrendatário, sendo que no relatório de arbitragem se atribui um montante indemnizatório para o rendeiro”
Efectivamente consta o nome de E......... a fls. 46 como arrendatário.
Termina ordenando a notificação da entidade expropriante para esclarecer o que tiver por conveniente, referindo que o processo foi totalmente instruído considerando-se apenas os titulares da nua-propriedade.
Esta entidade ficou-se no prazo concedido para o efeito pelo silêncio.
Decorrido o prazo foi proferido o despacho de que agora se recorre considerando em síntese que o processo se encontra mal instruído perante a existência de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, pois resulta da lei que o processo tinha que ser instruído contra todos os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários, donde a ilegitimidade dos expropriados, pelo que perante a sua verificação determinou a devolução à entidade expropriante do processo expropriativo, após trânsito em julgado.
Inconformada com o seu teor veio a Expropriante interpor o presente recurso tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva:
1. O processo de expropriação consagra o princípio da legitimidade aparente e o princípio do aproveitamento dos actos processuais praticados;
2. O processo de expropriação, salvo nos casos em que a expropriante tenha actuado com dolo ou culpa grave, não será afectado por um erro ou mero equívoco na identificação dos interessados num processo de expropriação, que determine a repetição de todas as diligências e actos até então praticados;
3. O julgador a quo deveria ter ordenado à entidade expropriante a remessa de todos os actos até então praticados ao aludido interessado, para que este tivesse exercido os direitos que lhe são consagrados;

4. A não interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou nº 3 do art. 9º e o nº 2 do art. 40º todos do Código das Expropriações em vigor.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, substituindo-se o despacho proferido por um outro que determine a notificação de todos os actos praticados aos demais interessados para que estes exerçam os seus direitos…”
Não foram apresentadas contra alegações.
O Mmº sustentou tabelarmente a decisão proferida ordenando a subida dos autos a este Tribunal.
Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa decidir.

THEMA DECIDENDUM
A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3 do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial.
A questão que esta subjacente no âmbito de apreciação do presente recurso traduz-se em determinar se perante a verificação da insuficiência da sua instrução, face à existência de outros interessados conhecidos e identificados e por forma a garantir a legitimidade processual devem ou não ser remetidos à entidade expropriante como se ordenou.

DOS FACTOS E DO DIREITO
A factualidade de relevância para a decisão mostra-se indicada supra no relatório e deve considerar-se como assente sobre a mesma nada mais importando aditar.
A questão que se nos depara apresenta-se de sobremaneira linear na sua apreciação, pesem embora as considerações tecidas na defesa da tese sustentada pela expropriante, mas que não podem de forma alguma acolher qualquer merecimento, e lamenta-se mesmo que incompreensivelmente não sejam atendidas, dando lugar a situações que apenas determinam e evidenciam cada vez mais uma litigiosidade impar que se verifica no nosso País, relativamente aos demais parceiros da Europa onde nos encontramos inseridos, como revelam pelo menos as estatísticas veiculadas nos “media” e a que se terá de dar alguma credibilidade.
Mas adiante…
Não fora este um processo de expropriação litigiosa com a sua natureza muito própria, aliás sujeito a legislação e regulamentação especial e teríamos de apelar, como paradigmático da relevância do princípio da auto-responsabilidade das partes, em processo civil, segundo o qual as partes "conduzem o processo a seu próprio risco" (Prof. M. Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", nova edição, pág. 378).
Decerto se poderá entender que, a bem da correcta decisão das causas, os tribunais deveriam ter muito mais poderes do que têm. Mas, de mal a pior iríamos se os Tribunais dessem o "exemplo" de ignorarem ou não cumprirem a lei vigente, inobservando o princípio constitucional que balisa a legitimidade da função jurisdicional, a saber, o respeito pela legalidade decorrente da função legislativa do Estado - art. 206º da Constituição da Republica Portuguesa.
Ora, de acordo com o Direito constituído e apesar de algumas limitações, continua prevalecente, na processualística civil portuguesa, o princípio dispositivo, conferindo às partes, designadamente, a iniciativa processual.
Mas, ao contrário do que, demasiadas vezes, parece pensar-se, o princípio dispositivo não confere, às partes, apenas poderes; faz-lhes corresponder, como "preço", deveres e ónus reflectidos no aludido princípio da auto-responsabilidade das partes, imputando-lhes consequências negativas pela não prática oportuna de determinados actos.
Isto é a outra face do princípio dispositivo e constitui uma forma de disciplinar o processo civil.
Mas efectivamente aqui nestes autos, assim não é, atenta a sua especial natureza e dos interesses que lhe estão subjacentes porque a consequência é bem outra, não em prejuízo de direitos próprios, mas pelo contrario, em detrimento dos direitos que podem caber aos interessados da contraparte.
Repete-se que as regras poderiam ser outras.
Mas nós temos de viver com o Direito que existe, e não podemos deixar de ter uma permanente atenção à marcha de qualquer processo mas, e sobretudo como é o caso, e antes do processo se iniciar, verificar e controlar o que em termos legislativos se encontra na lei para ser cumprido e que ao Magistrado igualmente importa fazer cumprir.

É certo que se não desconhecem os conteúdos legislativos ínsitos nos preceitos contidos nos artigos 265º e 265º-A que advindos da ultima Reforma Processual vêm fazendo como que o Magistrado passa a ser mais interventivo no seu papel ainda que não se haja atingido, por certo pouco faltará, a fase de quase se substituir às partes para determinar a realização da Justiça postergando o mencionado principio.
Ora o que se verifica é que perante os vícios apontados e atentando no regime jurídico imperativo deste tipo processual a anteceder a fase processual consignada no artigo 51º e segs. do CE cabe-lhe a aplicação das normas contidas no artigo 33ºa 37º do mesmo diploma que são a saber:
Antes de promover a constituição de arbitragem, a entidade expropriante deve procurar chegar a acordo com o expropriado e os demais interessados nos termos dos artigos seguintes” (sublinhado e carregado nosso)
O objecto do eventual acordo e seu regime está fixado no artigo 34º e suas diversas alíneas a) a f) inclusive.
Por sua vez no artigo 35º nº 1 do mesmo diploma estatui-se que:
“No prazo de 15 dias após a publicação da declaração de utilidade pública, a entidade expropriante, através de carta ou oficio registado com aviso de recepção, dirige proposta do montante indemnizatório ao expropriado e aos demais interessados cujos endereços sejam conhecidos, bem como ao curador provisório.
Estes, ou seja, “O expropriado e os demais interessados dispõem de um prazo de 15 dias para responder, podendo fundamentar a sua contra-proposta em valor constante de relatório de perito da sua escolha” (cfr. nº2 do artigo citado)
No nº 3 então é que se refere que: “Na falta de resposta ou de interesse da entidade expropriante em relação a contraproposta, esta dá inicio à expropriação litigiosa, nos termos dos artigos 38º e seguintes, notificando deste facto o expropriado e os demais interessados que tiverem respondido”
Importa ainda dizer que nos termos do art. 9° do mesmo C. Expropriações, para os fins deste diploma consideram-se interessados, além do expropriado - que é o titular do direito a expropriar, ou seja, o proprietário -, os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários de prédios rústicos ou urbanos.

Nos termos do art. 7º do Código do Registo Predial, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Transparece inequivocamente que a lei impõe uma fase preliminar ou prévia na qual o expropriante deve procurar acordos (eventualmente autónomos) que evitem o recurso à via litigiosa quer com o expropriado e os interessados credores da indemnização não autónoma cujo direito se transfira para a indemnização quer com cada um dos interessados com direito a indemnização autónoma. [Veja–se neste sentido Código das Expropriações de Luís Perestrelo de Oliveira págs. 114]
E compreende-se não só pelo que supra referimos acerca da litigiosidade que se vive nos tempos hodiernos mas sobretudo porque os custos, os incómodos, os transtornos que tais situações geram sempre serão de afastar mas sobretudo quando está igualmente em causa uma Instituição Pública como o é a Expropriante em que sempre se evitariam outras despesas que hoje tanto se pretendem diminuir por contenção orçamental mas e ainda e sobretudo porque é essa a razão de ser dos preceitos que o impõem existe uma fase administrativa processual conciliatória que tem de ser cumprida, a cargo e sob a responsabilidade da entidade expropriante, e que no caso não foi contemplada.
Assim e como se disse pesem embora as considerações tecidas acerca da legitimidade aparente e o principio vigorante nestes processos o que está em causa e foi razão determinante do Mmº Juiz do Tribunal a quo para devolução dos autos, para o qual, aliás em primeira mão e antes de o fazer chamou a atenção, através de notificação adrede operada, é sobretudo essa mesma questão e à qual como também já supra dissemos de outro modo, o Tribunal se não pode substituir.
Tal, é tarefa e munus que se impõe e cabe exclusivamente por competência à entidade expropriante, antes da remessa do processo de expropriação litigiosa a Tribunal, e, como se não mostra efectuada nem justificada a razão da sua não efectivação, bem andou o Exmº Magistrado em ordenar a devolução dos autos a fim de que seja devidamente instruídos com os elementos em falta mas e sobretudo cumpridas as formalidades e diligencias que legalmente se impõem e que não cabe ao Tribunal praticar.
Improcedem deste modo as conclusões da Agravante.

DELIBERAÇÃO
Nestes termos em face do exposto nega-se provimento ao interposto recurso de agravo e mantem-se integralmente nos seus precisos termos a decisão proferida.
Custas pela Agravante que delas está isenta.

Porto 15 de Novembro de 2005 (elaborado em acumulação de serviço, designadamente por distribuição de processos em número de 112/Ano, superior ao referido pelo CS da Magistratura, como número índice de produtividade por Relator de 90 processos/Ano, ou seja em computo geral 336/Ano)
Augusto José Baptista marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes
Emídio José da Costa